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Apoptose na Cidade Verde suicídios em Teresina na primeira década do século 21

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Academic year: 2019

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP

Benedito Carlos de Araújo Júnior

Apoptose na Cidade Verde

suicídios em Teresina na primeira década do século 21

DOUTORADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP

Benedito Carlos de Araújo Júnior

Apoptose na Cidade Verde

suicídios em Teresina na primeira década do século 21

DOUTORADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS

Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Ciências Sociais, sob orientação do Prof. Doutor Edgard de Assis Carvalho

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BANCA EXAMINADORA

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DEDICATÓRIA

À memória de todas as vítimas que, com o sacrifício da própria vida, denunciaram a podridão do nosso jeito de ser e de viver. Desiludidos, cansados de tudo, reclamantes perenes, não se fizeram ouvir pela vida.

O choque do corpo despedaçado no asfalto da queda do 10º andar atrai a atenção. Assédio voraz da mídia. Os blogs exibem, em tempo real, corpos fragmentados, para delírio das massas.

Tudo continuará como antes. Expressões compadecidas são efêmeras. Dali a pouco o nada. Os automóveis e seus pneus tratam de apagar as marcas para sempre, exceto para famílias destruídas, ou talvez, até para elas. A comoção dura mais tempo quando o personagem da novela enfrenta injustiças, ou quando um big brother é eliminado.

Estupefatos, os anciãos da cidade não conseguem, mesmo assim, perceber a tragédia em que todos estão envolvidos, e transferem para a vítima a responsabilidade. Os comentários soam cínicos: “tão bonita, tão jovem, tinha tudo, nunca poderíamos imaginar!”

Dali a uma semana o horror passa, exceto para a família, marcada indelevelmente para sempre.

Se Arthur Schopenhauer visitasse Teresina, a compararia a Tebas, onde virgens eram sacrificados para aplacar a ira dos deuses. O pandemônio das pragas só podia ser contido pelo sacrifício.

Em 2002, 64 vítimas teresinenses foram atiradas aos braços da morte, como soldados enviados à guerra. Michel Serres conta que são sempre anciãos, os senhores da morte, os tecnocratas, que enviam os jovens à guerra.

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Mártires sem saber, os suicidas denunciam com sua morte a entropia da ordem social, política e cultural.

Se Tarantino fizesse um filme sobre o holocausto de Teresina, poderia rodar uma cena na Avenida Frei Serafim, a mais bela, que divide norte e sul da cidade. E o diretor distribuiria 562 lápides dos mortos por suicídio, da alvorada do século 21.

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AGRADECIMENTOS

Ao Professor Edgard de Assis Carvalho, pelo cuidado, pelo zelo e pelo amor que demonstra por seus orientandos. Sinto sua influência. Espero que uma parcela de sua exuberante oratória, do domínio das atenções do público, do primor com que constrói textos, transfiram-se do orientador para o orientando. Edgard é um protótipo do homem do futuro. Sua segunda natureza, obtida pela dor da implantação de um exoesqueleto, não lhe arrancaram a humanidade. Isso nos dá esperanças de que a Tecnociência não será capaz de extirpar a arte, a poesia, e a espiritualidade do ser humano.

À D. Maria Lucas, minha mãe, criadora de sete figuras interessantes e complicadas. Ela que precisou agir com rigor para não perder ninguém. A devota católica dos julgamentos mais laicos, éticos e solidários que conheço. Mesmo sem ter tido a oportunidade de aprender o saber escolar, enche-lhe de orgulho a possibilidade de ter um filho doutor, embora ela não entenda bem que “doutor” é esse que nem é médico, nem é advogado.

A toda a minha família, a quem dei preocupação demais, nos últimos tempos, por obra do Homo demens que habitava em mim latente e, ao despertar, por pouco não me destrói. Mais que agradecimentos, devo-lhes um pedido de desculpas.

A todos os amigos da PUC, que me presentearam com amizade sincera, rodas de samba, e o melhor da vida na metrópole. Seus nomes estão escritos no meu coração. Os mais fundamentais, levo -os impressos na alma.

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De que nos vale uma vida longa se ela se revela difícil e estéril em alegrias, e tão cheia de desgraças que só a morte é por nós recebida como uma libertação? (Mal-estar na civilização. Sigmund Freud.)

Eu não quero mais a morte, tenho muito que viver.

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Benedito Carlos de Araújo Júnior Apoptose na Cidade Verde

suicídios em Teresina na primeira década do século 21 RESUMO

Na primeira década do século 21, uma onda de suicídios abateu-se sobre Teresina. Foram notificadas 562 ocorrências ao Ministério da Saúde. Jovens foram as principais vítimas, com 30% dos casos na faixa de 15 a 24 anos. A cidade é capital do Piauí, localizado no Nordeste brasileiro, Estado que apresentou o maior crescimento da taxa de suicídios no País, de 2001 a 2010. Por influência da tradição indígena do lugar, o enforcamento é o método mais utilizado em Teresina. A corda e artefatos similares são empregados em 56% das mortes voluntárias por asfixia, e a facilidade de acesso ao método dificulta ações de prevenção. Ações que jamais foram adotadas pelas autoridades locais. O suicídio é negligenciado como importante causa de mortalidade, apesar de matar mais do que a AIDS, a leishmaniose e a dengue, epidemias consideradas prioritárias na política de saúde do município. O combate à dengue, que matou 11 pessoas na década em estudo, promove campanhas educativas permanentes veiculadas nos meios de comunicação e dispõe das brigadas de agentes de saúde que atuam em contato direto com os habitantes. Para a prevenção do suicídio, que matou 51 vezes mais que a dengue, inexistem políticas. O tabu em torno do suicídio mantém a sociedade silenciada, a mídia não debate o assunto pela crença de que indivíduos vulneráveis seriam induzidos a cometer o ato suicida e o Estado escusa-se de lidar com a complexidade dos problemas emocionais. O programa de prevenção da Organização Mundial de Saúde, criado em 1999, não tem obtido êxito. Os números avançam no mundo. Se permanecer na obscuridade, o suicídio continuará a fazer vítimas, embalado pela crise planetária, pela mundialização que corrói culturas tradicionais, pelo modo de viver da civilização ocidental, que fez promessas de bem-estar e de progresso ilimitados, e não cumpriu. O povo teresinense iludiu-se com o canto da modernidade, despojou-se das tradições, e o que recebeu em troca desintegra, decepciona, desorienta.

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Benedito Carlos de Araújo Júnior Apoptosis in Green City

Suicides in the first decade of the 21st century in the city of Teresina ABSTRACT

In the first decade of the 21st century, a wave of suicides fell over Teresina. 562 incidents were reported to the Ministry of Health. Youth were the main victims, with 30% of cases in the range 15-24 years. The city is the capital of Piauí, located in the Brazilian Northeast, a state that had the highest growth rate of suicides in the country, from 2001 to 2010. Influenced by indigenous tradition of the place, hanging is the method most used in Teresina. The rope and similar artifacts are used in 56% of deaths by voluntary asphyxiation and ease of access to the method hinders preventive actions, actions that were never adopted by the local authorities. Suicide is overlooked as an important cause of mortality despite killing more than AIDS, leishmaniasis and dengue epidemics which are considered priority in municipal health policy. The fight against dengue fever, which killed 11 people in the decade under study, promotes permanent educational campaigns aired in the media and has the brigades of health workers who work in direct contact with the inhabitants. For Suicide Prevention, which killed 51 times more than dengue, there are no policies. The taboo around suicide keeps society silenced, the media did not debate the matter by the belief that vulnerable individuals would be induced to commit the act of suicide and the State excuses itself from dealing with the complexity of emotional problems. The prevention program of the World Health Organization, established in 1999, has not been successful. The numbers continue to advance in the world. If they persist in the dark, suicide continues to claim victims, lulled by the global financial crisis, the globalization that erodes traditional cultures, the lifestyle of Western civilization, which made promises of well -being and unlimited progress, and failed. The people of Teresina deluded themselves with the singing of modernity, emptied itself of traditions, and it received in return disintegrated, disappointed, and disoriented individuals .

