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GESTÃO DE RECURSOS HÍDRICOS E PADRÕES DE INTERAÇÃO ESTADO-SOCIEDADE

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Nº 1, volume 11, artigo nº 5, Janeiro/Março 2016 D.O.I: http://dx.doi.org/10.6020/1679-9844/v11n1a5

ISSN: 16799844 - InterSciencePlace - Revista Científica Internacional Páginas 68 de 179

GESTÃO DE RECURSOS HÍDRICOS E PADRÕES DE

INTERAÇÃO ESTADO-SOCIEDADE

WATER RESOURCES MANAGEMENT AND INTERACTION

PATTERNS OF STATE –SOCIETY

Vanda Corrêa Thomé1, Maria Eugênia Totti2 1

Instituto Federal Fluminense; Campos dos Goytacazes; Rio de Janeiro; Brasil; andathome@gmail.com

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Universidade Estadual no Norte Fluminense / Programa de Pós-Graduação em Cognição e Linguagem; Campos dos Goytacazes; Rio de Janeiro; Brasil;

meftotti@gmail.com Resumo

O artigo analisa a relação entre os padrões de interação estado-sociedade e a dinâmica da gestão dos recursos hídricos no Brasil, a partir de um paralelo entre a implementação desta política e o modelo proposto por Nunes (1997; 2003), sobre as quatro gramáticas políticas institucionalizadas no país. Discute a necessidade da consolidação de novas institucionalidades frente a questão das águas, a partir da Lei Nº 9433/97, que regulamenta a Política Nacional de Recursos Hídricos (PNRH) e do Decreto Nº 8.243/14 que institui a Política Nacional de Participação Social. Aponta, nas suas considerações finais, a emergência da participação como uma quinta gramática a ser incorporada à estrutura política brasileira para o fortalecimento dos espaços deliberativos e ampliação de estruturas que possibilitem meios alternativos para o tratamento de conflitos.

Palavras-chave: Gestão dos Recursos Hídricos; Gramáticas Políticas; Conflitos;

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ISSN: 16799844 - InterSciencePlace - Revista Científica Internacional Páginas 69 de 179

Abstract

The article analyzes the relationship between patterns of interaction state-society and the dynamic management of water resources in Brazil, from a parallel between the implementation of this policy and the model proposed by Nunes (1997; 2003), on the four grammars policies institutionalized in the country. Discusses the need for consolidation of new institutions face the issue of water from the Law No. 9433/97, which regulates the National Water Resources Policy (PNRH) and Decree No. 8.243 / 14 establishing the National Policy on Social Participation. Points out, in his concluding remarks, the emergence of participation as a fifth grammar to be incorporated into the Brazilian political structure to strengthen deliberative spaces and expansion of structures that allow alternative means of dealing with conflict.

Keywords: Water Resource Management; Policies grammars; Conflict; S tate-Society interaction;Participation;

1. Introdução

O argumento central é que a partir da regulamentação da Lei Nº 9433/97, que institui a Política Nacional de Recursos Hídricos (PNRH), um novo padrão de Interação Estado-Sociedade é exigido. O texto está dividido nas seguintes seções: a primeira esta introdução, a segunda, intitulada “Gramáticas Políticas: relação entre os padrões de interação e a dinâmica das águas no Brasil”, estabelece um paralelo entre o modelo proposto por Nunes (1997; 2003), sobre as quatro gramáticas políticas institucionalizadas (clientelismo, corporativismo, insulamento burocrático e universalismo de procedimentos) e a gestão dos recursos hídricos no país. A terceira seção, “Participação como fundamento do pacto federativo: a emergência de sua institucionalização e integração no ciclo de política”, tece considerações sobre a necessidade da incorporação de uma nova linguagem na gramática política brasileira, a partir de práticas participativas efetivas em todo o ciclo de política, como peça fundamental para a consolidação de uma gestão democrática dos recursos hídricos. Em suas considerações finais, avalia que estes processos devem mobilizar a presença dos diferentes segmentos que participam nos vários níveis do sistema, a fim de legitimá-lo; o que exige a atualização de novos padrões de interação Estado-Sociedade.

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2. Gramáticas Políticas: relação entre os padrões de interação

Estado-Sociedade e a dinâmica da gestão das águas no Brasil

Nunes (1997), aponta padrões de relações institucionais, aos quais chamou de “quatro gramáticas”, que se consolidaram como eixos estruturantes das relações entre o Estado e a sociedade no Brasil: o clientelismo, o corporativismo, o insulamento burocrático e o universalismo de procedimentos.

