• Nenhum resultado encontrado

1167

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2020

Share "1167"

Copied!
38
0
0

Texto

(1)

Ano 2 (2016), nº 1, 1167-1204

INTERFACE COM O SISTEMA DE DEFESA DO

CONSUMIDOR, À LUZ DO ORDENAMENTO

JURÍDICO BRASILEIRO E DA PERSPECTIVA

PORTUGUESA

Marco Fábio Morsello

1

Sumário: 1. Introdução. 2. As fontes normativas dos contratos de transporte aéreo doméstico e internacional. Repercussões advindas da entrada em vigor da Convenção de Montreal. 3. O contrato de transporte aéreo, o Sistema de Defesa do Consumi-dor e o advento do novo Código Civil no Brasil. Considerações propositivas. 3.1. A perspectiva portuguesa. Apreciações con-clusivas. Bibliografia consultada.

1. INTRODUÇÃO

ste trabalho é fruto de palestra que ministramos a convite da prestigiosa Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.

Nesse contexto, como é cediço, Portugal ocupou lugar de destaque na navegação marítima além-mar. No entanto, cumpre não descurar que a mãe-pátria, também trouxe à baila desbravadores da navegação aérea, re-presentada pelo pioneirismo da travessia do Atlântico Sul no trecho Lisboa-Rio de Janeiro, por parte de Gago Coutinho e

1 Juiz de Direito em São Paulo. Doutor em Direito Civil pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). Professor Doutor em Direito Civil na Facul-dade de Direito da UniversiFacul-dade de São Paulo (USP). Professor e Coordenador da Área de Direito Civil na Escola Paulista da Magistratura (EPM). Visiting Professor da Università di Sassari, Itália. Membro pleno e Correspondente no Brasil da Aso-ciación Latinoamericana de Derecho Aeronáutico y Espacial (ALADA). Membro da Associação Brasileira de Direito Aeronáutico e Espacial (SBDA).

(2)

Sacadura Cabral, em 1922.

Em verdade, tratou-se de epopéia repleta de anteparos, robustecendo o caráter absolutamente aventureiro do ramo da aviação, paradigma que não mais subsiste.

De fato, na realidade contemporânea, como é curial, a responsabilidade civil é orientada pelos princípios da preven-ção e da ampla reparapreven-ção do dano, tendo-se deslocado, destar-te, o papel central outrora desempenhado pela culpa.

Deveras, as repercussões advindas do maquinismo e complexidade das relações jurídicas nas operações de massa impuseram, em um primeiro momento, a coordenação destas atividades pelo Estado, no âmbito da ordem pública de direção. Outrossim, os influxos (inputs) provenientes do sistema social exigiram que o instituto da responsabilidade civil pudes-se depudes-sempenhar, a contento, sua função de reparação, com a justa compensação à vítima, sem prejuízo da função de retri-buição ao causador do dano-evento, como observam Philippe

Le Tourneau e Loïc Cadiet.2 No entanto, no período

contempo-râneo, como bem prelecionam mencionados autores, emerge, outrossim, a denominada função preventiva da responsabilida-de civil, tendo em vista o temor legítimo das sanções

pecuniá-rias impostas.3 Referida função, aliás, tem recebido influência

2

Droit de la responsabilité. Paris: Dalloz, 1998. p. 1, parágrafo 2.

3

Id. Ibid., p. 2, parágrafo 3. No mesmo sentido: Karl Larenz, Lehrbuch des Schuldrechts. Erster Band, Allgemeiner Teil. 14. ed. München: Ch. Beck Verlag, 1987. p. 423, na qual utiliza a nomenclatura Präventionsgedanken; Jean Louis Bau-douin e Patrice Deslauriers, La responsabilité civile. 5. ed. Québec (Canada): Ed. Yvon Blais, 1998. p. 4; Guido Alpa, Trattato di diritto civile. Milano: Giuffrè, 1999. v. 4 - La responsabilità civile, p. 132 (referido autor, aliás, alcunha a função preven-tiva como efepreven-tiva deterrence, e a reparação como efepreven-tiva compensação à vítima); Patrice Jourdain. Les principes de la responsabilité civile. 4. ed. Dalloz: Paris, 1998. p. 3; Geneviève Viney, Traité de droit civil. 2. ed. Paris: LGDJ, 1995. v. 1 – Intro-duction à la responsabilité, p. 64; Edward J. Kionka, Torts in a nutshell. 2. ed. St Paul, Minn.: West Publishing Co., 1996. p. 10; Teresa Ancona Lopez, Princípio da precaução e evolução da responsabilidade civil, p. 9-11. Tese para Concurso de Professor Titular de Direito Civil da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 2008; Anderson Schreiber, Novos Paradigmas da Responsabilidade Civil. 1ª ed. São Paulo: Ed. Atlas, 2007, p.215-218; Marco Fábio Morsello, Responsabilidade

(3)

do denominado princípio da precaução (Vorsorgeprinzip), de inspiração germânica, no âmbito do Direito Comunitário da

União Européia.4

Tecidas referidas ponderações, sobreleva acrescentar, por oportuno, que a necessidade de defesa dos mais vulnerá-veis, conjuntamente com a rejeição aos conceitos jurídicos in-determinados emanados da hipertrofia da atividade estatal, ínsi-tos ao sistema aberto de regras e princípios, fomentaram o nas-cedouro da ordem pública de proteção.

