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IRENE DIAS DE OLIVEIRA

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Academic year: 2021

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IRENE DIAS DE OLIVEIRA

O DEBATE MULTICULTURAL NO ÂMBITO DAS CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

Resumo: interessa-nos, nesta reflexão, analisar a religião a partir de sua

rela-ção com os paradigmas do multiculturalismo e suas implicações na formulação de demandas que tem a ver com as Ciências da Religião.

Palavras-chave: multiculturalismo, ciências da religião, religião

P

INTRODUÇÃO

arece-nos que apesar de o multiculturalismo ser uma temática bas-tante recorrente nos dias atuais ela ainda carece de uma maior refle-xão no âmbito das Ciências da Religião. Segundo Semprini (1999) o multiculturalismo ao levantar certas oposições (universal, particular, subjetivo, objetivo, mono e multicultural), sublinha ao mesmo tem-po, seu caráter conflitual e aparentemente insolúvel. Resta-nos per-guntar o que fazer para sairmos do impasse? Faz-se necessário uma visão de conjunto interdisciplinar de modo a elaborar análises que contemplem a complexidade do assunto. Observamos também que os principais centros de elaboração das teses multiculturais não estão ligados à sociologia, nem à antropologia e nem a filosofia, mas aos centros de estudo étnicos e de literatura.

Há uma compartimentalização de um debate teórico no interior da comu-nidade acadêmica quando deveria ocorrer um debate multi e interdisciplinar. De outro lado percebe-se também que diante da

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dis-, Goiâniadis-, v. 6dis-, n. 2dis-, p. 285-291dis-, jul./dez. 2008 286286286286286

cussão multicultural poucos pesquisadores conseguem se distanciar de posições moralistas e partidárias; por isso a questão do multiculturalismo pode, quase sempre, terminar com uma opção “a favor” ou “contra” sem, porém, estabelecer uma solução definitiva (SEMPRINI, 1999, p. 96). Acreditamos que podemos encontrar esta mesma situação no âmbito das Ciências da Religião.

MAS O QUE ENTENDEMOS POR MULTICULTURAL? Segundo Semprini (1999) um dos pontos chave para entender o

multiculturalismo é a questão da diferença. A diferença é uma reali-dade concreta, um processo humano e social inserido no processo histórico.O multiculturalismo tem se tornado objeto de vivo debate social e político e colocado em cheque a questão das diferenças e lançado a problemática do lugar e dos direitos das minorias em rela-ção à maioria. Em outras palavras podemos afirmar que ele discute o problema da identidade e do reconhecimento. Há uma interpretação política e cultural do multiculturalismo. No primeiro caso a análise limita-se às reivindicações das minorias com o objetivo de conquis-tar direitos sociais e /ou políticos específicos dentro do Estado. No segundo caso a análise concentra sua atenção sobre as reivindicações de grupos sociais, estruturados em torno de valores comuns, de um estilo de vida homogêneo, de um sentimento de identidade ou per-tença coletivos, ou mesmo de experiência de marginalização. Em ge-ral é esse sentimento de exclusão que leva os indivíduos a se reconhecerem como possuidores de valores comuns e a se perceberem como um grupo a parte. Esta segunda análise é que poderia constituir, a meu ver, constituir um desafio para o campo das Ciências da Religião. CONTATOS MULTICULTURAIS E POROSIDADE RELIGIOSA Se de um lado o processo de globalização favorece as religiões ampliando o campo de sua influência pública, de outro o reconhecimento e a va-lorização das diferenças culturais, das subjetividades e das etnias rei-vindicam conceitos e práticas plurais. Somente a partir destas práticas diversificadas é que podem ocorrer mudanças culturais na nossa so-ciedade e desta forma afetar também o campo religioso desafiando as Ciências da Religião a refletir e discutir sobre o impacto que isto gera

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nas práticas religiosas e na construção de uma reflexão subjetiva transformadora dos valores sócio-culturais e religiosos.

