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Função socioambiental da propriedade territorial: Fundamentos teórico-criticos da dogmática jurídica / Función socioambiental de la propiedad territorial: Fundamentos teórico-críticos de la dogmática legal

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Função socioambiental da propriedade territorial: Fundamentos

teórico-criticos da dogmática jurídica

Función socioambiental de la propiedad territorial: Fundamentos

teórico-críticos de la dogmática legal

DOI:10.34117/bjdv6n9-268

Recebimento dos originais: 10/08/2020 Aceitação para publicação: 11/09/2020

Elaine Cristina Francisco Volpato UNIOESTE

Advogada e Professora Adjunta da Universidade do Oeste do Paraná- UNIOESTE, docente do Curso de Graduação em Direito e de Pós-Graduação, em nível de Mestrado e Doutorado, junto ao

Programa Sociedade, Cultura e Fronteira em Foz do Iguaçu-PR elacrisfr@hotmail.com

Emily Rayana da Cruz Bueno UNIOESTE

Pós-graduada em Direito Constitucional pela Universidade Estácio de Sá emilyrayana@live.com

Paulo Celso Machado UNIOESTE

Mestrando na Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE, Pós-graduado (Latu Sensu) em Ciências Penais pela Universidade Anhanguera-Uniderp com formação para o Magistério

Superior, na área de Direito paulocelsomachado@hotmail.com RESUMO

A evolução do instituto da propriedade imobiliária rural no Brasil, do descobrimento aos nossos dias, retratá-la cientificamente, é o desafio. Lançar um olhar novo na história brasileira e mundial, para recompor a evolução do Estado nacional, a partir do desenvolvimento das instituições jurídicas ligadas a terra. E estudo empreendido parte do resgate da evolução do instituto da propriedade imobiliária que, de cunho eminentemente privatista e real, mas sensível às influencias do dirigismo estatal, que, na atualidade, vê-se subordinada a função socioambiental, delineada pela Constituição Federal de 1988. A pesquisa realizada é de cunho genealógico, segundo ensinamentos de Foucault, desenvolvendo sua arqueologia do saber poder em duas frentes distintas e complementares: a compreensão fenomenológica do conceito jurídico de propriedade e o modo de construção do discurso sobre o fenômeno, em especial, em seus aspectos geopolíticos. Fazendo compreensível a transformação e publicização do Direito Privado da terra rural, que tende a ser relativizada e socializada.

Palavras-chave: Função, Socioambiental, Propriedade, Territorial RESUMEN

La evolución del instituto de la propiedad inmobiliaria rural en Brasil, del descubrimiento a nuestros días, retratarla científicamente, es el desafío. Poner una mirada nueva en la historia brasileña y mundial, para recomponer la evolución del Estado nacional, a partir del desarrollo de las instituciones

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jurídicas ligadas a la tierra. Y el estudio emprendido parte del rescate de la evolución del instituto de la propiedad inmobiliaria que, de carácter eminentemente privatista y real, pero sensible a las influencias del dirigismo estatal, que, en la actualidad, se ve subordinada a la función socioambiental, delineada por la Constitución Federal de 1988. La investigación realizada es de carácter genealógico, según enseñanzas de Foucault, desarrollando su arqueología del saber poder en dos frentes distintos y complementarios: la comprensión fenomenológica del concepto jurídico de propiedad y el modo de construcción del discurso sobre el fenómeno, en especial, aspectos geopolíticos. Haciendo comprensible la transformación y publicidad del Derecho Privado de la tierra rural, que tiende a ser relativizada y socializada.

Palabras clave: Ocupación, Socioambiental, Propiedad, Territorial

1 INTRODUÇÃO

O direito de propriedade é na Modernidade a “justa baliza” eleita pelo Estado para fundar os conceitos jurídicos elementares, como: sujeito de direito, família e, assim, constituindo-se a si próprio. Ao adotar este ponto de partida, a presente pesquisa opta pela análise histórica e crítica da práxis pretendendo social, descrever a redefinição da propriedade imobiliária rural na Pós-Modernidade, diante do esfacelamento da soberania estatal tradicional e da progressiva desterritorialização da potência pelo Mercado Global.