Desse modo, o princípio fundante da dignidade da pes-soa humana e a objetivação da responsabilidade civil, tendo em vista o dever de proteção e segurança previsto no ordenamento constitucional pátrio, nos termos do art. 5.º, caput, impuseram releitura no tocante à prevalência da responsabilidade subjetiva em nosso ordenamento jurídico, mesmo previamente à entrada em vigor do novo Código Civil, e independentemente do cará-ter contratual ou extracontratual.

Com efeito, como observa Gustavo Tepedino, a Consti-tuição Federal de 1988 “projeta o dever de reparação para além

dos confins da responsabilidade culposa dos indivíduos”.5

No que concerne ao aspecto contratual, emerge a im-portância dos novos princípios contratuais, com proeminência da proteção à parte mais fraca, em consonância com a ordem pública de proteção, sem prejuízo da boa-fé objetiva, com suas

funções interpretativa, supletiva e corretiva. Atenuado, portanto, o rigorismo absoluto da autonomia

privada e dos princípios contratuais tradicionais, conjuntamen-te com o destaque dado aos novos princípios, correlacionados com o papel central desempenhado pela pessoa humana, houve

civil no transporte aéreo. 1ª ed. São Paulo: Ed. Atlas, 2006, p.1.

4

Nesse sentido: Le Tourneau e Cadiet, op. cit., p. 2, parágrafo 3; Teresa Ancona Lopez, op. cit, p. 9-11; Anderson Schreiber, op. cit, p. 215-218; Marco Fábio Mor-sello, op. cit, p.2.

5

Temas de Direito Civil. A evolução da responsabilidade civil no direito brasilei-ro e suas contbrasilei-rovérsias na atividade estatal. Rio de Janeibrasilei-ro: Renovar, 1999, p.175.

(4)

repercussões, outrossim, na seara da responsabilidade civil. De fato, a despeito da objetivação da responsabilidade, em um primeiro momento, delineou-se expansão da socializa-ção dos riscos, propugnando-se, inclusive, por declínio da res-ponsabilidade individual, o que, a nosso ver, não prospera.

Deveras, a realidade fática de aumento das taxas de si-nistro, resultantes da mitigação do princípio da prevenção e da inexistência de responsabilidade do causador do dano, eleva-ram o denominado spreading perante o corpo social a níveis intoleráveis, para fins da competitividade exigível no mundo globalizado, ocasionando a revisão do sistema, com o escopo de responsabilizar o causador do dano, realçando-se novamente o papel desempenhado pela responsabilidade civil.

Assim, dessume-se que o dano e sua ampla reparação, correlacionados com justa compensação à vítima, passaram a ter papel de destaque, limitando-se, no âmbito da responsabili-dade objetiva, as eximentes favoráveis ao seu causador, à culpa exclusiva da vítima, ao fato de terceiro estranho ao empreen-dimento exercido, sem prejuízo de que os fatos extraordinários deverão coadunar-se com a denominada força maior extrínseca, alcunhada, também, fortuito externo.

Forte nessas premissas, depreende-se que, o contrato de transporte aéreo, naturalmente consentâneo com atividade de risco, deverá amoldar-se à mencionada realidade fática.

2. AS FONTES NORMATIVAS DOS CONTRATOS DE TRANSPORTE AÉREO DOMÉSTICO E INTERNACIO-NAL. REPERCUSSÕES ADVINDAS DA ENTRADA EM VIGOR DA CONVENÇÃO DE MONTREAL.

O nascedouro da atividade de transporte aéreo civil im-pôs investimentos vultosos, em setor à época de alto risco, que iniciava desenvolvimento considerado estratégico, com eleva-das taxas de sinistro e controle estatal eleva-das denominaeleva-das

(5)

com-panhias de bandeira, de modo que havia necessidade premente de edição de normas aptas a protegê-lo. Tendo em vista, ade-mais, a célere transposição de fronteiras internacionais, afigu-rava-se imprescindível editar diploma legal uniforme em vários países.

Com base, portanto, nos fatores adrede descritos, edi-tou-se, em 12 de outubro de 1929, a Convenção de Varsóvia, cujo âmbito de aplicação se estendeu aos documentos e ao re-gime de responsabilidade do transportador aéreo internacional. Naquela oportunidade, erigiu-se a espinha dorsal de um siste-ma que subsiste, em suas linhas mestras, em alguns países, até o presente, regulando as hipóteses de dano-evento no transpor-te aéreo, correlacionadas com mortranspor-te, ferimento ou qualquer outra lesão corporal ao passageiro ocorrida a bordo, ou nas operações de embarque ou desembarque (art. 17), perda, des-truição ou avaria de carga ou bagagem, ocorridas durante o transporte (art. 18), atraso no transporte de viajantes, bagagens ou mercadorias (art. 19), contidas em patamar-limite de indeni-zação (125.000 francos-Poincaré, equivalentes à época a US$ 8.300,00, por passageiro e 250 francos-Poincaré por quilogra-ma, aproximadamente US$ 20,00 (à época) no transporte de bagagens e mercadorias, até o limite de 5.000 francos-Poincaré por volume), independentemente da natureza contratual ou extracontratual da responsabilidade, facilitando, destarte, como afirmam Tito Ballarino e Silvio Busti, efetiva redução de

cus-tos às transportadoras à época em que o setor se formava.6

Nesse contexto, visando à efetiva sistematização das vantagens propiciadas pelo advento da Convenção, como res-salta Drion, há preponderância daquelas que favorecem ao transportador, a saber: a) proteção de setor em formação; b) divisão dos riscos advindos de eventos extraordinários, que não

6

Diritto aeronautico e spaziale. Milano: Giuffrè, 1988, p. 608-610. Para maiores detalhes, no que se refere às origens históricas e diplomas legais supervenientes formadores do denominado Sistema de Varsóvia, vide Marco Fábio Morsello, Res-ponsabilidade civil no transporte aéreo, cit, p.44-79.

