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Transformar a arte, mudar a vida

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Academic year: 2020

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T R A N S F O R M A R A A R T E , M U D A R A V I D A

Celso F . F A V A R E T T O *

T r a ç a n d o e repensando o seu trajeto experimental, da crise da pintura, manifestada em 1959 nos m o n o c r o m á t i c o s (denominados " I n v e n ç õ e s " ) , aos ú l t i m o s projetos e m a n i f e s t a ç õ e s de 1979/80, H é l i o Oiticica caracteriza-o como "descoberta da i n v e n ç ã o " ( O i t i c i c a , 1985, p. 48). Parodiando M a l l a r m é , pode-se dizer que a i n v e n ç ã o f o i sua Beatriz. A conquista do "estado de i n v e n ç ã o " , configurado com clareza nos " P a r a n g o l é s " ( 1964), dispara um processo de abertura estrutural, j á indiciado e ensaiado em "Bilaterais", "Relevos Espaciais", " B ó l i d e s " , " N ú c l e o s " e " P e n e t r á v e i s " , que desenvolve, c o m o um "programa in progress", um l ú c i d o , rigoroso e coerente trabalho de d i l u i ç ã o estrutural voltado à t r a n s m u t a ç ã o da arte; sua t r a n s f o r m a ç ã o em alguma outra coisa que, livre de r e s í d u o s esteticistas, pudesse abarcar as v i v ê n c i a s individuais e coletivas, redimensionando-as.

A atividade inventiva de Oiticica, desdobrada em p a r a n g o l é s , b ó l i d e s , m a n i f e s t a ç õ e s ambientais, projetos de i n t e r v e n ç ã o urbana, etc; as r e f l e x õ e s e t e o r i z a ç õ e s que localizam e explicitam as sucessivas p o s i ç õ e s do programa, p r o p õ e m o experimentalismo (o experimental, como ele prefere) e a crítica cultural c o m o vultos de um mesmo processo de r e s s i g n i f i c a ç ã o da arte. O programa desencadeado pelo " P a r a n g o l é " , ou antiarte ambiental, imbrica r e c o n c e i t u a ç ã o da e x p e r i ê n c i a e s t é t i c a e " p o s i ç ã o é t i c a " numa v i s i o n á r i a c o n c e p ç ã o das r e l a ç õ e s de arte e vida. Inconformismo e s t é t i c o e social, radicalidade e marginalidade (nada circunstancial), exemplares na vanguarda

Docente da Faculdade de Educação - USP - Orientador de Pós-Graduaçâo do Departamento de Filosofia da FFLCH - USP - 05508-900 - São Paulo - SP.

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brasileira, s ã o atitudes que afirmaram Oiticica como emblema de inventor, antena e intérprete de seu tempo.

A o deslizar, paulatinamente, da pintura à s estruturas e m a n i f e s t a ç õ e s ambientais, depois à s estruturas-comportamento, a atividade de O i t i c i c a m a n t é m , entretanto, a unidade proveniente da t e n s ã o entre uma b á s i c a t ô n i c a conceituai (que reconceitua a arte) e a categoria de v i v ê n c i a (que valoriza as a ç õ e s , os gestos, os comportamentos). O que antes era obra ou objeto, transmuta-se em i n t e r v e n ç ã o , acontecimento: alguma coisa que desborda da Arte, pela i n t e n s i f i c a ç ã o de forças, afetos, s e n s a ç õ e s e idéias tramadas em perspectiva cultural: p o t ê n c i a s de um "puro v i v e r " em disponibilidade criadora. O operador dessas t r a n s f o r m a ç õ e s é a categoria de " p a r t i c i p a ç ã o " que circulava na é p o c a , mas que em Oiticica singulariza-se por ser considerada p r á t i c a construtiva que r e t é m as e x i g ê n c i a s e o rigor da construtividade da forma, da cor, das estruturas p l á s t i c a s , enfim, o "sentido de c o n s t r u ç ã o " - p r i n c í p i o e s t é t i c o e procedimento que atravessa de ponta a ponta a e x p e r i m e n t a ç ã o . Esse sentido de c o n s t r u ç ã o , e a idéia de p a r t i c i p a ç ã o , inerentes ao peculiar entendimento do "desenvolvimento construtivo da arte c o n t e m p o r â n e a " , com que pretende contribuir para as "novas possibilidades ainda n ã o exploradas" (Oiticica, 1986, p. 54) s ã o r e s p o n s á v e i s pelo modo e s p e c í f i c o de Oiticica elaborar as propostas comuns da vanguarda brasileira e pela sua utopia da arte nos fios do vivencial, situando-as no horizonte de uma atividade experimental de i n e g á v e l c o n t u n d ê n c i a crítica.

