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Data do documento. 13 de maio de 2021 TEXTO INTEGRAL ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO

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Processo

02/19.3BCLSB

Data do documento 13 de maio de 2021

Relator

Maria Do Céu Neves

SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO | ADMINISTRATIVO

Acórdão

DESCRITORES

Disciplina desportiva > Preterição de audiência prévia > Processo sumario > Inconstitucionalidade

SUMÁRIO

N.D.

TEXTO INTEGRAL

ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO

1. RELATÓRIO

Futebol Clube do Porto - Futebol SAD (doravante FCP), devidamente

identificada nos autos, recorreu para o Tribunal Arbitral do Desporto ( TAD), do Acórdão do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol ( FPF), proferido em 07.11.2018, que confirmou a condenação da recorrente pela prática da infracção disciplinar p. p. pelo artº 187º-1 b) do RD, alegadamente cometida no jogo realizado em 27.08.2017, no Estádio Municipal de Braga,

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punindo-a em multa no valor de 2.870,00€. *

A FCP apelou para o TCA Sul e este, por acórdão proferido em 7 de Novembro de 2019, concedeu provimento ao recurso, anulou a decisão de 26.09.2017 proferida em via de recurso hierárquico impróprio nº 08-17/18 pelo Pleno do Conselho de Disciplina e revogou o acórdão proferido pelo Tribunal Arbitral do Desporto de 07.11.2018, fixando o valor da causa em 2.870,00€.

*

O Ministério Público junto do TCAS, nos termos dos artºs 70º, nº 1, al. a), e 72º, nº 1, al. a) e 3, 75º, nº 1, al. a) e 75º-A, nº 1 da Lei 28/82 de 15/11 (Lei Orgânica do Tribunal Constitucional, LOTC), por referência ao disposto no artº 280º, nº 1, al. a) da CRP, interpôs recurso obrigatório para o Tribunal Constitucional deste Acórdão do TCAS de 07.11.2019, por este ter desaplicado, com fundamento em inconstitucionalidade material [artºs 32º/2 e 10 da CRP] as normas constantes dos artºs 182º e 187º do RDLPFP/2016.

O Tribunal Constitucional por Acórdão nº 11/2021, proc. nº 1188/19 decidiu não conhecer do objecto do recurso.

*

Por seu turno, a FPF, inconformada, com o Acórdão proferido pelo TCAS, interpusera, ao abrigo do disposto no artº 150º do CPTA, o presente recurso jurisdicional de revista – cuja subida a este STA aguardou pela decisão do Tribunal Constitucional, por determinação da Senhora Desembargadora Relatora – tendo terminado as suas alegações, com as seguintes conclusões: «1. A Recorrente vem interpor recurso de revista para o STA do Acórdão proferido pelo TCA Sul em 7 de novembro de 2019, que revogou a decisão recorrida e anulou a deliberação que condenou a ora Recorrida a pagar, a título

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de sanção disciplinar, o valor total de € 2.870,00 pelas infrações p. e p. pelo artigo 187º, nº 1, al. b), do Regulamento Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol Profissional;

2. A questão em apreço diz respeito à responsabilização dos clubes pelos

comportamentos incorretos dos seus adeptos por ocasião de jogos de futebol, o que, para além de levantar questões jurídicas complexas, tem assinalável importância social uma vez que, infelizmente, os episódios de violência em recintos desportivos têm sido uma constante nos últimos anos em Portugal e o sentimento de impunidade dos clubes dado por decisões como aquela de que agora se recorre nada ajudam para combater este fenómeno;

3. A questão essencial trazida ao crivo deste STA – responsabilização dos clubes

pelos comportamentos incorretos dos seus adeptos - revela uma especial relevância jurídica e social e sem dúvida que a decisão a proferir é necessária para uma melhor aplicação do direito;

4. Assume especial relevância social a forma como a comunidade olha para o

crescente fenómeno de violência generalizada no futebol – seja a violência física, seja a violência verbal, seja perpetrada por adeptos, seja perpetrada pelos próprios dirigentes dos clubes;

5. Em causa nos presentes autos estão, essencialmente, comportamentos dos

adeptos relacionados com agressões físicas entre os próprios adeptos e para com as forças policiais, entre outros, tudo por ocasião de jogos de futebol;

6. São deveres dos clubes assegurar que os seus adeptos não têm

comportamentos incorretos, o que decorre dos regulamentos federativos, é certo, mas também da Lei e da Constituição;

7. Admitir, como fez o TCA Sul, que os clubes devem ser desresponsabilizados

pelos comportamentos dos seus adeptos – ao arrepio do entendimento de toda a comunidade desportiva e das instâncias internacionais do Futebol, onde esta questão, de tão clara e evidente que é, nem sequer oferece discussão – é fomentar este tipo de comportamentos o que se afigura gravíssimo do ponto de

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vista da repercussão social que este sentimento de impunidade pode originar;

8. Esta questão tem conhecido posições contraditórias por parte do TAD, sendo

que em mais de vinte e nove processos arbitrais a questão foi decidida de forma contrária à que fez o Tribunal a quo, contra apenas cinco em sentido coincidente;

9. A questão em apreço é suscetível de ser repetida num número

indeterminado de casos futuros, porquanto desde o início de 2017 até à presente data deram entrada no Tribunal Arbitral do Desporto mais de 70 processos relativos a sanções aplicadas a clubes por comportamento incorreto dos seus adeptos;

10. Não existe nenhuma crítica a fazer à decisão proferida pelo TAD, ao

contrário do que entendeu o TCA Sul;

11. O Braga não colocou, em momento algum, em causa que estes factos

aconteceram, colocou em causa, sim, que tenham sido adeptos do FCP os responsáveis pelos mesmos;

12. Tal como consta dos Relatórios de Jogo cujo teor se encontra a fls. … do

processo arbitral, os Delegados da Liga, bem como as forças de segurança, são absolutamente claros ao afirmar que tais condutas foram perpetradas pelos adeptos do Futebol Clube do Porto, sem deixar qualquer margem para dúvidas;

13. Com base nesta factualidade, e atendendo à gravidade dos factos

perpetrados, o Conselho de Disciplina instaurou o competente processo disciplinar à Recorrida;

14. Ao mencionado processo disciplinar foi junto, como não poderia deixar de

ser, entre outros, documentos, o relatório elaborado pelos delegados da liga. Este relatório goza, consabidamente, da presunção de veracidade do seu conteúdo (cfr. Artigo 13º, al. f) do RD da LPFP);

15. Os Delegados da LPFP são designados para cada jogo com a clara função de

relatarem todas as ocorrências relativas ao decurso do jogo, onde se incluem os comportamentos dos adeptos que possam originar responsabilidade para o

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respetivo clube;

16. Assim, quando os Delegados da LPFP colocam nos seus relatórios que foram

adeptos de determinada equipa que levaram a cabo determinados comportamentos, tal afirmação é necessariamente feita com base em factos reais, diretamente visionados pelos delegados no local. Até porque, caso coloquem nos seus relatórios factos que não correspondam à verdade, podem ser alvo de processo disciplinar;

17. Ainda, para formar uma convicção para além de qualquer dúvida razoável

que permitisse chegar à conclusão de que a ora Recorrida devia ser punida pelas infrações pelas quais foi condenada, o CD coligiu ainda outra prova, que consta dos autos, tal como, por exemplo, o Relatório das Forças Policiais;

18. Neste particular, os relatórios das forças policiais, por serem exarados por

“autoridade pública” ou “oficial público”, no exercício público das “respetivas funções” (para as quais é competente em razão da matéria e do lugar), constituem documento autêntico (art.º 363.º, n.º 2 do Código Civil), cuja força probatória se encontra vertida nos artigos 369.º e ss. do Código Civil. Com efeito, tal relatório faz «prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público respetivo, assim como dos factos que neles são atestados com base nas perceções da entidade documentadora» (cf. art.º 371º, nº 1 do Código Civil);

19. Sucede que, não obstante os relatórios de jogo juntos aos autos serem

claríssimos ao afirmar que foram adeptos afetos ao FCP que levaram a cabo estes comportamentos, o TCA alega que nada existe nos autos que permita concluir que os atos sub judice – punidos pelo RD da LPFP – foram praticados por sócio, adepto ou simpatizante do clube recorrido;

20. Manifestamente, o acórdão recorrido não tomou em consideração a

presunção de veracidade legal e regulamentarmente estabelecida para os relatórios de policiamento desportivo e dos delegados da LPFP, respetivamente;

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princípios fundamentais do procedimento disciplinar, confere um valor probatório reforçado aos relatórios dos jogos elaborados pelos delegados da LPFP e pelas forças policiais relativamente aos factos deles constantes que estes tenham percecionado.