(6)

poderiam ser carreados exclusivamente ao novo setor; c) possi-bilidade oferecida ao transportador ou operador de estimar ris-cos, procedendo à consecução do seguro respectivo; d) evitar litígios, tendo em vista a celeridade na obtenção da liquidação do montante indenizável; e) possibilidade oferecida aos recla-mantes em potencial de celebrar contratos de seguro de per se; f) uniformização dos critérios legais de indenização junto às Altas Partes Contratantes que ratificaram a Convenção, ressal-tando, nesse aspecto, a vigência praticamente universal, já que quase todas as nações do mundo a ratificaram; g) limitação do montante indenizável, em contrapartida à imposição de

presun-ção de culpa ao transportador ou operador da aeronave.7

Efetuada a elucidação no tocante aos cálculos do pata-mar indenizável, depreende-se, outrossim, que a mencionada Convenção regulamentou outros aspectos do transporte aéreo internacional. Deveras, em suas linhas essenciais, referida Convenção, que foi expressamente promulgada pelo Brasil, por meio do Decreto n. 20.704, de 24 de novembro de 1931, regula o transporte aéreo internacional de pessoas, bagagens e bens, abrangendo, outrossim, transportes gratuitos, desde que

presta-dos por companhia aérea regularmente constituída (art. 1.o ,

alínea 1, in fine).

Observa-se, outrossim, a imposição de regime de res-ponsabilidade subjetiva (com presunção de culpa – art. 20, alí-nea 1), limitada (art. 22, alíalí-neas 1, 2 e 3) e com proibição ex-pressa de inserção de cláusulas convencionais, de modo a exi-mir ou reduzir os limites indenizatórios nela fixados (art. 23).

O campo de sua aplicação é assaz amplo, na medida em que, nos termos do que preceitua o art. 24, com as correlatas modificações supervenientes, sujeita aos seus limites e condi-ções, diante da existência de transporte aéreo internacional, as ações de responsabilidade fulcradas em contrato, ato ilícito ou qualquer outra razão. O transportador poderá se eximir do

7

(7)

ver de indenizar, desde que demonstre ter tomado todas as me-didas necessárias para evitar o dano, ou a culpa da vítima, ex vi do que preceituam os arts. 20 e 21 da referida Convenção

A responsabilidade fulcrada em patamar-limite, diante do transportador, somente se tornará integral nas hipóteses ex-cepcionais de culpa grave (faute lourde), ou dolo daquele (art. 25), bem como diante da irregularidade ou ausência de docu-mentos que se refiram à relação jurídico-contratual.

No entanto, a mudança de paradigma para a denomina-da ordem pública de proteção, correlacionadenomina-da com a justa com-pensação às vítimas, que, ensejou, paulatinamente, a fragmen-tação do Sistema de Varsóvia, sua desconsideração em sede de julgados, bem como o advento de nova legislação por parte de alguns países assaz importantes, na seara do tráfego aéreo, de-ram gênese à efetiva revisão do referido sistema, por meio de

Convenção substitutiva.8

Com efeito, não se discute a importância fundamental da Convenção de Montreal, firmada após sucessivas reuniões,

no período compreendido entre 10 e 28 de maio de 1999.9

8

Cf. Michael Milde, Liability in international carriage by air: the new Montreal Conven-tion (28 may 1999). Uniform Law Review-Revue de Droit Uniforme, Roma, v.4, n.4, p. 835-861, 1999. No mesmo sentido: Silvio Busti, Contratto di trasporto aereo. In: Antonio Cicu e Antonio Messineo (Dir.). Trattato di diritto civile e commerciale. Milano: Giuffrè, 2001, t. 3., p. 779-783; Bianca Rodriguez, Recent developments in aviation liability law. Journal of Air Law and Commerce, Dallas, v. 66, n. 1, p. 24-126, winter 2000; Jullian Hermida, The new Montreal Convention: the international passenger’s perspective. Air and Space Law, The Hague, v. 26, n. 3, p. 150-154, 2001; Sean Gates, La Convention de Montréal de 1999. Revue Française de Droit Aérien et Spatial (RFDAS), Paris, v. 212, n. 4, p. 439-446, out./dez. 1999; Alessandro Zampone, Le nuove norme sulla responsabilità del vettore nel trasporto aereo internazionale di passeggeri. Diritto dei trasporti, Cagliari, p. 7-29, 2000; Alfredo Antonini, La responsabilità del vettore aereo per il trasporto di persone e cose nella più recente evoluzione normativa: Protocolli di Montreal, Varsavia-Montreal, Regolamento Comunitario. Diritto dei trasporti, Cagliari, p. 615-657, 2000; Carlos Alberto Neves Almeida, Do contrato de transporte aéreo e da responsabilidade civil do transportador aéreo, p. 159,-283, Coimbra, Almedina, 2010; Nuno Calaim Lourenço, A limitação da responsabilidade do transportador aéreo internacional no trans-porte de pessoas- De Varsóvia a Montreal, p. 385-534, in Temas de Direito dos Trans-portes, vol. 1, M. Januário da Costa Gomes (Coord.), Coimbra, Almedina, 2010.