Assim, embora Oticica participe das t e n d ê n c i a s da arte c o n t e m p o r â n e a que, no Brasil e em toda parte, promoviam a r e d i s t r i b u i ç ã o geral da e s t é t i c a , enfatizando, ora a t ô n i c a conceituai, ora a vivencial; a r e n o v a ç ã o s i n t á t i c o -formal ou as d i m e n s õ e s s e m â n t i c a s e p r a g m á t i c a s ; quase sempre desestetizadoras, ele n ã o se deixa determinar exclusivamente pelas s o l u ç õ e s predominantes no circuito internacional ou brasileiro. A singularidade de sua p o s i ç ã o e s t á no m o d o como articula, atravessa e elabora, no seu trabalho, no debate cultural e nos textos c r í t i c o - t e ó r i c o s , as e x p e r i ê n c i a s e propostas em j o g o segundo a perspectiva do "sentido de c o n s t r u ç ã o " em que o "conceituai" e o " f e n ô m e n o v i v o " , i n d i s s o c i á v e i s , n ã o pactuam com a " c o n v i - c o n i v ê n c i a " , com o conservadorismo e a d i l u i ç ã o , mesmo que pretensamente vanguardistas (Oiticica, 1 9 8 l , p . 43-5).

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A lucidez das p r o p o s i ç õ e s de Oiticica é dupla: por situar a sua p o s i ç ã o e s t é t i c a historicamente na continuidade das i n t e r v e n ç õ e s modernas, no empenho de d e s i d e a l i z a ç ã o da arte, particularmente em r e l a ç ã o ao estado da arte brasileira de vanguarda; e por afirmar a especificidade individual de seu trabalho no contexto das e x p e r i m e n t a ç õ e s em que se reconhecia ao lado de outros artistas significativos (Oiticica, 1986, p. 33, 84). O seu particular entendimento dos desenvolvimentos construtivos, da historicidade das p r á t i c a s vanguardistas e das q u e s t õ e s culturais i m p l í c i t a s nessa arte sensível ao social, à c r i a ç ã o e p a r t i c i p a ç ã o coletivas, levaram-no a recusar tanto os e q u í v o c o s do v i v i d o (das m i s t i f i c a ç õ e s da arte e da m i t i f i c a ç ã o da vida) como os da p o l í t i c a na arte. O i t i c i c a sempre se preocupou em expor as a m b i g ü i d a d e s do processo em curso, propondo o experimental como um reexame dos pressupostos nele subentendidos.

A e x t e n s ã o da arte na vida, a proposta da criatividade generalizada, inicialmente pela conquista do " e s p a ç o real", fora do quadro, paulatinamente com a p r o p o s i ç ã o de â m b i t o s e "estruturas germinativas" para comportamentos, embora insistindo na t ô n i c a sensorial, desligam os efeitos perceptivos e afetivos de uma espontaneidade irracionalista e anticonceitual, como desligam o p o l í t i c o de uma função imediatista. A d i l u i ç ã o estrutural m a n t é m a idéia de estrutura e os procedimentos construtivos e. inclusive, produz um aumento do conceituai. Das primeiras estruturas no e s p a ç o , aos " e x e r c í c i o s imaginativos" do "Suprassensorial" e do "Crelazer", a t e n s ã o entre "o conceituai" e "o f e n ô m e n o v i v o " n ã o subscreve a a d e s ã o ou abandono, ao v i v i d o mistificado ou folclorizado; p r o p õ e a abertura como f u n d a ç ã o de estruturas-comportamento, " c é l u l a s - c o m p o r t a m e n t o " , que implicam redimensionamento cultural dos participantes. E n f i m , essa d e s e s t e t i z a ç ã o significa que a v a l o r i z a ç ã o das s e n s a ç õ e s e afetos n ã o é uma simples o p o s i ç ã o ao racionalismo (na c o n c e p ç ã o do e s p a ç o p l á s t i c o , nas r e l a ç õ e s de e s p a ç o e cor, da f u n ç ã o social da arte, do valor da arte), pois tal visada poderia ser uma p o s t u l a ç ã o s u b r e p t í c i a e substitutiva dos mesmos ideais da arte questionados. H á v i o l ê n c i a em sua p r o p o s i ç ã o : visava ao devir de uma e x p e r i ê n c i a em que a t o t a l i z a ç ã o do v i v i d o levaria necessariamente à t r a n s m u t a ç ã o dos i n d i v í d u o s a t r a v é s da t r a n s f o r m a ç ã o da arte em atividade cultural, por m u l t i p l i c a ç ã o e " e x p a n s ã o celular" (Oiticica,

1986, p. 116-7).

