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DA PEDAGOGIA JESUÍTICA À PEDAGOGIA INACIANA: MUDANÇAS NO PERCURSO DE UM MÉTODO

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MUDANÇAS NO PERCURSO DE UM MÉTODO

, GUIDINI Fernando - PUCPR fernandoguidini@yahoo.com.br PASINATO, Nara Maria Bernardes - PUCPR narapasinato@gmail.com FERREIRA, Jacques de Lima - PUCPR drjacqueslima@hotmail.com CORRÊA, Rosa Lydia Teixeira - PUCPR rosa.correa@pucpr.br Área Temática: Educação: História da Educação Agência Financiadora: Não contou com financiamento Resumo

O presente trabalho origina-se de reflexões realizadas no âmbito da disciplina História da Formação de Professores no Brasil, no processo de formação continuada num programa de Pós-Graduação Stricto Sensu, na qual foi possível refletir também sobre a Formação de Professores no Brasil no contexto Jesuítico, durante o Brasil colônia no período de 1749 a 1759. Tem como finalidade fazer uma reflexão sobre a pedagogia jesuíta expressada no Ratio

Studiorum e seus propósitos no processo colonizador brasileiro, sem descurar da relação

existente entre Estado e Igreja Católica nesse período, considerando a chegada da Congregação Brasil e sua posterior expulsão. Como parte dessa finalidade, considera ainda que, no processo histórico de existência jesuíta, sua pedagogia sofreu mudanças, sendo na atualidade denominada de pedagogia inaciana. Assim, o núcleo da reflexão incide sobre o método Jesuítico de Aprendizagem contido no Ratio Studiorum à sua atualização sob a denominação de Pedagogia Inaciana.

Palavras-chave: História da Educação. Aprendizagem. Ratio Studiorum. Pedagogia Inaciana. Introdução

Este trabalho tem como finalidade proceder uma reflexão histórico-contemporânea sobre as Pedagogias Jesuítica e Inaciana1,cuja origem se assenta em orientações metodológicas contidas no Ratio Studiorum, que se traduz no método Jesuítico de

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Aprendizagem. Essa reflexão esta sendo realizada a partir de uma leitura crítica sobre os jesuítas na perspectiva de terem sido os primeiros professores no Brasil. Ela permitiu depreender questões referentes ao método jesuítico e o processo de ensino/aprendizagem, aspectos que têm sido pouco explorados na historiografia da educação2, razão pela qual procuramos enveredar por este caminho.

A pedagogia jesuítica consubstanciada no Ratio Studiorum pode ser lida, considerando a época na qual a última versão foi divulgada (1599), como de características conservadoras, tendo em conta os pressupostos que lhe estiveram subjacentes e o contexto no qual foi concebido, o da Contra Reforma. Nesta orientação pedagógica, entendida pelos jesuítas como método, a preleção adquire centralidade, cuja finalidade é desenvolver e ativar a espírito (FRANCA, 1952, p. 57).

Mas como o passar do tempo, o processo de ensino-aprendizagem, na congregação jesuíta deixa de lado pressupostos conservadores e adota a pedagogia Inaciana3, que exige do professor um novo modo de entender a relação com o conhecimento, por meio da idéia da participação do aluno no processo de conhecimento, destacadamente por meio da reflexão e da descoberta. Aqui a pedagogia Inaciana é fundada em valores, tais como: cooperação, solidariedade e consciência crítica, oportunizada por meio do constante exercício reflexivo e problematizador sobre a realidade objeto de conhecimento, que personaliza a aprendizagem, motivando e envolvendo os alunos de forma crítica e ativa no processo de ensino e de aprendizagem.

Com efeito, este trabalho está estruturado, além desta introdução, em quatro partes seguidas das considerações finais. Assim, antes da apreciação do método propriamente dito, por meio do Ratio e da Pedagogia Inaciana, consideramos oportuno, primeiramente realizar uma digressão sobre a relação entre Estado e Igreja Católica no período colonial brasileiro, uma vez que ela se manifesta como fundamental para entendermos o desenvolvimento da pedagogia jesuítica no Brasil e seus atuais desdobramentos.