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ______________________________________________________ 11

1 A DÉCADA DO SUICÍDIO EM TERESINA _________________________ 21

1.1 Métodos de suicídio empregados em Teresina. _________________________ 36

1.2 Quando a morte chega do céu. ________________________________________ 42

2 O DEBATE SOBRE AS CAUSAS DO SUICÍDIO _____________________ 56

3 A PREVENÇÃO DO SUICÍDIO ____________________________________ 82

3.1 A restrição aos meios técnicos de execução de suicídios _________________ 83

3.2 Políticas de prevenção do suicídio ____________________________________ 92

4 CONCLUSÃO ___________________________________________________ 100

REFERÊNCIAS ______________________________________________________ 102

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INTRODUÇÃO

Na esteira da crise mundial de suicídios, a cidade de Teresina passou a sofrer aumento nos números de mortes por lesões autoprovocadas, no final do século 20.

Cidade do Nordeste brasileiro, capital do terceiro Estado mais pobre, conhecida por seu calor abrasivo, média anual 38º centígrados, ladeada por dois rios, vê-se acometida desse mal-estar intolerável.

A mesopotâmia brasileira ou Cidade Verde, como foi chamada pelo escritor Coelho Neto, membro nº 2 da Academia Brasileira de Letras, detém elevado índice de pessoas ceifando suas vidas.

A Organização Mundial da Saúde define o suicídio como o ato deliberado, intencional, de causar a morte a si mesmo. É um ato iniciado e executado deliberadamente por uma pessoa que tem a clara noção ou forte expectativa de que dele pode resultar a morte, e cujo desfecho fatal é esperado. (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 2000a).

Na primeira década do século 21, as taxas de suicídio colocam Teresina no segundo lugar entre as capitais brasileiras. A taxa subiu mais de 150% entre jovens de 15 a 24 anos, nos últimos dez anos.

O senso comum agita-se na busca de explicações. Quase sempre a culpa é lançada sobre a vítima. O problema estaria na fragilidade do indivíduo, que é separado da espécie e da civilização.

Não levamos em conta que as vítimas do suicídio são sintomas da crise da humanidade toda, que vive o risco de se perder. Como assinala Patrick Viveret, os suicídios são indicadores, sinais de alerta, que, se não forem ouvidos, seremos conduzidos à falência social (MORIN; VIVERET, 2013).

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condenadas a morrer pela sobrevivência do todo. O fenômeno biológico desempenha papel fundamental no controle dos processos vitais e está associado a doenças como o câncer. Apoptose é morte, mas é vida ao mesmo tempo, porque permite a renovação celular e tecidual (ANAZETTI; MELO, 2007).

O fenômeno é biológico, mas o título deste trabalho, Apoptose na Cidade Verde, foi emprestado da metáfora de Michel Serres (2003) sobre a “estranha morte”. A célula morre primeiro e dá um sinal, quase imperceptível; depois morre uma das funções do organismo; por fim, o próprio organismo pode morrer. Além da nossa morte e da morte das pessoas que amamos, diz Serres, depois da bomba de Hiroshima, lançada sobre o Japão, em 6 de agosto de 1945, conhecemos a possiblidade da morte global da humanidade. Apoptose era como os gregos se referiam às folhas que caíam no outono. É um fenômeno de morte e de vida, de construção e desconstrução, é negativo e positivo (SERRES, 2003, p. 12-3).

É a morte que envia sinais de vida. E se pudéssemos decifrar esses sinais, pergunta Serres, poderíamos controlar a morte?

O paciente de câncer morre quando células tumorais recusam-se à autodestruição, e proliferam, sobrevivem, transferem -se: metástase. A frase é de Serres, carregada de poesia, “o organismo morre de vida” (2003, p. 13).

Os sinais da morte podem ajudar a humanidade a reorientar suas ações. Esparsos, tumores irrompem aqui e ali, e nesses espaços, nessas tréguas, permitem que o organismo prepare sua ofensiva contra a falência múltipla. O tratamento precisa ser global e local.

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Desde a década de 1990, os suicídios haviam revelado a gravidade do adoecimento de Teresina. Demoramos duas décadas para começar a agir. Quanto tempo ainda temos?

Com certeza, não temos tempo para cometer erros. E o primeiro já foi cometido. Um problema multidimensional como o suicídio não pode ficar circunscrito à área médica. Sem desconsiderar o avanço que foi admitir o suicídio como grave problema de saúde pública, a trincheira composta só por psiquiatras e psicólogos possui poucas chances de êxito. A Organização Mundial de Saúde usou protocolo idêntico. No topo da hierarquia, o psiquiatra, com a visão reducionista, que enxerga apenas os aspectos da bioquímica cerebral envolvidas no ato. Depois de 1999, quando foi criado o programa de prevenção SUPRE/OMS, a escalada dos números continuou em progresso.

As autoridades de saúde de Teresina demoraram a reconhecer o grave problema de saúde pública em evolução. Somente em 2013 , a Secretaria de Saúde do Estado organizou o I Simpósio Interinstitucional sobre Suicídio. Foi criado o comitê de prevenção, presidido por um médico.

A inépcia da mídia local é outro obstáculo importante. A postura dos profissionais e empresários de mídia é de silêncio, por razões inaceitáveis. É necessário persuadi-los a mudar de perspectiva diante do assunto. A postura de distanciamento, segundo justificam, ocorre pelo medo de que o debate nos canais de comunicação estimule a emergência de suicídios em indivíduos propensos ao ato.

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promove sérios prejuízos econômicos, e que a prevenção é possível (HAWTON; VAN HEERINGEN, 2009).

A Organização Mundial de Saúde publicou o Manual de prevenção do suicídio para profissionais da mídi a (2000a). O texto recomenda o debate do tema pela sociedade, pelos meios de comunicação, nas unidades de atenção básica da saúde. Tomados os devidos cuidados, discutir o suicídio ajuda a reduzir as taxas de mortalidade. Deve-se tomar o cuidado de não mostrar imagens, divulgar casos concretos, julgar moralmente os motivos. O objetivo é entender o suicídio como problema de saúde pública.

A mídia da cidade se omite de maneira covarde. Seu papel é fazer a intermediação entre a sociedade e o Estado. Afinal, como diz Michel Serres, a mídia é o poder de todos os poderes, e desempenha todos os papéis na sociedade contemporânea. Desempenha o papel político, judiciário, ideológico, policial, o papel da distração. A mídia não é o quarto poder, é “totipotência” (SERRES, 2003, p. 185).

Ressoam as trombetas da catástrofe planetária que se faz sentir em vários lugares do mundo, de diferentes maneiras. O suicídio está contido no cálice de agruras derramado sobre Teresina. Anuncia a crise generalizada da política, da educação, da desigualdade, dos valor es.

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Os problemas humanos provém das duas ordens, da natureza e da vida social. Seu enfrentamento não pode priorizar uma e negligenciar a outra.

Depois do consistente progresso da neurobiologia na decifração da importância dos neurotransmissores serotonina, dopamina, noreprinefrina e acetilcolina nos comportamentos humanos, incluído o comportamento suicida, rápido instalou-se a era da medicalização das emoções. Os psicotrópicos já são os fármacos mais vendidos no mundo.

Por sua vez, a psiquiatria enclausurou o indivíduo contemporâneo em cadeias de doenças emocionais e reduziu a psicoterapia a uma técnica de supressão de sintomas. Trata-se apenas o traço visível da doença e evita-se a investigação da causa, porque isso leva tempo (ROUDINESCO, 2000; 2010).

O trabalho de prevenção do suicídio tem sido construído com base no ensimesmamento da área médica, e mais ainda da sua especialidade psiquiátrica. Do pressuposto de que mais de 90% dos suicídios possuem a depressão como causa, os programas de prevenção orbitam os hospitais. O comando das ações é delegado ao psiquiatra, o tratamento é medicamentoso.

A carência de pesquisas sobre o tema agrava a situação. As autoridades de saúde ficam sem aporte analítico para planejar ações, realocar recursos, promover o debate amplo sobre o assunto. O resultado é que não existem políticas de prevenção na cidade de Teresina.

O estágio atual de desenvolvimento científico não oferece uma resposta conclusiva acerca da causa do suicídio. O assunto é complexo e requer o esforço de grupos de pesquisas, adequado financiamento, e mais tempo do que permite uma pós-graduação no Brasil.