Pretende-se, neste ensaio analisar de forma crítica o mito da propriedade absoluta, na definição clássica de direito subjetivo individual e absoluto. E, reconhecer na função socioambiental da propriedade e demais restrições que atualmente recaem sobre a propriedade privada, sua nova feição, pautada pelo interesse público, um conceito “dinâmico” (de propriedade) em substituição ao conceito anterior, clássico e “estático”.

O presente trabalho de pesquisa pretende averiguar se as concepções jurídicas que afetam a apropriação da terra carecem de novo fundamento jus-filosófico. Por essa razão, elegeu-se como objetivo primordial enfrentar a questão proposta por Engels: será possível que a garantia de um direito individual seja o flagelo do direito dos povos?

O processo de desenvolvimento histórico, filosófico e político do direito positivado referente ao direito de propriedade da terra, como ocorre com outras instituições contemporâneas, o termo “propriedade” é equívoco. Para fins dessa proposta de trabalho de pesquisa, adotam-se as seguintes acepções: em sentido lato, o associamos propriedade à ideia político-sociológica de patrimônio, geralmente adotada pelo Direito Constitucional; em sentido estrito, acolhemos a acepção que a distingue de outros direitos patrimoniais, em sendo, aquela já desenvolvida pela dogmática corrente do direito privado.

O desejo de investigar as origens do conceito clássico de propriedade, qual seja, ter, usar, gozar e abusar de bens disponíveis implica um desvendar da propriedade imobiliária, querendo descentrar,

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do Estado e do sujeito, para resgatar o pensamento jus filosófico e político de aproximadamente trezentos anos que antecederam a “constituição” do Estado Moderno e serviram para desenvolver a teoria europeia, efetivamente implantada em solo brasileiro.

De fato, os filósofos e políticos, daqueles séculos1, discutiram como se deveria organizar o poder civil, a sociedade organizada, quer sob o prisma do Estado, dos governos, da religião, de Deus e dos direitos, os quais, segundo Marés (2003:19), encontravam no próprio sistema legitimidade e funcionalidade e, em tais discussões, por sua vez, a constante é a ideia e a justificativa da propriedade: grande direito individual a ser assegurado pelo Estado nascente.

Passou-se a buscar a legitimidade da propriedade em razão de sua funcionalidade. Cumpre-nos mencionar aqui que existem diferentes tipos de função social que variam de acordo com o tipo de sociedade. Nesse sentido, a Constituição Federal trata da função social da propriedade rural em seus artigos 184 e seguinte e dentre elas figura a função socioambiental, esculpida nos artigos 186, inciso II e 225.

Podemos extrair da interpretação de tais artigos a consagração da função ambiental da propriedade, que é condição para o cumprimento da função social da propriedade (BORGES, 1998). A ordem econômica não pode prevalecer em detrimento do meio ambiente2, mesmo porque esse é um principio regente daquele, conforme o artigo 170, inciso VI da CF.

Ocorre que o princípio supra citado tem caráter de norma que vincula a todos, cabendo destacar que nos casos em que há diferentes interpretações sob diferentes normas, a preponderância deve-se dar àquela que melhor se assemelha ao princípio. Contudo, se não houver, deve-se agir de forma a concretizar o princípio de maneira que os princípios regulem a interpretação (MIRRA, 1996).

Curiosamente, revestida em seus primórdios de um sentido coletivo ou grupal, evoluiu a sociedade para uma noção de propriedade individual, enquanto meio indispensável à defesa da pessoa e à formação de sua personalidade, para ganhar, em fins do século XX, dada a influência de interesses coletivos, seu condicionamento à respectiva função socioambiental3.

1 São dignos de nota: Lutero, Calvino, Bodin, Hobbes, Maquiavel, Locke, Rosseau, Montesquieu, Morus, Pufendorf,

Francisco de Vitória, Bartolomé de Lãs Casas, Swift, Voltaire, Shakespeare, Milton, Cervantes, Camões e Dante.

2 No ante-projeto do Código Florestal de 1934 já se salientava tal conflito, analisando a função social da propriedade:

“Ora, em matéria florestal os interesses do proprietário particular estão em perene conflito com os da coletividade e é lastimável que, por amor a um simples princípio, possa um energúmeno sacrificar, por cupidez de um lucro ocasional, às vezes mínimo, ou por ignorância, matas que necessitaram de séculos, para atingir ao estado atual e que representam riquezas inavaliáveis para o interesse geral de toda a região.”