9

(8)

Sobreleva acrescentar, por oportuno, que, em 4 de no-vembro de 2003, mencionada Convenção entrou em vigor, porquanto atingido o pré-requisito de depósito dos instrumen-tos de ratificação, por no mínimo 30 (trinta) países, também denominados Estados Partes, para fins de início de contagem do prazo de 60 (sessenta) dias visando à sua entrada em vigor, nos termos do art. 53, parágrafo 6.º, do mencionado diploma legal.10

Montreal zur Reform des Warschauer Abkommens. Zeitschrift für Luft- und Wel-traumrecht (ZLW), Köln, n. 49, Heft 1, p. 36-51, 2000; Hans-Georg Bollveg, Das Montrealer Übereinkommen. Rückblick-Überblick-Ausblick. Zeitschrift für Luft- und Weltraumrecht (ZLW), Köln, n. 49, Heft 4, p. 439-466, 2000; Kaspar Schiller, Vom Warschauer zum Montrealer Abkommen – einige Aspekte der neuen Haf-tungsordnung im Lufttransport. Schweizerische Juristen Zeitung (SJZ). Zürich, v. 96, n. 8, p. 184-189, 2000; Ludwig Weber e A. Jakob, The modernization of the Warsaw system – the Montreal Convention of 1999. Annals of Air and Space Law, Montréal, v. 24, p. 333-353, 1999; Michel G. Folliot, La modernisation du système varsovien de responsabilité du transporteur. La Conférence Internationale de Mon-tréal (10-28 mai 1999). Revue Française de Droit Aérien et Spatial (RFDAS), Paris, v. 212, n. 4, p. 409-437, out./dez. 1999; Paul S. Dempsey e Michael Milde, Interna-tional Air Carrier Liability: The Montreal Convention of 1999, p.1-43, Montreal, Centre for Research in Air and Space Law, McGill University, 2005; Mario O. Folchi (coord.), Transporte aéreo internacional. Convenio para la unificación de ciertas reglas para el transporte aéreo internacional-Montreal 1999, p. 19-43, Buenos Aires, ALADA, 2002; Marco Fábio Morsello, op. cit, pp.72-78; 110-115; 196-198 e 415-422; Carlos Alberto Neves Almeida, op. cit, p. 579-589.

10

Cf. informação obtida in LEGAL BUREAU. Disponível em: <http://www.icao.int/cgi/airlaw.pl>. Acesso em: 20 de novembro de 2015, site da Organização de Aviação Civil Internacional. De fato, até a data ora mencionada, cento e dezesseis países já haviam depositado os instrumentos de ratificação exigí-veis, observando que a nova Convenção entrou em vigor em 4 de novembro de 2003, sessenta dias após o depósito do trigésimo instrumento de ratificação, in casu, ocorrido em 5 de setembro de 2003, por meio de iniciativas dos Estados Unidos da América e República de Camarões. Cumpre anotar, por oportuno, que até a data do último acesso, via internet, a nova Convenção já se encontrava em vigor, nos seguin-tes países, desde a data mencionada em parênseguin-teses: África do Sul (21 de janeiro de 2007); Albânia (19 de dezembro de 2004); Alemanha (28 de junho de 2004); Arábia Saudita (14 de dezembro de 2003); Argentina (14 de fevereiro de 2010); Armênia (15 de junho de 2010); Austrália (24 de janeiro de 2009); Áustria (28 de junho de 2004); Azerbaijão (11 de abril de 2015); Bahrain (4 de novembro de 2003); Barba-dos (4 de novembro de 2003); Bélgica (28 de junho de 2004); Belize (4 de novem-bro de 2003); Benin (29 de maio de 2004); Bolívia (5 de julho de 2015);

(9)