22. Isto não significa que os Relatórios Delegados da LPFP e das forças de

segurança contenham uma verdade completamente incontestável: o que significa é que o conteúdo dos Relatórios, conjuntamente com a apreciação do julgador por via das regras da experiência comum, são prova suficiente para que o Conselho de Disciplina forme uma convicção acima de qualquer dúvida de que foram adeptos ou simpatizantes da recorrida que levaram a cabo os comportamentos sub judice;

23. Tal não significa que quem acusa não tenha o ónus de provar. Trata-se de

abalar uma convicção gerada por documentos que beneficiam de uma especial força probatória;

24. E, para abalar essa convicção, cabia ao clube, no lugar de se remeter ao

silêncio, apresentar contraprova. Essa é uma regra absolutamente clara no nosso ordenamento jurídico, prevista desde logo no artigo 346º do Código Civil;

25. Quanto à questão de saber se a ora recorrida pode ser responsabilizada a

título de culpa por esses comportamentos, mais uma vez, nenhuma crítica há a fazer à decisão do Conselho de Disciplina;

26. Entende o TCA Sul que cabia ao Conselho de Disciplina provar

(adicionalmente ao que consta dos Relatórios de Jogo) que o FCP violou deveres de formação a que se encontra adstrito, tendo de fazer prova de que houve uma conduta omissiva. Isto é, entende que cabia ao Conselho de Disciplina fazer prova de um facto negativo, o que, como sabemos, não é possível;

27. Ora, o Relatório dos Delegados da LPFP, bem como o Relatório de

Policiamento Desportivo do jogo dos autos, atento os respetivos conteúdos, são perfeitamente suficientes e adequados para sustentar a punição do FCP no caso concreto.

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28. Ademais, há que ter em conta, nos termos acima explanados, que no caso

concreto existe uma presunção de veracidade do conteúdo de tais documentos.

29. Isto significa que o conteúdo dos Relatórios juntos aos autos,

conjuntamente com a apreciação do julgador por via das regras da experiência comum, são prova suficiente para que o Conselho de Disciplina forme uma convicção acima de qualquer dúvida de que a Recorrida incumpriu os seus deveres.

30. Para abalar essa convicção, cabia ao FCP apresentar contraprova. Essa é

uma regra absolutamente clara no nosso ordenamento jurídico, prevista desde logo no artigo 346º do Código Civil;

31. Em sede sancionatória, o “arguido”, não pode simplesmente remeter-se ao

silêncio, aguardando, sem mais, o desenrolar do procedimento cabendo-lhe, pelo menos, colocar uma dúvida na mente do julgador correndo o risco de, não o fazendo, ser punido se as provas reunidas forem todas no mesmo sentido.

32. Do lado do Conselho de Disciplina, todos os elementos de prova carreados

para os autos iam no mesmo sentido dos Relatórios dos Delegados da LPFP, pelo que dúvidas não subsistiam (nem subsistem) de que a responsabilidade que lhe foi assacada pudesse ser de outra entidade que não o FCP.

33. De modo a colocar em causa a veracidade do conteúdo dos Relatórios,

cabia à Recorrida demonstrar, pelo menos, que cumpriu com todos os deveres que sobre si impendem, designadamente em sede de Recurso Hierárquico Impróprio apresentado ou quanto muito em sede de ação arbitral. Mas a Recorrida não o demonstrou, em nenhuma sede;

34. Por seu turno, o TCA Sul nada analisa nem nada fundamenta;

35. Do conteúdo do Relatório de Jogo elaborado pelos Delegados da Liga, é

possível extrair, desde logo, diretamente duas conclusões: (i) que o FCP incumpriu com os seus deveres, senão não tinham os seus adeptos perpetrado condutas ilícitas (violação do dever de formação); (ii) que os adeptos que levaram a cabo tais comportamentos eram apoiantes do FCP, o que se

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depreendeu por manifestações externas dos mesmos;

36. Isto significa que para concluir que quem teve um comportamento incorreto

foram adeptos do FCP e não adeptos do clube visitante (e muito menos de um clube alheio a estes dois, o que seria altamente inverosímil), o Conselho de Disciplina tem de fazer fé no relatório dos delegados, os quais têm presunção de veracidade. Posteriormente, o clube pode fazer prova que contrarie estas evidências, porém, no caso concreto, tal não aconteceu;

37. O próprio Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 730/95, diz claramente

que “o processo disciplinar que se manda instaurar (…) servirá precisamente para averiguar todos os elementos da infração, sendo que, por essa via, a prova de primeira aparência pode vir a ser destruída pelo clube responsável (por exemplo, através da prova de que o espectador em causa não é sócio, simpatizante ou adepto do clube)”;

38. Neste sentido, veja-se o Acórdão deste STA proferido no âmbito do recurso

n.º 297/18, interposto da decisão do TCA Sul tirada no processo n.º 144/17.0BCLSB que, dando provimento ao recurso de revista, diz que é lícito o uso das presunções judiciais e que cabe ao clube apresentar prova que contrarie a presunção de veracidade dos relatórios, o que no caso, não sucedeu;

39. Ainda que se entenda – o que não se concede – que o Conselho de

Disciplina não tinha elementos suficientes de prova para punir o clube recorrido, a verdade é que o facto (alegada e eventualmente) desconhecido – a prática de condutas ilícitas por parte de adeptos da Recorrida e a violação dos respetivos deveres – foi retirado de outros factos conhecidos.

40. Refira-se, aliás, que este tipo de presunção é perfeitamente admissível

nesta sede e não briga com nenhum princípio constitucional, tal como o princípio da presunção de inocência ou o princípio da culpa, de acordo com jurisprudência, quer dos tribunais comuns, quer dos tribunais administrativos.

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violência e insegurança no futebol e em concreto durante os espetáculos desportivos, porquanto diminuir-se-á acentuadamente o número de casos em que serão efetivamente aplicadas sanções, criando-se uma sensação de impunidade em que pretende praticar factos semelhantes aos casos em apreço e ao invés, mais preocupante, afastando dos eventos desportivos, quem não o pretende fazer, em virtude do receio da ocorrência de episódios de violência;

42. Face ao exposto, deve o acórdão proferido pelo Tribunal a quo ser revogado

por erro de julgamento, designadamente por errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 13º, al. f), e 187º, nº 1, al. b), todos do Regulamento Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol Profissional.»

Termina pedindo a procedência do recurso e consequente revogação do acórdão proferido pelo TCAS.

