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Entrevista com Estudantes Representantes de Povos e Comunidades Tradicionais da Amazônia

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Academic year: 2020

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ENTREVISTAS

E

studantes indígenas e quilombolas da Universidade Federal do Pará- UFPA rela-tam os desafios do processo seletivo especial realizado pela instituição de ensino superior e as batalhas que travam para permanecerem em suas graduações.

Juma Xipaia é indígena da etnia Xipaya, do povo Xipaya do município de Altami-ra, no Estado do Pará; é graduanda do curso de Direito da Universidade Federal do Pará – UFPA; e é presidente da Associação dos Povos Indígenas Estudantes na Universidade Federal do Pará – APYEUFPA. Eliene Rodrigues é indígena da etnia Baré, do povo do Rio Negro, no Estado do Amazonas; é graduanda do curso de Biomedicina da UFPA; e é Vice-presidente da APYEUFPA. Leila Cardoso é quilombola da comunidade do Abacatal, localizada no municí-pio de Ananindeua, no Estado do Pará e é graduanda do curso de Serviço Social da UFPA. No seminário “Conhecimento e Direitos de Povos e Comunidades Tradicionais: Diálogos entre

ENTREVISTA COM ESTUDANTES

REPRESENTANTES DE POVOS E COMUNIDADES TRADICIONAIS DA AMAZÔNIA

Eliene Rodrigues, Juma Xipaia, Leila Cardoso

* As entrevistas foram feitas em fevereiro de 2015.

** Graduando do Curso de Ciências Sociais da Universidade Federal do Pará-UFPA. Bolsista PIBIC do projeto de pesquisa “Povos e comunidades tradicionais no campo jurídico: mobilizações políticas pelos direitos relativos ao conhecimento associado ao patrimônio genético”. Contato: haldenfuser50@gmail. com

*** Graduando do curso de Direito da Universidade Federal do Pará- UFPA. Voluntário do projeto de pesquisa “Direito dos Povos Tradicionais: Afirmação e Aplicação”. Contato: igorboaventura@hotmail.com

**** Graduanda do Curso de Direito da Universidade Federal do Pará- UFPA. Bolsista PIBIC do projeto de pesquisa “Direito dos Povos Tradicionais: Afirmação e Aplicação. Contato: raysaantoniaalves@gmail.com

HALDEN MONTEIRO**, IGOR BOAVENTURA***, RAYSA ALVES****

“A UFPA conseguiu ser pioneira em reserva de vaga para alunos indígenas e quilombolas [...] O papel dela em relação a questão indígena foi fundamental para a reserva de vagas, mas ela precisa manter com qualidade um projeto dela que é pioneiro [...].”

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Academia e Movimentos Sociais”, realizado em novembro de 2014, na UFPA, as estudantes expuseram nas rodas de diálogo as dificuldades que envolvem o processo seletivo especial para o ingresso de alunos indígenas e quilombolas na UFPA, bem como as que enfrentam para manterem-se em suas graduações. A partir de então, importante parceria foi fechada entre a APYEUFPA, alunos quilombolas e os grupos de pesquisa organizadores do evento1, a fim de

que as problemáticas que envolvem o ingresso e a permanência de alunos indígenas e quilom-bolas da UFPA ganhassem ainda mais notoriedade e que se iniciasse uma série de ações para que a roda de diálogo aberta no evento fosse estendida a contribuições das mais diversas, com vistas a reverter o cenário que será apresentado nesta entrevista2.

DO PROCESSO SELETIVO ESPECIAL PARA ALUNOS INDÍGENAS

Nós: Há participação dos povos indígenas na elaboração do processo seletivo espe-cial indígena da UFPA?

Eliene: Quando foi elaborado o primeiro edital, houve uma participação de indí-genas para a criação do processo seletivo especial, mas a partir daí não houve mais nenhu-ma participação na hora da elaboração de cada edital no decorrer desses anos. Ano passado, 2014, houve um chamado, que na verdade não foi exatamente um chamado. O edital estava praticamente pronto e ele só ia ser votado. Nós, a Associação dos Estudantes Indígenas, in-terferimos em algumas situações. Mas, participação na elaboração desse edital, para: marcar data, ou, em como irá funciona, nós não temos participação. Sendo que esse ano tivemos uma reunião com o reitor, na qual foi dito que a partir desse ano nós, alunos indígenas (e quilom-bolas), que estudamos aqui, vamos participar da elaboração desse edital. Estamos aguardando este chamado.

Juma: É mesmo esse processo de consulta. Somente depois de ter tudo construído é que a nossa opinião é pedida. Na verdade, não se trata nem pedir nossa opinião! Trata-se mais de informar algo que já foi pensado, sendo uma burocracia para nós conseguirmos mudar algo, como, por exemplo, o local, a data, ou, ainda, retirar algo do edital porque ele já está feito. Quanto ao chamado do Reitor, nós vamos ficar atentos. Já temos algumas  propostas em mente para estarmos prontos para contribuir. Vamos esperar para vermos se realmente vai ser feito dessa forma esse ano, senão vamos cobrar novamente. Estamos aqui disponíveis para ajudar no que for preciso e a nossa colaboração é muito importante. 

Nós: Vocês consideram que as informações que anunciam o processo seletivo espe-cial para os alunos indígenas, bem como as etapas a serem percorridas pelos candidatos a uma vaga na UFPA, são de fácil acesso?