2 Os estudos tratam de modo geral da educação jesuíta no período colonial, da função dominadora que eles

exerceram e da Ratio e sua função pedagógica em sentido amplo. Ver nesse sentido os trabalhos de: PAIVA, J, M. Catequese e Colonização. São Paulo: Cortez/Autores Associados, 1982. PAIVA, J. M. Educação Jesuíta no Brasil Colonial. In: 500 anos de Educação no Brasil. LOPES, E. M. T. L; FARIA FILHO, L. M; VEIGA, C. G. (Orgs). Belo Horizonte: Autêntica, 2000.

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Relação entre o Estado Português, a Igreja Católica e a Educação

A relação da Coroa Portuguesa com a Igreja Católica foi sempre de fidelidade e o uso da Companhia de Jesus pelos portugueses, durante a colonização do Brasil, vinha de encontro aos interesses da Corte, bem como aos da Igreja Católica que, por intermédio da companhia poderia ver seus domínios expandidos em atitude de reação à Reforma protestante.

Dessa intensa relação entre o Estado e a Igreja, a religião católica é oficializada através do padronado que pode ser definido como:

…a outorga, pela Igreja de Roma, de um certo grau de controle sobre a igreja local ou nacional, a um administrador civil, em apreço de seu zelo, dedicação e esforços para difundir a religião e como estímulo para futuras “boas obras”. De certo modo o espírito do Padroado pode ser assim resumido: aquilo que é construído pelo administrador pode ser controlado por ele. O sistema de Padroado no Brasil foi constituído por uma série de Bulas Papais por quatro Papas ente1455 e 1515 (BRUNEAU, 1974, p. 31-32 apud SAVIANI, 2007, p. 178)

Dessa maneira a Igreja dava suporte espiritual aos súditos da coroa, mantinha a coesão da sociedade e auxiliava na estabilidade social e na manutenção do status quo.

A escolha da Companhia de Jesus para vir ao Brasil com o objetivo educacional veio de uma profunda admiração do rei D. João III, já que os jesuítas vinham desempenhando um papel admirável, tanto em Portugal, como em outras nações européias. Eles eram considerados letrados, sacerdotes de exemplo e que faziam tudo por amor a Jesus (PUENTES, 2005, p. 79). Por isso, o Rei de Portugal se identificou prontamente com os jesuítas e com sua forma de trabalhar. Percebeu que sua atuação no Brasil e nas colônias seria de grande interesse para auxiliar na instauração da administração necessária às mesmas.

Os jesuítas criaram fama de serem possuidores de saber, de estarem inseridos numa modernidade cultural. Tinham uma integração dinâmica com o movimento de restauração católica e uma espiritualidade adequada aos novos tempos (PUENTES, 2005, p.83). Tudo isso agradava o reino português e vinha de encontro aos objetivos da corte em relação às suas colônias.

Ademais, a Companhia de Jesus tinha características ideais que a aproximavam do Estado Português. Eles compreendiam que os estudos eram de fundamental importância para se acompanhar a evolução social que estava em processo na Europa e possuíam uma racionalidade, moldada na escolástica, que considerava as partes sem desconsiderar o todo. E

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essa característica era de vital importância, uma vez que atendia as exigências de quem estava no poder, permitindo, dessa forma, a secularização do Estado (PAIVA, 2001, p. 3 apud PUENTES, 2005, p.86). As características presentes na Companhia de Jesus possuíam tudo o que era essencial para a colonização e dominação do Brasil e a permanência do estado português como parte dominante e autoridade maior na colônia