O clientelismo, como modo de articulação entre sociedade e sistema político durante a República Velha, já estava presente no país desde o período colonial. Ainda que discutível, alguns autores consideram que suas raízes teriam origens na formação do próprio Estado absolutista português, com a prática de mediação política através da troca de favores assimétricas, transferida para o Brasil sob a égide dos grandes detentores das terras, na qualidade de donatários do rei (ROLNIK, KLINTOWITZ & IACOVINI, 2011).

“[...] sua origem é histórica, determinada pela doação, pelo arrendamento ou pela compra das terras da Coroa que , não dispondo de recursos para enfrentar sozinha a tarefa colonizadora, deixou-as nas mãos dos particulares, que, embora sob o comando legal do monarca e sob o monopólio econômico da metrópole, dirigiam senhorialmente seus domínios e dividiam a autoridade administrativa com o estamento burocrático. Essa partilha do poder torna-se, no Brasil (…) a forma mesma de realização da política e de organização do aparelho do Estado em que os governantes e parlamentares “reinam”, (…) mantendo com os cidadãos relações pessoais de favor, clientela e tutela, e praticam a corrupção sobre os fundos públicos ” (CHAUI, 2004).

Por outro lado, o chamado “patrimonialismo”, uma outra nomenclatura utilizada para esta categoria de análise, é considerado a gramática que predominou durante o período colonial; nele o poder político se legitima, através de uma forma específica de “dominação tradicional” (COHN, 2003). Sua dimensão, segundo Nunes, é caracterizada por uma forma de dominação política resultante do processo de transição para a modernidade, com uma burocracia pesada e uma sociedade civil desarticulada, onde as esferas pública e privada se confundem nas práticas dos governantes (NUNES, 1997).

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No setor hídrico, as decisões governamentais pelo Estado brasileiro têm longa tradição de intervenção unilateral, e apesar das mudanças institucionais ocorridas, os segmentos hegemônicos continuam a influenciar políticas públicas voltadas aos seus interesses. No semiárido do país, como descreve Garjulli (2003), a relação entre as clientelas e os “caciques” políticos, ainda são assentadas, em certa medida, por esse sistema que regula laços de lealdade pessoais, partidários, compadrios, dentre outras manifestações de proteção política e social de caráter clientelista; seja para atender interesses particulares ou setoriais; quer na construção de barragens, em projetos de irrigação, perfuração de poços ou construção de adutoras; utilizando a cultura do patrimonialismo, ao mediar a “privatização” do uso da água ou em ações assistenciais nos períodos de seca.

O corporativismo, a segunda gramática tipificada, emerge, por sua vez, nos anos 30, sob o governo de Getúlio Vargas. O novo paradigma opera, de acordo com o discurso dos seus representantes, como um importante passo para a construção de uma sociedade solidária. No que concerne aos recursos hídricos, a visão nacionalista acerca dos bens naturais, como a água e minérios, possibilitou a criação de instituições que nortearam e deram suporte operacional aos usos dos mesmos. Tal cenário contribuiu para a estratégia corporativa que alocou a arena de regulação dos recursos hídricos no setor energético, e modelou a engenharia institucional na construção do Código de 1934. Essa estratégia, segundo Sousa (2009), permanece como elemento fundador das instituições que regulam os recursos hídricos na atualidade.

Uma vez que o corporativismo organiza camadas horizontais de categorias profissionais arrumadas em estruturas formais e hierárquicas, se o modelo de regulação não for adaptado às práticas, usos e modos de vida da população, a tendência é que atores corporativos (seja no setor de geração de energia, agronegócio, pesca comercial, e outros), tenham vantagens comparativas no momento de instalação do arranjo institucional que regule o acesso e o uso da água, conforme estabelece essa gramática.

Na prática, o corporativismo tornou-se, da mesma forma que o clientelismo, uma “arma de engenharia política dirigida para o controle político, a intermediação

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de interesses e o controle do fluxo de recursos materiais disponíveis” (NUNES, 1997), possibilitando que o conflito político seja absorvido antecipadamente.