3 No Brasil vários diplomas legais vieram limitar, paulatinamente, a propriedade imobiliária rural, destacando-se: o

Estatuto da Terra (Lei n º 4.504, de 30.11.1964), que lançou concepções gerais de reforma agrária e do uso economicamente rentável da terra; o Estatuto do Índio (Lei n º 6.001, de 19.12.1973) regulamentando as terras destinadas aos silvícolas; o Código de Mineração (Decreto Lei n º 1.985, de 29.01.1940) ao regulamentar demarcações de limites para ação de jazidas; o Código de Águas (Decreto Lei nº 7.841, de 08.08.1945); o Código Brasileiro do Ar (Decreto Lei n º 32, de 18.11.1966).

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2 ESCOLHAS METODOLÓGICAS

O presente estudo com enfoque especial aos aspectos da critica filosófica a dogmática jurídica sobre a territorialidade no espaço rural, deseja explorar parcela da vasta bibliografia existente sobre o tema, mas sobre um viés inovador: metodologicamente indutiva, preordenada pela genealogia de Foucault. Pretende-se, desse modo, recuperar as bases encobertas pela história, mas essenciais para compreensão das concepções juristas, em seus aspectos fundamentais da organização política e ideológica da sociedade, em constante transformação.

O estudo divide-se em duas partes, para além de sua introdução e conclusões, nas quais expõem sinteticamente as concepções Modernas de propriedade, destacando a importância das revoluções liberais e do ideário capitalista a ela inerente. Para num segundo momento, identificar já no início do século XIX críticas à propriedade-direito, segundo a teoria da função social da propriedade e, no contemporâneo, com o texto constitucional de 1988, a propriedade direito fundamental composto pela função social e ambiental da terra.

3 RESULTADOS DA PESQUISA

3.1 DESENVOLVIMENTO DO IDEÁRIO LIBERAL SOBRE A PROPRIEDADE

Na história mundial a partir do momento em que as sociedades agrícolas tendem a ser sedimentares, passam a atribuir maior importância aos produtos da terra. Incrementando-se a relação entre a coisa (terra) e o sujeito (proprietário). Assim:

Os caçadores e coletores sempre repartiram tudo, generosamente, permitindo que todos, inclusive as plantas e os animais, participassem do reparto, deixando a apanha e caça à força e habilidade de cada um. A agricultura fez da terra um espaço privado, os homens, ou melhor, cada homem passou a controlar o seu produto e a partir daí se promoveu uma mudança de comportamento ético, passando o ser humano a se considerar o destinatário do Universo, subjugando todos os animais e plantas e, ao final, a supremacia de alguns homens sobre todos os outros homens. O ser humano perdera o paraíso, no mito de criação. (MARÉS, 2003, p. 12).

O ponto de partida para essa proposta de pesquisa é o consenso moderno de que a propriedade possibilita a existência e a subsistência da pessoa na vida terrena, a partir de sua apropriação pelo trabalho humano.

A relação entre o homem, ser dotado de capacidade de se apropriar de bens, como a terra, dada a sua importância, é o marco divisório inclusive da História Humana. Por isso, identifica-se, até com certa facilidade, pelo menos três momentos dessa relação, quais sejam: o homem econômico, o homem social e o homem simbólico.

O primeiro, numa fase inicial do capitalismo onde o Estado Liberal foi instaurado, prima por defender a postura individual, ilimitada e sagrada do direito de propriedade, efetivando-a mediante instrumentos de tutela individual de direitos.

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Tal dimensão ainda não está devidamente madura na jurisprudência e doutrina nacional, pois muitos juristas ainda são adeptos do liberalismo “puro”, acreditando e defendendo o conceito de usar, fruir e dispor, desconsiderando a Constituição Federal 1988, o Código Civil de 2002 e demais diplomas legais, sobretudo por conta de sua “visão de mundo”, a qual não mais corresponde quer ao real ou ao legal.

Já o segundo, “gestado” pela a crise econômica de 1929, desejando superar as mazelas do Estado Liberal passa a crer, dada sua nova visão de mundo, no Estado Social. Ocorrendo, assim, uma flexibilização do direito de propriedade pela introdução de sua função social e, contemporaneamente, surgindo à concepção de tutela coletiva.