*

O “FCP”, ora aqui recorrido, veio apresentar contra-alegações e interpor recurso subordinado, tendo concluído as suas contra alegações com as seguintes conclusões:

« I

-i. Inconformada com o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de

07.11.2019 pretende a recorrente, em sede de revista, ver esclarecido o critério legal da apreciação da prova em processo disciplinar desportivo.

ii. Fá-lo, pretendendo que este Supremo Tribunal Administrativo funcione como

uma terceira instância de apelação.

iii. O juízo sobre a matéria de facto é, via de regra, insindicável, porquanto o

Supremo Tribunal Administrativo só poderá revogá-lo e determinar que o Tribunal Central Administrativo dê como provados factos que julgou como não verificados em face da prova existente se e apenas na medida em que esse juízo tenha violado disposição legal expressa que fixe a força de determinado

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meio de prova (art. 150.º-4 do CPTA).

iv. Não se vê, nem a recorrente a identifica, que norma legal haja sido violada

pelo Tribunal Central Administrativo na apreciação da prova, devendo o recurso interposto pela recorrente ser julgado improcedente.

v. A revogação pelo STA do decidido pelo Tribunal a quo, com o fundamento de

que a prova dos autos seria suficiente para sustentar a decisão condenatória tomada pela recorrida, ultrapassando a apreciação da prova realizada pelas instâncias competentes, incorrerá em excesso de pronúncia e violará o regime do recurso de revista instituído pelo art. 150.º do CPTA.

vi. Acresce que, caso o acórdão proferido por este Tribunal ad quem anule a

decisão recorrida, contrariando o previsto no art. 150.º do CPTA, com fundamento de que a decisão condenatória proferida pela demandada, aqui recorrente, seria de considerar plausível e sustentável à luz do regime normativo que incide sobre a valoração da prova em sede disciplinar desportiva, então incorrerá em violação do princípio constitucional da

repartição de funções de apreciação de recursos de apelação e de revista atribuídas, respectivamente, aos Tribunais Centrais Administrativos e

ao Supremo Tribunal Administrativo, violando, destarte, o princípio da

segurança jurídica no âmbito do exercício de funções jurisdicionais pelos

tribunais administrativos, corolário do princípio do Estado de direito consagrado no art. 2.º da CRP.

II

-vii. O arguido em processo disciplinar, tal como ocorre em processo penal, não tem de provar que é inocente da acusação que lhe é imputada, até

porque, aliado ao ónus da prova que recai sobre o titular da acção disciplinar (cf. jurisprudência uniforme e pacífica, e reiteradamente afirmada nos acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 19/01/95, rec. n.º 031486, de 14/03/96, rec. n.º 028264, de 16/10/97, rec. n.º 031496 e de 27/11/97, rec. n.º 039040),

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vigora ainda o princípio da presunção de inocência.

viii. O princípio da presunção de inocência do arguido, também presente

no âmbito do processo disciplinar, tem como um dos seus principais

corolários a proibição de inversão do ónus da prova, não impendendo

sobre o arguido – in casu a recorrida – o ónus de reunir as provas da sua inocência (neste sentido, a título de exemplo, veja-se o acórdão do TCA Norte de 02.10.2010, processo nº 01551/05.8BEPRT, e ainda o acórdão do TCA Norte de 05.10.2012, processo nº 01958/08.7BEPRT, disponíveis em www.dgsi.pt).

ix. Donde, toda a prova susceptível de conduzir à responsabilidade

jurídico-penal do arguido deve ser carreada para os autos pelo titular da acção disciplinar, não sendo, por isso, admissível qualquer inversão do ónus da prova em sede disciplinar (cf. Acórdão do STA de 17.02.2008, processo n.º 0327/08, acórdão do STA de 28.04.2005, processo nº 333/05, bem como o acórdão do STA de 12.01.1998, processo nº 023940, disponíveis em www.dgsi.pt).

x. Portanto, sem que esteja demonstrada e devidamente comprovada, através

de robustas provas, a materialidade e autoria da infracção disciplinar fica comprometida qualquer condenação do arguido/recorrida, que deve ter a seu favor a presunção de inocência (cf. Ac. TCAS de 02-06-2010, Proc. 5260/01).

xi. Ainda que os documentos gozem de uma presunção de veracidade e sejam

elaborados pelos Delegados presentes ao jogo, não se podem aqui diminuir as exigências de prova e de sua apreciação, bastando-se com simples afirmações vertidas em relatórios.

xii. Nem mesmo a presunção de veracidade dos relatórios prevista no art. 13.º,

f), do RD, pode contrariar o quadro normativo, dado que, mesmo beneficiando de uma presunção de verdade, não se trata de prova subtraída à livre

apreciação do julgador.

xiii. A presunção de veracidade, prevista no art. 13.º f) do RD, dos factos que

nele se prevê só abrange os factos constantes das declarações,

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percepcionados, e não outros.

xiv. Ora, como é evidente, pela própria natureza das coisas, há elementos típicos que, por norma, não são demonstráveis através dos relatórios de jogo da equipa de arbitragem e/ou dos delegados da Liga,

nomeadamente, os que se prendem com a infracção pelo clube, com culpa, dos deveres, legais ou regulamentares, a que estava adstrito, e com a conexão que há-de estabelecer-se entre essa infracção e a conduta proibida ocorrida.

xv. Face às normas e princípios que conformam o processo sancionatório,

admitir a tese da recorrida equivaleria a uma violação das regras do ónus

probatório e do princípio da presunção de inocência¸ o que deverá

inevitavelmente conduzir ao repúdio de tal tese.

xvi. Repare-se que mesmo atentando ao descrito nos relatórios de jogo

percebe-se que nenhum facto neles é sequer descrito em favor do

preenchimento de pressuposto essencial dos tipos legais: uma actuação culposa da recorrida.

xvii. Porquanto se mostram por preencher todos os elementos das infracções e

não tendo o titular da acção disciplinar carreado aos autos algum elemento de prova que depusesse em favor do preenchimento de pressuposto essencial exigido pelos tipos legais, sempre se impunha resolver “em favor do arguido por efeito da aplicação dos princípios da presunção de inocência do arguido e do “in dubio pro reo” – veja-se, com especial relevância nesta senda, o decidido no acórdão do TCAS de 07-02-2019, proferido no âmbito do proc. nº 65/18.9BCLSB (TAD nº 14/2018).

xviii. Face ao exposto, não padece o acórdão recorrido de qualquer erro de

julgamento, tendo subsumido correctamente os factos alegados ao direito aplicável.

xix. Se, por mera hipótese de raciocínio, proceder a tese da recorrente,

reputa-se como inconstitucional, por violação do princípio da presunção de inocência (inerente ao seu direito de defesa, art. 32.º, n.ºs 2 e 10 da CRP; ao direito a um

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processo equitativo, art. 20º-4 da CRP; e ao princípio do Estado de direito art. 2º da CRP) e do princípio jurídico-constitucional da culpa (art. 2º da CRP), a interpretação dos artigos 187º, nº 1, alíneas a) e b), e 258º, nº 1, do RDLPFP de 2017, no sentido de que basta dar como provado, com base no artigo 13º, al. f), do RDLFPF, que sócios ou simpatizantes de um clube adoptaram um comportamento social ou desportivamente incorrecto para que se dê também como provado que esse clube não observou os seus deveres legais e regulamentares de vigilância, controlo e formação desses seus sócios ou simpatizantes, cabendo ao clube aportar prova demonstradora do cumprimento desses seus deveres.

xx. Caso, contra tudo o alegado, se conceda provimento ao recurso, sempre se

imporá o reenvio do processo ao Tribunal a quo, para que este, de acordo com o critério normativo fixado em sede de revista, aprecie, em plano de apelação, a conformidade da matéria de facto dada como provada com os únicos meios de prova constante dos autos: os Relatórios da equipa de arbitragem e dos delegados da LPFP;

xxi. porquanto, o cerne da questão controversa prende-se com o alcance da

presunção de veracidade do relatório do delegado firmada pela alínea f), do art. 13.º do RDLPFP, e este STA dispõe apenas, neste domínio, de poderes de revista, só estando por isso autorizado a conhecer matéria de direito (art. 150º-1 e -2 do CPTA)».