A Pedagogia Jesuítica – o Ratio Studiorum

Para se compreender o papel dos jesuítas na educação do Brasil Colônia é necessário entender o contexto da origem da pedagogia por eles erigida. A Companhia de Jesus foi fundada em 1540, por Santo Inácio de Loyola, com a finalidade principal de "aperfeiçoar as almas na vida e na doutrina cristãs, e para a propagação da fé" (CONSTITUIÇÕES DA COMPANHIA DE JESUS, 2004, p. 29). Posteriormente, após a Reforma Protestante, a Igreja Católica, na sua Contra Reforma utilizou a Companhia de Jesus para fins pedagógicos. Os jesuítas atuavam na educação por meio do ensino de característica escolar para, dessa forma, impedir a expansão protestante e recuperar a posição da Igreja. Eles catequizaram, pregaram, fizeram confissões e ensinaram para auxiliar o homem a alcançar o reino dos céus.

Dentro de seu projeto educacional, em 1599, os jesuítas apresentaram a versão definitiva do Ratio Atque Institutio Studiorum Societatis Jesu4, conhecido por Ratio

Studiorum, que era um método de ensino constituído por 30 conjuntos de regras rígidas, a

serem seguidas por todos os colégios da Companhia. Segundo Klein (1997, p. 35), era um minucioso manual de funções, com a indicação da responsabilidade, do desempenho, da subordinação e do relacionamento do pessoal dirigente, dos professores e dos alunos.

O Ratio não era simplesmente um tratado pedagógico, mas um conjunto de regras detalhadas que deveriam ser seguidas pelos padres jesuítas em sua sala de aula. Ele era um manual metodológico de ensino a ser obedecido e executado nas aulas.

A sua metodologia era muito detalhada, contendo sugestões de processos didáticos de transmissão de conhecimento e de estímulos ao aluno de maneira a consolidar o seu esforço educativo.

A sua base filosófica teve forte influência dos escritos de Aristóteles, da escolástica de São Tomás de Aquino e da Renascença. Segundo Shigunov (2008, p. 180) apresentava como

4 Foi publicado pelo Padre Geral Claudio Aquaviva visando a formação do homem cristão de acordo com os

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peculiaridades a centralização e o autoritarismo da metodologia, a orientação universalista, a formação humanista e literária e a utilização da música.

Essa concepção filosófica fornece o ideário da pedagogia jesuítica, que tem por base uma visão essencialista do homem, “à educação cumpre moldar a existência particular e real de cada educando à essência universal e ideal que o define enquanto ser humano” (SAVIANI, p.58).

Na sua proposta eram apresentadas três formas de currículo: o teológico (que durava quatro anos), o filosófico (que durava três anos) e o humanista (com duração de seis a sete anos). Eram ainda divididos em dois graus: os estudos inferiores (correspondente ao atual ensino médio) e os estudos superiores (correspondente ao ensino superior).

No currículo teológico em seus quatro anos de estudos, são propostos os estudos da Teologia escolástica, Teologia moral, Sagrada escritura e Hebreu. Nos três anos de Filosofia, propõe-se o estudo da lógica, cosmologia, psicologia, física, matemática, metafísica e filosofia moral. Nas humanidades, em seus 6 ou 7 anos de ensino, o estudo da retórica, das humanidades e da gramática do latim e do grego.

Evidencia-se no Ratio ser o currículo humanista a base para os estudos filosóficos e teológicos. Por ele, os alunos que adentravam aos Colégios Jesuítas iniciavam seus estudos. Por isso, seu objetivo era, como afirma Franca (1952, p. 49), desenvolver e ativar o espírito, como dissemos anteriormente por meio da

arte acabada da composição, oral e escrita. O aluno deve desenvolver todas as suas faculdades, postas em exercício pelo homem que se exprime e adquirir a arte de vazar essa manifestação de si mesmo nos moldes de uma expressão perfeita. As classes de gramática asseguram-lhe uma expressão clara e exata, a de humanidades, uma expressão rica e elegante, a de retórica maestria perfeita na expressão poderosa e convincente ad perfectam eloquentiam informat. (FRANCA, 1952, p. 49)

Os estudos inferiores eram constituídos de cinco matérias: retórica, humanidades, gramática superior, média e inferior distribuídas em cinco horas aula por dia. Ao usar a retórica, usava uma metodologia de explicação, repetição e memorização, fazendo a leitura dos grandes clássicos na língua original, latim ou grego, que eram as línguas dominantes do curso. A história, a geografia e a língua vernácula também eram ensinadas diretamente com os autores.

