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Os municípios e os novos modelos de organização do sector da água

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Academic year: 2021

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Os municípios e os novos modelos de organização do sector da água 1. Começar por agradecer o convite. A autonomia do poder local é

uma das grandes conquistas de Abril e estar nesta casa é sempre um grande prazer pessoal.

2. Dizer que não irei reflectir exactamente sobre o modelo mas sobre as consequências deste novo modelo para a cidade do Porto. Foi assim que entendi este painel onde participam autarcas e eu próprio.

3. Dizer que o novo modelo assenta em 4 pilares: (i) o reforço do papel de regulação da ERSAR; (ii) um novo plano, o PENSAAR; (iii) O

POSEUR no novo QCA (iv) a fusão das empresas da água e saneamento na alta.

4. Da ERSAR quase nada irei dizer. É um estímulo ter um regulador que participa no sector, sempre de forma independente, mas que vai muito para além da sua função regulatória. As instituições também são quem as gere, o Jaime Melo Baptista, com o seu saber profundo e a sua forma serena conseguiu dar à ERSAR um estatuto de

regulador firme e amigo que é um enorme contributo para o presente e o futuro do sector.

5. No PENSAAR, sendo um plano correcto, não encontrei grandes novidades. Sinto uma grande falta de participação dos municípios, tem algum paternalismo, mas é a evolução esperada dos trabalhos anteriores e das necessidades do sector com a aposta na gestão em substituição da construção de infra-estruturas.

6. Do POSEUR direi bem (e não é porque da reestruturação do sector em alta direi abundantemente mal). É porque penso que o POSEUR, pelo menos para municípios como o Porto, tem de facto os

instrumentos adequados ao desenvolvimento das nossas actividades na gestão do ciclo urbano da água. Renovar redes, reduzir perdas de água, aumentar a eficiência energética, criar plataformas de gestão de redes, reduzir infiltrações, melhorar a qualidade das massas de água, ser mais eficiente, reduzir riscos. A minha única preocupação com o POSEUR tem que ver com o espartilho que resulta da existência de muitos eixos temáticos, ou melhor, cada um voltado para um só tema. Isto porque, as

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intervenções em meio urbano são completas, e numa só obra podemos reduzir riscos de inundação, acabar com as infiltrações e reduzir a quantidade de água não facturada. Ainda não sei como vão ser as candidaturas e aguardo com curiosidade o regulamento e os anúncios que poderão trazer alguma luz sobre esta dúvida. As cidades serão mal servidas e as obras ficarão mais caras se não forem permitidas as candidaturas multi-temáticas.

7. Foco-me então nas fusões, que o senhor Ministro diz serem fusões, mas a que os decretos-lei em consulta pública, redigidos por um jurista esperto, lhes chama outra coisa para fugir ao poder de veto das autarquias em sede de assembleia geral das empresas que se vão fundir.

8. A visão que tenho da construção dos sistemas em alta é uma visão instrumental. E ao dizer isto não lhes retiro o mérito, nem os

diminuo. Digo, isso sim, que a responsabilidade política por captar, tratar e distribuir água em cada casa é, e sempre foi, uma

responsabilidade municipal, que, por razões bem explicadas e durante um período limitado, foi partilhada com o Estado via empresas das Águas de Portugal.

9. E mais digo que, no caso que melhor conheço, o das Águas do Douro e Paiva, foi feito um bom trabalho. Não imagino que os municípios que são sócios desta empresa pensem em soluções de captação e tratamento de água fora de um contexto

inter-municipal. Quer isto dizer que o sistema foi bem pensado e funciona bem.

10. Também não imagino é que o Governo por via legislativa nos impeça de imaginar uma solução autónoma. O Governo pode ter um bocadinho mais de autoconfiança e acreditar que os municípios estão nos sistemas porque querem e não porque são obrigados. 11. Detalhando, o Porto só vê desvantagens nos novos sistemas, pelas

razões que se explicam:

• Primeiro - O aumento de tarifa da alta em quase 40% em 5 anos, que terá que ser repercutido nos clientes, o que contraria o esforço municipal de ser mais eficiente no serviço prestado. Mau porque é desmotivador da nossa capacidade de gestão e deita fora um

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trabalho de eficiência demorado e consistente; mau porque chama ricos a alguns dos municípios que tiveram a desdita de integrar este sistema, sendo, os municípios do Baixo Tâmega, daqueles que tem menor rendimento per capita no país. E pior ainda, porque cria a ilusão de que ao aumento das tarifas ao consumidor em municípios como o Porto, vai haver consumidores no interior a pagar menos pela água. Este é, aliás, um ponto muito pouco claro neste processo. O que baixará nos sistemas do interior é a tarifa da alta. Se nesses sistemas existe um deficit tarifário, há muitos municípios em que os consumidores terão um aumento muito expressivo da sua tarifa, talvez ainda maior do que no litoral. Em resumo, este é um modelo em que quase todos os portugueses pagarão muito mais na factura da água;

• Segundo - O prolongamento da concessão através de um novo contrato com uma duração de 30 anos, quando não há

investimentos na área metropolitana do Porto que o justifiquem, e vem frustrar as expectativas do município em relação à concessão actual que deverá terminar em 12 anos. O novo diploma ainda fala, na sua fase preambular, em manter os direitos actuais dos

municípios, mas depois nunca mais fala desse tema. O modelo agora proposto despreza o contrato de concessão existente, o que só pode acontecer com o pagamento de uma indemnização à concessionária que, deste modo vê colocados em causa todos os princípios subjacentes aos 18 anos em que cumpriu rigorosamente as suas obrigações no âmbito do presente contrato. A falta de previsão desta indemnização traduz-se numa nacionalização, num confisco por decreto dos direitos que as autarquias detêm em consequência do contrato de concessão existente, lesando gravemente os interesses do município do Porto.