Herzegóvina (8 de maio de 2007); Botsuana (4 de novembro de 2003); Brasil (27 de setembro de 2006); Bulgária (9 de janeiro de 2004); Burkina Fasso (25 de agosto de 2013); Cabo Verde (22 de outubro de 2004); Camarões (4 de novembro de 2003); Canadá (4 de novembro de 2003, anotando-se reserva visando à exclusão de pessoal militar canadense, inclusive quando houver arrendamento de aeronave por parte do governo); Cazaquistão (31 de agosto de 2015); Catar (14 de janeiro de 2005); Chile (18 de maio de 2009); China (31 de julho de 2005); Chipre (4 de novembro de 2003); Cingapura (16 de novembro de 2007); Colômbia (4 de novembro de 2003); Congo (17 de fevereiro de 2012); Coréia do Sul (29 de dezembro de 2007); Croácia (23 de março de 2008); Costa Rica (8 de agosto de 2011); Costa do Marfim (5 de abril de 2015); Cuba (13 de dezembro de 2005); Dinamarca (28 de junho de 2004); Egito (25 de abril de 2005); El Salvador (6 de janeiro de 2008); Emirados Árabes Unidos (4 de novembro de 2003); Equador (26 de agosto de 2006); Eslováquia (4 de novembro de 2003); Eslovênia (4 de novembro de 2003); Espanha (28 de junho de 2004); Estados Unidos da América (4 de novembro de 2003, com reserva fixadora de exclusão de vôos de natureza não-comercial ou governamental); Estônia (4 de novembro de 2003); Etiópia (22 de junho de 2014); Ex-República Iugoslava da Macedônia (4 de novembro de 2003); Filipinas (18 de dezembro de 2015); Finlândia (28 de junho de 2004); França (28 de junho de 2004); Gabão (5 de abril de 2014); Gâmbia (9 de maio de 2004); Geórgia (18 de fevereiro de 2010); Grécia (4 de vembro de 2003); Guiana (21 de fevereiro de 2015); Guiné Equatorial (17 de no-vembro de 2015); Holanda (28 de junho de 2004); Hungria (7 de janeiro de 2005); Ilhas Cook (21 de julho de 2007); Índia (30 de junho de 2009); Irlanda (28 de junho de 2004); Islândia (16 de agosto de 2004); Israel (20 de março de 2011); Itália (28 de junho de 2004); Jamaica (5 de setembro de 2009); Japão (4 de novembro de 2003, com inserção de reserva dando conta da não aplicação dos ditames da nova Convenção para vôos não comerciais e governamentais); Jordânia (4 de novembro de 2003); Kuwait (4 de novembro de 2003); Letônia (15 de fevereiro de 2005); Líbano (14 de maio de 2005); Lituânia (29 de janeiro de 2005); Luxemburgo (28 de junho de 2004); Macedônia (4 de dezembro de 2003); Madagascar (26 de fevereiro de 2007); Malásia (29 de fevereiro de 2008); Maldivas (30 de dezembro de 2005); Mali (1 de março de 2008); Malta (4 de julho de 2004); Marrocos (14 de junho de 2010); México (4 de novembro de 2003); Mônaco (17 de outubro de 2004); Mongó-lia (4 de dezembro de 2004); Moçambique (28 de março de 2014); Montenegro (16 de março de 2010); Namíbia (4 de novembro de 2003); Nigéria (4 de novembro de 2003); Noruega (28 de junho de 2004); Nova Zelândia (4 de novembro de 2003, com observação no tocante à inclusão do arquipélago de Toquelau); Omã (17 de fevereiro de 2007); Panamá (4 de novembro de 2003); Paquistão (17 de fevereiro de 2007); Paraguai (4 de novembro de 2003); Peru (4 de novembro de 2003); Polônia (18 de março de 2006); Portugal (4 de novembro de 2003); Quênia (4 de novembro de 2003); Reino Unido da Grã-Bretanha (28 de junho de 2004); República da Mol-dávia (16 de maio de 2009); República Democrática do Congo (19 de setembro de 2014); República Dominicana (20 de julho de 2007); República Tcheca (4 de no-vembro de 2003); Romênia (4 de nono-vembro de 2003); Ruanda (14 de dezembro de 2015); São Vicente e Granadinas (28 de maio de 2004); Sérvia (4 de abril de 2010);

(10)

Referida Convenção, aliás, já se encontra em vigor no Brasil, por meio do Decreto n. 5.910, de 27 de setembro de 2006, que a promulgou.

Por seu turno, entrou em vigor em Portugal em 4 de no-vembro de 2003, juntamente com os demais membros da União

Européia.11

Aplica-se, pois, a Convenção de Montreal, como ressal-ta Michele Comenale Pinto, ao transporte aéreo internacional, a título oneroso ou gratuito, ressalvando-se, na última hipótese, a consecução por empresa de transporte aéreo, restando excluído

o transporte postal.12 Ademais, referida aplicação ocorre,

indis-tintamente, com fulcro em fonte que promane da existência de um contrato, prática de ato ilícito, ou qualquer outra razão, ex

vi do que preceitua seu art. 29.13

Nesse contexto, impende frisar, outrossim, que a inser-ção do transporte aéreo como internacional, consoante o deno-minado Sistema de Varsóvia e Convenção de Montreal, deve obedecer a alguns requisitos. Deveras, com base nos mencio-nados diplomas legais, considera-se transporte aéreo internaci-onal aquele em que o ponto de partida inicial e o ponto de des-tino final sejam situados em Estados distintos ou em que um ponto de escala esteja situado em um Estado diferente do

Seychelles (12 de novembro de 2010); Síria (4 de novembro de 2003); Suécia (28 de junho de 2004); Suíça (5 de setembro de 2005); Tanzânia (4 de novembro de 2003); Tonga (19 de janeiro de 2004); Turquia (26 de março de 2011); Ucrânia (5 de se-tembro de 2009); Uruguai (4 de abril de 2008); e Vanuatu (8 de janeiro de 2006).

11

Cf. elucida Carlos Alberto Neves Almeida, Do contrato de transporte aéreo e da responsabilidade civil do transportador aéreo, p. 78-79, Coimbra, Almedina, 2010. No mesmo diapasão, vide: Nuno Calaim Lourenço, A limitação da responsabilidade do transportador aéreo internacional no transporte de pessoas- De Varsóvia a Montreal, p. 481-482, in Temas de Direito dos Transportes, vol. 1, M. Januário da Costa Gomes (Coord.), Coimbra, Almedina, 2010; Luís de Lima Pinheiro, Breves notas sobre o Direito aplicável ao contrato de transporte aéreo internacional, p. 251-253, in Estudos de Direito Aéreo, Dário Moura Vicente (Coord), Coimbra Editora, Grupo Wolters Kluwer, 2012.