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No Brasil foi necessário fazer uma adaptação do Ratio em quatro grades: o curso elementar, o de humanidades, o de artes e o de teologia. Um plano de forma:

(...) diversificada, com o objetivo de atender à diversidade de interesses e de capacidades. Começando pelo aprendizado do português, incluía o ensino da doutrina cristã, a escola de ler e escrever. Daí em diante, continua, em caráter opcional, o ensino de canto orfeônico e de música instrumental, e uma bifurcação tendo em um dos lados, o aprendizado profissional e agrícola e, de outro, aula de gramática e viagem de estudos à Europa. (RIBEIRO, 1998, p. 21-22 apud SHIGUNOV, 2008, p. 181)

O currículo do ensino elementar privilegiava as primeiras letras e a doutrina católica. No curso de artes eram ensinadas lógica, física, matemática, ética e metafísica. Já o curso de humanidades se ensinava gramática, retórica e humanidades, enquanto que o de teologia tinha por objetivo a formação de alunos que desejavam seguir a carreira religiosa. É com essa base filosófica que os jesuítas que aportaram no Brasil colônia buscavam difundir a Igreja Católica e sua doutrina, atendendo ao mesmo tempo o desejo do Estado português para dominar e colonizar, mantendo, dessa maneira, o seu poder além-mar.

Profunda articulação entre elementos políticos, religiosos e educacionais marcam o período colonial educativo em terras brasileiras. Mais do que um projeto de catequização, aqui concebida como a ação pastoral evangelizadora da Igreja Católica, os Jesuítas propuseram um modelo amplo de transformação social em conjunto com o Estado.

Para tanto, exige-se um projeto educativo que contenha em si uma metodicidade clara e definida, capaz de integrar os trabalhos educativos às capacidades dos alunos, sem jamais, perder de vista a máxima inaciana do “magis”, isto é, o ir além constante. Além disso, pretendia-se a relação constante entre o currículo e seus desdobramentos didáticos, e sua vinculação à aprendizagem do aluno por meio da retenção do conhecimento teológico, filosófico e humanista alavancado nos Colégios Jesuítas.

É nesse sentido que a preleção, do professor, segundo Franca (1952, p. 57) o centro de gravidade do sistema didático do Ratio, é requerida como o primeiro momento na explanação do conteúdo, tendo como base os autores antigos (e nunca os modernos), devendo o professor falar com ordem e preparação, lendo inicialmente o texto, expondo em seguida os argumentos principais em poucas palavras, esclarecendo os pontos obscuros do texto e fazendo por fim as observações adaptadas à classe em que ensina. Segundo Franca, a prelação é um dos exercícios mais importantes, “(....). Como o nome o está indicando, é uma lição antecipada,

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uma explicação do que o aluno deverá estudar. (...) não visa comunicar fatos, mas desenvolver e ativar o espírito.” (FRANCA, 1952, p. 57)

Desse modo, ao trabalho do professor segue-se o do aluno, sendo o segundo momento, o estudo privado. É o momento da composição escrita e da pesquisa, focalizando a ordem das idéias, tendo por base a prelação feita pelo professor. Como afirma a regra 30 do Prefeito de estudos inferiores,

É de grande importância que não só aos nossos estudantes, mas também aos alunos internos, e, se possível, também aos externos, o Prefeito, por meio dos Professores ou dos outros Prefeitos dos respectivos colégios, lhes determine um horário que reserve um bom tempo ao estudo privado. (FRANCA, 1952, p. 173)