Eliene: O acesso a essas informações só vem piorando. Antes, de 2010 a 2012, a divulgação era feita através das lideranças, havia uma antropologia  envolvida e não o CEPS (Centro de Processo Seletivo da UFPA). Antes, eles tinham o cuidado de mandar e-mails, passando para as lideranças indígenas de todo o Brasil. Agora isso não acontece mais! E de-veria continuar, ou, pelo menos, o CEPS dede-veria ter uma parceria conosco, indígenas para essa divulgação. Hoje, somos nós que estamos fazendo essa divulgação por conta própria e não temos  apoio nenhum da UFPA. Outra questão muito séria é o tempo que esse edital fica disponível. Antes ele ficava três meses; agora, ele fica muito menos, até menos de um mês já ficou e eles não tem preocupação com a distância de algumas aldeias, com as dificuldades que cada uma enfrenta para ter acesso às informações. Há aldeias que não tem internet! Então,

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onde é que esse indígena vai fazer a inscrição? Às vezes, ele precisa ir para muito longe para conseguir! Além disso, quanto tempo demora para esse candidato chegar  na próxima cidade para fazer a inscrição? Às vezes dias, então, isso é muito sério. Outra situação é a questão das datas. Até 2012, havia uma data em que você fazia a prova de redação e no mesmo dia, ou no outro, você tinha a entrevista. Agora não! O processo seletivo vem mudando e os candidatos não tem uma data certa. Você espera o resultado para poder ter o dia da entrevista marcado. O que demora muito! E como esse indígena vai se manter nesse tempo aqui em Belém? Fica bem complicado, pois ele tem recursos contados. Ano passado, 2014, não conseguimos man-ter uma data ao menos, a data que nós conseguimos foi mudada, fomos nós da associação que tivemos que avisar esses indígenas. É um processo que precisa ser repensado e se tivesse nossa participação, iria melhorar muito.

Juma: Por mais que as organizações indígenas ajudem na divulgação das informa-ções desse processo seletivo e o universitário também ajude, eles publicam somente no site da UFPA e na maioria das comunidades não tem internet, não tem telefone, não tem nada. É preciso melhorar a veiculação das informações, contando com as organizações indígenas e não somente confiar no site. Nós temos que nos encarregar também, é nossa responsabilidade comunicar as bases e entrar em contato com alguns alunos.

Nós: Vocês acabaram de relatar que a UFPA muda constantemente as datas das eta-pas do processo seletivo. Ela avisa vocês da associação? Ela avisa as bases (as aldeias)? Quanto tempo fica disponível essa informação para vocês divulgarem? Houve algum caso em que alguém perdeu o prazo da inscrição, ou, perdeu a entrevista, em função dessa falta de organi-zação da UFPA para divulgar as informações do processo seletivo e suas etapas?

Eliene: Esse foi um problema muito sério enfrentado no ano passado, não que nos outros anos não tenhamos enfrentado, mas ficou muito visível a questão de nós lutarmos para manter uma data e, depois, eles mudarem e colocarem a informação da mudança só no site. Se um dos indígenas universitários não tivesse olhado, e aí? Não informaram a associação, não entraram em contato com ninguém! Em razão disso todos começaram a correr para divul-garmos essa mudança. Nós, que somos da diretoria, começamos a receber ligação de outros estados, de indígenas dizendo “pelo amor de Deus, não me deixa perder minha entrevista”.

Juma: Teve parente que perdeu a passagem, porque já havia comparado para a primeira data. Havia parentes que já estava aqui e foi mudada a data, então, ele teve difi-culdades para se manter. Foi divulgado que o processo seletivo estava previsto para o dia 23 ou 24, depois passaram para o dia 28. O prazo é curto. E têm comunidades que não tem acesso à internet, não tem telefone, só via rádio. É preciso falar também sobre a questão do deslocamento em comunidades. Existem algumas que são extremamente longe, que só tem acesso através de barco. Tudo isso interfere na entrega dos documentos, por exemplo, pois até a informação chegar a eles, eles se organizarem para vir até a cidade, para entrar em contato, para mandar esse documento para UFPA, tudo isso leva um tempo, leva a um desgaste e, principalmente, a muitos gastos. O que acontece, então? Muitos parentes estão perdendo a participação no processo seletivo justamente por causa dessa data, do prazo extremamente curto de divulgação, por todas as burocracias, já que vários documentos são pedidos e o tempo para organizar e entregar é pequeno demais, às vezes não dá tempo de eles se deslocarem até a para fazer o envio da documentação, e sem se falar nesse grande fator que é a divulgação, pois quando ele vai saber dessa informação, já acabou o prazo, ai perde o processo seletivo mesmo.

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Nós: E, mesmo a UFPA sabendo que vocês tem uma associação forte, que represen-tam esses estudantes, ele não entram em contato com vocês de nenhuma forma? 

Juma: Por mais que tenham nossos contatos, e-mail, tudo! Não entram.

Nós: Sabendo que algumas aldeias não tem internet, a UFPA deposita sua confian-ça apenas no seu site? É isso?

Juma: Isso!

Nós: Então temos um primeiro momento que, antes das dificuldades de permanên-cia enfrentadas na graduação, gera um alto índice de evasão, que seria o momento do processo seletivo?

Eliene: Sim, ela se dá através do processo seletivo também! Alguns falam “a entrevis-ta eliminou”. Não, não foi só isso! Não foi a entrevista que eliminou. Você tem um processo todo que, por si só, não possibilita com que o indígena participe.