Nas i n v e n ç õ e s de H é l i o Oiticica, na f u l g u r a ç ã o das cores e i n c o r p o r a ç ã o do e s p a ç o na d a n ç a dos " P a r a n g o l é s " ; nos labirintos e na pletora

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de imagens de " T r o p i c á l i a " , nas estruturas t á c t e i s - p i g m e n t a r e s de " B ó l i d e s " ; nos â m b i t o s , c é l u l a s - g e r m i n a t i v a s de comportamentos do " É d e n " , dos " N i n h o s " , no e s p a ç o - a m b i e n t e - l a z e r , projeto-recinto " B a r r a c ã o " , nos " D e l í r i o s A m b u l a t ó r i o s " , e t c , as estruturas, o e s p a ç o e o tempo, sons e cores, palavras, idéias, s e n s a ç õ e s e afetos, entram como constituintes de acontecimentos que se entre-exprimem na c o n j u g a ç ã o de forças h e t e r o g ê n e a s . Nas s u p e r f í c i e s e dobras dos acontecimentos, nas r e l a ç õ e s que se produzem no entrechoque de imagens e r e f e r ê n c i a s , como t ã o bem manifestam os labirintos, brilha o esplendor do sentido, encarnado em s i t u a ç õ e s , i n d i v í d u o s , processos (Deleuze, 1974, P. 152). Os acontecimentos se constroem como e n u n c i a ç õ e s , por c o n j u g a ç ã o e d i f e r e n c i a ç ã o , liberando a imagem de um pensamento em que o conceito é sensorial e as s e n s a ç õ e s conceituais.

Eis porque n ã o interessavam a Oiticica a "arte ambiental", a "arte conceituai", a "arte corporal, pois os seus interesses n ã o s ã o funcionais, isto é , voltados para uma atividade experimental "entendida como descritiva de um ato a ser j u l g a d o posteriormente em termos de sucesso ou fracasso"; mas como uma p o t ê n c i a , " u m ato cujo resultado é desconhecido" (Oiticica, 1981, p. 52). A sua i n v e n ç ã o c o n s t r ó i uma p o é t i c a do instante, um " e x e r c í c i o experimental da liberdade" na e x p r e s s ã o de M á r i o Pedrosa, que, valorizando s i t u a ç õ e s i n s t á v e i s e indeterminadas, de f i m impreciso, instala os acontecimentos como e x p e r i ê n c i a s exemplares, s i m b ó l i c a s , nas quais coexistem intensidade de sentido, c o n v i c ç ã o e v i o l ê n c i a . Assim, esta poética visa n ã o aos simbolismos da arte, mas a s i m b ó l i c a dos estados de t r a n s f o r m a ç ã o ; a i n v e n ç ã o é, portanto, mais do que " c r i a ç ã o " , um dispositivo que alia p u l s õ e s e reflexão, impulsos desterritorializadores e e l a b o r a ç ã o : um trabalho que quer liberar, nos acontecimentos, os signos t r a n s f o r m á v e i s , os sinais da p o t ê n c i a de instante, dos estados de t r a n s f o r m a ç ã o .