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Os planejadores das políticas locais não se sensibilizaram com as estatísticas crescentes, nem há sinais de que imaginam a dimensã o da catástrofe que se anuncia, caso não sejam tomadas medidas de contenção.

No primeiro capítulo, são apresentadas as estatísticas do suicídio em Teresina, que são comparadas com as estatísticas das outras capitais. Os dados foram obtidos no DATASUS, Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), organizados pela Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS), do Ministério da Saúde (MS), disponíveis na internet.

Os números informam faixa etária, sexo, cor e estado civil das vítimas, no período de 2001 a 2010, no município de Teresina.

A faixa que concentra o maior número de vítimas encontra-se entre os 15 e 44 anos.

As mulheres atentam mais contra a vida, mas os homens morrem mais. Na década em estudo, 69% dos suicídios consumados vitimou homens.

A categoria negros, que associa pretos e pardos, responde por 80% dos suicídios.

Quanto ao estado civil, os dados apontam para maior vulnerabilidade dos solteiros.

Nesse capítulo, encontraremos os métodos utilizados na cidade. O enforcamento responde por mais da metade dos casos. Há na literatura sobre o assunto, evidência de que a restrição aos métodos reduz de modo significativo as tentativas de suicídio (CANTOR; BAUME, 1998). Esse será um obstáculo para a prevenção, porque o instrumento do enforcamento faz parte das tradições culturais de Teresina.

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comportamentos a determinantes neuroquímicos. Calcado no pensamento cartesiano, responsável pela separação corpo e mente, é a visão hegemônica que ainda hoje influencia cientistas. O efeito perverso pode ser visto na medicina: o sujeito reduzido a seu sistema físico-químico paga o preço de ter sua subjetividade aniquilada (ROUDINESCO, 2000).

O objetivo da discussão não é demonstrar que o conhecimento disciplinar da neurociência está errado, mas que está incompleto, que precisa fundir-se com as humanidades, conectar conceitos, estabelecer pontos de comunicação (CARVALHO; MENDONÇA, 2003).

O caminho da cultura científica em direção às humanidades já começou. Neurocientistas perceberam que desvendar o enigma do genoma não foi suficiente para entender a totalidade do homem. E as novas tecnologias de visualização do cérebro revelam que as imagens neurais são formadas na interação cérebro-corpo-mundo exterior. Já se sabe que a carência de serotonina, por si só, não é responsável iso lada pelos comportamentos agressivos. Indutores do meio físico e social desencadeiam complexos movimentos de interação e retroação, até formarem a consciência ampliada do sujeito (DAMÁSIO, 2000)

Boa parte da literatura médica ainda crê que a serotonina está associada ao suicídio, de forma determinante e suficiente, e que o tratamento eficaz exige uso de inibidores de recaptação do neurotransmissor. Esses estudos não explicam porque, mesmo com o desenvolvimento de antidepressivos eficientes, com menos efeitos colaterais, o mundo contemporâneo passa cada dia mais a merecer o título de sociedade dos depressivos (ROUDINESCO, 2000).

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reduziram-se com leis mais rigorosas de controle do uso de armas de fogo (CHAPMAN et al., 2006; WARLOW, 2007).

Teresina possui uma herança pronunciada das culturas rurais . Metade da população é oriunda do interior do Piauí. É um povo mestiço, filho da mistura de indígenas, portugueses e africanos. Os patriarcas indígenas foram quase totalmente exterminados na colonização. Por um tempo, historiadores falaram em exterminação completa. Em 2010, o Censo registrou mais de três mil índios autodeclarados. Pessoas que não possuem mais lugares para viver suas culturas ancestrais, assim como os quilombolas, que, sem sucesso, vêm lutando pela demarcação das terras, e enfrentam a todo instante o fantasma da aniquilação cultural e humana.

Dois mandatos do governo que levantou a bandeira de luta da reforma agrária por mais de vinte anos resultaram em frustração para os negros e trabalhadores rurais. Wellington Dias, do Partido dos Trabalhadores, governou o Piauí no mesmo período que Luís Inácio da Silva ocupou a presidência da República. O movimento social está insatisfeito e critica as falhas na titulação das terras de quilombos do período.

As grandes empresas do agronegócio invadem os espaços, expulsam o nativo e ele vai habitar as favelas da capital. São mais de 130 mil moradores de vilas, favelas e invasões (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2012).

Desterritorializados, os migrantes perderam, como diz Morin (2013, p. 29) “as solidariedades tradicionais sem criar novas”. Eles estão em contato próximo com a sociedade mundializada da capital Teresina, que sempre teve aspirações modernas, desde a fundação, em 1852. Foi a primeira cidade planejada do Brasil.

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Em um livro publicado após sua morte, A antropologia diante dos problemas do mundo moderno (2012), Lévi-Strauss relata sua quarta viagem ao Japão, e elogia a capacidade daquele povo de sintetizar a tradição japonesa e a cultura universalizada do Ocidente, permanecendo em equilíbrio.

Em Teresina, como em várias partes do mundo, o lado ruim da mundialização carrega consigo pobreza, criminalidade violenta, doenças físicas e emocionais, mal-estar generalizado. Os pobres da cidade experimentam o infortúnio de uma vida sem passado e sem futuro. Os afortunados dos condomínios fechados, obrigados a viver do lado da favela, sentem de perto o cheiro da miséria, e também se angustiam, nem que seja por asco.

A juventude desesperada de Teresina refugia-se no consumo e no tráfico de drogas. Na Fundação da Paz, instituição de tratamento de dependentes químicos, 92% são usuários de crack, o restante é dependente de álcool.

Com o tráfico, cresce a violência cometida pelas gangues juvenis, e a mídia os transforma nos mais temidos inimigos públicos, enquanto isenta os governantes das responsabilidades. Não por acaso. Empresários de comunicação e membros dos governos pertencem aos mesmos grupos, às mesmas famílias. Os homens mais ricos de Teresina, são, ao mesmo tempo, industriais, senadores, deputados, donos de empreiteiras, dos jornais, das redes de televisão.

Os estudos apontam que não pode haver prevenção exitosa sem investimento em serviços de saúde. No Brasil, esse é um ponto crítico. A preocupação com o problema começou há poucos anos e as medidas adotadas não apresentam resultados positivos. A discussão sobre a prevenção do suicídio em Teresina só foi iniciada em 2013, e o que a cidade tem como política até agora é a formação de um comitê.

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1 A DÉCADA DO SUICÍDIO EM TERESINA

Epidemias, pragas, pobreza, incêndios, enchentes assolam a cidade. Leishmaniose visceral, dengue, cólera, fome, corrupção, analfabetismo e a temperatura que adoece.

A capital do Estado do Piauí, Teresina, coleciona títulos catastróficos. É a primeira capital do País em acidentes de trânsito, a segunda em mortes relacionadas ao uso do tabaco, primeira em mortalidade por câncer de próstata, detém o maior número de casos de calazar.

O Estado do Piauí é o terceiro mais pobre do Brasil; com o maior número de casos de câncer de pênis; o maior número de prefeitos cassados por corrupção. O Tribunal Regional Eleitoral do Piauí (2014) afastou 43 prefeitos eleitos em 2008.

A capital Teresina, nos últimos anos do século 20, sem motivo definido, piorou sua posição nos rankings funestos. A cidade possui a mais alta taxa de suicídios entre as capitais do Nordeste, com a segunda colocação no País.

562 pessoas tiraram suas vidas na Cidade Verde, entre 2001 e 2010. Em Teresina, o suicídio supera outras conhecidas causas de mortalidade.

A taxa de suicídios de Teresina só fica atrás da taxa de Rio Branco, capital do Acre.

A realidade foi revelada no Mapa da violência 2011 (WAISELFISZ, 2011), publicado pelo Ministério da Justiça. O relatório apresenta estatísticas das mortes provocadas por homicídios, acidentes de trânsito e suicídios referentes ao período de 1998 a 2008.

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Teresina apresenta um aumento constante e regular, o que lhe renderia, estatisticamente, a primeira colocação no ranking.

O Nordeste apresentou os maiores índices de crescimento de suicídios e o Piauí foi o Estado com maior crescimento na região, chegando a 221,7%, o maior do País. Entre os jovens de 15 a 24 anos, o aumento chegou a 273,3%, contra 22,6% da média brasileira. Teresina sofreu um aumento de 87,8% na população total e 166,7% entre jovens.