12

Riflessioni sulla nuova Convenzione di Montreal del 1999 sul trasporto aereo. Diritto Marittimo, Genova, fasc. 3, p. 798-830, 2000.

13

(11)

do onde se situa o ponto de partida e de destino. Com fulcro, pois, nos referidos ditames, afigura-se irrelevante a consecução de uma ou mais escalas em um único Estado. Portanto, conclui-se que, nos mencionados diplomas legais, o transporte aéreo será considerado internacional, outrossim, se, apesar dos pon-tos de partida e de destino se localizarem em um único Estado, fizer escala em um Estado diferente do Estado de partida e de destino. Com base no termo “transporte” utilizado pelas Con-venções, exige-se ponto de contato com o território estrangeiro,

sendo insuficiente o mero sobrevôo.14

Por via de conseqüência, a nacionalidade dos contratan-tes, bem como da aeronave, não determinam matiz

diferencia-dor entre o transporte aéreo doméstico e internacional.15

Ademais, exige-se que tais Estados tenham ratificado os termos da Convenção de Varsóvia, e, atualmente, da Conven-ção de Montreal, substitutiva daquela, para fins de inserConven-ção sob o status de Altas Partes Contratantes.Desse modo, muito embo-ra a Convenção de Montreal tenha efetivo condão substitutivo do Sistema de Varsóvia, este último não poderá ser prontamen-te desconsiderado.

De fato, dessume-se que, para a aplicação dos ditames da nova Convenção, no âmbito do transporte aéreo internacio-nal, exige-se que os pontos de partida e de destino, independen-temente de interrupção ou transbordo, estejam situados no ter-ritório de dois Estados Partes, ou seja, países que tenham

14

Nesse sentido: Jacques Naveau e Marc Godfroid, Précis de droit aérien. Bruxelles: Bruylant, 1988, p. 190-191; Giemulla e Schmid et al., Warsaw Convention – anno-tated. The Hague/London/Boston: Kluwer, 2001, suplemento 4, p. 3, out. 1994.

15

Nesse sentido: De Juglart, Traité de droit aérien. 2. ed. atual. por Emmanuel du Pontavice et al. Paris: LGDJ, 1989, t. 1, p. 1010-1019, parágrafos 2519 a 2527; René H. Mankiewicz, The liability regime of the international carrier: a commentary on the present Warsaw system. Dordrecht: Kluwer, 1981, p. 28-29; Shawcross e Beau-mont, Air law. 3. ed. London: Butterworths, 1966, p. 406; Jacques Sesseli, La notion de faute dans la Convention de Varsovie. Lausanne: Société Anonyme de L´Imprimerie Rencontre, 1961, p. 19; Walter Schwenk, Werner Niester e Dieter Stukenberg, Handbuch des Luftverkehrsrechts. 2. ed. rev. e ampl. Berlin: Carl Hey-manns Verlag, 1996, p. 658-661.

(12)

cado o novel diploma legal, aceitando-se excepcionalmente sua aplicação em relação a Estado que não a tenha ratificado, desde que o território deste seja utilizado, tão somente, como escala em transporte aéreo, cujos pontos de origem e destino estejam situados em território de um mesmo Estado Parte.

Conclui-se, portanto, que na hipótese, e.g., de transporte aéreo internacional entre um Estado Parte e outro que não o seja, pressupondo sua adesão ao Sistema de Varsóvia, este comportará aplicação, em detrimento da Convenção de Mon-treal, ressalvada eventual antinomia no âmbito de cada orde-namento jurídico interno, com outros diplomas legais, sem pre-juízo de análise daqueles vinculantes em nível comunitário, ou objeto de subscrição por transportadores aéreos pertencentes a vários países, que ainda não ratificaram a nova Convenção.

Deveras, poderão surgir hipóteses, não raras, nas quais em sede de transporte aéreo internacional, e.g, o ponto de ori-gem do transporte coadune-se com Parte Contratante, que, efe-tivamente, ratificou o novel diploma legal, ao passo que, o pon-to de destino denote atrelamenpon-to com país no qual ainda subsis-ta o Sistema de Varsóvia, circunstância na qual, este será apli-cável, ressalvada a consecução de round-trip ticket, visto que, o

ponto de origem, coadunar-se-á com o destino final.16

Tecidas referidas ponderações, a Convenção de Mon-treal estriba-se na indenização integral do passageiro por dano-evento morte, ferimento ou lesão corporal, determinando, para tanto, que os Estados Contratantes imponham aos transportado-res submetidos à sua autoridade a celebração de contratos de seguro para viabilizar efetiva cobertura, na hipótese de sinistro,

16

Nesse sentido: Paul S. Dempsey e Michael Milde, op. cit, p. 68-72; Mario O. Folchi, op. cit, p.8-83. Para tal desiderato, podemos exemplificar o transporte aéreo internacional em algumas rotas de destaque, a saber: São Paulo-Caracas e São Pau-lo-Luanda, já que, até o presente, Venezuela e Angola, não ratificaram a Convenção de Montreal. Por outro lado, em se tratando de vôo round-trip (viagem de ida e volta, também alcunhada redonda no jargão turístico), ou seja, São Paulo-Caracas-São Paulo, o destino final será idêntico ao ponto de origem, aplicando-se, portanto, a Convenção de Montreal, já que, expressamente ratificada pelo Brasil.