Se a imagem de labirinto é a m e t á f o r a unificadora desses estados, pois enfatiza polimorfias, mobilidades, aberturas, jogos e t e n s õ e s , surpresas e i n t e r v e n ç õ e s a t i v í s s i m a s , e se os " P a r a n g o l é s " s ã o o ponto de partida dessa p o é t i c a , os í n d i c e s dessa c o n c e p ç ã o da arte como evento encontram-se progressivamente encadeados nas p r o p o s i ç õ e s anteriores: na p r o p o s i ç ã o de um a l é m da pintura nos "Metaesquemas"("meta", a l é m - t r a n s c e n d ê n c i a da v i s u a l i z a ç ã o ; "esquema", estrutura, quadro); nas " I n v e n ç õ e s " , em que a cor é liberada como p u l s a ç ã o , promovendo n ã o s ó a m u d a n ç a dos meios, mas da p r ó p r i a c o n c e p ç ã o de pintura; na a t i v a ç ã o do e s p a ç o com "Bilaterais", "Relevos 250

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-Espaciais" e " N ú c l e o s " , em que a v i v ê n c i a da "estrutura-cor" explora as m ú l t i p l a s r e s s o n â n c i a s de e s p a ç o e cor temporalizados, na i n s t a u r a ç ã o do novo e s p a ç o perseguido nas e x p e r i ê n c i a s construtivas, o " P e n e t r á v e l " , e, finalmente, nos " B ó l i d e s " .

Os " B ó l i d e s " ocupam um lugar m u i t o especial nos desenvolvimentos do programa de Oiticica. S ã o , ao mesmo tempo, as ú l t i m a s "estruturas p r i m o r d i a i s " do processo de i n s t a u r a ç ã o da ordem ambiental e e s p é c i e de tubos de ensaio; evidenciam o processo de abertura das estruturas, expondo as possibilidades e procedimentos que seriam efetivados plenamente nos desenvolvimentos ambientais. S ã o objetos estranhos, com forte c o n o t a ç ã o conceituai; m á g i c a s i n c u r s õ e s que permitem e x p e r i ê n c i a s sensoriais e ludismo. Signo e evento, objetos p l á s t i c o s e j á â m b i t o s para e x e r c í c i o s imaginativos, permitem a i n s p e ç ã o das estruturas pigmentares de cor; s ã o focos de uma luminosidade que se expande, quer soltar-se e fulgurar no e s p a ç o . N ã o é por menos que Oiticica, a t é o f i m , sempre recodificou-os e revitalizou-os; disse mesmo, certa vez, que eles " s ã o a semente, ou melhor, o ovo de todos os futuros projetos ambientais" (Oiticica, 1978, p. 190). S ã o p r o t ó t i p o s de desenvolvimentos ambientais comportamentais.

Visando a ressaltar o c a r á t e r o p e r a t ó r i o dos " B ó l i d e s " , que fazem a passagem das "estruturas transcendentais imanentes" para "estruturas comportamento-corpo", Oiticica caracteriza-os como "transobjetos", ressaltando, inclusive, que a proposta é a mesma dos " P a r a n g o l é s " Neles importa o signo e n ã o o objeto como obra, pois a p a r t i c i p a ç ã o (explorar, manipular, descobrir) é atividade constitutiva. Os " P a r a n g o l é s " redefinem as o p e r a ç õ e s dos " B ó l i d e s " ; deslocam-nas das estruturas contidas de cor, desatam os gestos, liberara os movimentos e os envolvimentos dos participantes. Os " B ó l i d e s " s ã o a i m a g i n a ç ã o do movimento e do gesto; os " P a r a n g o l é s " a e f e t i v a ç ã o .

O p r i n c í p i o operante da c o m p o s i ç ã o dos " B ó l i d e s " é a a p r o p r i a ç ã o , procedimento construtivo e desestetizante fundamental da arte moderna e da c o n t e m p o r â n e a . Contudo, Oiticica pretende diferenciar as suas a p r o p r i a ç õ e s de outras, como as de Rauschenberg e Jasper Johns, por exemplo. Segundo ele, "nessas e x p e r i ê n c i a s a chegada à o b j e t i v a ç ã o , ao objeto tal como ele é no contexto de uma obra de arte, transportada do ' m u n d o das coisas' para o plano das 'formas s i m b ó l i c a s ' , d á - s e de maneira direta e m e t a f ó r i c a . N ã o se trata de