Termina requerendo a improcedência do recurso. *

E terminou as alegações do recurso subordinado que interpôs, com as seguintes conclusões:

«i. As custas fixados pelo TAD comprometem de forma séria e evidente o

princípio da tutela jurisdicional efectiva (arts. 20º-1 e 268º-4 da CRP).

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compatíveis com o direito fundamental de acesso à justiça (arts. 20º e 268º-4 da CRP) soluções normativas de tal modo onerosas que se convertam em obstáculos práticos ao efectivo exercício de um tal direito, como é o caso do TAD.

iii. O artigo 2º, nºs 1, 4 e 5 da Portaria nº 301/2015, conjugado com a tabela

constante do Anexo I (1ª linha) dessa mesma Portaria, em acções de arbitragem necessária com o valor de 2.870,00€ é inconstitucional por violação do princípio da proporcionalidade (artigo 18º, nº 2, da CRP) e do princípio da tutela jurisdicional efectiva (artigo 20º, nº 1, da CRP).

Termos em que se requer a V. Exas. se dignem julgar inconstitucional a norma resultante da conjugação do disposto art. 2º, nºs 1, 4 e 5 (e respectiva tabela constante do Anexo I, 1.ª linha, da Portaria n.º 301/2015, com o previsto nos artigos 76.º/1/2/3 e 77.º/4/5/6 da Lei do TAD, por violação dos princípios da tutela jurisdicional efectiva (art. 20.º-1 e 268.º-4 da CRP) e da proporcionalidade (art. 18.º-2.º da CRP), com as legais consequências».

*

Em 09.02.2021, a recorrida “FCP” veio apresentar nos autos, requerimento autónomo, dando conhecimento de ter sido proferido pelo Tribunal Constitucional, o Acórdão nº 594/2020, de 10.11.2020, no âmbito do processo nº 49/19.0BCLSB – em tudo idêntico aos presentes autos - suscitando a inconstitucionalidade dos artigos 214º e 259º, nº 1, do RDLPFP, tendo ainda alegado para o efeito:

«1. Antes de mais, consigna-se que a presente suscitação de inconstitucionalidade visa assegurar o cumprimento do ónus processual de arguição de inconstitucionalidade previsto no artº 70º, nº 1, al. b) da Lei do Tribunal Constitucional (Lei nº 28/82): “Cabe recurso para o Tribunal Constitucional, em secção, das decisões dos tribunais: b) que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido

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suscitada durante o processo”.

2. Recorde-se que, de acordo com a jurisprudência do TC, ao menos, para efeitos do disposto naquele artº 70º/1/b) da Lei do TC, deverá admitir-se a suscitação de inconstitucionalidade em requerimento ad hoc, isto é, contemplado no rito processual definido pela alei processual aplicável: cfr. Acs. do TC nºs 102/95, 17/07, 71/07 e 216/08. Isto posto, quanto à inconstitucionalidade propriamente dita:

3. No Acórdão nº 594/2020, datado de 10.11.2020 (autos de recurso

49/20, secção), decidiu o Tribunal Constitucional “julgar

inconstitucional a norma que estabelece a possibilidade de aplicar uma sanção disciplinar, no âmbito do processo sumário, sem que esta seja precedida da faculdade de exercício do direito de audiência pelo arguido, extraível do artº 214º do Regulamento Disciplinar das

Competições Organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol

Profissional”.

4. Tal decisão foi proferida no âmbito de um processo que versa sobre factos em tudo similares aos objecto do presente caso, estando, também ali, em discussão o sancionamento disciplinar da Futebol Clube do Porto – Futebol, SAD, levado a cabo pelo Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol em sede de processo disciplinar sumário, por comportamentos incorrectos atribuídos aos seus sócios/simpatizantes.

De facto,

5. Pese embora constitua um princípio essencial, assumido pelo próprio Regulamento Disciplinar, que a aplicação de qualquer sanção disciplinar é sempre precedida da faculdade de exercício do direito de audiência prévia pelo arguido (mormente através da instauração do correspondente procedimento disciplinar), a verdade é que o art. 214.º do RDLPFP (aplicado in casu) exclui expressamente esta garantia no

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que se refere ao processo sumário.

6. Por ser assim, em momento algum, prévio à notificação da decisão punitiva, tem o Clube oportunidade de conhecer as imputações disciplinares que lhe são dirigidas, nem, tão pouco, possibilidade de sobre as mesmas apresentar a sua versão ou posição.

7. Equivalendo, pois, aquele acto punitivo, a uma verdadeira decisão surpresa, sendo o Clube punido sem que possa exercer o devido direito de defesa que lhe assiste.

8. Ora, foi exactamente isto que sucedeu no presente processo: a decisão condenatória proferida pela Federação Portuguesa de Futebol – entretanto, objecto de sucessivos recursos – foi proferida no âmbito do processo sumário sem que antes tenha sido conferida à ora requerente a oportunidade de se pronunciar e defender dos factos pelos quais veio a ser condenada.

9. Motivo pelo qual se reputa, desde já, como materialmente inconstitucional, por violação dos direitos fundamentais de audiência e de defesa, preceituados no art. 32º, nº 10, da Constituição da República Portuguesa, a interpretação do disposto nos artigos 214º e 259º/1 do RDLPFP no sentido de que a decisão condenatória, proferida em sede de processo sumário, pode ser tomada sem que ao arguido seja previamente dada a conhecer a imputação disciplinar que lhe é dirigida e concedida oportunidade para sobre ela se pronunciar é.».

*

O “recurso de revista” foi admitido por acórdão deste STA [formação a que alude o nº 6 do artº 150º do CPTA], proferido em 18 de Fevereiro de 2021.

*

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artºs 146º, nº 1 e 147º do CPTA, e fazendo menção da inconstitucionalidade suscitada em requerimento autónomo após a apresentação da contra alegações pela recorrida FCP, no que concerne aos artºs 214º e 259º/1 do Regulamento Disciplinar [tal como já havia feito em sede de apelação] veio, igualmente, suscitar a referida inconstitucionalidade, requerendo se desse cumprimento ao disposto no artº 146º, nº 3 do CPTA, para que as partes se pudessem pronunciar sobre esta nova questão, aliás de conhecimento oficioso.

*

Por despacho proferido pela relatora em 12.04.2021, foram as partes notificadas nos termos supra requeridos, o que as mesmas fizeram nos termos que constam dos autos.

A recorrente Federação Portuguesa de Futebol pronunciou-se no sentido de ser considerado inadmissível, o requerimento em que é suscitada a referida inconstitucionalidade, pugnando pelo desentranhamento do supra mencionado requerimento apresentado pela recorrida no sentido da inconstitucionalidade, por violação do princípio da estabilidade da instância (artº 260º do CPC), argumentando que não pode haver lugar a questões “novas” que antes não tivessem sido suscitadas nos autos; no mais, quanto ao mérito, pronuncia-se pela não inconstitucionalidade do disposto nos artº 214º e 259º do RDLPFP. O recorrido FCP, por seu lado, pronunciou-se no sentido já enunciado no requerimento supra referido, pugnando pela declaração de inconstitucionalidade enunciada, alegando que, em momento algum prévio à notificação da decisão punitiva, teve oportunidade de conhecer as imputações disciplinares que lhe eram dirigidas, nem, tão-pouco, a possibilidade de sobre as mesmas apresentar a sua versão ou oposição, surgindo, deste modo, o acto punitivo como uma decisão surpresa.