Juma: Ou seja, a eliminação já é antecipada no processo seletivo. Inclusive tem a minha própria experiência. Eu deveria ter entrado em 2011, cheguei a entregar todas as minhas documentações aqui em Belém, a prova seria em janeiro. Naquela época eu estava morando e trabalhando em Manaus, e aí, aconteceu que tive problemas de última hora, tive que dar um apoio para a minha família e fiquei sem poder comparar a passagem em cima da hora, já que não fui informada da data certa. Então eu acionei a universidade falando que eu estava tendo problemas para comparar a passagem para vir para cá, mas não obtive ajuda. Pedi apoio para a FUNAI, a FUNAI falou que não tinha como ajudar, eu falei “Mas como? Se vocês têm recursos para ajudar a gente em questões sobre a educação. Estou querendo entrar para a Universidade! Só falta fazer a prova, já entreguei todas as documentações, só que eu não tenho condições hoje de ir fazer a prova em Belém porque eu não tenho como comparar a minha passagem”, a resposta foi “Nós só podemos te ajudar daqui a 30 dias, em março”, u apelei dizendo “Mas a prova é em janeiro. Então, eu vou perder minha vaga?”. Diante tam-bém da falta de apoio financeiros, eu e muitos outros parentes perdemos a prova.

Nós: Não existe auxílio mesmo para tudo isso, não é? Então, o indígena que não pode arcar com esses gastos não entra no ensino superior?

Juma: Exatamente. Temos que arcar com todas essas despesas e com as despesas em consequências das mudanças de datas.

Nós: Agora sobre a entrevista, que é uma fase classificatória do processo seletivo  de vocês, não há nenhuma informação no edital sobre no que consiste essa entrevista, ou seja, todo indígena que for passar por ela não sabe como vai acontecer e, sobretudo, quem é que vai fazer essa entrevista? Então, no que consiste essa entrevista? Há participação de indígenas nesta etapa?

Juma: Há participação de indígenas nesse processo, mas somente na realização da entrevista. Claro que temos diversos problemas. O sistema é um pouco polêmico, porque acabam entrando pessoas que não são indígenas e nós temos inúmeras denúncias de compra da declaração que deve ser emitida pelas lideranças, ou, até mesmo de falsas lideranças que emitem essa documentação, e, pelo desconhecimento das  pessoas que realizam desse proces-so seletivo aqui na universidade, os candidatos que fazem isproces-so acabam aprovados. Essa é uma das grandes problemáticas  atualmente. Inclusive estávamos até conversando  entre nós, os indígenas, sobre como evitar isso. A alternativa seria que nós participássemos desse processo seletivo, entrando em contato direto com a base, com as lideranças, para verificar se realmente aquela pessoa é pertencente a comunidade.

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Eliene: Inclusive nós temos várias experiências boas em Roraima. Em Roraima, o vestibular é um modelo. Pelo menos até onde estamos sabendo através de outros parentes que estão lá. A primeira seleção é feita pelos próprios indígenas. Isso eu acho muito bacana, por-que apor-quele indígena é selecionado pelos indígenas, e aí sim ele vai fazer a prova. Ou seja, ele já tem um reconhecimento. O grupo de indígenas liga para as lideranças, fazem o contato com as bases. Nós gostamos muito desse processo no qual o indígena é valorizado, é protagonista. Nós: Desde 2014, o processo seletivo da UFPA não conta mais com a prova objeti-va sobre conhecimentos gerais, somente com a redação em língua portuguesa e a entrevista, a fim de facilitar o ingresso das comunidades tradicionais e povos indígenas no ensino superior. Vocês concordam com isso, que é válido tirar essa etapa da prova objetiva?

Eliene: Bom, isso é um assunto muito polêmico, muito sério. O que foi observado pela pró-reitoria de graduação é o seguinte, que quando entrou a prova objetiva em 2014 eles colocaram conhecimentos gerais e aí o que aconteceu? Você teve o maior número de de-sistência ou de indígena que não passaram. Simplesmente nesse ano passaram somente oito indígenas. Por quê?

Nós: De quantos inscritos?

Eliene: Foram mais de 90 inscritos e apenas oito passaram. Aí temos aquela ques-tão... Têm indígenas que já estudam na cidade, mas a maioria não. Teve uma polêmica mui-to grande na UFPA por isso, acontece que a maioria das aldeias não nos dá base para nós fazermos uma prova como esta. A nossa dificuldade no primeiro ano de faculdade diz tudo, porque nós não temos preparo adequado nas nossas comunidades. O ensino é totalmente precário, dificilmente você vai encontrar um professor de ensino médio numa comunidade indígena, que ele tem interesse que um aluno indígena entre numa universidade. Eles não têm essa visão. Então, se esse indígena nunca viu química na vida, pois é uma matéria em que ele vai fazer um trabalho de química valendo o ano, ele vai saber responder uma questão de química no vestibular? Não vai. Eu posso falar por mim, eu tive um único professor que dava matemática, física, química e biologia, um único professor para dar todas essas matérias. Ele não vai suprir a necessidade de um aluno de cidade para vir fazer uma prova de conhecimen-tos gerais. Nós sabemos de comunidades indígenas que estão muito à frente? Sabemos, mas temos que pensar só nessa comunidade? E as outras? É uma questão muito séria. Não foi a toa que as lideranças lutaram para ter um vestibular somente para indígenas, que é uma reserva de vaga. Não podemos ignorar a razão desta mudança e ir contra o que foi mudado, porque foi escolhido dessa forma pensando na situação da educação nas bases.

