Registro: 2015.0000051800
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos do Apelação nº 0003149-15.2009.8.26.0252, da Comarca de Ipauçu, em que é apelante PATRÍCIA JÓIA PERES, é apelado BANCO DO BRASIL S/A.
ACORDAM, em 20ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Negaram provimento ao recurso. V. U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores CORREIA LIMA (Presidente) e ÁLVARO TORRES JÚNIOR.
São Paulo, 2 de fevereiro de 2015
ALBERTO GOSSON RELATOR Assinatura Eletrônica
Comarca: Foro de Ipauçu Vara Única
Processo n°: 0003149-15.2009.8.26.0252
Origem nº: 252.01.2009.003149-1/000000-000
Apelante: PATRÍCIA JÓIA PERES
Apelado: BANCO DO BRASIL S/A
Juiz Prolator da sentença: Fabiana Tsuchiya
Voto n.º 1.334
CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO. AVALISTA MENOR. ABSOLUTAMENTE INCAPAZ NA ÉPOCA DOS FATOS. BOA-FÉ OBJETIVA. APELANTE ASSISTIDA PELOS PAIS. EMANCIPAÇÃO POSTERIOR. NEGÓCIO JURÍDICO VÁLIDO E EFICAZ. SENTENÇA MANTIDA.
Recurso Desprovido.
Vistos.
Trata-se de ação declaratória de nulidade de cláusula contratual, ajuizada por PATRÍCIA JÓIA PERES contra BANCO DO
BRASIL S/A, julgada improcedente na r. sentença de fls. 77/79, que teve
como fundamento: “...embora não destacada expressamente a qualidade de representantes legais, se os próprios genitores assinaram tal documento junto com a filha, é de se presumir que o ato foi revestido de aprovação” (...) “Assim, resta clara a legalidade do instrumento, e ausente razão à requerente quanto ao direito pleiteado”. Condeno a autora no pagamento de custas e honorários advocatícios, estes fixados em R$ 2.000,00.
síntese, “que a apelante na ocasião da avaliação do crédito bancário, ora combatido, era considerada ABOSLUTAMENTE INCAPAZ, nos termos do artigo 3º, inciso I, do Código Civil, o que enseja a nulidade do ato, conforme teor do art. 166 do mesmo diploma legal”; que “a apelante apresentou todas as informações e documentos pessoais, tendo a instituição apelada, plena ciência da condição de menor absolutamente incapaz”; que “não houve ocultação da condição de menor, bem como inexistente o proveito próprio, a cláusula do aval é nula”; que “a declaração de nulidade do aval prestado pela apelante não prejudicará a garantia da cédula de crédito bancário, vez que há outros garantidores”. Requer a reforma da r. sentença, a fim de que seja julgado procedente o pedido inicial.
Anota-se que o recurso é tempestivo, foi recebido, processado e contrariado (fls. 97/102).
É o relatório.
O recurso não comporta provimento.
Trata-se de ação declaratória de nulidade de cláusula contratual, pleiteando a nulidade do aval concedido pela apelante na Cédula de Crédito Bancário, em razão de sua menoridade na época dos fatos.
A Cédula de Crédito Bancário nº. 463.500.364 (fls. 11/14), foi assinada pela apelante em 24/07/2008.
A autora/apelante nasceu em 31/07/1992, conforme documento de fls. 10. Assim, na época dos fatos, contava a autora com apenas 15 anos, prestes a completar 16 anos.
Às fls. 23, há certidão que comprova a emancipação da autora por Escritura Pública de Emancipação, lavrada em 21/08/2008, outorgada por seus pais: Moacyr Peres Munhos Junior e Rosemeire da Silva Joia Peres. Observa-se que ambos figuram também como avalistas na mesma Cédula de Crédito Bancário.
Com a emancipação, alcançou a autora à maioridade civil, com a respectiva capacidade para exercer todos os atos a ela concernentes. Nota-se ainda, que a emancipação se deu em lapso temporal inferior a 30 dias, da assinatura da apelante na condição de avalista.
Regra geral, seria o caso de ato nulo nos termos do artigo 166, inciso I, do Código Civil c/c artigo 3º, inciso I, do mesmo diploma, não fossem as peculiaridades do caso concreto.
É a hipótese de se prestigiar o entendimento da MM Juíza singular, visto que está em consonância com a sistemática do Novo Código Civil de 2002 (já nem tão novo...), ao ponderar valores e princípios na análise do caso.
Ambas as partes, ao celebrarem o contrato depositaram confiança recíproca, acreditando que realizavam um negócio válido e eficaz. Desse modo, as suas condutas geraram expectativas legítimas entre as mesmas, devendo ambos os contratantes ter o direito de proteção dessas expectativas.
Todo o negócio jurídico restou revestido de credibilidade entre as partes. Ademais, ainda que a apelante fosse menor por questão de dias, estava devidamente assistida pelos seus pais, quando da assinatura do aval.
Ato contínuo, poucos dias depois, os pais ao considerarem que a apelante já possuía condições de praticar todos os atos da vida civil, outorgaram a sua emancipação.
Ora, em razão do princípio da boa-fé, não pode ser eximida a parte que se viu prejudicada, após transcorrido mais de um ano da celebração do contrato. A ação foi distribuída apenas em 13/11/2009.
Não há como afastar a responsabilidade da apelante, que, por seu comportamento (vontade exteriorizada e conduta) fez nascer na parte adversa a justificada expectativa no cumprimento da obrigação de avalista.
Ademais, há que se observar o princípio da conservação do negócio. Leciona Hamid Charaf Bdine Júnior, em sua obra Efeitos do Negócio Jurídico Nulo, Editora Saraiva, 2010, ao citar Leonardo Mattietto, pág. 132:
“... é necessário um exame crítico da teoria das nulidades, sobretudo em virtude da consagração do princípio da conservação dos atos e negócios jurídicos enfatizado pela previsão expressa do instituo da conversão no art. 170 do Código Civil” (...)
“... o princípio da conservação é instrumento útil à nova dogmática contratual, porque está relacionado à boa-fé objetiva, impedindo que se frustrem, ao menos parcialmente, os efeitos pretendidos com a atuação jurídico-negocial das partes”. (grifei).
Respeitado entendimento em sentido contrário, alinho-me àqueles que entendem que se deve, atualalinho-mente, interpretar os contratos de modo a garantir a sua eficácia, ao invés de simplesmente invalidá-lo.
Por fim, entendo que caso se admitisse a nulidade contratual, estaríamos consagrando a conduta do “venire contra factum proprium”.
Não pode a apelante, depois de transcorrido mais de 01 ano, ir contra sua própria conduta que consistiu em prestar aval. Há um dever implícito consistente na manutenção do seu comportamento originário, coerente com a sua manifestação de vontade.
Sendo assim, presume-se que a apelante atuou ciente do possível vício, o qual ensejaria a nulidade do negócio válido. Todavia, sua conduta despertou confiança na parte apelada, de modo que não há como prestigiar a tese do negócio nulo.
Ainda que se afastasse a presunção acima descrita, reitera-se que a apelante, menor na época dos fatos, estava satisfatoriamente assistida por seus pais, os quais pactuaram da mesma obrigação.
mantém-se a r. sentença por seus próprios fundamentos.
Ante o exposto, nega-se provimento ao recurso.
Alberto Gosson