Dessa forma, tanto o clientelismo quanto o corporativismo podem ser entendidos como mecanismos, ou “tipos ideais” do ponto de vista weberiano, de esvaziamento dos conflitos políticos e sociais, e, passam a conviver e a se inter-relacionar. O clientelismo tipifica uma gramática personalista, e se apoia em redes pessoais informais cujos “arranjos hierárquicos estão baseados em consentimento individual e não gozam de respaldo jurídico”; configurando-se, segundo Marx Weber, por um tipo de dominação fixada pela tradição e que atravessa fronteiras de classes, de grupos e categorias profissionais. (COHN, 2003). O corporativismo, por sua vez, é penetrado duplamente pelo personalismo como pelo impersonalismo. Ou seja, estabelece “parâmetros formais sob os quais os indivíduos podem ser considerados iguais ou desiguais, baseado em códigos formais legalizados e semiuniversais”, como também opera a lógica personalista do clientelismo.

O insulamento burocrático, a terceira gramática tipificada, pode ser compreendido como um mecanismo de defesa ou de proteção das burocracias públicas contra as interferências ou ingerências externas; é considerado como uma estratégia de mediação para a proteção do núcleo técnico do Estado e para driblar a arena controlada pelos partidos políticos ou demais grupos de interesses. Porém, ao contrário do discurso dos seus patrocinadores, não é um “processo técnico apolítico (NUNES, 1997); há competições e coalizões entre grupos e atores fora da área administrativa, com o objetivo de garantir a exequibilidade dos projetos.

Na década de 30, o estabelecimento de instituições direcionadas à regulação da água no país relacionava-se a um conjunto de técnicos com expertise na área de produção de energia elétrica e ao seu potencial de uso na irrigação (SOUSA, 2009). Com a criação do Departamento de Administração de Serviço Público – DASP, órgão ligado à gestão dos recursos hídricos, criado pelo Decreto-Lei nº 579, de 30 de julho de 1938 e do Conselho Nacional de Águas e Energia Elétrica – CNAEE, criado pelo Decreto-Lei nº 1699, de 24 de outubro de 1939, fortaleceu-se as atividades tipificadas como burocracia insulada; embora, tenham ocorrido ações pontuais de insulamento, desde o período colonial, se expandindo no período

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imperial e, especialmente no período republicano. Nestes órgãos, a centralização característica do período Vargas penetra a estrutura desenhada no Código de Águas, aproximando o mecanismo de funcionamento desses órgãos ao terceiro padrão de interação Estado-Sociedade caracterizado por Nunes (1997, 2003).

Vale ressaltar nesse tipo de gramática duas questões importantes: a primeira é que em uma arena onde predomina o “insulamento burocrático” o papel dos especialistas como árbitros tende a ter uma importância concreta para os diversos atores envolvidos, em virtude da existência de projetos concorrentes de difícil comparação para não-especialistas. Em uma conjuntura desse tipo, o apoio e a oposição de diversos atores em relação às alternativas possíveis tendem a se basear mais em lealdades externas do que em considerações específicas sobre a política em pauta. Infelizmente essas características são propícias à “não-política” (manutenção do status quo), e, por vezes, “paralisia decisória” pelas incertezas associadas aos resultados das políticas. Nessa conjuntura, o mais viável é priorizar mudanças pontuais de forma incremental (AZEVEDO e MELO,1997). Em segundo lugar, ainda que o conhecimento técnico seja fundamental e principal fonte para legitimar a independência relativa desses órgãos, não se deve esquecer que parte dessa “autonomia” decorre da importância estratégica desses organismos. Em outras palavras, cria-se um consenso – ainda que nem sempre abertamente explicitado – que a melhor opção para todos os atores é uma maior autonomia desses órgãos, pois se eles estivessem sob o controle de um único ator, haveria a possibilidade de grandes perdas dos demais atores.

O universalismo de procedimentos, quarta gramática especificada, destaca a instauração de procedimentos universalistas na administração pública brasileira, também a partir do DASP. Criado durante o Estado Novo, visando reformar a administração nacional, através da reestruturação da máquina pública e implantação de regras formais, estabeleceu, mesmo que de forma lenta e incremental, alguns mecanismos de méritos e um processo de implantação e consolidação, em longo prazo, de um Estado nacional moderno e uma gestão universalista.

A gramática do universalismo de procedimentos, que ao longo dos anos vem ampliando sua margem de atuação, está associada à noção de cidadania plena e

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tem como premissa a aplicação de regras e procedimentos de caráter impessoal. No âmbito da gestão dos recursos hídricos, a partir da segunda metade do século XX, há um deslocamento real, em direção a práticas mais universalistas às metas de atendimento universal, como o acesso à água potável e esgotamento sanitário. Os resultados, no entanto, ainda não são satisfatórios, apesar do desenvolvimento de instituições e consensos cada vez mais representativos; há necessidade premente de sobrepujar a condição de política pública hegemonizada por interesses corporativos subjacentes, por vezes, com a valorização da dimensão técnica sobre as diretrizes e interesses humanos, sociais e políticos.