(13)

nos termos do que preceitua o art. 50.17

Outrossim, depreende-se que houve adoção da teoria do risco da atividade empreendida, em detrimento da presunção de culpa, que orientava o sistema pretérito. Dessume-se, pois, que a responsabilidade não se escuda na atividade culposa do cau-sador do dano, mas na própria atividade empreendida pelo transportador, caracterizando sua responsabilidade objetiva.

Todavia, emergem peculiaridades que inviabilizam a adoção de sistema puro de responsabilidade objetiva, já que se adotou sistema de responsabilidade em dois níveis (two-tier

system), de acordo com as cifras, que componham eventual

conflito de interesses.

Com efeito, em síntese, a matéria concernente à respon-sabilidade civil apresenta as seguintes características: a) res-ponsabilidade objetiva até uma soma determinada (100.000 DES, que à luz da escalator clause, como bem observa o juris-ta português Carlos Neves Almeida, passou ao monjuris-tante de

113.100 DES, a partir de 30 de dezembro de 200918,

equivalen-tes aproximadamente a cento e quarenta e cinco mil, oitocen-tos e noventa e nove Euros, ou quinhenoitocen-tos e setenta e seis mil,

oitocentos e dez Reais)19; b) responsabilidade subjetiva

basea-da na culpa, no que concerne ao montante que superar o pata-mar descrito no item anterior; c) existência de excludentes da responsabilidade, em situações especialíssimas, em sede de responsabilidade objetiva; d) possibilidade de antecipação de valores, que poderão ser descontados em ulterior liquidação.

Observe-se que a responsabilidade objetiva que permeia o sistema, até o limite de 113.100 DES, não se erige ao status de teoria do risco integral ou responsabilidade absoluta,

17

Nesse sentido, Alessandra Arrojado Lisboa de Andrade, Convenção de Montreal: derradeira esperança para o transporte internacional. Revista Brasileira de Direito Aeroespacial, (RBDA), Rio de Janeiro, n. 78, p. 2-18, nov. 1999. No mesmo diapa-são, vide Stefano Zunarelli e Michele Comenale Pinto, op, cit, p.448-449.

18

Cf. op.cit, p. 451.

19

(14)

me tendo em vista a previsão de eximentes, escudadas na prova pelo transportador de culpa exclusiva da vítima, em caráter exclusivo ou concorrente e força maior extrínseca. Competirá, destarte, à vítima tão somente comprovar que o dano ocorreu a bordo da aeronave, ou durante as operações de embarque ou desembarque, cabendo, evidentemente, aos Tribunais, a apreci-ação, in concreto, das referidas operações. Caso o dano efetivo supere o patamar de 113.100 DES, emerge tão somente pre-sunção de culpa do transportador, que poderá eximir-se do de-ver de indenizar, caso comprove que a causa do dano-evento não promanou de negligência ou outra ação ou omissão sua, de seus dependentes ou agentes.

Enrique Mapelli preceitua, com percuciência, que, na hipótese do fato de terceiro, o transportador liberar-se-á tão somente do dever de indenizar que supere o montante fixado, em sede de responsabilidade objetiva, na qual mencionado fato não se erija ao status de excludente. Apenas, portanto, na hipó-tese de comprovação de fato da vítima, haverá inexistência do dever de indenizar, a qualquer título. Sem prejuízo da assertiva supra, é curial que, conquanto a denominada força maior in-trínseca não caracterize excludente, a força maior exin-trínseca, também denominada fortuito externo, elidindo o próprio nexo causal, caso comprovada, também elidirá o dever de indenizar,

sob pena de caracterizar efetivo risco integral.20

No que tange ao atraso em vôo, a Convenção não esti-pula normas concernentes à elucidação de quais pressupostos se afiguram aptos a ensejar o dever de indenizar, malgrado dis-ponha que, nos termos do art. 19, haverá excludente favorável ao transportador quando este comprovar que tomou todas as medidas idôneas e possíveis para evitar o dano, ou que se afi-gurava impossível adotá-las. Ademais, nos trabalhos

20

Consideraciones jurídicas sobre el Convenio de Montreal de 1999. Revista Brasi-leira de Direito Aeroespacial (RBDA), Rio de Janeiro, n. 84, p. 22-25, dez. 2001. No mesmo diapasão, vide Stefano Zunarelli e Michele M. Comenale Pinto, Manuale di Diritto della Navigazione e dei Trasporti, p. 441-448, Padova, Cedam, 2ª ed, 2013.

(15)

rios, emergiu amplo debate quanto à conveniência de fixação de patamar-limite de indenização correlacionado com atraso em vôo, preponderando a corrente que estipulou limitação de até 4.150 DES (Direitos Especiais de Saque) por passageiro, que à luz da escalator clause, já referida, passou ao montante de 4.694 DES (Direitos Especiais de Saque), a partir de 30 de

dezembro de 200921. Decidiu-se, então, que a responsabilidade

do transportador pelo atraso no transporte de bagagem encon-tra-se limitada a 1.000 DES, também aumentada pela escalator

clause, a partir da mesma data, para o montante de 1.131 DES

(aproximadamente 1.458 euros ou R$5.768,00)22 , subsistindo

as mesmas excludentes previstas para os casos de destruição, perda ou avaria de bagagem.