O terceiro e mais atual, o homem simbólico, tem consciência de si e de sua transcendência. É compelido a ponderar suas decisões a partir das consequências futuras de seus atos. Em tal contexto, o direito de propriedade é dotado de diferente significado através da concepção ambiental agregada ao social e, portanto, requer uma nova categoria de tutela jurisdicional: os direitos difusos.

Ocupar-se da problemática de legitimação liberal e capitalista da propriedade imobiliária rural, a partir de seu embate ideológico fundamental dos séculos XVIII ao XXI, implica em reconstruir historicamente a imposição dos mais diversificados regimes e sistemas jurídicos, inicialmente de caráter totalitário ao conteúdo social e ecológico da Constituição de 1988.

A propriedade privada, na concepção liberal, é expressão do direito à liberdade como essência da natureza. Seu ícone é o jusnaturalismo, obtendo especial destaque o pensamento de Locke, que justifica e normaliza a aquisição privada da propriedade como direito natural inerente a liberdade individual através do trabalho.

Ao Estado, neste cenário, em especial, cabe garantir e defender a maior apropriação privada dos bens naturais, pautando seu agir pela lei e pela compulsiva tributação.

Por outro lado, o ideal revolucionário da liberdade, necessitou ser complementado por Rousseau, com o princípio da igualdade. Não basta a liberdade natural para ser proprietário de parcela do território nacional, necessita-se do primado da igualdade, ao menos formal, para dar legitimidade à condição humana imprescindível de ser dono, exercer seu senhorio, quase absoluto. Numa postura social que instrumentaliza a opressão e acelera a desigualdade social do capitalismo liberal (FRANCISCO, 2006).

O “Leviatã” de Hobbes e o “Ensaio sobre o Governo Civil” de Locke são obras complementares e essenciais, de igual modo, para compreender adequadamente, o sistema jurídico liberal. O monstro estatal, poderoso e necessário, em Hobbes é elemento chave para garantia do domínio privado, por isso, a ser dotado do mais invencível poder natural: a soberania, derivada do domínio da terra.

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Em Locke, por outro lado, o princípio da liberdade individual, para garantir a propriedade privada da terra (parcela do território nacional), preceitua a divisão de poderes Estatais, enquanto mecanismos essenciais para harmonizar o contrato social (MUCHERONI, 2000, FRANCISCO, 2006).

Em síntese, na concepção liberal, o direito à liberdade é o primeiro direito natural humano, sendo a propriedade uma expressão da personalidade que, em conjunto com o trabalho, sustenta o direito à propriedade privada da terra e o poder soberano do Estado. Ambos de caráter absoluto e inquestionavelmente legítimos, do ponto de vista ideológico e filosófico.

Em última análise, questionam o projeto de vida do homem moderno ocidental em seu cotidiano, a partir da propriedade privada da terra, especialmente a rural. Na medida em que um olhar mais crítico sobre as faculdades asseguradas pela lei ao sujeito de idealizar e executar, usando sua força de trabalho, a apropriação da terra (elemento da natureza), para alcançar a “felicidade” da ética do capital: amealhar todo o patrimônio lícito que puder em sua existência.

A transformação da terra em propriedade individual é fruto de construção humana localizada e fundada no Estado e Direito moderno. É um fenômeno europeu típico pulverizado no mundo a partir das teorias do século XVI, instigadas pelos conquistadores e mercadores que colonizaram, inclusive, o Brasil.

O patrimônio, para Carbonnier (1992), por exemplo, é o conjunto de bens e de obrigações de uma pessoa, considerados como uma universalidade de direito, um todo, uma unidade jurídica fundamental.

Mas este direito criado pelo ser humano e considerado a “essência” do processo civilizatório foi na “realidade”, de per si, fonte de inúmeros males ao agredir profundamente a natureza. Especialmente ao eleger a destruição dos recursos naturais como índice indicativo de desenvolvimento4.

Retomando Rousseau, que na obra Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade

entre os homens (1754), identificou que a propriedade da terra, em tais moldes, gera males

paradoxais, pois destrói a natureza e que destrói para dar de “comer” ao contingente humano. Todavia, ao destruir menos vida possibilita.

4 Por fim, o próprio homem agrediu a si próprio, quebrando os vínculos de fraternidade e potencializando a disseminação

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A questão da legitimidade da propriedade, ainda que incidente, nos quer parecer relevante, pois, se para Grócio seu fundamento é a ocupação, convertendo os objetos da natureza em valores econômicos ou culturais e enriquecendo o patrimônio da nação5.