Juma: Nós não podemos não podemos desvalorizar a luta do passado e o que já foi conquistado, a gente pode e precisa melhorar esse sistema. Começando com a base, vendo essa necessidade. Discutir a educação indígena de qualidade é muito importante, seja ela básica ou superior. Uma coisa que eu sempre falo é o seguinte: eu acho válida essa reserva de vagas, esse vestibular específico para nós indígenas e quilombolas. Entretanto, do que adianta ofertar uma oportunidade que começa apenas no ensino superior, sendo que o ensino fun-damental e médio não tem dentro da maioria das comunidades indígenas? Em razão dessa lacuna, a gente enfrenta com nossos parentes, porque não entender a situação, preconceito. Passamos também por uma criminalização, a partir do momento em que você sai da sua al-deia você deixa de ser índio, o que é um grande absurdo. Quer dizer então que por eu precisar sair eu cansei de ser índia? Foi porque eu não quero mais viver a vida de lá? Ou porque eu quero ter uma oportunidade de vida diferente e, principalmente, oportunidade de ajudar o

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meu povo em questões de esclarecimento, em questões de explicação, que nós temos direito como cidadãos brasileiros? Eu reflito muito... eu estou fazendo um curso de Direito aqui na universidade, mas quantos dos meus parentes ainda tão lá na minha comunidade sem ter sequer a quinta série, sem sequer ir pro ensino médio? Ou que quando foi ofertado fizeram o ensino fundamental em um mês?

Nós: Para finalizar esse bloco, como a comunidade de vocês, aí eu falo também, como a associação vê todo esse processo seletivo especial? Acha que esse processo seletivo ocorre da melhor maneira possível ou não?

Eliene: Quando fizemos a Caravana do Vestibular, nós percebemos que têm algu-mas aldeias que ficam muito tristes, muito decepcionadas com o modo como a UFPA vem promovendo o seu vestibular para indígenas. Tu percebes que é uma oportunidade que um filho vai ter de trazer algo diferente para o povo, há um investimento, há um apoio que tu tens. E, por conta dos problemas que nós estamos falando aqui, essa oportunidade é perdida. Porque para a gente estar aqui hoje, é porque tem uma liderança que está te deixando ir, e tu precisas dar o retorno para a comunidade que está te apoiando. A cobrança ela é feita: “olha tu precisa estudar”, “tu estás lá para estudar”. Você precisa levar um retorno para a sua comu-nidade, pois você sabe que tem uma comunidade inteira atrás de ti, que tu não estás ali por acaso. As lideranças sabem onde tu estás, sabe o que tu estás fazendo, sabem como tu estás se saindo, bem ou mal, e eles ficam tristes quando acontece uma desistência, ou quando, um indígena perde a oportunidade de ir fazer a prova, a entrevista. As comunidades concordam com o processo seletivo, mas não concordam com a maneira como ele vem caminhando. Isso a gente sabe que não concorda.

DO APOIO A PERMANÊNCIA NA GRADUAÇÃO

Nós: A política de permanência da UFPA se propõe a suprir varias necessidades de vocês, inclusive, nós tiramos um trecho de nota da UFPA, que foi divulgada no site pela assessoria da PROEX e ela diz assim “o programa de permanência visa propiciar ao estudante de graduação da universidade as condições básicas necessárias à sua vida acadêmica, como moradia, alimentação, transporte, aquisição de material didático, entre outros, além disso, busca inserir os alunos em atividades formativas como projetos de pesquisa e projetos de extensão”. Eu queria saber, o valor desse auxílio que a UFPA se propõe a dar e se é suficiente para suprir o que ela anuncia?

Eliene: O auxílio estudantil da universidade, o nome já diz, é um “auxílio”, você não tem como se manter com ele, já que o auxílio é uma ajuda de custo, é uma ajuda para o aluno tentar se manter na universidade, já que a universidade não tem a obrigação de pagar tudo. De 2010 a 2012 nós tivemos o auxílio permanência e moradia da universidade, era no valor de R$620,00/ R$610,00, sendo que se sabe que não daria para tudo. Esse valor era o total da soma do auxílio moradia e do auxílio permanência. A partir de 2013 nós passamos a utilizar do auxílio universal do MEC. Quem repassa agora o nosso auxílio, tanto indígena quanto quilombola é o MEC, e a universidade não tem vínculo nenhum com essa política. O programa de auxílio da UFPA não conseguia auxiliar sequer na moradia e no transporte. Antes, logo no início, o que acontecia quando não tinha a bolsa do MEC? O aluno pre-cisava esperar até sair o resultado da bolsa permanência e moradia, mas, até que o auxilio fosse concedido, a própria PROEX entrava com a bolsa emergencial, por meio da qual esse

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indígena recebia um valor para se manter até sair o resultado. Atualmente isso mudou, eles já informaram para nós de forma bem clara: “não temos mais verba para isso”. Então, estamos nessa situação agora. Não há mais o auxílio emergencial e somos nós veteranos que estamos ajudando a maioria dos colegas. Nós estamos ficando com esses indígenas em nossas casas, ajudando da maneira que podemos, almoçando e jantando com eles no RU. Tudo isto até que eles consigam o auxílio da UFPA.