Os dados processados no DATASUS, Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), são organizados pela Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS), do Ministério da Saúde (MS), e ficam disponíveis na internet.

As taxas de suicídios são obtidas do quociente entre o número de vítimas e a população total, multiplicado por 100 mil, no período de um ano. O coeficiente obtido permite a comparação com números globais.

Taxa de mortalidade por suicídio

=

Óbitos por suicídios

______________________________

População

X 100.000

Determinada localidade pode ter uma taxa baixa de suicídios e um número absoluto alto. É como se apresenta realidade no Brasil, que se encontra na 67ª posição, entre os 105 países pesquisados, com a taxa de 9,7 por 100 mil habitantes e entre os dez se considerado o número absoluto de vítimas. Na primeira década do século 21 foram notificadas 19.697 suicídios no Brasil.

Os suicídios estão entre as dez mais importantes causas de mortalidade no mundo. Se consideradas a faixa de 15-45 anos, teremos a terceira ou segunda causa de óbitos, abaixo de doenças cardiovasculares, AVC e problemas cardíacos (MINAYO et al., 2012).

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para uma morte a cada 40 segundos, com um milhão de vítimas por ano no mundo.

As maiores taxas se concentram na Ásia e na Europa. Ocupam as 15 primeiras posições do ranking a Lituânia, Rússia, República da Coréia, Sri Lanka, Bielorrússia, Guiana, Cazaquistão, Hungria, Japão, Letônia, Ucrânia, Eslovênia, Bélgica, Finlândia e Sérvia (ver anexo E).

Em Teresina, a taxa de suicídios começou a crescer em 1991. A curva de crescimento apresentou pico em 2004, quando ocorreram 72 mortes. Em 2008, outro pico, com 77 vítimas.

Gráfico 1 Crescimento da taxa de suicídios em Teresina Período: 1990-2007

Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE)

Rio Branco, em 1998, registrou taxa 5,0 e figurava na 14ª posição. Em 2008, a taxa subiu para 27,2/100 mil hab., um valor discrepante, que mudou a colocação da capital para o primeiro lugar. O crescimento da taxa em Teresina cresceu de 6,0 para 9,6, subindo da 8ª para 2ª posição.

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enquanto Rio Branco desce para a 26ª na lista. Taxas de suicídio e de homicídio não costumam apresentar irregularidades como as registradas em Rio Branco. Admite-se forte suspeita sobre os registros oriundos daquela cidade. Salvador na Bahia não varia sua posição, mesmo se observadas faixas etárias diferentes. Ela ocupa o último lugar entre os jovens e na população total (WAISELFISZ, 2011).

Comparadas as estatísticas de Teresina e Rio Branco, durante a primeira década do século 21, percebe-se que a variação na capital do Acre, em 1998, pode ser resultado de erros de registro:

Tabela 1 -Grande Grupo CID10: X60-X84 Lesões autoprovocadas voluntariamente - Óbitos p/Ocorrência por Ano do Óbito

Municípios: Teresina e Rio Branco Período: 2001-2010

Ano Teresina Rio Branco

2001 47 26

2002 57 18

2003 49 19

2004 72 18

2005 42 09

2006 48 10

2007 57 18

2008 77 19

2009 58 20

2010 55 27

Total 562 184

Fonte: Ministério da Saúde/SVS - Sistema de Informações sobre Mortalidade – SIM

No ranking do País, Teresina saltou da 15ª posição em 1998 para a 2ª em 2008, na população entre 15 e 24 anos:

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Tabela 2 - Óbitos por Causas Externas Piauí, p/Ocorrência, por Ano do Óbito - Grande Grupo CID10: X60-X84 Lesões

autoprovocadas voluntariamente - Município: Teresina- Período: 2001-2010

Ano Número de óbitos

2001 47

2002 57

2003 49

2004 72

2005 42

2006 48

2007 57

2008 77

2009 58

2010 55

Total 562

Fonte: Ministério da Saúde/SVS - Sistema de Informações sobre Mortalidade – SIM

A comparação entre as estatísticas de epidemias prevalentes na cidade e as taxas de mortes por lesões autoprovocadas revela que o suicídio e tentativas de suicídios estão sendo negligenciados como problema de saúde pública.

Em Teresina, os suicídios mataram mais que o HIV, entre 2001 e 2010. Os suicídios responderam por 562 mortes, entre 2001 e 2010.

A mortalidade por AIDS, em Teresina, fez 389 vítimas. A taxa de mortalidade chegou a 6,7 por 100 mil habitantes, em 2010, a maior da década.

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O tratamento do HIV consome parcela considerável dos recursos do Sistema Único de Saúde. O tratamento é feito em hospital especializado.

O gráfico a seguir compara os números absolutos de óbitos decorrentes de doenças comuns em Teresina com os óbitos provocados por lesões autoprovocadas intencionalmente, na primeira década do século 21:.

Gráfico 2 - Nº absolutos de óbitos provocados por suicídio, aids leishmaniose, dengue. - Município: Teresina Período: 2001-2010

Fonte: Ministério da Saúde/SVS - Sistema de Informações sobre Mortalidade – SIM

O primeiro caso de AIDS foi notificado no Piauí em 1986. Até junho de 2008, 2.105 casos foram notificados. Em Teresina, acumulam-se 1.591 casos, o que corresponde a 75,5% dos casos do Estado (BRASIL, 2014a). A taxa média específica/TME de óbitos por AIDS em Teresina apresenta coeficientes inferiores aos de suicídio, como se vê na tabela abaixo.

Tabela 3 - - TME por AIDS e por suicídios por ano - Capital: Teresina Período: 2001-2009

Ano AIDS Suicídios

2001 3,6 6,0

2002 4,2 5,5

562

389

320

11

(27)

Ano AIDS Suicídios

2003 4,0 5,1

2004 4,0 7,1

2005 4,2 4,2

2006 5,4 5,1

2007 4,8 5,2

2008 6,2 8,0

2009 6,4 5,5

Média 4,8 5,7

Fonte: Ministério da Saúde/SVS - Sistema de Informações sobre Mortalidade – SIM

Outras doenças infecciosas e parasitárias como dengue, cólera, tuberculose e leishmaniose visceral são enfrentadas pelas autoridades de saúde da cidade.

O recrudescimento da dengue ocorre em 1994, e até o ano 2000 foram registrados 209.083 casos e dois óbitos. Na maior epidemia de dengue na cidade, ocorrida em 1998, houve 10.081 casos com quatro óbitos. De 2002 a 2006, ocorreram onze óbitos por dengue (CAMPELO; GONÇALVES; DONADI, 2005).

No mesmo período, 268 pessoas cometeram suicídio. Não se deve esquecer a subnotificação dos casos de mortes autoprovocadas. As estimativas do Ministério da Saúde apontam para um número 30 vezes maior que o notificado (BRASIL, 2006).

A letalidade do suicídio sobre a dengue 24,3 vezes maior. A diferença não é suficiente para que as autoridades e a mídia de Teresina reorientem as prioridades. Há um silêncio da mídia sobre os suicídios da cidade. Sem pressão, os órgãos públicos de saúde se permitem ignorar o problema.

(28)

atividades escolares, prejudica a economia. Quando comparada a letalidade, a dengue matou 51 vezes menos do que o suicídio, entre 2001 a 2010.

Dados sobre mortalidade e suas causas representam fonte importante para que seja conhecido o estado da saúde de populações. Conhecer causa e gravidade é fundamental para traçar a lógica das políticas públicas. A prioridade da transferência de recursos é dada pela gravidade dos problemas. Não é o que se verifica nas políticas de saúde do município de Teresina. O enfrentamento da dengue absorve boa parte dos recursos, mas a mortalidade é considerada baixa.

Tabela 4 - Óbitos p/Ocorrência por Ano do Óbito Município: Teresina - Causa - CID-BR-10: ... 018 Dengue

Período: 2001-2010

Ano Número de óbitos

2003 2

2007 4

2008 1

2010 4

Total 11

Fonte: Ministério da Saúde/SVS - Sistema de Informações sobre Mortalidade – SIM

Não se entenda com essa observação que os recursos para o combate à dengue devam ser reduzidos. O que é necessário é investir no sistema de saúde, em qualquer ponto crítico.