Concluiu no sentido de que a interpretação do disposto nos artºs 214º e 259º, nº 1, do RD no sentido de que a decisão condenatória, proferida em sede de

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processo sumário, poder ser tomada sem que ao arguido seja previamente dada a conhecer a imputação disciplinar que lhe é dirigida e concedida a oportunidade para sobre ela se pronunciar, é inconstitucional por violação dos direitos de audiência e defesa previstos no artº 32º/10 da CRP, e consequentemente é nulo o acto punitivo proferido em 29.08.2017.

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Sem vistos, por não serem devidos.

2. FUNDAMENTAÇÃO 2.1. MATÉRIA DE FACTO

A matéria de facto assente nos autos, é a seguinte:

«A. Ao minuto 7, da 1ª parte, adeptos afectos ao FC Porto - SAD, aquando do

golo do FCP, localizados na Bancada Nascente Superior, Sector A9 e A10, rebentaram 2 petardos, deflagraram 2 flash light e uma tocha de fumo, sem provocar qualquer dano, num total de 5 engenhos pirotécnicos.

B. Ao minuto 26 da 2ª parte, os adeptos do SC Braga, situados na bancada

Nascente inferior, sector A8 entoaram o seguinte cântico "Porto é merda, Porto é merda... filhos da puta, filhos da puta".

C. Aos 80 minutos os adeptos do FC Porto situados na bancada nascente

superior sector A9 e A10 entoaram durante, aproximadamente 7 minutos o seguinte cântico "Braga é merdaʺ.

D. Aos minutos 84, 85 e 88 de jogo, os adeptos do FC Porto, situados na

bancada nascente superior, sector A9 e A10, rebentaram 3 flash lights, sem provocarem qualquer dano, num total de 3 engenhos pirotécnicos.

E. Os mesmos adeptos, aos 93 minutos de jogo, rebentaram 1 petardo.

F. Assim os adeptos, do FC Porto, no total, durante o jogo em causa,

procederam à deflagração de 9 engenhos pirotécnicos.”. *

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2.2. O DIREITO

E a primeira questão que importa abordar e decidir, respeita à inconstitucionalidade suscitada em requerimento autónomo, após a apresentação de alegações e contra alegações, por parte do recorrido Futebol Clube do Porto, no que foi secundado pelo Parecer do Ministério Público.

Suscitada nesta fase do processo, a inconstitucionalidade do disposto nos artºs 214º e 259º, nº 1 do RD, no sentido de que a decisão condenatória, proferida em sede de processo sumário, poder ser tomada sem que ao arguido seja previamente dada a conhecer a imputação disciplinar que lhe é dirigida e concedida a oportunidade para sobre ela se pronunciar, é inconstitucional, por violação dos direitos de audiência e defesa previstos no artº 32º/10 da CRP, impõe-se tomar conhecimento da mesma, uma vez que as partes foram devidamente notificadas para sobre ela se pronunciarem, o que fizeram [cfr. artº 146º, nºs 1 a 3 do CPTA], para além de que, a inconstitucionalidade seria sempre de conhecimento oficioso, como resulta do disposto no nº 2, do artº 608º do CPC (parte final) e 9º, nº 2 do CPTA.

Acresce que, a natureza oficiosa do conhecimento da inconstitucionalidade prevalece perante o argumento da “estabilidade da instância”, bem como, perante o da limitação do objecto do recurso pelo teor das conclusões das alegações e contra alegações.

Resolvida esta questão, importa conhecer do mérito, iniciando o seu conhecimento precisamente pela (in)constitucionalidade suscitada pelo “FCP”, e decidir se o acto punitivo em causa nos presentes autos cautelares proferido em 29.08.2017 e mantido pela Deliberação de 26.09.2017, pelo Pleno da Secção Profissional do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol, no âmbito de um processo sumário, com preterição de audiência prévia, através da qual lhe foi aplicada a pena de multa é nulo por ofender o conteúdo essencial dos direitos fundamentais de defesa vertidos no artº 32º, nº

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10, e 269º, nº 3 ambos da CRP.

No Acórdão nº 594/2020 de 10.11.2020, in proc. nº 49/20, proferido pelo Tribunal Constitucional, num caso em tudo idêntico aos presentes autos [proc. nº 49/19.0BCLSB] consignou-se o seguinte:

«10. (…) devemos iniciar a nossa análise pela letra do preceito que está em causa. É a seguinte a redação do artigo 214.º do RD-LPF, subordinado à epígrafe “Obrigatoriedade de audição do arguido”:

«Salvo o disposto no presente Regulamento quanto ao processo sumário, a aplicação de qualquer sanção disciplinar é sempre precedida da faculdade de exercício do direito de audiência pelo arguido através da instauração do correspondente procedimento disciplinar.”

O tribunal a quo, na sua decisão, formulou a primeira questão da seguinte forma: «no que concerne ao procedimento disciplinar sumário, (…) a norma plasmada no artigo 214.º do [RD-LPF], na parte em que suprime a audiência do arguido em momento anterior ao da edição do ato punitivo, é materialmente inconstitucional, por violação dos direitos fundamentais de audiência e de defesa, preceituados nos artigos 32.º, n.º 10, e 269.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa» (cfr. p. 20 do acórdão recorrido). Nestes termos, atendendo à letra do preceito em causa, a questão de constitucionalidade prende-se com o facto de o artigo 214.º do RD-LPF, ao estabelecer a regra da audição do arguido antes da aplicação de qualquer sanção disciplinar, excecionar o regime previsto no mesmo Regulamento relativo ao processo sumário, consagrado nos artigos 257.º a 262.º, onde não se prevê essa necessidade. A norma objeto da primeira questão de constitucionalidade é, portanto, a possibilidade de aplicar uma sanção disciplinar no âmbito do processo sumário sem que esta seja precedida da faculdade de exercício do direito de audiência pelo arguido, extraível do artigo 214.º do RD-LPF.

11. Por sua vez, a segunda questão de constitucionalidade que surge no presente recurso prende-se com a consagração de «uma presunção inilidível da

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veracidade dos factos constantes dos relatórios dos árbitros e do delegado da Liga» na alínea f) do artigo 13º do RD-LPF. A redação deste preceito, sob a epígrafe “Princípios fundamentais do procedimento disciplinar”, é a que segue: «O procedimento disciplinar regulado no presente Regulamento obedece aos seguintes princípios fundamentais:

(…)

f) presunção de veracidade dos factos constantes das declarações e relatórios da equipa de arbitragem e do delegado da Liga e dos autos de flagrante delito lavrados pelos membros da Comissão de Instrutores, e por eles percecionados no exercício das suas funções, enquanto a veracidade do seu conteúdo não for fundadamente posta em causa;»

O acórdão a quo, sobre esta questão, determinou que «a norma plasmada no art.º 13.º, al. f) do RD, na medida em que contém uma presunção inilidível da veracidade dos factos constantes dos relatórios dos árbitros e do delegado da Liga, é materialmente inconstitucional quando aplicada ao procedimento disciplinar sumário, por violação dos princípios da culpa e da presunção da inocência, preceituados no art.ºs 32.º, n.ºs 10 e 2 da Constituição da República Portuguesa, bem como por violação dos direitos ao contraditório e ao processo equitativo, previstos no art.º 20.º, n.º 4 da mesma Lei Fundamental» (cfr. p. 28 do acórdão recorrido).