A partir destas concepções fica difícil aceitar, numa sociedade cada vez mais multicultural e que exige respeito de suas culturas, de seus símbolos e crenças, a centralidade de uma religião que se pretenda universal. Se cada religião reivindica para si a possibilidade de salvação e de ser a única capaz de oferecer a salvação para a humanidade será possível encontrar um caminho em que se possa unir as forças e realizar um projeto conjunto em prol da justiça, da paz, da harmonia universal sem cair nos dogmatismos, nas doutrinas de cada confissão religiosa? È possível falar de universalização de uma religião quando nos depa-ramos diante das mais diferentes práticas culturais e religiosas reivin-dicando para si o reconhecimento de sua doutrina, de seu credo, de sua hierarquia, de seus valores e de suas instituições consolidadas? O que significa falar de universalidade religiosa? Não seria por a caso atribuir um conceito a partir de uma determinada perspectiva? De-terminar uma religião universal pressupõe certamente um padrão universal de verdade. E qual seria este padrão universal de verdade, de salvação, de justiça e de ética? Aquele ocidental? Ao se pensar numa religião universal não estaríamos perdendo de vista as situa-ções históricas e específicas de cada povo, de cada etnia e de cada cultura? Seria possível uma identificação com a crença do outro? E quem é o outro?

Como nas culturas, acreditamos que será difícil, senão impossível qualquer identificação com a crença do outro. O outro será sempre o cristão, o mulçumano, o umbandista, o infiel, o pagão etc (TERRIN, 2004). De outro lado percebemos que as religiões como as culturas não po-dem mais manter aquela rigidez que lhes garantia sua identidade e sua especificidade enquanto espaço religioso (TERRIN, 2004). Se-gundo Terrin (2004) diante deste mundo globalizado as religiões têm o dever de tentar um caminho paralelo de ecumenismo e de globalização de forças, caminho indicado pelo próprio mundo atual, mas têm tam-bém o dever de realizar esse percurso em sentido unitário e conver-gente para ainda servirem de ponto de referência e de farol para a humanidade (TERRIN, 2004). Mas como isto é possível? A partir dos contatos multiculturais como se dão as fronteiras religiosas? Existe um espaço de negociação? De porosidade? De flexibilidade entre as religiões? Como chamaremos estes espaços: hibridismo? Sincretismo?

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Inculturação? É possível afirmar que as religiões convergem para um ecumenismo? (TERRIN, 2004). Somos favoráveis, com Terrin (2004) de que em termos éticos as religiões podem se tornar atrativos excep-cionais da humanidade a partir de um lento e profundo deslocamen-to dos limites, sem que seja afetado o núcleo das respectivas doutrinas. Mas mesmo tendo presente esta situação cabe ainda nos perguntar: é possível falar de uma ética global? Uma ética globalizante não supo-ria também um único padrão de verdade? E qual sesupo-ria o conceito de verdade a ser assumido? Acreditamos também que não seja possível que as religiões possam tentar um caminho paralelo de ecumenismo e de forças convergentes porque se isto acontecer elas perdem suas identidades doutrinárias e o sentido por que elas existem. Neste mo-mento, as religiões não estariam prontas para se reconhecerem per-meáveis, ‘porosas’ às doutrinas, aos dogmas, símbolos e crenças de outras confissões religiosas, pois existe uma defesa para que o núcleo de suas respectivas doutrinas religiosas fique intacto.

Diante deste impasse parece-nos que as Ciências da Religião realmente é um espaço onde estes temas devem ser debatidos e onde possíveis soluções possam ser vislumbradas.

RELIGIÕES E A AMEAÇA DAS DIFERENÇAS

Alguns pesquisadores identificam na idéia da diferença um dos pontos fun-damentais para a questão da multiculturalidade. Para David Goldberg (apud SEMPRINI, 1999) a heterogeneidade sempre precede a homogeneidade. Portanto a questão da diferença tem adquirido cer-ta legitimidade na cultura ocidencer-tal. Mas o que se observa é que, de fato, as instituições políticas, e eu diria, também religiosas encon-tram muita dificuldade em integrar a diferença em suas práticas. Se observarmos mais de perto as instituições religiosas percebemos que a tendência é transformar as diferenças num estado “transitório” rumo à igualdade e à universalização. Fundamentada na ideologia da igual-dade a diferença é enxergada como uma ameaça. Segundo Semprini (1999, p. 160-1) o projeto da modernidade construído

“a partir de um ‘universalismo’ que era com frequência apenas um disfarce de uma monocultura sob os traços de um simulacro de hu-manidade incrivelmente branca e européia; estruturado a partir de

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um espaço público e igualitário que na verdade fechava as portas a numerosos grupos sociais; fundamentado sobre uma noção de indi-víduo abstrata e redutora; submisso à experiência real da diversidade; enfrentando reivindicações de reconhecimento radicais; sofrendo tensões pelas pressões exercidas nos limites do público; fragilizado enfim pelas mudanças ocorridas no coração mesmo deste espaço [...] dificilmen-te poderá dar uma resposta coerendificilmen-te ao impasse multicultural se não for profundamente reformulado [...]. O caráter paradoxal do multiculturalismo é o de fazer a modernidade cair em sua própria armadilha ao reclamar dela, realmente, o que lhe é devido, ao preten-der que ela coloque esse universalismo, essa igualdade, essa justiça, esse reconhecimento que ela sempre pretendeu ter na própria base de seu projeto civilizatório”.