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Os coeficientes a seguir compõem o relatório da Secretaria Municipal de Saúde, retirados do SIM, com as principais causas de mortalidade em Teresina:

Gráfico 3 Taxas de diversas causas de mortalidade (por 100 mil habitantes) - Período 2002-2008 Município: Teresina

Fonte: Ministério da Saúde/SVS - Sistema de Informações sobre Mortalidade – SIM

Mortes por causas externas, entre elas as provocadas pelo suicídio, apresentam crescimento, no Brasil, desde a década de 1980. Os números que denunciam esse crescimento estão subestimados, em especial nas regiões Norte e Nordeste. A qualidade dos dados sobre mortalidade fica comprometida quando uma proporção considerável de causas de morte é classificada como mal definida.

A prevalência elevada de causas enquadradas nessa categoria, em estados e regiões que já apresentam baixas frequências de declarações da causa do óbito, (Norte e Nordeste), de certo modo subestima a real composição da estrutura da mortalidade, fornecendo uma visão distorcida do fenômeno, quando comparado com as situações prevalecentes nas áreas de melhor cobertura, caso dos estados das regiões do Centro -Sul do País. Os efeitos simultâneos da elevada subnotificação dos óbitos em geral e da alta incidência de mortes por causas mal definidas, prevalecentes em áreas como o Norte e o Nordeste do País, embora em processo de franca melhoria, reforçam os cuidados que devem ser observados quando das comparações entre as estruturas de mortalidade. (KOIZUMI; MELLO-JORGE, 2004, p. 56).

60,3

30,6

25,8 23,9 22,9

(30)

O número de óbitos por causas mal definidas caiu bruscamente em 2005, em virtude da melhoria nos sistemas de notificação e das declarações de causas de óbito, com destaque para as regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. O gráfico a seguir mostra o quanto Norte e Nordeste estão à frente das outras regiões no registro de mortes por causas mal definidas. Essas regiões apresentam acentuada fragilidade dos registros de óbito no Brasil.

As informações sobre óbitos, provenientes da Base Nacional de Dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), processados pelo DATASUS, Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (SUS), do Ministério da Saúde (MS), desenvolvido em 1975 e só informatizado em 1979, obedecem a uma padronização e são divulgadas anualmente. O sistema segue a metodologia da Organização Mundial de Saúde (OMS) e é construído com base nas declarações de óbito, de preenchimento obrigatório, emitidas em todo o País.

As definições sobre os tipos e características dos óbitos foram adotadas pela Assembleia Mundial da Saúde, através das resoluções WHA20.19 e WHA43.24, de acordo com o Artigo 23 da Constituição da Organização Mundial de Saúde e constam na CID-10.

O Ministério da Saúde brasileiro adotou o impresso único pa ra a Declaração de Óbito-DO (ver anexo ), com vigência em todo o País com 25 anos de atraso, desde que Organização Mundial de Saúde propôs um modelo internacional. A medida permitiria a implantação do Sistema Nacional de Informação (ABREU; SAKURAI; CAMPOS, 2010). Esse atraso se soma a outros problemas de cobertura do sistema de informação da saúde brasileira e geram distorções e erros responsáveis pelo subdimensionamento das taxas, com ênfase para as regiões Norte e Nordeste.

(31)

dados. Acredita-se que somente 80% dos óbitos são registrados no Brasil, com prevalência de sub-registro nos Estados do Norte, Nordeste e Centro-Oeste. A causa do óbito representa a maior falha no preenchimento da Declaração de Óbito (ABREU; SAKURAI; CAMPOS, 2010).

O relatório do Ministério da Justiça aponta tendência de crescimento do suicídio de jovens brasileiros (WAISELFISZ, 2012). A taxa subiu de 4,4 em 1998, para 5,1 em 100 mil jovens, em 2008. Em Teresina, as taxas superaram as estatísticas brasileira e mundial: 5,7 para 14,4, que representa um aumento de 152,3%. A capital, como já mostrado em tabela anterior, saiu da 15ª posição para a 2ª, na faixa etária de 15 a 24 anos. Tabela 5 - Taxas de Suicídio (em 100 Mil). Faixa Etária: 15 a 24 Anos.

Local: Teresina-Pi, 1998/2008.

Ano Taxa

1998 5,7

1999 3,1

2000 4,2

2001 8,9

2002 11,1

2003 9,7

2004 14,7

2005 8,7

2006 5,9

2007 9,7

2008 14,4

Δ% 1998/2008 152,3

Fonte: Ministério da Saúde/SVS - Sistema de Informações sobre Mortalidade – SIM

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O Mapa da Violência do Ministério da Justiça aponta o suicídio como a causa de morte violenta que mais cresceu, no Brasil, na década analisada. Na tabela da Classificação Internacional de Doenças-CID10, o suicídio é definido como mortalidade violenta por causas externas, resultante de lesões autoprovocadas intencionalmente. O suicídio apresentou acréscimo de 17%, embora apresente números inferiores ao homicídio, em primeiro lugar, e às mortes por acidentes de transportes. O aumento do número de suicídios em Teresina atingiu 267%, em duas décadas, 1991-2010, com indícios de acentuada subnotificação (BRASIL, 2014). A Organização Mundial de Saúde estima que há pelo menos 30 vezes mais ocorrências do que as notificadas. Se assim for, o problema é bem mais grave do que as estatísticas oficiais revelam. Se multiplicarmos apenas pela metade das estimativas, teríamos mais de 1000 suicídios por ano, numa cidade com 814.230 habitantes.

Apesar desses números, o suicídio ainda não é tratado pelos gestores públicos como um problema grave no Brasil. Em Teresina, os governantes se comportam como se o problema não existisse. Na apresentação do Mapa da violência de 2011, financiado pelo Ministério da Justiça, o sociólogo Julio Jacobo Waiselfisz afirma que “os suicídios continuam a não ter grande expressividade no país” (2012).

Conclusões desse tipo levam em conta somente a comparação entre taxas e reduzem a gravidade do problema.

No Brasil, a taxa gira em torno de 9,7 por 100 mil habitantes contra 71,7 da Lituânia, a maior do mundo (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2014). Se forem avaliados os números absolutos, em virtude de sua grande população, o Brasil figura entre os 10 países com maiores contingentes de vítimas de suicídios.

(33)

As taxas de homicídio vêm decrescendo desde 2003, após as políticas de segurança pública implementadas com o Plano Nacional de Segurança, e as taxas de suicídio só aumentam, mesmo com as medidas de prevenção adotadas pela Portaria nª 1.876, de 14 de agosto de 2006, do Ministério da Saúde (ver anexo ). A portaria admitiu o suicídio como grave problema de saúde pública e estabeleceu a criação das Diretrizes Nacionais de Prevenção do Suicídio, cuja eficácia apresenta-se longe do desejável.

As autoridades precisam abandonar a atitude paralisante de considerar baixas as taxas da cidade, face aos padrões internacionais, e passar a analisar o crescimento contínuo e percentualmente significativo dos óbitos por suicídio em Teresina. É o que mostra a tabela a seguir:

Tabela 6 - Crescimento da taxa de mortalidade específica de suicídios em Teresina Período: 1990-1998

Período Taxa de mortalidade específica -TME

1990 2,4

1991 1,5

1992 3,0

1993 4,1

1994 3,3

1995 4,7

1996 5,2

1997 4,2

1998 5,7

Fonte: Ministério da Saúde/SVS - Sistema de Informações sobre Mortalidade – SIM

(34)

capitais do Nordeste, sem deixar de observar fatores socioculturais e econômicos.

Essa região brasileira caracteriza-se pela pobreza histórica. Os três estados mais pobres da federação situam-se nela. No ano de 2008, os três Estados mais pobres do Brasil apresentaram taxas de pobreza absoluta bem próximas. Alagoas (56,6%), Maranhão (55,9%) e Piauí (52,9%) possuem mais da metade da população com rendimento médio domiciliar per capita até meio salário mínimo (BRASIL, 2010). Esses Estados alternam sua posição, sem que haja alteração considerável dos números. O Piauí era o Estado mais pobre até 2009.