Os exercícios de memória faziam também parte do método pedagógico jesuítico: a recitação diária das lições aprendidas de cor, seja para os colegas ou ao professor, se faziam necessários, tanto para fixação dos conhecimentos, como para o exercício da oralidade. Aos sábados, havia a recitação pública do que foi aprendido durante a semana. Ainda nesse contexto metodológico, havia as repetições em sala, em casa e as gerais de final de ano. Importa referir a Regra 11 daquelas comuns a todos os professores de faculdades superiores, na qual se emula ao professor que, “terminada a lição, fique na aula ou perto da aula, ao menos durante um quarto de hora, para que os alunos possam interrogá-lo, para que ele possa às vezes perguntá-los sobre a lição e ainda para repeti-la”. (FRANCA, 1952, p. 146)

Ainda no processo didático de aprendizagem, havia a necessidade das correções e das avaliações da aprendizagem: os desafios, disputas, heterocorreções (correções públicas dos trabalhos na observação e comentário dos erros e acertos), Academias (reunião espontânea de alunos que despertavam o gosto por uma determinada investigação científica) declamações, lições públicas (destinado pelo professor, um dos alunos interpretava, de forma eloqüente e desenvolvida, algum dos passos das Sagradas Escrituras ou dos autores clássicos). As representações e as exposições de trabalhos em público, tanto de forma oral como escrita, em sala, no salão, em alguma festa ou no refeitório, procuravam enaltecer a todos. Sugeria-se ainda a fixação dos melhores trabalhos escritos ou poesias nas paredes das salas ou corredores.

Finalmente, as provas ou exames, orais ou escritos, eram o momento de sistematização máxima do conteúdo estudado. Nele há a necessidade de procedimentos e cuidados especiais,

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tais como: a presença de todos, o cumprimento do tempo determinado para a execução da atividade, a adaptação da matéria aos níveis das classes, as saídas de sala ao término da avaliação. O minucioso cuidado para com esse momento demonstra o especial objetivo dos Jesuítas para com a sistematização final do conhecimento, perpassado pelo também minucioso processo de aprendizagem acima explicitado. Neste particular, a idéia de ação não se reduz somente ao envolvimento dos alunos nas atividades que são rigorosa e minuciosamente determinadas, mas fundamentalmente desenvolver e ativar-lhes o espírito. O momento da prova ou exame significava, portanto, o especial exercício da acuidade e da atenção, síntese de todos os momentos didáticos anteriormente empreendidos. Como demonstra a regra 21 do Prefeito de estudos inferiores, no momento do exame, dever-se-ia proceder do seguinte modo:

(....), leia cada qual uma parte da sua composição, se julgar conveniente, ordene-se-lhe, em seguida, que corrija os erros, dando a razão de cada um e indicando a regra violada. Aos gramáticos, proponha-se depois, a versão imediata para o latim de um trecho vernáculo e a todos se interroguem as regras e outros assuntos estudados nas classes respectivas. Por último, se for necessário, exija-se uma explicação breve de um trecho dos livros explanados em aula. (FRANCA, 1952, p. 171)

Esse foi o método pedagógico dos Jesuítas implantado nas terras brasileiras, consubstanciado em um trabalho educativo que determinava o desenvolvimento de um projeto de educação vinculado à uma sólida formação clássica dos estudantes. Adaptado à realidade local composta de aldeamentos, cidades ou vilas, como explicitado acima, o Ratio permitiu que os Jesuítas iniciassem aqui um modelo de formação ativa, no constante exercício do pensar, tendo o professor como orientador do processo de formação, avaliando e reavaliando a aprendizagem dos aluno mediante os diferentes orientações metodológicas, por meio de exercícios de leituras, escritas, declamações, apresentações públicas, provas e exames propostos ao longo do ano letivo. Destaque-se que para tanto não era requerido apenas o exercício intelectual por meio do uso da memória, justamente porque o exercício de interpretações também era uma exigência no decorrer do estudo.