A recondução da norma objeto do recurso, que estabelece «uma presunção inilidível da veracidade dos factos constantes dos relatórios dos árbitros e do delegado da Liga», apenas à alínea f) do artigo 13.º do RD-LPF não é precisa. Bastará atentar na parte final do preceito para se concluir que a sua letra não estabelece uma “presunção inilidível”, pois admite que a presunção de veracidade do conteúdo dos documentos em causa apenas vale «enquanto a veracidade do seu conteúdo não for fundadamente posta em causa». Trata-se, portanto, de uma presunção suscetível de ser ilidida, designadamente por prova em contrário. A questão de constitucionalidade colocada não incide, portanto,

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sobre a interpretação isolada do artigo 13.º, alínea f), do RD-LPF. A norma cuja inconstitucionalidade é questionada resulta da interpretação conjugada deste preceito, no âmbito do processo disciplinar sumário, com a possibilidade de aplicar uma sanção disciplinar sem que esta seja precedida da faculdade de exercício do direito de audiência pelo arguido, extraível do artigo 214.º do RD-LPF. Efetivamente, seria no contexto dos seus direitos de audiência e de defesa que o arguido poderia lograr ilidir a referida presunção. Na medida em que tal fase é afastada no processo sumário, torna-se impossível afastar a presunção de veracidade – que se torna, assim, na interpretação do tribunal a quo, inilidível.

Como o próprio recorrente reconhece nas suas alegações (conclusões 56 a 58) «Na verdade, a norma contida no mencionado artigo 13.º, alínea f), do Regulamento Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol Profissional, que define a força probatória dos relatórios dos árbitros e dos delegados da Liga, não determina, só por si, que dos factos contidos nesses documentos se extraiam, por via de quaisquer presunções inilidíveis, factos desconhecidos cuja veracidade se revele incontestável». Por conseguinte, «tal suposta incontestabilidade factual, a reconhecer-se, apenas poderá ser imputada à, anteriormente apreciada, violação do direito de audiência e defesa plasmado no nº 10, do artigo 32.º, da Constituição da República Portuguesa, cuja inconstitucionalidade radica na interpretação normativa do artigo 214.º do Regulamento Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol Profissional, também efectuada pelo douto tribunal “a quo”, no sentido da não admissão da audiência do arguido em momento anterior ao da edição do respectivo acto punitivo». É também este o sentido da norma do artigo 13.º, alínea f), do RD-LPF, isto é, «quando aplicada ao procedimento disciplinar sumário nos sobreditos termos», que a recorrida A., SAD, reputa de inconstitucional, «por violação do princípio da presunção de inocência e do princípio da culpa, uma vez que os factos constantes dos relatórios de arbitragem e do delegado da Liga, na medida em

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que não podem ser contraditados antes da produção do ato punitivo, beneficiam de uma presunção inilidível, estando, na realidade, definitivamente fixados com a respetiva inserção nos aludidos relatórios. A atribuição normativa de presunção de veracidade aos factos suscetíveis de fundamentar a responsabilidade disciplinar do arguido – como se prevê no artigo 13.º, alínea f), do RD – representa uma restrição do direito à presunção de inocência (…) que só não acontecerá se ao arguido for dada a possibilidade de ilidir a presunção de veracidade antes de esta ser acionada para dar como provados factos suscetíveis de determinar a sua responsabilização disciplinar» (conclusões “O” e “P” das contra-alegações).

A segunda norma a sindicar é a consagração, no procedimento disciplinar sumário, da presunção inilidível da veracidade dos factos constantes dos relatórios dos árbitros e do delegado da Liga, que resulta da interpretação conjugada do artigo 13.º, alínea f), com o artigo 214.º, ambos do RD-LPF.

Neste enquadramento, o resultado da apreciação da conformidade constitucional da segunda norma estará, portanto, necessariamente dependente da apreciação da primeira. Uma apreciação positiva de inconstitucionalidade da primeira torna a segunda norma insubsistente, prejudicando, nessa medida, a utilidade da apreciação da sua conformidade com a Constituição.

C. Do mérito

i) Apreciação da primeira questão de constitucionalidade

12. Vejamos, então, em primeiro lugar, a norma que estabelece a possibilidade de aplicar uma sanção disciplinar no âmbito do processo sumário sem que esta seja precedida da faculdade de exercício do direito de audiência pelo arguido, extraível do artigo 214.º do RD-LPF.

Esse preceito, como já referimos, sob a epígrafe “Obrigatoriedade de audição do arguido” dispõe:

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aplicação de qualquer sanção disciplinar é sempre precedida da faculdade de exercício do direito de audiência pelo arguido através da instauração do correspondente procedimento disciplinar.»

A ressalva constante da parte inicial deste preceito foi interpretada pelo tribunal a quo, «atenta a sistematicidade e a teleologia subjacente», no sentido de a garantia da audiência do arguido em momento prévio à tomada da decisão sancionatória se encontrar expressamente arredada da forma sumária do procedimento disciplinar. Mais se considerou, na decisão recorrida, que «a própria tramitação do processo sumário, descrita nos arts. 257.º a 262.º do RD, não comporta, nem permite acomodar qualquer momento em que o arguido, previamente à edição da decisão sancionatória, possa exercer o seu direito de defesa» (cfr. pp. 14 a 16 do acórdão recorrido).

Em conformidade com a interpretação que fez do artigo 214.º do RD-LPF, o Tribunal Central Administrativo Sul, verificando que a recorrente A., SAD, fora punida sem que pudesse apresentar qualquer defesa na qualidade de arguida no processo disciplinar sumário que contra si foi instaurado, recusou a aplicação daquela norma na parte em que suprime a audiência do arguido em momento anterior ao da edição do ato punitivo, por violação dos direitos fundamentais de audiência e de defesa assegurados pelos artigos 32.º, n.º 10, e 269.º, n.º 3, da Constituição.

13. Desde já se adianta merecer imediata adesão esta conclusão.

A República Portuguesa, enquanto Estado Democrático de Direito, garante a existência de um processo disciplinar justo. Sendo um instrumento para apurar e punir infrações disciplinares, o processo disciplinar apresenta relações com o Direito Processual Penal, designadamente na medida em que se encontra também necessariamente subordinado a princípios e regras que assegurem os direitos de defesa.

A Constituição assume aquela relação, no artigo 32.º, sob a epígrafe “garantias do processo penal”, ao assegurar, no n.º 10, as garantias do direito de

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audiência e defesa nos processos contraordenacionais e em «quaisquer processos sancionatórios». Esta norma constitucional foi introduzida pela revisão constitucional de 1989, quanto aos processos de contraordenação, e alargada, pela revisão de 1997, a quaisquer processos sancionatórios.

De acordo com Germano Marques da Silva e Henrique Salinas «O n.º 10 garante aos arguidos em quaisquer processos de natureza sancionatória os direitos de audiência e defesa. Significa ser inconstitucional a aplicação de qualquer tipo de sanção, contraordenacional, administrativa, fiscal, laboral, disciplinar ou qualquer outra, sem que o arguido seja previamente ouvido e possa defender-se das imputações que lhe são feitas. Neste defender-sentido, entre outros, os Acs. n.ºs 659/06, 313/07, 45/08, e 135/09, esclarecendo-se ainda, no Ac. n.º 469/97, que esta exigência vale não apenas para a fase administrativa, mas também para a fase jurisdicional do processo» (cfr. Constituição Portuguesa Anotada, Jorge Miranda e Rui Medeiros (coord.), vol. I, Universidade Católica Editora, 2017, p. 537).