A pobreza é um obstáculo à adoção de medidas de atenção básica em saúde, assistência ambulatorial e hospitalar especializada, vigilância, prevenção e controle de doenças e agravos. Esses elementos são essenciais para implementação das atividades de prevenção ao suicídio que tiveram êxito em outros lugares. Esse assunto será aprofundado em capítulo posterior.

Para obter uma visão da gravidade da problemática em Teresina, veremos as estatísticas de suicídios nas capitais do Nordeste.

Os dados estatísticos não compreendem toda a complexidade das diferenças e semelhanças culturais, econômicas e políticas das cidades avaliadas, apenas expõem o panorama do crescimento dos suicídios em Teresina e no Nordeste. As estatísticas apresentam Teresina em primeiro lugar nas taxas de suicídio e com o maior percentual de crescimento do período analisado.

(35)

O maior número de suicídios ocorre na faixa entre 15-24 anos. Em Teresina, essa população suicida-se a uma taxa que representa o dobro da segunda colocada, entre as capitais de grande porte do Nordeste. No Brasil, houve um aumento do número de suicídios no total de 33,5%, superando os homicídios, 17,8%, e os acidentes de transporte, 26,5% (WAISELFISZ, 2011, p 117). Teresina, na população total mostrou crescimento de 87,8% contra 166,7% na população de 15-24 anos. A população jovem, em Teresina, apresentou um aumento de vitimização superior ao ocorrido no Brasil, que decresceu.

Se forem incluídas as metrópoles nordestinas na comparação, Teresina continua na primeira posição nas taxas de suicídio de jovens. A taxa de 14,4 por 100 mil habitantes, em 2008, supera a média brasileira.

(36)

1.1 Métodos de suicídio empregados em Teresina.

A 10ª Classificação Internacional de Doenças (CID10) codifica as Lesões Autoprovocadas Intencionalmente no capítulo “Causas Externas de Morbidade e Mortalidade”. São 25 métodos para produzir a própria morte, enumeradas na CID10, na sequência X60 a X84.

O enforcamento (X70) é o método mais utilizado por homens e mulheres em Teresina. O método possui alto grau de letalidade e pode ser executado com instrumentos fáceis de encontrar nas residências ou casas comerciais.

Os métodos de suicídio na cidade de Teresina seguem o padrão mundial. Das 25 modalidades definidas pela 10ª Classificação Internacional de Doenças/CID-10, foram utilizadas 16, entre 2001 e 2010. Enforcamento, envenenamento e disparo com arma de fogo estão no topo, distantes dos outros métodos, como se vê no gráfico a seguir:

Gráfico 4 - Principais métodos de suicídios usados em teresina. período: 2001-2010

Fonte: Ministério da Saúde/SVS - Sistema de Informações sobre Mortalidade – SIM Enforcamento;

318

envenenamento; 129

arma de fogo; 60

(37)

O uso de arma de fogo em Teresina correspondeu a 11% das 562 mortes por suicídio na década. Os 56% marcados pelos enforcamentos demonstram a importância que é preciso dar a esse método na elaboração do programa de prevenção. A literatura científica destaca o enforcamento como o método mais difícil de prevenir (AJDACIC-GROSS et al., 2008a; CANTOR; BAUME, 1999).

Não é fácil dificultar o acesso a cordas. Posicionar barreiras em lugares de risco de precipitação, mudar a fórmula de pesticidas, esconder medicamentos e venenos, são ações com nível mais alto de viabilidade (GEORGE, 2012). Cordas têm preços baixos, são encontradas em pontos de vendas diversos, podem ser confeccionadas com tecidos das roupas. Nos presídios, prisioneiros enforcam-se com fio feito de roupas íntimas. A asfixia pode ser forçada por cordões d e calções, cadarços de tênis, fiação da instalação elétrica. Não é simples excluir todos esses objetos das residências.

Para agravar a situação, condicionados pelas cultura, nos lares teresinenses, as cordas são artefatos comuns.

A presença da corda nas casas deve-se à influência da cultura indígena do uso da rede para dormir. Em Caminhos e fronteiras, Sérgio Buarque de Holanda (1994) descreve como o colonizador absorveu os elementos da cultura indígena, adotou costumes culinários estranhos ao povo europeu e passou a fazer uso de redes de descanso. Em “O fio e a rede” título do terceiro capítulo do livro, o autor destaca a importância da rede para grupos humanos nômades. O artigo manufaturado garante razoável conforto. O peso e volume da rede facilitam o deslocamento.

(38)

De São Paulo, rumaram para os sertões nordestinos. Chegaram ao Piauí. O bandeirante paulista Domingos Jorge Velho embrenhou -se nas matas piauienses em 1671, exterminou nações indígenas e instalou fazendas para criação de gado. Os poucos nativos sobreviventes fugiram para outras localidades ou acomodaram-se nas proximidades das fazendas (MOTT, 1985).

Os indígenas quase desapareceram. No censo de 2010, apenas 2944 pessoas se declararam indígenas. Correspondem a 0,1% da população do estado, todas residentes fora de terras indígenas. A capital Teresina abriga 1333 indivíduos desse total (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2012).

O extermínio dos Acroá, Tremembé, Guegué, Timbira, Jaicó, Tabajara e Pimenteira não fez desaparecer a herança cultural das sete nações indígenas que habitavam o Piauí (DIAS; SANTOS, 2010). Após quatro séculos de guerras de extermínio, a rede de descanso consolidou -se na cultura material e simbólica.

Na aurora do século 21, no Piauí, pobres utilizam redes por falta de dinheiro para adquirir camas. Quando a casa possui cama, apenas aos pais é concedido o luxo. Ricos possuem redes para passar o tempo preguiçosamente nos alpendres, herança paulista dos tempos da colonização, até hoje valorizada na arquitetura local. Cordas sempre acompanham redes. A familiaridade com o artefato deve influenciar a escolha dos suicidas da cidade pelo método do enforcamento.

(39)

Só os adultos conjeturavam sobre motivos do ato. Se fora coragem, se fora covardia. Era imperioso ver, mesmo com o risco de ter sonhos assombrados, à noite.

Algo naquele fato grotesco abalou as fronteiras da ficção e da realidade. Naquele tempo, brincávamos com cordas. Versáteis, elas eram o brinquedo principal para diversas estripulias. Por um tempo, brincar de Tarzan tornou-se o passatempo preferido da criançada da época.

A primeira emissora de televisão do Piauí, afiliada à Rede Globo, instalada em 1972, exibia os seriados de Tarzan, em fitas, com imagens em preto e branco.

Os músculos exuberantes de Johnny Weissmuller, forjados para a olimpíada de 1924, emprestavam a Tarzan, de Edgar Rice Burroughs, a força para voar sobre a selva pendurado em cipós. Cada garoto do bairro possuía a própria corda, carregada na cintura, como fazia o Lorde Greystoke. Todos nós queríamos ser vigorosos, valentes e heroicos como o Homem-Macaco que ganhara três medalhas de ouro na natação em Paris.

O bairro era novo, não havia serviços públicos. Nem água encanada, nem luz elétrica e as ruas eram abertas pelos moradores a golpes de foice e enxada. Os adultos ressentiam-se da falta de serviços públicos, as crianças corriam livres como animais silvestres. Com a falta de preocupação dos gestores públicos, o lazer precisava ser inventado pela comunidade.

(40)

As revistas em quadrinhos de Tarzan já circulavam, publicadas pela Editora Brasil-América/EBAL, só que vinham do Rio de Janeiro, o frete era caro. Somava-se ao custo proibitivo aos moradores da periferia, o fato de 55% da população ser analfabeta na década de 1970. Essa situação, que continua praticamente igual quatro décadas depois, contribuiu para a televisão se impor como lazer. Era pura diversão, gratuita, mágica, sem o esforço que a leitura exige.

A televisão se impõe como lazer e induz práticas de lazer. Amarrar uma corda no galho da goiabeira, o mais difícil de quebrar, e balançar-se como Tarzan, virou mania coletiva.