Conforme bem ressalta Diniz (1995, p. 87) a teoria da especificação é criticada por Planiol, para o qual, o trabalho é recompensado com o salário e não com o objeto por ele produzido e, Radbruch aponta, com precisão, que tal doutrina da propriedade coletiva dos trabalhadores leva à espoliação do proprietário dos meios de produção, de que não participou com seu trabalho6.

A teoria da natureza humana, acolhida por Diniz e, qualificada como a mais sólida, sinteticamente defende que: a propriedade é inerente à natureza do ser humano, condição de sua existência e pressuposto de sua liberdade.

A propriedade assim concebida é assegurada ao ser humano, que por sua própria natureza possa dela dispor como bem lhe aprouver, para atender às suas necessidades próprias e às de sua família.

Por todas essas razões e pelo serviço que presta às sociedades civilizadas, justificou-se, de tal modo, plenamente a existência jurídica da propriedade imobiliária absoluta7. Quanto à literatura consultada o tema deve ser analisado em maior profundidade em seus três enfoques fundamentais: histórico8, filosófico9 e jurídico10.

Ser proprietário é satisfazer o imaginário coletivo ocidental. É a síntese “perfeita” dos desejos e necessidades capitalistas. Se por um lado, compatível a sua existência social, por outro, a expressão de um ideal de liberdade do sujeito e, portanto, seu objeto existencial perseguido11. Assim, o ser proprietário da terra é um mito12. Um sonho do mundo, ou um arquétipo que se ocupa do mais importante problema existencial humano: sua subsistência terrena. E, em poucas palavras, essa

5 Para outros, a lei é seu fundamento, como Montesquieu (1748), Hobbes (1651), Benjamin Constant, Mirabeau e

Bentham. Outros, no entanto, adotam a teoria da especificação preconizada pelos economistas Locke, Guyot, Mac Culloch e, assim, o trabalho seria o único criador de bens, consistindo o título legítimo da propriedade.

6 RADBRUCH, Filosofia do direito, v. 2, p. 31 apud por W. Barros Monteiro e Maria Helena Diniz.

7 PLANIOL e RIPERT, Traité pratique de droit civil français, Paris, 1926, v. 3; Gustavo Tepedino, Contorni della

proprietà nella Costituzione brasiliana del 1988, Rassegna di Diritto Civile, 1:96-119, 1991.

8 Recomenda-se a leitura para mais bem compreender os aspectos históricos (sociais), incidentalmente suscitados pela

reflexão, poderão ter por base conceitos e proposições aferidas a partir de Gramsci, David Easton, Wright Mills, Weber, Florestan Fernandes, Sérgio Buarque de Olanda, Celso Furtado, dentre outros.

9 Os aspectos filosóficos, a partir da leitura atenta de algumas obras “chaves” de Foucault e Agamben, além dos clássicos

já mencionados, como Montesquieu, Hobbes, Benjamin Constant, Locke, Rousseau e Engels, dentre outros.

10 Os aspectos jurídicos serão pensados a partir de Léon Duguit, Gaston Morin, René Théry, Tomas Nagel, Jeremy

Waldron, Guiseppe Lumia, Karel Kósik, John Gilissen, Nozick, Orlando Gomes e Marés dentre outros.

11 Olhar a relação que une o sujeito a sua propriedade, dentro da tônica do sacrifício do interesse individual em prol do

geral, consoante o disposto no ordenamento jurídico, acaba sendo inevitável.

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modalidade de propriedade jurídica foi definida como sendo o direito que a pessoa física ou jurídica possui de ter, usar, gozar e dispor (inclusive destruindo se o desejar) um bem, corpóreo ou não, reivindicando-o de quem o injustamente o detenha (NUNES, 1979).

Deste modo, são características peculiares à propriedade do direito liberal tratar-se de um poder/dever: ser absoluto, uma vez que assegura ao proprietário a liberdade de dispor do bem, legitimamente adquirido, do modo que lhe aprouver; ser exclusivo, pois a propriedade diz respeito, em princípio, apenas ao proprietário; ser perpétuo, já que não desaparece com a morte do proprietário, sendo transmitido a um sucessor, desta forma sua duração é ilimitada e imperecível.