Críticas ou objeções contextualizadas permitem observar os elementos presentes a partir de diferentes interesses, tanto do Estado em seu ordenamento político colonial, quanto da Igreja em seu projeto de salvação das almas em terras brasileiras. Pactos de sujeições, passividades, desigualdades e posições hierárquicas também podem ser mencionados a partir

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das observações acima expostas e conforme Hansen (2000, p. 41). Entretanto, sendo necessária neste trabalho a análise da ação jesuítica de ensino e sua vinculação com a aprendizagem em terras brasileiras, percebemos que, para esses homens a educação era tida como apostolado missionário, compreendendo o ser professor como um sacerdócio, serviço sagrado. Diante disso, o método é o grande responsável por conduzir o aluno às vias do conhecimento convergindo esforços, habilidades e interesses na formação da pessoa, harmonizando memória, inteligência e vontade no intuito formativo da sua individualidade, integrada agora aos corpos do Estado e da Igreja, transmitindo os princípios da fé e da moral cristã em uma sociedade ainda em fase embrionária de formação.

A Pedagogia Inaciana

De 1759 até 1814, a Companhia de Jesus ficou impedida de trabalhar em seus colégios pelo Decreto de Supressão, assinado pelo Papa Clemente XIV. Em 1814, após 55 anos de supressão, a Companhia é restaurada pelo Papa Pio VII. Desde então, os jesuítas voltaram à ação e ao apostolado e continuam, até hoje, atuando nos mais diferentes campos missionários, sempre vinculados aos princípios da Igreja Católica Apostólica Romana.

Sendo a educação um dos seus principais campos de ação, discussões acerca desse apostolado começaram ainda em 1832, quando foi proposta uma nova versão do Ratio, adaptado agora à configuração de um novo mundo. Já no século XX, outra discussão é proposta, e em 1934 surgem as Normas Gerais, uma substituição do antigo Ratio. Nesse momento, como afirma Klein (1997, p. 42), os Jesuítas decidiram que não se “deveria fazer uma nova redação da Ratio Studiorum nos tempos atuais”. Tendo por base as discussões realizadas a partir da prática nos Colégios Jesuítas dos Estados Unidos da América, surge um documento com 34 itens chamado de Instrução, visando à recuperação do trabalho pedagógico e ao mesmo tempo evangelizador nos Colégios Jesuítas. Nas décadas seguintes, sempre na tentativa de adaptação aos novos tempos e desafios educacionais, surgiram novos escritos no campo do ensino escolar jesuítico. Especial destaque merece o Padre Geral Pedro Arrupe (1097-1991), que publica o documento Nossos colégios hoje e amanhã (1981). Esse documento aborda a necessidade de que sejam definidos novos rumos à educação jesuítica, sobre o papel dos leigos nos colégios e a reafirmação do tipo de aluno que se deseja formar: homens e mulheres para os demais.

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A partir de então, a escola passa a ser vista pelos jesuítas como um poderoso centro de irradiação na sociedade, junto às famílias e alunos “como um instrumento eficaz para promover a síntese entre a fé e a cultura, chegando a toda a comunidade próxima” (KLEIN, 1997, p. 48).

Para tanto, fez-se a necessária interferência de novos modelos pedagógicos que pudessem didaticamente responder ao projeto educativo de uma formação integral do aluno. Em uma integração agora necessária entre Jesuítas e leigos, então professores nas instituições inacianas de ensino, a educação dos valores perpassa os âmbitos da fé e da justiça, sendo fomentada em seus alunos, mediante um currículo integrado. Concomitantemente são estimuladas as atitudes de pesquisa e a reflexão constante nas tomadas de decisões diante do contexto que os cerca.