Juma: Em relação a esse auxilio, tem como melhorar sim! Mas para melhorar é preciso um diálogo com os alunos e com a associação. Uma das problemáticas e reclamações dos parentes é essa falta de informações por parte da Universidade. Quando fizeram essa mudança, que os alunos não iriam mais receber esse auxilio emergencial da universidade, em nenhum momento nós, da associação, ou os alunos, fomos informados dessa mudança. Só ficamos sabendo quando chegou o final do mês e os parentes foram retirar o dinheiro para pa-gar o seu aluguel e viram que não tinha dinheiro algum depositado, fomos até a PROEX para saber o que havia acontecido e só nesse momento que foram nos informar. Por mais que já te-nhamos ido na universidade, na PROEX e na reitoria, falar dessa situação; por mais que nós já tenhamos tido diversas conversas com eles para nos avisarem antecipadamente das mudanças; por mais que tenhamos explicado que não temos parentes aqui, e que nós dependemos disso para nos mantermos; Por mais que já tenhamos explicado que tem muitos alunos indígenas na área da saúde, onde o curso é integral e que este aluno não tem como trabalhar para poder se sustentar a falta de comunicação direta e aberta conosco ainda é um problema sério.

Nós: Sobre a permanência com qualidade nos cursos, como vocês acham que essa politica de apoio poderia melhorar? Teria, por exemplo, um auxílio pedagógico de assistência em razão da falta de base relatada, para fazer com que o aluno não desista diante das dificul-dades do curso?

Eliene: Ano passado tivemos o apoio do NIS, que é o Núcleo de Inclusão Social da UFPA, onde tínhamos pedagogos, psicólogos, a própria Pró-Reitora de Graduação, na pessoa da Professora Lúcia Harada, dentre outros profissionais. Eles estão organizando, na verdade, algo pelo qual já lutamos desde 2012, que é conseguir essas monitorias para os in-dígenas, tanto da área da saúde, quanto de outros cursos. Quando fomos reivindicar para a engenharia, eles falaram que já havia um programa que ofertava aulas de matemática. Se já havia essa iniciativa na engenharia, por que não ter para a área da saúde e para as demais? E não só para indígenas, existem quilombolas nessa mesma situação. Algo que seria importante também, seria termos um espaço específico de apoio para nós, não com o objetivo de nos excluirmos, não é isso, a ideia é termos um núcleo de apoio aos alunos indígena como tem em outras universidades, como: o núcleo de ensino indígena e quilombola da Universidade Federal do Tocantins, ou de Roraima, que foram importantes para que agora fosse criado um na Universidade Federal do Amazonas. Eles possuem, dentro da PROEX, um núcleo forte que é totalmente responsável tanto pelo indígena quanto o quilombola e que tem influencia-do demais para o melhor desempenho influencia-dos alunos.

Nós: Quais os sentimentos de vocês diante de todas essas dificuldades, de todas es-sas problemáticas? Qual o sentimento que vocês têm percebido dentro da própria associação? E algo importante, como essas dificuldades interferem na manutenção da cultura de vocês?

Juma: No meu ponto de vista, uma coisa interessante de falar é que nem todos os alunos indígenas são lideranças, mas há outros que são. Eu sou liderança do meu povo e uma das maiores dificuldades que as lideranças enfrentam é não terem como se envolver

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ativamen-te nas questões que envolvem o seu povo. Por exemplo, nas problemáticas que estão acon-tecendo na região de Altamira, quando se trata de Belo Monte; então, é muito complicado para mim que estou aqui dentro da universidade somente estudar e não poder ter apoio para em alguns momentos ir à comunidade e acompanhar os problemas que estão acontecendo lá também. Acabo não estudando com qualidade, pela necessidade de estar acompanhando todo esse caso e, no momento de voltar a Universidade, não ter uma base de apoio que me au-xilie enquanto aluno indígena. É um sentimento muito bom o de estar estudando, o de poder estar na universidade sabendo que eu posso ajudar o meu povo, mas, em outro momento, eu tenho um sentimento de angústia, de saudade, de necessidade de estar em contato com o meu povo, não só pela saudade da minha vida lá, mas pela minha presença nos momentos difíceis, de luta. E essa necessidade de estar em contato com o seu povo, às vezes, faz com que os pa-rentes que queiram desistir e essa é uma das nossas grandes preocupações. Acabamos sendo psicólogos, apoiadores e conversamos com esses parentes sobre as necessidades de estarmos na universidade, de como é importante para o nosso povo nós continuarmos. Acontece que a maioria dos professores e a própria universidade não entende essa necessidade, acham que nós só devemos nos dedicar ao ensino, porém, estar com o meu povo também é ensino, pois eu também aprendendo muito e posso trazer a cultura do meu povo, os nosso conhecimento para dentro da universidade. Eu quero deixar claro que isso não é uma crítica à UFPA, mas sim, um convite, um convite para dialogarmos sobre um novo projeto, para que seja firmada uma parceria a fim de melhorar esse cenário!

Eliene: Eu posso encerrar falando que é incrível como a UFPA conseguiu ser pio-neira em reserva de vaga para alunos indígenas e quilombolas, mas não consegue nem se quer ter um pouco de preocupação com quem ela está inserindo, por que ela fica cega para todas essas situações e acaba excluindo esses alunos. O papel dela em relação à questão indígena foi fundamental para a reserva de vagas, mas ela precisa manter com qualidade um projeto dela que é pioneiro. Estamos de portas abertas e queremos dialogar e construir novos horizontes para nós, para que não haja mais desistências justificadas pela ineficácia das políticas de assis-tência aos alunos indígenas e quilombolas dentro da universidade.

DO PROCESSO SELETIVO ESPECIAL PARA ALUNOS QUILOMBOLAS

Nós: Qual é a participação das comunidades quilombola na construção do edital do processo seletivo especial?

Leila: Nenhuma! Havia um professor, mas ele saiu e, ultimamente, não há parti-cipação de ninguém capacitado para pensar na situação dos quilombolas, quanto mais um quilombola envolvido.