Quando as séries foram todas exibidas e a repetição diminuiu a audiência, a televisão de Teresina passou a comprar as películas do faroeste italiano. Django, frio e fatal, interpretado por Franco Nero, substituiu o Tarzan não violento e bom moço. A corda continuaria presente, à italiana, sob a forma de laço. Cada cidade visitada pelos pistoleiros do bang-bang à italiana mostrava, como cartão de visitas, o cadafalso aos forasteiros. As cenas de enforcamento tornaram -se uma regra. Não demorou para as crianças começarem a ensaiar a feitura do nó de forca. E experimentar no próprio pescoço. Balançar imitando o grito de Tarzan saiu de moda. Não haveria mais grito. A brincadeira reproduzia fielmente os elementos da cena no patíbulo. Mãos do bandido amarradas atrás, um menino fazia o cavalo, outros, com chapéus e revólveres de plástico, representavam a lei. O enforcamento só não se consumava porque a corda ficava livre para escorregar no galho.

Os pais reprimiam a nova brincadeira com violência. De nada adiantava. Para um menino desejoso de ser durão como Giuliano Gemma, a surra com a corda da brincadeira não era castigo, era premiação.

(41)

comportamento suicida, que fique o alerta. Em momentos de crise aguda, a vigilância precisa ser intensificada. Nas casas teresinenses, as cordas ficam penduradas nas paredes. O costume é antigo, nem refletimos sobre ele.

Apesar da prevalência do enforcamento, não se pode desprezar os outros métodos. Arma de fogo, envenenamentos com produtos químicos, pesticidas, medicamentos e precipitação de lugar elevado respondem por elevado número de mortes.

No gráfico a seguir, desagregados do total de dezesseis, seis métodos concentram o maior número de vítimas:

Gráfico 5 - Seis métodos mais empregados no suicídio Município: Teresina. Período: 2001-2010

Grande Grupo CID10: X60-X84 Lesões autoprovocadas voluntariamente

Fonte: Ministério da Saúde/SVS - Sistema de Informações sobre Mortalidade

318 49

47 45 22 16

(42)

1.2 Quando a morte chega do céu.

(43)
(44)

Em modalidades como o enforcamento ou sufocamento (X70), por vergonha, por constrangimento, a família consegue esconder dos vizinhos e da cidade, mas o salto para a morte chama a atenção.

Embora a mídia tradicional restrinja a cobertura dos casos, os portais e blogs na Internet publicam fotos de corpos estraçalhados no asfalto, instantes após a queda de edifícios.

Em 2009, em intervalo inferior a duas semanas, duas jovens precipitaram-se de prédios luxuosos nas proximidades dos shoppings da cidade. Graças às tecnologias presentes nos aparelhos celulares, seus corpos foram parar, em tempo real, nas páginas de um blog. E as fotos foram reproduzidas em dezenas de páginas do Facebook, à disposição de indivíduos ávidos por matar a curiosidade. Milhares de acessos, centenas de comentários.

Antes dos prédios, as pontes eram os locais escolhidos para a precipitação mortal. Teresina é uma cidade banhada por dois rios. O Parnaíba, que separa Teresina do estado do Maranhão, e o Poti, que corta a cidade de sul a norte, até encontrar-se com o Parnaíba e formar o belo Encontro das Águas. Sobre os dois rios, dez pontes, vez por outra utilizadas para suicídios.

O método é clássico no mundo todo. Na Golden Gate Bridge, uma das sete maravilhas do mundo moderno, na Califórnia, Estados Unidos, estima-se o suicídio de mais de 1500 pessoas (BLAUSTEIN; FLEMING, 2009).

(45)

alguns dias, mobiliza atenções para o grave problema de saúde pública de uma cidade que não quer discutir, nem admitir, suas tragédias.

A Lesão Autoprovocada Intencionalmente Por Precipitação de um Lugar Elevado, classificação X80 da CID 10, não é a modalidade mais frequente nos atos suicidas em Teresina, mas é a mais espetacular. Das 25 formas catalogadas pela CID 10, X60 a X84, capazes de levar ao suicídio, a X80 ocupa a 6ª posição entre as modalidades escolhidas pelos suicidas na cidade.

As mulheres mais que os homens utilizam a precipitação de lugar elevado para o ato suicida. Foram treze casos na década contra três de homens. Para as mulheres, encontra-se o X-80 na quinta posição entre os métodos escolhidos, e ocupa a 12ª na estatística masculina.

De 2001 a 2010 foram 16 casos registrados, o que corresponde a 2,85% dos 562 suicídios consumados na década. Ainda assim esses eventos repercutem mais.

Homens cometem mais suicídios que mulheres, em quase todo o mundo, com exceção da China e da Índia (XINRAN, 2007). A aviltante condição social em que vivem as mulheres nos dois países deve explicar a anomalia. Na Europa do século 19, Durkheim percebeu o padrão nas estatísticas. Os homens sempre superaram as mulheres nos suicídios consumados (DURKHEIM, 2011). Paradoxalmente, as mulheres fazem mais tentativas. Alguns autores (BERTOLDI et al., 2004) acreditam que o suicídio é um fenômeno marcado pelas diferenças de gênero da sociedade. Historicamente condicionados pela uso da força para subjugar a mulher, os homens seriam mais efetivos no ato suicida, porque utilizam os métodos violentos que lhes são peculiares.

(46)

Gráfico 7 - Óbitos por lesões autoprovocadas voluntariamente Grande Grupo CID10: X60-X84

Município: Teresina - Sexo: masculino e feminino 2001-2010

Fonte: Ministério da Saúde/SVS - Sistema de Informações sobre Mortalidade SIM

As pesquisas não avançaram o suficiente para demonstrar porque as mulheres tentam mais e se matam menos. O debate sobre as diferenças de gênero, relações de poder, fraqueza feminina ou força masculina, crise do masculino na sociedade contemporânea são hipóteses ainda não confrontadas com dados, com o devido rigor (MENEGHEL et al., 2004)

Não está longe o tempo em que a mortalidade por agravos cardíacos, problemas com álcool, acidentes vascular cerebral eram prevalentes no sexo masculino, e em poucos anos essa realidade se alterou. Em 1970, a proporção era de dez homens para uma mulher; hoje as doenças coronarianas matam homens e mulheres na razão de 2,25:1 (AMERICAN HEART ASSOCIATION, 2013). A variação das taxas de suicídio, no mundo, sugere que em breve esses números também se nivelarão, refutando hipóteses sobre diferenças de gênero ou determinações genéticas. Homens e mulheres correm risco semelhante, quando se trata dessa modalidade de morte violenta. Em Teresina, o número de suicídios masculinos supera o de mulheres em 2,2 vezes.

homens

387

69%

mulheres

(47)

Tabela 7 - Óbitos por causas externas

Lesões autoprovocadas voluntariamente - Grande Grupo CID10: X60-X84 Município: Teresina - Sexo: masculino e feminino

Ano Homens Mulheres

2001 31 16

2002 40 17

2003 34 15

2004 47 25

2005 26 16

2006 34 14

2007 42 15

2008 49 28

2009 42 16

2010 42 13

Total 387 175

Fonte: Ministério da Saúde/SVS - Sistema de Informações sobre Mortalidade – SIM

As hipóteses que sugerem que as mulheres são mais frágeis, possuem menor determinação ou usam métodos menos agressivos são questionáveis.

As estatísticas dos serviços de saúde indicam que a mulher procura mais ajuda médica. O homem reluta e costuma buscar ajuda apenas nos quadros graves de doença. Em consequência, problemas de saúde são mais diagnosticados em mulheres. Se elas manifestam ideação suicida, é possível que passem a ser mais vigiadas, tenham menos liberdade para cometer o ato, e o socorro chegue antes que se consuma o óbito, ao ser feita tentativa não imediatamente letal.

(48)

O método para cometer suicídio é escolhido pela facilidade de acesso e garantia de que o ato será consumado. Para a maioria das mulheres, armas de fogo ficam fora dos seus domínios. Sobram-lhes remédios e venenos de uso doméstico.

Da mesma forma que os homens procuram pouco os cuidados médicos, eles também têm menos confiança na eficácia dos medicamentos. A automedicação é prática mais habitual entre as mulheres. A intoxicação por medicamentos ou envenenamento ocorre entre as mulheres com uma prevalência de 72,9%, de acordo com a pesquisa sobre a utilização de medicamentos por adultos (BERTOLDI et al., 2004).