Pronunciando-se sobre o sentido da garantia prevista no artigo 32.º, n.º 10, da Constituição, o Tribunal Constitucional referiu no Acórdão n.º 135/2009, do Plenário, ponto 7:

«(…) [C]omo se sustentou nos Acórdãos n.ºs 659/2006 e 313/2007, com a introdução dessa norma constitucional (efetuada, pela revisão constitucional de 1989, quanto aos processos de contraordenação, e alargada, pela revisão de 1997, a quaisquer processos sancionatórios) o que se pretendeu foi assegurar, nesses tipos de processos, os direitos de audiência e de defesa do arguido, direitos estes que, na versão originária da Constituição, apenas estavam expressamente assegurados aos arguidos em processos disciplinares no âmbito da função pública (artigo 270.º, n.º 3, correspondente ao atual artigo 269.º, n.º 3). Tal norma implica tão‑só ser inconstitucional a aplicação de qualquer tipo de sanção, contraordenacional, administrativa, fiscal, laboral, disciplinar ou qualquer outra, sem que o arguido seja previamente ouvido (direito de audição)

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e possa defender-se das imputações que lhe são feitas (direito de defesa), apresentando meios de prova e requerendo a realização de diligências tendentes a apurar a verdade (cf. JORGE MIRANDA e RUI MEDEIROS, Constituição Portuguesa Anotada, tomo I, Coimbra, 2005, p. 363). É esse o limitado alcance da norma do n.º 10 do artigo 32.º da CRP, tendo sido rejeitada, no âmbito da revisão constitucional de 1997, uma proposta no sentido de se consagrar o asseguramento ao arguido, “nos processos disciplinares e demais processos sancionatórios”, de “todas as garantias do processo criminal” (artigo 32.º‑B do Projecto de Revisão Constitucional n.º 4/VII, do PCP; cf. o correspondente debate no Diário da Assembleia da República, II Série‑RC, n.º 20, de 12 de Setembro de 1996, pp. 541‑544, e I Série, n.º 95, de 17 de Julho de 1997, pp. 3412 e 3466)».

No Acórdão n.º 338/2018, da 3.ª Secção, ponto 14, o Tribunal voltou a afirmar: «No que diz respeito ao n.º 10 do artigo 32.º, referiu-se no Acórdão n.º 180/2014 que o mesmo releva “no plano adjetivo e significa ser inconstitucional a aplicação de qualquer tipo de sanção contraordenacional ou administrativa sem que o arguido seja previamente ouvido e possa defender-se das imputações que lhe são feitas (Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, Coimbra, 2005, pág. 363, e acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 160/2004 e 161/2004)».

Em suma, e como se reconhece no artigo 32.º, n.º 10, da Constituição, os direitos de audiência – de ser efetivamente ouvido antes do decretamento da sanção –, e defesa – de apresentar a sua versão dos factos, juntar meios de prova e requerer a realização de diligências – constituem uma dimensão essencial tanto do processo criminal como dos processos de contraordenação como, finalmente, também de todos os processos sancionatórios. No caso dos processos sancionatórios disciplinares no contexto da função pública, a essencialidade dos referidos direitos de audiência e de defesa é reforçada ainda pelo artigo 269.º, n.º 3, da Constituição. O sentido útil desta «explicitação

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constitucional do direito de audiência e de defesa é o de se dever considerar a falta de audiência do arguido ou a omissão de formalidades essenciais à defesa como implicando a ofensa do conteúdo essencial do direito fundamental de defesa» (Cfr. J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. II, 4.ª ed. revista, Coimbra Editora, 2010, p. 841).

Exigindo o n.º 10 do artigo 32.º da Constituição que o arguido nos processos sancionatórios não penais ali referidos seja previamente ouvido e possa defender-se das imputações que lhe sejam feitas, apresentando meios de prova, requerendo a realização de diligências com vista ao apuramento da verdade dos factos e alegando as suas razões, imperioso será concluir que uma norma que permita a aplicação de qualquer tipo de sanção disciplinar sem que o arguido seja previamente ouvido e possa defender-se das imputações que lhe são feitas se apresenta necessariamente como violadora da Constituição.

14. O processo sumário regulado no RD-LPF é um processo disciplinar. Visa punir o ilícito disciplinar com uma sanção disciplinar, tendo, portanto, natureza sancionatória. Nessa medida, encontra-se abrangido pelo âmbito de aplicação do n.º 10 do artigo 32º da Constituição. Sendo assim, inequívoco se afigura que a norma do referido Regulamento, que suprime o direito de audiência no âmbito do processo disciplinar sumário, contraria flagrantemente o disposto no artigo 32.º, n.º 10 da Constituição.

Em face do exposto, conclui-se pela inconstitucionalidade material da norma que estabelece a possibilidade de aplicar uma sanção disciplinar no âmbito do processo sumário sem que esta seja precedida da faculdade de exercício do direito de audiência pelo arguido, extraível do artigo 214.º do RD-LPF, por violação do direito de audiência e defesa plasmado no n.º 10 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa.

ii) Apreciação da segunda questão de constitucionalidade

15. A segunda norma objeto do pedido é a norma do procedimento disciplinar sumário, que estabelece a presunção inilidível da veracidade dos factos

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constantes dos relatórios dos árbitros e do delegado da Liga, por impossibilidade de exercício dos direitos de defesa e audiência do arguido nesse contexto, que resulta da interpretação conjugada do artigo 13.º, alínea f), com o artigo 214.º, ambos do RD-LPF.

Como logo se adiantou no final do ponto 11. do presente acórdão, o resultado da apreciação da conformidade constitucional desta segunda norma está intrinsecamente ligado ao resultado da apreciação da primeira. Uma apreciação positiva de inconstitucionalidade da primeira norma torna a segunda norma insubsistente, conduzindo à inutilidade da apreciação da sua conformidade constitucional.

Com efeito, o artigo 13.º, alínea f), do RD-LPF ao definir a força probatória dos relatórios dos árbitros e dos delegados da Liga, não determina, por si só, que dos factos contidos nesses documentos se extraiam, por via de presunções inilidíveis, factos desconhecidos cuja veracidade se revele incontestável. Efetivamente, a parte final do preceito admite que a presunção de veracidade do conteúdo dos documentos em causa apenas vale «enquanto a veracidade do seu conteúdo não for fundadamente posta em causa». Assim, o arguido terá, regra geral, a possibilidade de ilidir a presunção, designadamente por prova em contrário, através do exercício dos seus direitos de audiência e de defesa.

Quanto a este aspeto, como o Tribunal já tem afirmado, «não é a simples previsão de uma presunção legal que comporta a violação do princípio agora em análise [princípio da presunção da inocência]. Como se afirmou também no já citado Acórdão n.º 135/2009, não se questiona a possibilidade de o legislador, mesmo em matéria sancionatória estabelecer presunções. O que é intolerável é a existência de presunções inilidíveis em contexto sancionatório, quando reportadas à autoria da prática de infrações» (cfr. Acórdão n.º 338/2018, da 3.ª Secção, ponto 16).

16. No entanto, o artigo 214.º do RD-LPF vem admitir a aplicação de uma sanção disciplinar sem que esta seja precedida da faculdade de exercício do

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direito de audiência pelo arguido – o que torna virtualmente impossível o afastamento da presunção. Por conseguinte, a incontestabilidade dos factos constantes dos relatórios dos árbitros e dos delegados da Liga, a verificar-se, apenas pode ser imputada à não admissão da audiência do arguido em momento anterior ao da edição do respetivo ato punitivo. A natureza inilidível da presunção assenta na impossibilidade de os factos serem contraditados antes da produção do ato punitivo porque o arguido não podia ser previamente ouvido sobre os factos imputados. Nesse âmbito, a norma do artigo 13.º, alínea f), apenas suscita problemas de conformidade com a Constituição quando aplicada no contexto do procedimento disciplinar sumário, por virtude da exceção ressalvada na primeira parte da norma contida no artigo 214.º do RD-LPF.