Nós: Você considera que as informações que anunciam o processo seletivo especial, bem como as etapas desse processo são de fácil acesso? Caso não, você tem alguma sugestão para uma maior eficiência na divulgação?

Leila: Não! Não são de fácil acesso, porque as comunidades quilombolas sempre fi-cam longe dos centros das cidades e não há acesso à internet em todas as comunidades; há em algumas, porém, são exceções. As informações ficam disponíveis por pouco tempo no site e nós não temos como fazer uma divulgação ampla nas comunidades. O ideal seria que a UFPA tivesse como parceiros as organizações, os presidentes das associações quilombolas, passando as informações com antecedência, não em cima da hora. O tem sido feito, até hoje, é o

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in-verso, nada é passado paras as associações, ficamos sabendo através de outras pessoas: outros parentes, ou outros estudantes que estão na Universidade que nos informam. Disponibilizar a informação no site e por tão pouco tempo inviabiliza a participação de muitos interessados.

Nós: Houve algum candidato quilombola que perdeu o prazo para inscrição, ou para entrega de documentos, ou para a realização da prova ou entrevista por conta do deslo-camento ou falta de apoio que envolva essas etapas de processo? Caso a resposta seja negativa, quais as medidas foram tomadas por esse quilombola e quem o ajudou?

Leila: Eu soube por outra estudante de vários casos. Em Baião, um rapaz perdeu a inscrição; outro não teve tempo de entregar os documentos, pois o prazo era curto e ele não conseguiu chegar a tempo da comunidade dele. Até onde sei sobre aquele rapaz que não pôde entregar os documentos, a MALUNGO interveio e resolveu o problema dele, não sei te explicar como, mas a MALUNGO conseguiu que ele fizesse a entrega da documentação. A medida que poderia ser adotar para evitar tudo isso, repito, é a parceria com as diversas associações, não só com os estudantes na UFPA, eles têm o contato de quem trabalha em comunidade quilombola, tipo MALUNGO, negros, SEDEMPA, até mesmo a COPI que é ali na CEJU, seria um trabalho viável e que iria facilitar a entrada de muitos quilombolas no ensino superior. Inclusive por que nós temos que ter das instituições uma declaração de pertencimento às comunidades quilombolas e isso demanda tempo para conseguir.

Nós: Essa declaração consiste em um documento que comprove a vinculação social, cultural, politica ou familiar do candidato ao processo seletivo com algum povo indígena ou comunidade quilombola e essa declaração deve ser assinada pela autoridade local. Porém, se um candidato se autodeclarar integrante de um povo tradicional, mas não possuir liderança ou dirigente, ele não vai ter o direito de participar do processo seletivo e que procedimento a UFPA tem adotado nesse caso, você tem conhecimento disso?

Leila: Olha, até onde eu sei da comunidade quilombola, a associação tem que ter CNPJ registrado em cartório, então no caso automaticamente não tinha como um aluno entregar o documento sem ter uma organização de associação de comunidade quilombola. Não conheço, até agora não conheço nenhum caso de quem tenha conseguido como você coloca. E, geralmente, quem cuida mais disso é a Malungo e ainda não vi eles falarem sobre nenhum caso desses.

Nós: Após o resultado da prova de seleção é realizada uma entrevista com os selecio-nados, também classificatória. Em que consiste essa entrevista? Há participação de quilom-bolas na seleção dos candidatos?

Leila: Quando eu fiz minha entrevista, em 2013, me foi perguntado basicamente sobre a comunidade; os que me entrevistaram, porque são várias pessoas que vão entrevistar, eram cinco salas no dia em que fui, perguntaram mais sobre a vida em comunidade. Esse ano, eles perguntaram mais sobre a vida pessoal do candidato, sobre como a pessoa ia fazer para se manter na UFPA, fizeram perguntas como: “A UFPA é longe da sua comunidade? Quantos quilômetros? Como você faz para chegar aqui? Tem filho? Como quem você vai deixar o seu filho?”, essas perguntas que não tinha nada a ver com a comunidade. As comu-nidades quilombolas não participam da formação desse edital, elas também não participam da entrevista, nem da elaboração das perguntas, elas não participam de nada relacionado ao processo seletivo; o que seria importante, porque quem elabora este processo não sabe como as comunidades vivem e quais são as nossas dificuldades. Eu inclusive conversei com a Juma, de que pelo menos as pessoas que fossem fazer a entrevista fossem conhecer as comunidades

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quilombolas; ou então, que fosse colocado algum quilombola para participar dessa entrevista, porque só eles sabem sobre a nossa realidade. Eu posso afirmar, na seleção tem professores que eu tenho certeza que nem sabem o que é uma comunidade quilombola, nem como vivemos, nem a forma da nossa alimentação, se tem energia dentro da comunidade, as dificuldades para o nosso deslocamento. Na minha concepção a entrevista nesse ano fugiu muito do as-sunto quilombola, muito mesmo, a entrevista em si foi basicamente só questionando sobre a vida pessoal do candidato.

Nós: Você acha que a entrevista deveria focar em quais pontos?

Leila: Ela deveria focar nas próprias questões da vida na comunidade quilombola, até para saber se esses alunos eles são quilombolas mesmo. Deveriam perguntar sobre a ori-gem da comunidade, quantos anos tem e algumas coisas neste sentido, já que não tem parti-cipação nossa, do quilombola.

Nós: Você concorda com esse processo de entrevista dos candidatos?

Leila: Eu concordo com a entrevista, mas desde que se adequasse às questões de dentro da comunidade quilombola e tivesse a participação de quilombolas em todo esse pro-cesso.