• Terceiro – A violação e o desprezo dos estatutos da própria empresa concessionária. Seja uma fusão (que é aquilo que de facto é) seja uma extinção (que é aquilo que pretendem que seja) ela tem que ser aprovada numa AG da própria empresa. As Águas do Douro e Paiva são uma sociedade comercial, gerida pelo Código das Sociedades Comerciais, que impõe, para este efeito, que a fusão

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seja aprovada por dois terços dos votos. O dia em que recebemos os textos do novo decreto e contrato de concessão foi o dia em que o senhor Primeiro Ministro, na conferência do Jornal Expresso, falou na necessidade de legislar para que as empresas tenham formatos de gestão claros, transparentes e que protejam todos os seus

stakeholders. Não consigo alcançar a razão de, quando os sócios são autarquias, não valerem estes princípios também enunciados pelo Governo.

12. Por detrás de toda esta proposta de reforma há alguns princípios, tomados como axiomas, que merecem ser discutidos desde a base. O primeiro é a ideia de que a tarifa da alta deve ser igual em todo o país. Do ponto de vista ambiental, este é um erro palmar. Darei apenas um exemplo que é o custo de escassez. Há mesmo zonas onde há mais água, e outras onde há menos. O equilíbrio ambiental passa por ser sempre parcimonioso no uso, mas por cobrar mais onde o recurso é mais escasso para racionalizar os consumos. O segundo princípio é o de que o problema reside nos municípios, tomados genericamente como não pagadores, assumindo as Águas de Portugal um papel salvífico, como se não fossem elas as gestoras dos sistemas actuais e sócias das empresas concessionárias sempre com a maioria do capital. O terceiro é a ilusão de que as Águas de Portugal poderão gerir sistemas contra as autarquias. Criar talvez possam pois tem o Governo o poder de mudar todas as leis. Mas gerir não podem, pois toda e qualquer intervenção em espaço municipal é sempre carente de autorização camarária. Sim, há erros de concepção dos sistemas. Sim, os seus custos são incomportáveis para muitos dos municípios. Mas que culpa têm os munícipes do Porto? E que garantias lhes são dadas para o futuro, se no contrato que ai vem até se diz que poderão existir aumentos de tarifa se os projectos de investimento não vierem a ser comparticipados por fundos comunitários?

13. Desconheço qual é a posição genérica dos municípios e admito como natural que muitos deles sejam favoráveis às fusões. Respeito em absoluto a sua opinião. Mesmo assim, se quase todos os

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municípios que irão, num primeiro momento pagar a água mais barata (digo num primeiro momento, porque são tão imaginativas as razões pelas quais e ao longo do tempo as tarifas poderão ser aumentadas, que penso que também todos os municípios acabarão a pagar a água mais cara). E a minha pergunta é, qual a

contrapartida que pode ser dada para quem vai desde já pagar mais?

14. Em minha opinião, esta pergunta faz mesmo sentido. Ensinaram-me que em qualquer processo de negociação se deve pensar primeiro no que tenho para dar e só depois no que tenho para pedir. E há muitas coisas para pôr em cima da mesa. A primeira é priorizar nas candidaturas ao POSEUR os projectos dos municípios que vão desde o primeiro dia pagar a água mais cara. A segunda é retirar do

balanço de abertura dos novos e ainda putativos sistemas as dívidas que existem e que no EVEF se acredita que vão ser pagos em dois anos. Também se não forem, o sistema previsto é simples,

aumenta-se ainda mais a tarifa de quem paga. A terceira é o conforto da opinião da ERSAR. Li com a maior das atenções o parecer desta entidade emitido sobre anteriores versões destes decretos, e penso que ainda falta reflectir a perspectiva de defesa dos consumidores. Defende a ERSAR, e muito bem, a contabilização rigorosa de cada centro de custos de forma a garantir que quem, por exemplo, não tem ligação ao saneamento, o pague

indirectamente num excesso da tarifa da água. Achará bem a ERSAR que os consumidores de uma cidade como o Porto paguem os

serviços de água de espaço que lhes são estranhos?

15. Resumo a minha intervenção com uma resposta pela negativa. Não vê o Porto, terra feliz com o serviço que lhes é prestado pelas Águas do Douro e Paiva, pronto pagador de uma tarifa justa pela água que lhe é fornecida e a 12 anos do final de um contrato de concessão que lhe dá direitos que agora vê retirados sem qualquer

compensação vantagem alguma na reorganização proposta. 16. Acredito na gestão, na falta que ela faz ao país, na necessidade de

perceber o território não como uma pátria onde acontecem coisas mas como um actor de desenvolvimento. Por isso, não me fico em

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ideias de redução de custos por concentração de serviços, de retirar competências a quem as exerce com competência, nem sequer a quem as exerce com pouca competência. Nestes casos, mais do que tudo, importa, isso sim, reforçar as competências em falta e dar meios para que se possa gerir melhor.

17. Alternativas para o sector? Começo por me juntar à ERSAR no parecer já citado. Não nos apresentaram nenhuma outra. Querem impor-nos (e não receemos a palavra, pois mesmo aos municípios que concordam com as fusões, o modelo é imposto), querem impor-nos um modelo sem nos mostrarem outros caminhos possíveis.

18. Tem que haver alternativas, pois se há coisa que não pensava ver era um Governo liberal a acreditar que afinal era Hegel quem tinha razão, que o determinismo histórico é um facto e que existe um fim da história. E que em Portugal, o fim da história do sector da água viria a ser um sistema blindado, imposto aos municípios e aos cidadãos, em que única liberdade admitida às autarquias seria a de ser obrigada a participar, pagando mais e retirando às futuras empresas concessionários qualquer risco de gestão.

Referências

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