Assim sendo, uma vez que se concluiu pela inconstitucionalidade material da norma que estabelecia a possibilidade de aplicar uma sanção disciplinar no âmbito do processo sumário, sem que esta seja precedida da faculdade de exercício do direito de audiência pelo arguido, extraível do artigo 214.º do RD-LPF, inútil se torna a apreciação da segunda norma impugnada. Com efeito, sendo inconstitucional a referida norma, insubsistente se torna a interpretação normativa de que existia uma presunção inilidível da veracidade dos factos constantes dos relatórios de arbitragem e do delegado da Liga. Impondo a Constituição a audiência prévia do arguido, desaparece o segmento da norma que conduzia ao estabelecimento da presunção inilidível e sendo assim, prejudicada fica a utilidade de conhecimento da inconstitucionalidade da segunda norma.

17. Uma outra razão concorre ainda para concluir pela inutilidade do conhecimento da segunda norma. Constituindo o sentido útil da explicitação constitucional do direito de audiência e defesa constante do artigo 32.º, n.º 10, da Lei Fundamental, o de se dever considerar a falta de audiência do arguido como implicando a ofensa do conteúdo essencial do direito fundamental de

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defesa num processo disciplinar, de uma tal omissão não pode deixar de resultar a nulidade do procedimento disciplinar em causa. E, sendo assim, impõe-se o regresso dos autos à fase do procedimento disciplinar, de forma a assegurar a audiência do arguido. Foi, de resto, também esse o resultado decisório a que chegou o tribunal a quo, designadamente ao declarar a nulidade da deliberação do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol que confirmou a decisão singular do Conselho de Disciplina de aplicação de uma multa à Recorrente. Um resultado decisório que resulta desde logo confirmado pela inconstitucionalidade da norma que estabelecia a possibilidade de aplicar uma sanção disciplinar no âmbito do processo sumário sem que esta seja precedida da faculdade de exercício do direito de audiência pelo arguido, extraível do artigo 214.º do RD-LPF a que acima se chegou.

(…) III – Decisão

Termos em que se decide:

a) Julgar inconstitucional a norma que estabelece a possibilidade de aplicar uma sanção disciplinar, no âmbito do processo sumário, sem que esta seja precedida da faculdade de exercício do direito de audiência pelo arguido, extraível do artigo 214.º do Regulamento Disciplinar das Competições Organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional;

b) Julgar inútil a apreciação da conformidade constitucional da norma do procedimento disciplinar sumário, que estabelece a presunção inilidível da veracidade dos factos constantes dos relatórios dos árbitros e do delegado da Liga, resultante da interpretação conjugada do artigo 13.º, alínea f), com o artigo 214.º, ambos do Regulamento Disciplinar das Competições Organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional; e

c) Em consequência, negar provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC e confirmar a decisão recorrida».

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Ora, face ao decidido no Ac. do TC, que supra se transcreveu [e pese embora, o mesmo não fazer caso julgado, nos presentes autos], não podemos de todo, desconsiderar o que ali se consignou, impondo-se, mais do que isso, uma adesão in totom.

Com efeito, nos presentes autos, o “FCP” foi punido sem que pudesse apresentar qualquer defesa na qualidade de arguido no processo disciplinar sumário que contra si foi instaurado, pelo que se impõe a recusa por parte deste Supremo Tribunal da aplicação da norma constante no artº 214º do RD-LPF, na parte em que suprime a audiência do arguido em momento anterior ao da edição do acto punitivo, por violação dos direitos fundamentais de audiência e de defesa assegurados pelos artºs 32º, nº 10 e 269º, nº 3 da CRP.

Esta conclusão está, aliás, em linha com a jurisprudência deste Supremo Tribunal, que tem afirmado reiteradamente que a presunção de veracidade dos factos constantes dos relatórios dos jogos elaborados pelos delegados da Liga Portuguesa Futebol Profissional (LPFP) que tenham sido por eles percecionados, estabelecida pelo art. 13º, al. f), do Regulamento Disciplinar da LPFP (RD/LPFP não infringe os comandos constitucionais insertos nos artigos 2º, 20º, nº 4 e 32º nºs 2 e 10 da CRP e os princípios da presunção de inocência e do in dubio pro reo, na medida em que seja conferido ao arguido “a possibilidade de abalar os fundamentos em que ela se sustenta mediante a mera contraprova dos factos presumidos” - cfr. Acórdão de 21 de Fevereiro de 2019, in Processo nº 0033/18.0BCLSB; v. também, no mesmo sentido Acórdãos de 18 de Outubro de 2018, in Processo nº 0144/17.0BCLSB, de 20 de Dezembro de 2018, in Processo nº 08/18.0BCLSB, de 21 de Fevereiro de 2019, in Processo nº 033/18.0BCLSB, de 21 de Março de 2019, in Processo nº 075/18.6BCLSB, de 4 de Abril de 2019, proferido in Processos nºs 040/18.3BCLSB e 030/18.6BCLSB, de 2 de maio de 2019, in Processo nº 073/18.0BCLSB, de 19 de Junho de 201, in Processo nº 01/18.2BCLSB, de 5 de Setembro de 2019, in Processos nºs 058/18.6BCLSB e

(32)

065/18.9BCLSB, de 16 de Janeiro de 2020, in Processo nº 039/19.2BCLSB, 7 de maio de 2020, in Processos nº 144/17.0BCLSB e 074/19.0BCLSB, de 18 de Junho de 2020, in Processo nº 42/19.2BCLSB e de 19 de Novembro de 2020, in 102/19.0BCLSB, todos consultáveis em www.dgsi.pt/jsta.

Face ao exposto conclui-se pela desaplicação da norma, por inconstitucionalidade material, nos termos supra referidos.

E, deste modo, julgando a decisão punitiva nula, acolhendo ainda os fundamentos constantes do referido Ac. do TC, o conhecimento das restantes questões suscitadas no âmbito do presente recurso de revista fica prejudicado, bem como prejudicado fica o recurso subordinado interposto pelo aqui recorrido FCP referente às custas devidas no TAD.

*

3. DECISÃO

Face ao exposto, acordam os juízes que compõem este Tribunal em: (i) Negar provimento à revista.

(ii) Conceder provimento ao segmento de recurso jurisdicional deduzido pelo “FCP”

(iii) Manter o acórdão recorrido proferido pelo TCAS com os fundamentos supra transcritos e desta forma declarar a nulidade da Deliberação suspendenda que condenou o “FCP” na pena de multa no valor de 2.870,00€, pela prática da infracção disciplinar p. e p. pelo artº 187º, 1, b), do RD, designadamente, a deflagração de engenhos pirotécnicos por adeptos, no decorrer do jogo de futebol disputado entre o SC Braga e o FC Porto a 27.08.2017, no Estádio Municipal de Braga.

(iv) Considerar prejudicado o conhecimento do recurso subordinado. Custas a cargo da recorrente

(33)

A Relatora atesta, nos termos do artº 15º-A do Decreto-Lei 10-A/2020, de 13 de Março, o voto de conformidade dos Exmºs Senhores Conselheiros Cláudio Monteiro e José Veloso.

Maria do Céu Dias Rosa das Neves

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