A participação e o controle social, dessa forma, já afiançados pela Constituição Federal de 1988, são componentes fundamentais de uma nova institucionalidade. No entanto, sendo dimensões diferenciadas e, muitas vezes, vivenciadas de forma dissociada, carecem de integração para que sejam mecanismos capazes de democratizar efetivamente os processos de decisão; e aqui, mais especificamente, na dinâmica da política nacional de recursos hídricos.

3. Participação como fundamento do pacto federativo: a

emergência de sua institucionalização e integração no ciclo de

política

Desde a década de 1980, a descentralização se tornou palavra de ordem no cenário internacional de políticas públicas, e a participação uma nova institucionalidade a ser incorporada na gramática política brasileira. Como instituições participativas entende-se “as formas diferenciadas de incorporação de cidadãos e associações da sociedade civil na deliberação sobre política” (AVRITZER, 2003, 2008). De acordo com este autor, ao longo do século XX, o que se observa é a transformação de um país de baixa propensão associativa e poucas formas de participação da população de baixa renda, em um dos países com o maior número de práticas participativas. Entre as novas formas de participação geradas pela democratização brasileira, destacam-se três desenhos institucionais: o Orçamento Participativo, os Conselhos de Políticas e os Planos Diretores

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Municipais. Nas palavras do referido autor, uma “infraestrutura da participação bastante diversificada na sua forma e no seu desenho”:

Orçamento Participativo: exemplo mais conhecido, onde há a livre entrada de qualquer cidadão no processo participativo; as formas institucionais da participação são constituídas de baixo para cima. Assim, no caso do orçamento participativo, podemos pensar nas eleições de delegados pela população e na eleição de conselheiros pela população;

Conselhos de Políticas: processo de partilha do poder através da constituição de uma instituição na qual atores estatais e atores da sociedade civil participam simultaneamente. Este arranjo se diferencia do anterior por dois motivos principais: porque não incorpora um número amplo de atores sociais e porque é determinado por lei e pressupõe sanções em casos da não instauração do processo participativo;

Planos Diretores Municipais: processo de ratificação pública, ou seja, no qual se estabelece um processo em que os atores da sociedade civil não participam do processo decisório, mas são chamados a referendá-lo publicamente.

Se analisados de forma detalhada, os três tipos de arranjos participativos se diferenciam a partir de três variáveis: iniciativa na proposição do desenho, organização da sociedade civil na área em questão e vontade política do governo em implementar a participação (AVRITZER, 2008). Neste sentido, podemos pensar em uma tipologia inicial dos desenhos participativos que se organizaria em dois eixos: a capacidade de aprofundar práticas democráticas e a capacidade de tornar o desenho efetivo na determinação da política pública em questão.

A descentralização, no entanto, conforme aponta Arretche (1996) e Abers & Jorge (2005), somente resulta em democratização quando existem mecanismos de “downward accountability”, ou seja, mecanismos que garantam que as populações locais controlem as decisões e ações dos agentes decisórios descentralizados. A literatura empírica sobre essas experiências é em geral crítica, mostrando que os conselhos têm seus próprios problemas de accountability, e por várias razões:

“[...] que a sociedade em geral não é capaz de controlar seus representantes, que os grupos mais poderosos tendem a “capturar” a representação nos conselhos, que as regras de eleição dos membros ou de definição de agenda acarretam maior poder ao

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ISSN: 16799844 - InterSciencePlace - Revista Científica Internacional Páginas 76 de 179 governo do que aos representantes da sociedade, ou que os conselhos não têm poder, na prática, para controlar as decisões” (ABERS & JORGE, 2005).

No Brasil, diversas políticas setoriais têm passado por reformas que combinam a descentralização com a instituição de conselhos: educação, habitação, saúde, assistência social, meio ambiente; nota-se que as instituições participativas variam na sua capacidade de mediar conflitos e democratizar o governo; e que estas variações, conforme ressalta Avritzer (2003, 2008), estão relacionadas ao contexto de organização da sociedade civil e à presença de atores políticos capazes de apoiar tais processos participativos. Pelos mesmos motivos elencados anteriormente, a Política Nacional de Gestão dos Recursos Hídricos encontra inúmeros desafios em sua implementação (JACOBI, 2003, 2007). Considera-se, no entanto, que a atuação dos organismos locais, ainda com as ressalvas apresentadas, venha possibilitar a democratização de tais políticas (FARAH, 2001) e a “participação”, seja uma nova linguagem a ser incorporada na gramática política para a gestão efetiva dos recursos hídricos e demais políticas públicas.