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incorporar a p r ó p r i a estrutura, identificá-la na estrutura do objeto, mas de t r a n s p o r t á - l o fechado e e n i g m á t i c o da sua c o n d i ç ã o de 'coisa1 para a de elemento da obra1. A obra é virtuali/.ada pela p r e s e n ç a desses elementos, e n ã o antes a virtualidade da obra na estrutura do objeto(...)". Nos " B ó l i d e s " , exatamente para enfatizar o processo de c o n s t r u ç ã o , e para n ã o reduzi-los à d e s f u n c i o n a l i z a ç ã o ou e s t e t i z a ç ã o dos objetos apropriados, n ã o há " j u s t a p o s i ç ã o v i r t u a l " de elementos, mas, ao escolher cada um deles, j á se identifica a "estrutura i m p l í c i t a " dos mesmos com a idéia que preside a c o n c e p ç ã o dos " B ó l i d e s " . Os objetos "achados na paisagem" s ã o , assim, incorporados a uma " i d é i a e s t é t i c a " , com que se valoriza a e l e i ç ã o como um ato que n ã o visa ao objeto em seu estado natural, mas à sua "estrutura i m p l í c i t a " . A virtualidade (de cor, luminosidade, estrutura, ludismo) está, portanto, nos elementos e n ã o na "obra", com que se ressalta a carga cultural do "mundo das coisas", assim c o m o a t ô n i c a conceituai do procedimento (Oiticica, 1986, p. 63-5).

Os " B ó l i d e s " s ã o m a n i f e s t a ç õ e s singulares da " t e n d ê n c i a ao objeto", vigente na arte brasileira do p e r í o d o ; Oiticica, entretanto, sublinha os e q u í v o c o s e c o n f u s õ e s da maioria dos "fazedores de objetos", dos "fazedores de caixas" que, para ele, propugnam uma " e s t é t i c a do objeto". Por considerar o objeto como etapa do processo de m u t a ç ã o da arte; uma etapa p r é v i a , pois apenas comprometida com as t r a n s f o r m a ç õ e s estruturais. Oiticica n ã o o entende c o m o uma nova categoria acrescentada à pintura, uma e s p é c i e de categoria substitutiva, t á b u a de s a l v a ç ã o face à crise da pintura. Acrescenta que o problema do objeto é mais complexo; "parece ser uma a s p i r a ç ã o mais ampla no pensamento moderno: parece desafiar a lógica dessas t r a n s f o r m a ç õ e s " . O que importa, para ele, n ã o é o objeto-obra, mas "a a ç ã o no ambiente, dentro do qual os objetos existem como sinais" e se p r o p õ e m como " e x e r c í c i o para um comportamento" (Oiticica, 1978, p. 190). É por isso que Oiticica considera os " B ó l i d e s " como "o objeto por e x c e l ê n c i a da vanguarda brasileira" (Oiticica, 1978, p. 190), pois exploram exemplarmente o intervalo que vai do sinal à a ç ã o , fundindo idéia e objeto.

A conquista definitiva do estado de i n v e n ç ã o nos " P a r a n g o l é s " pode ser entendida c o m o proveniente da e x p l o s ã o da e s t r u t u r a - b ó l i d e : a expressividade da cor em estado pigmentar, desenvolve-se no e s p a ç o temporalizado, impregnando o ambiente. Incorporando a cor, soltando-a no e s p a ç o ; liberando a a ç ã o e multiplicando os sinais; deslizando dos e s p a ç o s p o é t i c o - t á c t e i s - p i g m e n t a r e s de c o n t e n s ã o para os atos-corporais-expressivos, os 2 5 2

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-" P a r a n g o l é s -" redefinem aquela fusão de idéia e objeto dos -" B ó l i d e s -" . A a p r o p r i a ç ã o de materiais é relativizada, mas a escolha ainda s u p õ e a i d e n t i f i c a ç ã o da "estrutura i m p l í c i t a " . O a c r é s c i m o de m ú s i c a e d a n ç a , embora fazendo progredir a d i l u i ç ã o das estruturas, s ã o mais signos t r a n s f o r m á v e i s e de t r a n s f o r m a ç ã o que desprezo pela " i d é i a " , que agora comanda o ambiente. A d a n ç a realiza o que está i m p l í c i t o na idéia, atualizando r e l a ç õ e s m u t á v e i s da estrutura e do corpo, da cor e do movimento. A p r o p o s i ç ã o do " P a r a n g o l é " é o ponto crucial do programa de Oiticica, porque articula i m a n ê n c i a expressiva, transformabilidade e v i v ê n c i a : nisso está a chave da i n v e n ç ã o , cifrada na proposta ambiental entendida como c o m b i n a ç ã o de " B ó l i d e - P a r a n g o l é " .

R E F E R Ê N C I A S B I B L I O G R Á F I C A S

DELEUZE, G. Lógica do sentido. São Paulo: Perspectiva, 1974.

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