Nós: Desde 2014, o processo seletivo especial para alunos indígenas e quilombolas não conta mais com a etapa objetiva de conhecimentos gerais, somente com a redação, a fim de facilitar o acesso dessas comunidades tradicionais ao ensino superior. Qual a sua opinião acerca dessa medida adotada pela UFPA?

Leila: Achei importante, porque na maioria das comunidades quilombolas só tem até o ensino fundamental, quando vamos para o ensino médio, temos que sair para estudar em outro local para podermos ter um ensino médio de maior qualidade, pois quando temos o ensino médio na comunidade ele é precário, bem precário mesmo. O professor vai, quando ele vai, às vezes um professor dá duas, três matérias. O aluno depois de uma formação destas vai sentir dificuldade em responder perguntas sobre química, física, matemática, já que mal viu essas matérias. Eu achei bom, mas eles teriam que elaborar melhor essa redação, o tema deveria ser mais voltado para temas da área rural.

Nós: Qual a opinião da sua comunidade sobre todo esse processo seletivo especial da universidade? Há algo que precisa ser melhorado? O que seria, em uma visão geral?

Leila: A opinião deles, da comunidade, é de que é bom. Porém, ele precisa se adequar às nossas necessidades para ser mais eficiente, assim, o processo como um todo precisa melhorar bastante, sobretudo nos pontos que eu mencionei, como: informar as lideranças, as associações, estabelecendo um canal de comunicação direito; é preciso ter, também, preocupação em se certificar se aquele o aluno pertence mesmo à uma comuni-dade, porque está havendo muita venda de declaração de quilombola e se houvesse uma comunicação com as lideranças e com a associação isso iria acabar, pois em contato com a associação é possível saber se o candidato é mesmo quilombola, se ele pertence mesmo àquela comunidade.

Nós: Como se daria essa comunicação no seu ver?

Leila: Existem tantos meios... existem os órgãos que lidam com comunidades qui-lombolas e temos as associações. Temos a Malungo, SEDEMPA, COPI e outros, contando ainda com os estudando que estão dentro da Universidade. Esses grupos estão praticamente toda semana em alguma comunidade quilombola. Então, eles estão levando informação para comunidade e trazendo informação também.

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DO APOIO A PERMANÊNCIA NA GRADUAÇÃO

Nós: Como sabemos, o auxílio oferecido pela UFPA aos estudantes indígenas e quilom-bolas é o auxilio permanência unificado, a partir do edital de 2013. A política de apoio de perma-nência oferecida pela UFPA, por meio do programa auxilio permaperma-nência, é suficiente pra arcar com todas as despesas mencionadas no edital da UFPA? Por exemplo, no edital está proferido que “o auxilio visa propiciar ao estudante da graduação as condições básicas necessárias à continuidade da sua atividade acadêmica, tais como moradia, alimentação, transporte, aquisição de material di-dático, dentre outros. Além disso, busca inserir os alunos em atividades formativas como projetos de pesquisa e extensão”. Essas despesas mencionadas são arcadas pelo auxilio?

Leila: Não, porque a maioria dos estudantes: paga aluguel, alimentação, transporte e ainda precisa se manter no curso, então não dá, pois tem cursos, como engenharia, que o material necessário para as aulas é caro.

Nós: Além do auxílio financeiro, existe alguma outra política para garantir a perma-nência dos alunos quilombolas com qualidade em suas graduações?

Leila: Não. Eu não vejo nenhuma. Só a do MEC.

Nós: Como a UFPA poderia melhorar sua política de apoio à permanência dos estudantes quilombolas em suas graduações?

Leila: Acho que começaria com o acesso ao computador. Deveria ter um local des-tinado à alunos indígenas e quilombolas para que nós pudéssemos estudar, porque muitos de nós não tem acesso a computador e internet na comunidade onde vive. Por isso, a maioria de nós não sabe como operar um computador e ele se torna um bicho de sete cabeças. O apoio ao aluno quilombola e indígena é importante para nós vencermos as dificuldades que são geradas lá atrás, na nossa formação básica.

Nós: Você acha que deveria haver algum programa de auxílio pedagógico consoli-dado para atender as necessidades de vocês?

Leila: Sim. E não deveria ser apenas um pedagógico, mas psicológico também. Eu ainda não sofri nenhum tipo de preconceito, mas uma amiga, que entrou primeiro na universidade, relatou que um professor disse a ela que: “não é só preto que é fumado, branco também é”. Fora as dificuldades que a nós temos para chegar aqui, com relação às disciplinas, também há as dificuldades geradas pelo preconceito, a falta de compreensão daqueles que encontramos pelo nosso caminho dentro da universidade.

Nós: Vocês conseguem alcançar o nível desempenho do aluno que estudou na área urbana?

Leila: É muito difícil. Tem professor que diz: “olha, se você não entendeu, volta para o ensino fundamental”. Se aqui [na cidade] o ensino médio e fundamental já tem toda essa precariedade, nós, quilombolas, sofremos com isso mais ainda. Seria bom se a UFPA tivesse um método pedagógico que incentivasse e nos ajudasse mais.

Nós: Qual é o diálogo entre vocês e a UFPA, representada pela reitoria e pró-reito-ras? Existe esse diálogo? Como funciona?