3.1 Participação: a emergência de sua institucionalização e integração no ciclo de política

Na legislação brasileira, a participação passa a ser prevista a partir da constituição de 1988; podemos considerar que sua institucionalização formal é ainda mais recente, consolidando-se mais efetivamente, a partir da regulamentação da Política Nacional de Participação Social - PNPS, pelo Decreto Nº 8.243/2014, que cria o Sistema Nacional de Participação Social- SNPS (BRASIL, 2014), e tem por objetivo fortalecer e articular os mecanismos e as instâncias democráticas de diálogo e a atuação conjunta entre a administração pública federal e a sociedade civil.

Partimos de um ponto de vista presente, no enfoque de um dos fundadores do federalismo americano, na obra “O Federalista”, que pressupõe que a participação de atores (no caso, no processo legislativo) requer expertise (LIMONGI, 2006); este um ponto nevrálgico, ainda hoje, em alguns dispositivos participativos, à medida que em determinados fóruns específicos, considera-se que quando não há esse escopo de conhecimento por parte dos participantes, a participação social em vez de

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favorecer, traz contratempos ao processo.

Em certas instâncias os mecanismos participativos parecem ser mais abrangentes, como no Orçamento Participativo e alguns Conselhos, no entanto, por outro lado, outros desses mecanismos requerem uma demanda de especialização técnica grande (um exemplo que pode ser destacado é o Conselho de Meio Ambiente, na área de recursos hídricos e os critérios para o manejo e gestão dos recursos), o escopo de conhecimento necessário à sociedade civil que ascende a esse espaço também é elevado, para o efetivo processo participativo, o que pode criar barreira quanto a representação de movimento mais populares.

O ponto de vista aqui defendido, baseado na produção de cientistas sociais a partir do início da década em curso, é que o aumento dos canais de participação, além de ser um direito constitucional estabelecido, aumenta, não só a informação, mas pode sim aumentar a capacidade de resposta do Estado na implementação de políticas públicas.

A PNPS (BRASIL, 2014), traz esse tema para o debate, em função que, no período histórico vigente, o valor posto não é tanto mais a eficiência apenas, e sim, o processo participativo em si; não cabendo somente ao governo gerar demandas, definir agenda, a partir de organismos insulados e técnicos apartados da interferência de outras organizações intermediárias, conforme demonstrado por Nunes (1997, 2003). A discussão sobre agenda setting, tomada de decisão, papel dos atores e formulação de políticas públicas (CAPELLA, 2006; BIRLAND In FISCHER, MILLER & SIDNEY, 2007) se insere, na abordagem atual de uma gama de estudos do IPEA, na questão sobre as relações entre burocracia e atores políticos nas democracias contemporâneas (LOUREIRO, TEIXEIRA & FERREIRA, 2014).

Podemos considerar que ao longo do período da redemocratização até o presente, a literatura sobre participação, no Brasil, passa por alguns giros. Na década de 80, a produção teórica voltava-se para o paradigma da “participação popular”, estratégias de empoderamento, democracia direta x democracia representativa e aspectos relativos à sua viabilidade (JACOBI, 1984; KOWARICK, 1983).

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A partir do momento em que a relação Estado-Sociedade se modifica, com a promulgação da Constituição Federal (BRASIL, 1988), o conceito volta-se para a “participação social”, entendendo o caráter representativo de organizações que emergem e conseguem ocupar espaços de participação e/ou controle social; dessa forma intervindo e moderando as ações do governo (AVRITZER, 2003; AZEVEDO & ANASTASIA, 2002). A discussão se volta, a partir de então, para aspectos relativos à sua eficácia; não somente como uma acepção técnica de mera adequação de meios a fins, mas como capacidade de gestão de conflitos entre vários atores políticos (LOUREIRO, TEIXEIRA & FERREIRA, 2014; LOUREIRO E ABRUCIO, 2012). A participação implica, dessa forma, em colocar a decisão em debate (AVRITZER, 2003. DAGNINO, 2002), baseando-se em conceitos sobre a universalização dos direitos sociais, na ampliação da cidadania e em uma nova compreensão sobre o papel e o caráter do Estado; remetendo à definição das prioridades nas políticas públicas, a partir de um debate também público Gohn (2002).