Assim, a partir das revoluções liberais europeias, com a garantia da propriedade privada sobre o território, consubstanciada em uma codificação especializada (Declarações Universais de Direitos Humanos), pode o Estado se justificar e autoconstruir investindo-se de um instrumento sempre mais poderoso: o Direito soberano – absoluto, exclusivo e perpétuo.

É na emergência da modernidade que o discurso histórico foi diluído. A soberania passa a ter a função de subjugar e a lei, por sua vez, figura como expressão do triunfo de uns e, doutro lado, ruina de outros tantos. O direito soberano começa, a partir do estranhamento do “outro” a possibilitar seu mecanismo soberano e biopolítico de “fazer viver e deixar morrer” (FOUCAULT, 1999; 1989).

O poder soberano estatal, orientado pelo capitalismo que o obriga a se adaptar para se manter, muda sua essência, torna-se politicamente relativo, dinâmico, microfísico e instável, gerando a crise do direito privado em sua fundamentação jurídica a partir da ideia original de que todos tem a posse coletiva de todos os bens.

3.2 A FUNCIONALIZAÇÃO DO DIREITO DE PROPRIEDADE

No decorrer do tempo, não foram poucos os ataques sofridos pela concepção liberal da propriedade, um dos mais radicais foi Proudhon, que, em sua tese, é categórico em defender que a propriedade é um roubo. A crítica ao direito de propriedade parte do proposto pela Revolução Francesa, que, para ele, não passa de uma mentira. Pois, se a premissa basilar do direito de propriedade é a igualdade, não meramente formal, consagrada pela Revolução, e, posto que essa não fez senão repetir o mesmo “padrão” de governo anterior, apenas substituindo o rei pelo povo, tal movimento seria uma farsa:

Ao tratar da igualdade a Revolução Francesa apenas institucionalizou a exclusão de privilégios do povo. A igualdade formal em nada melhora as condições dos mais carentes, ao contrário, fez supor que: o povo quis dispor de postos lucrativos para distribuir a amigos e bajuladores (PROUDHON, 1988, p. 34-35).

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O direito de propriedade, da doutrina individualista liberal, que conduziu à noção ideal e absoluta, abstrata do direito de propriedade. Passa a ser cada vez mais questionada, como paradigma que não mais justifica a dominação do capital e a expropriação da vida humana. O direito universal de todos os tempos e Estados, “numa operação historicamente marcada” (CORTIANO Jr, 2002), deixa de fazer sentido.

Leon Duguit, já em 1900 ano em que sua obra “Fundamentos do Direito” foi editada pela primeira vez, a criticava como sendo metafísica e “anticientífica”, porque é da natureza do Direito ser um produto da evolução humana, um fenômeno social (DUGUIT, 2005).

A idealização liberal, neste contexto, criou um alto grau de abstração que acabou por prejudicar, irremediavelmente, a efetividade da norma, pois faz surgir, em sua matriz conceitual fundamental (a soberania) um divórcio do Direito com a realidade social. Um hiato incompreensível para o leigo e ameaçador para um jurista pouco atento (FRANCISCO, 2006).

O Estado responsável pelo equilíbrio de direitos individuais, caracterizado por um “papel negativo” da soberania absoluta e estática, foi poderosamente substituído por concepções dinâmicas e microfísicas do poder soberano. Agora obrigado a intervir e implementar a política social (como aconteceu no Estado social), em graus diferenciados.

A ideologia da propriedade privada, de cunho individualista e absoluto, ainda que contrária às disposições da lei hoje vigente no Brasil, ainda se perpetua em nosso cotidiano e resguarda o poder de poucos, em detrimento de muitos.

A propriedade, segundo Serpa Lopes, que seria o mais amplo direito de senhorio sobre uma coisa, apresentado como unidade de poderes exercidos, tende a ser fracionado e vergado por direitos de ordem coletiva e difusa, revolucionando a compreensão privatística disseminada, em especial quanto seus caracteres13.

O trabalho quer manter um olhar crítico sobre o instituto da propriedade rural no Brasil, ainda que, incidentalmente passe a se ocupar de algumas das causas estruturais de nossa pobreza. Em pesquisas anteriores constatou-se, por exemplo, que em solo nacional 44 milhões de pessoas sobrevivem em condições precárias, com uma renda mensal inferior a meio salário mínimo14. De fato, a pobreza não é um fenômeno isolado, infelizmente, mas um mal conjuntural ou residual, talvez resultante do modo de produção adotado pela modernidade (reflexo da globalização), que como alerta Agamben (2002), por exemplo, não pode ser resolvido pela filantropia ou assistencialismo.