Em 1986 foi publicado o livro Características da Educação na Companhia de Jesus. Essa versão atualizada dos princípios pedagógicos jesuíticos oferece novamente uma visão comum da educação jesuítica. Da décima parte desse livro deriva no ano de 1993 o documento Pedagogia Inaciana: Uma proposta prática. Segundo os Jesuítas,

“chamamos este documento de Pedagogia Inaciana por destinar-se não só à educação formal nas escolas, colégios e universidades da Companhia, mas porque pode ser útil também a outros tipos de educação que, de uma forma ou de outra, estejam inspiradas na experiência de Santo Inácio compendiada nos Exercícios Espirituais, na quarta parte das Constituições da

Companhia de Jesus e na Ratio Studiorum” (PEDAGOGIA INACIANA, 2003. p. 18).

Quanto ao método de aprendizagem proposto nesse documento, especial destaque é dado à função do professor, compreendido como um facilitador entre o aluno e a verdade presente nas matérias estudadas. O objetivo aqui é levar o aluno ao interrelacionamento contínuo entre experiência – reflexão – ação, ou seja, partindo da experiência, o professor guia o aluno na assimilação da nova informação para que ele aprenda a aprender, iniciando-o nas técnicas de reflexão. Da reflexão, esse mesmo conhecimento precisa passar à ação. Como afirma a Pedagogia Inaciana,

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deve-se ativar a memória, o entendimento, a imaginação e os sentidos, para captar o significado e valor essencial do que está sendo estudado, para relacioná-los com outros aspectos do conhecimento e da atividade humana, para avaliar suas implicações na busca contínua da verdade. A reflexão deve ser um processo formativo e livre, que construa a consciência dos alunos – das atitudes habituais, seus valores, suas crenças, bem como seus modos de pensar – de tal sorte que se sintam impelidos a passar do conhecimento à ação (PEDAGOGIA INACIANA, 2003, p. 37).

A relação entre experiência – reflexão – ação encontra-se no coração da pedagogia jesuítica nos dias atuais. Nesse processo, o professor enquanto mediador do conhecimento adquire fundamental status de facilitador e fomentador de reflexões e novos conhecimentos. O aluno, por sua vez é levado a refletir sobre o conteúdo estudado e torná-lo ação. Nesse sentido, o papel ativo do aluno na participação do processo de ensino-aprendizagem é central, pois, junto ao professor, é ele quem dá sentido ao conteúdo estudado e estabelece relações com o mundo social que o cerca. O sentido de ação aqui diferente do Ratio se amplia para significar-se e por isso articular-se com o mundo vivido.

Nesse momento de reflexão acerca do atual método educativo dos jesuítas, outro elemento se insere e merece especial atenção: o contexto. Além da experiência, da reflexão e da ação, o contexto de aprendizagem em que o aluno vive deve ser conhecido pelo professor. Precisa-se conhecer o mundo do aluno, suas atitudes, valores, crenças, opções. Esse elemento é essencial para tornar significativo para o aluno, aquilo que lhe é dado a conhecer. Para tanto, faz-se imprescindível ao professor o conhecimento do contexto real da vida do aluno, os elementos socioeconômicos, políticos e culturais nos quais o seu aluno se encontra inserido. Segundo esse princípio, os pontos de vista, os conceitos, sentimentos, valores e atitudes que os alunos trazem consigo (experiência), precisam ser considerados no momento inicial da aprendizagem, pois fazem parte do contexto real de ensino que, em relação com o conteúdo a ser estudado, auxiliará numa melhor compreensão reflexiva por parte do aluno acerca do novo conhecimento e sua posterior vinculação à ação, isto é, o “crescimento humano interior baseado na experiência na qual se refletiu, bem como à sua manifestação externa” (PEDAGOGIA INACIANA, 2003. p. 60-61).