De acordo com Milani (2008), fomentar a participação dos diferentes atores políticos e a criação de uma rede que informe, elabore, implemente e avalie as políticas são, hoje, peças essenciais nos discursos de qualquer política. No entanto, em seu estudo sobre o princípio da participação social na gestão de políticas públicas locais, analisando experiências latino-americanas e europeias, identifica que os processos de participação encontram dois limites críticos:

“(...) em primeiro lugar, a participação de atores diversificados é estimulada, mas nem sempre é vivida de forma equitativa. O termo “parceria” é corriqueiro nos discursos políticos dos atores governamentais e não-governamentais, mas sua prática efetiva parece ter dificuldades em influenciar os processos de deliberação democrática local. Em segundo lugar, os atores não-governamentais (e somente alguns deles) são consultados e solicitados durante o processo de tomada de decisões, participando, assim e no melhor dos casos, somente antes e depois da negociação. A participação praticada dessa forma pode aumentar a qualidade da transparência dos dispositivos institucionais; contudo, ela não garante, de modo necessário e automático, a legitimidade do processo institucional participativo na construção do interesse coletivo”.

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pesquisadores passam a discutir sobre a sua efetividade (IPEA, 2013, 2014). A participação passa, então, a ser interpretada como uma intervenção social periódica e planejada, uma vez que flui ao longo de todo o processo do ciclo de política (ALENCAR, 2014). Observa-se, simultaneamente, o processo de burocratização da política e politização da burocracia, tornando-se tênue a separação entre funções políticas e administrativas. Na prática, burocratas participando ativamente na formulação de políticas públicas e políticos mais envolvidos com questões técnicas; o que certamente tem consequências sobre o arranjo institucional.

4. Considerações Finais

A mudança da conjuntura política no Brasil com a redemocratização, seus princípios e contradições traz, assim, impactos relevantes sobre a ação dos governos na produção de políticas públicas (GOMIDE, SILVA & PIRES, 2014). O que fazer? Como fazer? Tarefa que tem se mostrado cada vez mais complexa, conforme avalia uma gama de pesquisadores. A participação exige, dessa forma, não apenas, o compromisso com a realização de variados direitos que requerem, de alguma forma, a ação positiva do Estado (direitos sociais, econômicos, culturais, além de difusos e coletivos, como os relativos ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural), mas também um ambiente institucional marcado pelo reconhecimento do pluralismo e pela preocupação com o controle do poder estatal.

As reflexões, sobre o processo democrático, formulação e implementação de políticas públicas no ambiente político-institucional atual (FIANI, 2013; GOMIDE & PIRES, 2014), fornecem elementos que podem subsidiar a discussão sobre de que maneira os arranjos institucionais, que ampliam a pluralidade de atores nos processos decisórios, influenciam a capacidade de atuação da sociedade civil e a atuação técnica, administrativa e política do Estado na gestão de Recursos Hídricos. Esses processos devem mobilizar a presença dos diferentes segmentos que participam nos vários níveis do sistema, a fim de legitimá-lo. A participação como uma quinta gramática a ser incorporada à estrutura política brasileira para o fortalecimento dos espaços deliberativos e ampliação de estruturas que possibilitem meios alternativos para o tratamento de conflitos, necessita ser institucionalizada,

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aqui entendida como inclusão no arcabouço jurídico institucional do Estado, o que exige a atualização de novos padrões de interação Estado-Sociedade.

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Sobre os autores: Vanda Corrêa Thomé

vandathome@gmail.com

Doutoranda em Sociologia Política; Professora do IFF.

UENF/Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política - Av. Alberto Lamego, 2000, Horto, Campos dos Goytacazes, RJ, Brasil.

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ISSN: 16799844 - InterSciencePlace - Revista Científica Internacional Páginas 84 de 179 Maria Eugênia Totti

totti@uenf.br

Doutora em Ecologia e Recursos Naturais; Professora dos Programas de Pós-Graduação em Sociologia Política e Cognição e Linguagem;

UENF/CCH/LEEL - Av. Alberto Lamego, 2000, Horto, Campos dos Goytacazes, RJ, Brasil.

Data de submissão: 01/11/2015 Data de aceite: 09/03/2016

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