Leila: O diálogo é difícil, porque fica a impressão de que sempre vamos agir de forma hostil. Isso é até uma forma de preconceito. Mas não são todos, alguns professores e servidores são ótimos e, até agora, só peguei professores bons, que entendem bastante o fato de eu chegar um pouco atrasada, porque às vezes a bicicleta quebra, tenho que vir andando até a oficina e tudo isso leva um tempo que eu não esperava perder. Agora tem casos na

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co-munidade de reprovação, em que o professor não compreendeu a situação que levou a moça a perder a prova; ela recorreu junto aos diretores, chegou a procurar até o reitor e não foi atendida; ela teve que pagar a matéria novamente esse ano devido à falta de um diálogo aberto e de compreensão das nossas necessidades e dificuldades.

Nós: Qual sua perspectiva sobre esses problemas enfrentados no sistema de ensino superior aos que vem das comunidades quilombolas?

Leila: A reserva de vagas é boa, mas o processo precisa melhorar bastante. Porém, a cada ano que passa, estão colocando mais dificuldades nas provas, na entrevista, nas divul-gações. Esse ano, 32 alunos da minha comunidade fizeram a prova e apenas 5 passaram. A maioria tirou zero.

Nós: Cinco passaram na prova e a maioria tirou zero na entrevista?

Leila: Na entrevista. Então, pra mim isso é uma barreira que a UFPA tá colocando, pois uma vez que não há a participação de quilombolas, nem das associações ao menos, acon-tece todos esses problemas que eu relatei e quem perde somos nós.

Nós: Você acha que há respeito, por parte dos professores e servidores administra-tivos da UFPA, quanto às necessidades dos alunos quilombolas? Por exemplo, seu modo de vida tradicional, a sua relação com a sua comunidade, você acha que há despreparo dos pro-fessores e servidores pra lidar com as demandas específicas dos quilombolas?

Leila: Há sim! Muitos deles não entendem que nós não temos acesso à internet, que a maioria não consegue se registrar no SIGAA. Então, nós pedimos ajuda, porém nos tratam com desprezo. Isso nunca aconteceu comigo, mas já houve relatos de alunos contando essa si-tuação. Eles precisam ser mais bem preparados pra lidar com as demandas de alunos indígenas e quilombolas. Não por que queremos privilégios, mas para fazermos nossos direitos valerem.

Nós: Quanto à necessidade de deslocamento de vocês para universidade, há com-preensão dos professores? Por exemplo, ter aula ao sábado, ou mudança de horário, ou o professor faltar. Qual a principal dificuldade nesse aspecto?

Leila: Comigo nunca aconteceu. Os professores sabem que eu moro em uma comu-nidade quilombola, então, eles sempre acham uma forma de me avisar, seja mandando men-sagem ou conseguindo que alguém avise. Mas isso não é uma realidade em todos os cursos.

Nós: Você acredita que a falta de assistência da UFPA é motivo para gerar a desis-tência dos alunos quilombolas? O que mais ocasiona essa desisdesis-tência?

Leila: Acredito que sim. Grande parte evade por conta do apoio financeiro, porque o aluno entra e passa três meses sem a bolsa, esperando o resultado do edital da UFPA. E mui-tos não têm como se manter sem a bolsa, já que os pais são trabalhadores rurais e encontra-se longe. Outra dificuldade é o acesso. Muitos desistem por que não conseguem vir todo o dia para a UFPA. Muitos que estudam no turno da noite vão para a roça de manhã. Então, ter que vir estudar e chegar em casa meia-noite para, pela manhã, ir para a roça e, de tarde, voltar para a universidade, tudo isso, dificulta muito.

Nós: Por parte da sua comunidade, há alguma espécie de organização entre vocês para ajudar os alunos da UFPA?

Leila: Não há. Cada pai se vira como pode. A associação não ajuda nenhum. Agora estamos tentando formar uma associação dos alunos quilombolas aqui dentro da UFPA.

Nós: Qual o seu sentimento diante de tantas dificuldades já comentadas aqui, prin-cipalmente você tendo que se deslocar da sua comunidade? Qual o impacto que isso pode causar na manutenção do seu modo de vida?

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Leila: Como eu me afasto muito da comunidade, não estou mais participando de muitas atividades. Basicamente, eu saio de manhã e volto à noite para casa. Eventualmente tenho aula sábado. Domingo é o único dia livre. Por conta de toda essa dificuldade e de pas-sar muito tempo longe de casa já tive muita vontade de desistir, pois a rotina imposta pela universidade não permite que eu tenha tempo. Eu imaginava a faculdade de um jeito e foi um choque muito grande pra mim quando eu cheguei aqui e vi que era algo muito diferente. Esse ano, eu já consigo lidar melhor com as coisas, mas as dificuldades ainda são muitas. Por exemplo, tenho muita dificuldade, principalmente, em usar um computador. Isso me pre-judica bastante, pois a maioria dos professores enviam materiais e avisos por e-mail e não é sempre que consigo acessar um. Minhas companheiras de turma que me ajudam imprimindo esses avisos e materiais e levando para a sala de aula.

Notas

1 “Direito dos Povos e Comunidades Tradicionais”, sob a coordenação da Prof.ª Dr.ª Eliane Cristina Pinto Moreira, vinculado ao Programa de Pós-graduação em Direito da Universidade Federal do Pará – PPGDQ/ UFPA e “Povos e comunidades tradicionais no campo jurídico: mobilizações políticas pelos direitos relativos ao conhecimento associado ao patrimônio genético, sob a coordenação da Prof.ª Dr.ª Noemi Sakiara Miyasaka Porro, vinculado ao Programa de Pós-graduação em Agriculturas Amazônicas – PPGAA/NCADR/UFPA. 2 Entrevista concedida pelas alunas em fevereiro de 2015.

Referências

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