Por fim, ao final desse processo de aprendizagem situa-se a avaliação periódica como nos passos do Ratio, sob a forma de perguntas, provas e exames, cujo propósito é o de saber o progresso acadêmico do aluno. Entretanto, avaliar somente nesse sentido é para o ensino jesuítico atual, um modo parcial. Necessário se faz conceber a avaliação como realimentação

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do processo de aprendizagem também na relação de equilíbrio,“no desenvolvimento dos alunos como pessoas ‘para os outros’. Por isso, é essencial a avaliação periódica do seu progresso nas atitudes, prioridades, modo de proceder de acordo com o objetivo de ser pessoas para os outros” (PEDAGOGIA INACIANA 2003. p. 63).

Considerações finais

É sempre tempo de tomar nas mãos talvez, um “velho objeto” de estudo para significá-lo novamente, justamente pesignificá-lo fato de muito já ter sido escrito sobre os jesuítas no Brasil colônia. Foi o que tentamos fazer aqui ao trazermos uma espécie de continuidade histórica sobre os desdobramentos de um método: o jesuítico contido no Ratio Studiorum até a sua atual denominação de Pedagogia Inaciana. Pouco se sabe ou mesmo se escreveu sobre o que foi feito da Companhia de Jesus depois de sua expulsão do Brasil por Marquês de Pombal. Por isso nos pareceu oportuno recuperar também esse aspecto e isso só seria possível devido ao propósito de sabermos sobre as transformações sofridas pelo Ratio em termos de sua nuclearidade, o método de ensino. Revisitá-lo torna-se sempre um desafio, pois somos instados a uma leitura sobre sua atualidade em certos procedimentos de ensino aprendizagem: a busca, a experiência, a ação, são categorias ainda hoje subjacentes a qualquer ação pedagógica que se pretenda inovadora.

Por outro lado, pudemos em poucas linhas trazer um pouco do que resultou contemporaneamente do Ratio, portanto a sua atualização, sob a forma da Pedagogia Inaciana, às exigências de um outro tempo no qual outras e novas exigências são postas àqueles que se propõem à tarefa educativa como integrante de um macro projeto social.

Em suma, o exercício reflexivo é campo de criação e também de recriação e ele nos possibilitou estabelecer as correlações possíveis, nexos, no caso entre a Companhia de Jesus e a Congregação, ainda hoje existente, mas também distanciamentos, do Ratio às mudanças, necessárias devido aos imperativos do tempo. O que está subjacente a este exercício é a tarefa educativa que pode transforma-se em seus procedimentos, ante às imposições do tempo, mas não ao desejo de fazê-la sempre presente.

REFERÊNCIAS

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Constituições da Companhia de Jesus e Normas Complementares. São Paulo: Loyola, 2004.

DAHER, Andréa. A Conversão do Gentio ou a Educação como Constância. In: Brasil 500 anos: tópicas em História da Educação. São Paulo: EdUSP, 2001.

FRANCA, Leonel. O método pedagógico dos Jesuítas. Rio de Janeiro: Agir, 1952.

HANSEN, João Adolfo. Ratio Studiorum e Política Católica Ibérica no Século XVII. In: Brasil 500 anos: tópicas em História da Educação. São Paulo: EdUSP, 2001.

KLEIN, Luiz Fernando. Atualidade da pedagogia jesuítica. São Paulo: Loyola, 1997. Pedagogia Inaciana: uma proposta prática. 5 ed. São Paulo: Loyola, 1993.

PUENTES, Roberto V. Educación y Cultura: La Compañia de Jesús como soporte espiritual del proceso colonial em Brasil (1549 – 1600). Ícone Educacional, Uberlândia, v. 11, n. 2, p. 75 – 88, 2005

SAVIANI, Dermeval. História das Idéias Pedagógicas no Brasil. Campinas: Autores Associados, 2007

SHIGUNOV NETO A.; MACIEL L. Z. V. O ensino jesuítico no período colonial brasileiro: algumas discussões. Educar, Curitiba, n. 31, p. 169-189, 2008.

Referências

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