Se observarmos as religiões a partir de sua relação com os paradigmas do multiculturalismo e suas implicações na formulação de demandas que tem a ver com a alteridade, as diferenças, o respeito e o reconhe-cimento de outros espaços religiosos na sociedade atual, podemos perceber que, não obstante, suas crenças e práticas fundamentadas no reconhecimento da alteridade ainda permane uma visão homogeneizante da realidade. Fundamentada na idéia de que somos todos irmãos, e todos iguais parece-nos que as religiões ainda não estão preparadas para integrar a diferença e a alteridade em suas prá-ticas. E o que é pior ainda parece que se visualiza a diferença como uma ameaça.

De acordo com Paulo Suess o cristianismo tem pensado a humanidade a partir da perfeição da criatura divina. Consequentemente no ociden-te nos acostumamos a ler as diferenças em chave de degeneração (causada pelo pecado) e rebeldia à lei de Deus, inscrita na natureza e na ordem cosmológica imutável; em chave de perda (do estado de graça) e de castigo (expulsão do paraíso) e desvios do caminho único traçado por Deus (fiéis x hereges e infiéis). Daí a dificuldade da religião cris-tã, segundo Suess, experienciar o reconhecimento do outro e da dife-rença. Para Suess o outro tem sido o problema de fundo do cristianismo. A diversificação da experiência humana é simbolizada pela confusão lingüística de Babel. Suess lembra como a diversidade lingüística en-contrada nas Américas foi comparada pelos missionários com a con-fusão de Babel. A história então do cristianismo tem tido apenas um

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sentido e uma preocupação: “reverter a expulsão, a dispersão, a frag-mentação e a confusão. A cristandade foi o último intento global para reconstruir essa unidade perdida (SUESS, 1996).

Entendemos então que as religiões com seus projetos universalizantes po-dem estar contribuindo para reforçar os paradigmas que referem-se à homogeneização da realidade e do mundo possibilitando e/ou fo-mentando o fundamentalismo, atitudes intransigentes e discriminatórias em relação às pessoas e a outras religiões expropriando-as assim de direitos fundamentais, como o direito de manter suas tradições, suas línguas, suas crenças e seus cultos. Diante deste debate multicultural as Ciências da Religião exercem um papel importante uma vez que deve ser o espaço onde este tema deve se constituir um eixo transver-sal e transdisciplinar promovendo pesquisas, discutindo as soluções possíveis e viáveis para o desenvolvimento de uma consciência transformadora e que rompa com as armadilhas do paradigma universalista. E se cultura e religião constituem os dois lados de uma mesma medalha podemos mais uma vez sublinhar a importância deste debate multicultural para o campo das Ciências da Religião que deve lançar mão das novas ecologias de saberes que incluem novas con-cepções de tempo, espaço e cultura e desta forma tentar maximizar as possibilidades de esperança, ressignificar o futuro, contemplar a heterogeneidade e apontar para a pluralidade de sentido do mundo contemporâneo (SOUZA SANTOS, 2008).

Referências

ORTIZ, Renato. Mundialização: saberes e crenças. São Paulo: Brasiliense, 2006. SANSONE, LÍVIO. Negritude sem etnicidade: o local e o global nas relações raci-ais e na produção cultural negra do Brasil. Salvador: Edufba; Rio de Janeiro: Pallas, 2004.

SEMPRINI, Andréa. Multiculturalismo. Bauru: Edusc, 1999.

SOUZA SANTOS, Boaventura. Para uma sociologia das ausências e uma

sociolo-gia das emergências. Disponível em: <www.ces.fe.pt/emancipa>. Acesso em: 28 jun.

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TERRIN, Aldo Natale. Antropologia e horizontes do sagrado: culturas e religiões. São Paulo: Paulus, 2004.

TEIXEIRA, Faustino. Inculturação da fé e pluralismo religioso. In. TAVARES, Sinivaldo (Org.). Inculturação da fé. Petrópolis: Vozes, 2001.

IRENE DIAS DE OLIVEIRA

Professora no Programa de Ciências da Religião da Pontifícia Universidade Católi-ca de Goiás (PUC Goiás). Teóloga. E-mail: irene.fit@ucg.br

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