Cada gênero utiliza o método que lhe está disponível. As mulheres encarregadas dos cuidados domésticos desenvolvem domínio sobre venenos que eliminam pragas do lar como ratos, formigas, baratas. Nos homicídios passionais é mais comum que o homem seja vítima da mulher quando o recurso usado é o envenenamento. Os homens usam recursos como arma de fogo, arma branca, espancamento. Nos suicídios, a lógica é idêntica.

As mulheres possuem menos força nas mãos que os homens. Considerada a população normal, sem treinamento atlético, avaliações da força de preensão manual (FPM), feitas com dinamômetro, mostram que as forças de pinça no sexo masculino são em média 30% mais fortes que no sexo feminino (ARAÚJO et al., 2002).

Conscientes da desvantagem no quesito força muscular, as mulheres são impelidas a usar recursos sutis e camuflados. A atitude é racional, ocorre em homicídios e nos crimes de diversas modalidades. Se as mulheres usam recursos elaborados para cometer homicídio, é presumível que usem recursos semelhantes em suicídios.

(49)

oficialmente, a partir de 1991. O Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA) pesquisou a desigualdade social e usou pela primeira vez a categoria cor no ano 2000 (OSÓRIO, 2003). Os dados são coletados através de autodeclaração e são consideradas cores o preto, pardo, branco, amarelo e índio. A medida pôs fim à esdrúxula aquarela coletada pela Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílios de 1976 (PNAD/76), que identificou 115 cores de brasileiros, do marrom bombom, passando pela cor-de-burro-quando-foge, até o branco.

Tornou-se praxe nesses dois institutos de pesquisa agrupar pretos e pardos em única categoria, os NEGROS. A medida não obteve consenso na comunidade científica brasileira, mas está se consolidando .

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Tabela 8 - Óbitos por lesões autoprovocadas voluntariamente - Grande Grupo CID10: X60-X84 Cor/raça: preta, parda, branca.

Município: Teresina - Período: 2001-2010

Cor Total de óbitos

Parda 376

Branca 106

Preta 48

Fonte: Ministério da Saúde/SVS - Sistema de Informações sobre Mortalidade – SIM

O dilema racial brasileiro apresenta uma complexidade que não deverá ver resolução teórica com brevidade. O futuro dos debates talvez aponte caminhos para o tratamento epistemológico dessa problemática social. Entre os brasileiros o conceito de raça está mais para posicionamentos políticos do que para definições genéticas, e é marcado por imprecisões e contendas intelectuais que tornam a discussão inconclusa (IANNI, 2004).

(50)

NEGROS atingirão a marca dos 80% dos suicídios na primeira década do século 21.

Gráfico 8 - Óbitos por lesões autoprovocadas voluntariamente - Grande Grupo CID10: X60-X84 - Cor/raça: preta, parda, branca.

Município: Teresina. Período: 2001-2010.

Fonte: Ministério da Saúde/SVS - Sistema de Informações sobre Mortalidade – SIM

Precisaríamos investigar melhor se existe correlação entre raça/cor, condição econômica e vulnerabilidade ao suicídio. O Censo 2010 revela que o rendimento mensal total nominal da população branca de Teresina é de R$ 1.789,00 e da população preta só chega a R$ 791,00. Não fica excluída a possibilidade de negros não pobres se suicidarem.

A complexidade do espectro racial brasileiro ultrapassa os problemas epistemológicos e atinge os discursos da sociedade. O ex-governador do Piauí Francisco Moraes Sousa, o “Mão Santa”, exerceu dois mandatos, foi cassado no segundo por corrupção, proferiu em discurso, no aniversário do Piauí, que o estado não tinha negros. O pronunciamento causou protestos dos movimentos negros e reverberações em diversos setores da sociedade, algumas em acordo, outras de indignação.

branca

20%

parda

71%

preta

(51)

Seria arriscado, no estágio atual da discussão, elaborar juízos sobre o suicídio com critérios de raça/cor, mas pesquisas futuras não podem desprezar o dado que aponta 80% de negros como vítimas preferenciais de suicídio.

A faixa etária que concentra o maior número de vítimas encontra -se entre os 15 e os 44 anos; os indivíduos nessa faixa fazem parte do que as pesquisas oficiais brasileiras chamam de População Economicamente Ativa, composta por pessoas de 10 a 65 anos. A tabela a seguir mostra a distribuição dos suicídios nas faixas etárias definidas pela Organização Pan-americana de Saúde-OPAS:

Tabela 9 - Óbitos por causas externas - Grande Grupo CID10: X60-X84 -Lesões autoprovocadas voluntariamente - Faixa Etária OPAS:

5-75 anos e mais Município: Teresina Período 2001-1010

Faixa etária Óbitos

5-14 08

15-24 172

25-34 131

35-44 108

45-54 64

55-64 43

65-74 27

75 e mais 09

Fonte: Ministério da Saúde/SVS - Sistema de Informações sobre Mortalidade – SIM

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suicídio; as condições de saúde e saneamento são agravadas pelo coeficiente de analfabetismo em Teresina que atinge 31,4% das pessoas com mais de 60 anos, do número total de pessoas que não sabem ler nem escrever acima de 15 anos (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2012). O analfabeto na sociedade da escrita fica sem poderes para reivindicar, ou sequer buscar, atendimento à saúde, o que o conduz à maior procura por tratamentos alternativos. Todos esses fatores resultam em uma esperança de vida do teresinense limitada a 69,06 anos, com saúde de qualidade débil.

Gráfico 9 - Óbitos por lesões autoprovocadas voluntariamente - Grande Grupo CID10: X60-X84 -Faixa Etária OPAS: 5-75 anos e

mais. Município: Teresina - Período: 2001-2010

Fonte: Ministério da Saúde/SVS - Sistema de Informações sobre Mortalidade – SIM

Não houve registro de suicídio de crianças de 0 e 5 anos, entre 2001 e 2010, em Teresina. As estatísticas globais são baixas nessa faixa

8

172

131

108

64

43

27

9

(53)

etária e as respostas para o fenômeno são superficiais. Parece natural que a criança não cometa suicídio. As pesquisas precisam enfrentar esse caso sem pudor, para que seja avaliado com maior precisão se crianças nessa faixa estão mais protegidas do suicídio por incapacidade de cometerem o ato, ou se elementos psíquicos estão envolvidos. Nas análises do psicólogo infantil Bruno Bettelheim, que cometeu suicídio em 1990, aos 86 anos, o psiquismo infantil é organizado para viver o presente, sua configuração se faz pelo lúdico e pela fantasia. Na obra A psicanálise dos contos de fadas, Bettelheim desenvolveu a tese de que as histórias folclóricas são necessárias para estruturação psíquica das crianças, para solucionar conflitos internos, para fornecer esperança de um futuro seguro e feliz. Os contos estariam em conformidade com princípios subjacentes do pensamento da criança, porque eles são construídos com a linguagem da fantasia, tematizam dramas universais, a morte, a rivalidade fraterna, o amor, o ciúme, e organizam os sentimentos ambivalentes das crianças em relação aos pais (BETTELHEIM, 2004).

Um mundo com mais fantasia poderia ser um antídoto para enfrentar a realidade fria e racionalizada dos dias atuais?

Desde Durkheim o estado civil era considerada condição importante na análise dos suicídios. Torquato Neto, poeta, compositor, cineasta, escritor, componente do movimento tropicalista, ligou o gás do banheiro e pôs fim à sua conturbada vida em 1972. O teresinense, com 28 anos, sofria com o abuso de álcool, depressão e com a ditadura militar no período de maior opressão, quando o País era comandado pelo general Médici. Os textos de Torquato revelavam sua angústia com o regime (ALVES, 2011). Sua biografia é recheada de atribulados casos amorosos. Atribui-se ao rompimento de um enlace amoroso uma das várias tentativas de suicídio (VAZ, 2005).

Imagem

Gráfico 1  –  Crescimento da taxa de suicídios em Teresina  Período: 1990-2007
Tabela 1 -Grande Grupo CID10: X60-X84 Lesões autoprovocadas  voluntariamente - Óbitos p/Ocorrência por Ano do Óbito
Tabela 2 - Óbitos por Causas Externas  –  Piauí, p/Ocorrência, por  Ano do Óbito - Grande Grupo CID10: X60-X84 Lesões
Gráfico 2 - Nº absolutos de óbitos provocados por suicídio, aids  leishmaniose, dengue
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