13 Os principais caracteres da propriedade seriam instituto dotado de poder: absoluto, exclusivo, perpétuo e elástico. 14 cf. “Mensuração da desigualdade e da pobreza no Brasil”, de Hoffman, Rodolfo – preliminar com base nos dados da

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Todavia, a Constituição Federal de 1988 apresenta em seus objetivos e nos fundamentos do Estado brasileiro, em especial, a erradicação das desigualdades sociais, da pobreza, a promoção da solidariedade e dignidade da pessoa, a construção de uma sociedade justa e livre. Percebe-se, portanto, que o problema não é de lacuna legal, mas de efetividade. Não basta questionar os velhos paradigmas jurídicos, estabelecidos nos séculos XVIII ou XIX e alterados no século XX, o que de fato espera-se é a efetividade de tais direitos.

E, como incomoda Gramsci ao dizer que o vínculo orgânico entre os desvalidos e os poderosos é, acima de tudo, assegurado pelos intelectuais, os quais garantem a manutenção da hegemonia:

Aquilo que ao entendimento clássico pareceu a implantação de um patrimônio comum de valores, e que inspirou a ideia da nacionalidade e o princípio do estado nacional, é aqui entendido como uma técnica de domínio e, se quisermos, como uma mistificação das classes proletárias.

[Sendo assim] a classe hegemônica não precisa defender pela força a sua posição, visto que as classes dominadas aceitam tais valores como seus, e por isso os defendem (MOREIRA, 2001, p. 253).

O homem no século XXI ao reconhecer que as riquezas naturais, em especial a terra são finitas, ao contrário do que imaginavam os teóricos de séculos anteriores, tem que refrear seus deleites.

Passar a questionar se os limites da população humana crescente e a descomunal força destrutiva do regime livre de acumulação capitalista podem sustentar-se na atualidade. As limitações hoje legalmente previstas são ícones da tentativa de harmonização do uso privado da propriedade imobiliária rural com os direitos da coletividade, em especial sob o crescente influxo de normas protetivas de interesses difusos15.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao desconstruir uma teoria do patrimônio imobiliário rural que se tornou clássica e pesquisar a natureza e as transformações de conteúdo econômico, que foi o objeto desse trabalho de pesquisa, pode-se concluir que o evoluir da propriedade imobiliária rural acompanha o próprio desenvolvimento da ação humana no mundo, que do individualismo liberal tende, na atualidade, a socialização “compulsória”.

A análise da expressão que corresponde às limitações impostas ao conteúdo absoluto do direito de propriedade, sobretudo da Revolução Francesa dão nova feição ao direito atual, pois a partir do

15 Especialmente do elenco das limitações administrativas como as de preservação do patrimônio histórico, da fauna, das

florestas, das minas, do desenvolvimento urbano, da ordem militar, de cunho eleitoral dentre outras, para as presentes e futuras gerações.

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interesse público nasce um conceito “dinâmico” de propriedade em substituição ao conceito “estático” anterior.

A função socioambiental da propriedade acabou por eliminar dela o que nela havia de dispensável: a inviolabilidade do direito subjetivo absoluto característico do homem econômico.

É perceptível que a o direito à propriedade é uma criação ideológica, criada a fim de garantir a concentração do poder, com o qual, conforme evidenciado, está diretamente com relacionado. A ideia de transcendência e imanência desse direito, apregoada pelo liberalismo, consiste em uma forma de manutenção e perpetuação dessa ideologia.

Contudo este trabalho não almeja esgotar os estudos sobre o tema em questão, uma vez que ainda muitas perguntas de pesquisa ainda mereceriam ser realizadas, em futuros estudos: Será a propriedade, de fato, fundada na própria natureza do homem, e, portanto, direito necessário para alcance de seus fins próprios, quer individuais ou sociais? Será a propriedade imobiliária uma variante da força da sobrevivência? Ou do instinto? Ou, finalmente, de anseio próprio ou imposto pela vida em sociedade? Ou ainda, qual a relação entre os princípios econômicos do liberalismo “puro” e os princípios constitucionais socioambientais?

REFERÊNCIAS

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Referências

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