No que concerne ao atraso no transporte aéreo de mer-cadorias, fixou-se o mesmo limite pretérito de 17 DES por qui-lograma, valor revisado para 19 DES, a partir de 30 de dezem-bro de 2009, reiterando, nesse aspecto, as disposições elenca-das no Protocolo de Montreal n. 3, que ainda não entrou em vigor, e a impossibilidade, mediante disposição expressa, de superação da limitação, subsistindo como excludentes as dispo-sições elencadas para perda, destruição ou avaria de carga,

des-tacando-se, e.g,ato de guerra ou conflito, ou ato de autoridade

pública correlacionado com a entrada, saída ou trânsito da mer-cadoria.

Para bagagens não registradas, nos moldes da Conven-ção de Varsóvia, subsiste a teoria da culpa, impondo-se ao pas-sageiro o ônus da prova correlato.

Doutra banda, no que concerne à bagagem registrada, há responsabilidade objetiva do transportador, fixando-se pa-tamar-limite de 1.131 DES (Direitos Especiais de Saque), com base de cálculo totalmente diversa da anterior. Com efeito, en-quanto no denominado Sistema de Varsóvia adotava-se o

21

Cf. preconiza Carlos Neves Almeida, op. cit, p. 585.

22

(16)

rio do peso por bagagem entregue, no novo sistema o quantum adrede referido será fixado por passageiro transportado. Por óbvio, à luz do novel diploma legal, a superação do limite esta-rá condicionada à prova pelo passageiro de dolo ou culpa grave do transportador da bagagem, ou por meio de prévia declaração especial de valor, com o pagamento do correlato suplemento de tarifa.

No que concerne ao transporte aéreo doméstico, atual-mente, vige no Brasil o Código Brasileiro de Aeronáutica (Lei n. 7.565, de 19 de dezembro de 1986).

Referido diploma legal aplica-se ao transporte aéreo doméstico (nacional ou regional), ou seja, aquele no qual os pontos de partida, intermediários e de destino estejam situados em território nacional. O transporte aéreo não perderá referido

status quando, por motivo de força maior, a aeronave fizer

es-cala em território estrangeiro, estando, porém, em território brasileiro seus pontos de chegada e de destino, ex vi do que preceitua o art. 215, caput e parágrafo único.

Observa-se a adoção, como regra, dos princípios do de-nominado Sistema de Varsóvia, de modo a fixar patamar-limite de indenização nas hipóteses de dano-evento a passageiros, bagagens e cargas. No que concerne ao cancelamento de vôo, estipulou-se o direito ao reembolso do valor já pago (art. 229). Caso haja atraso na partida, ou interrupção ou atraso em aero-porto de escala, por período superior a quatro horas, poderá haver endosso da passagem ou reembolso do valor pago, ca-bendo ao transportador velar, no referido interstício temporal, pelas despesas de transporte, alimentação e hospedagem do passsageiro, sem prejuízo da responsabilidade civil (arts. 230 e 231). Os aventados limites (aplicáveis nas searas contratual e extracontratual), comportariam exclusão, tão somente, nas hi-póteses de dolo ou culpa grave do transportador e seus prepos-tos.

(17)

cuja menção é de rigor.

Inicialmente, não se adotou a presunção de culpa, pre-vista na Convenção de Varsóvia, na medida em que, mesmo diante da comprovação de adoção de diligências imponíveis, ou de que não era possível adotá-las, subsistiria o dever de in-denizar. Vislumbra-se, pois, adoção da responsabilidade obje-tiva, nas searas contratual e extracontratual.

Cumpre, no entanto, analisar mencionados diplomas em cotejo com a obrigação de proteção, proposição de definição do contrato de transporte aéreo, Sistema de Defesa do Consumidor e novo Código Civil, já que, estes dois últimos, também apre-sentam normas aptas a regular o contrato em comento no Bra-sil.

3. O CONTRATO DE TRANSPORTE AÉREO, O SISTEMA DE DEFESA DO CONSUMIDOR E O ADVENTO DO NO-VO CÓDIGO CIVIL NO BRASIL. CONSIDERAÇÕES PROPOSITIVAS

O contrato de transporte aéreo como tipo geral é aquele no qual um sujeito (transportador) se obriga, freqüentemente (embora não necessariamente), por meio de contraprestação pecuniária, a transferir pessoas e coisas de um lugar ao outro, em segurança e com celeridade, utilizando-se de veículo de transporte (aeronave) apto à navegação aérea.

Observe-se que, no contrato de transporte aéreo de pas-sageiros, a obrigação de proteção imponível ao transportador afigura-se fundamental. Não se deve descurar, no entanto, de sua peculiaridade no que tange à celeridade, na medida em que, na percepção social do tipo contrato de transporte aéreo, esta é um elemento integrante e motivo determinante da contratação.

Desse modo, nas hipóteses de atraso em vôo, preconi-zamos a aplicação de regime de responsabilidade objetiva do transportador, não prosperando, portanto, a eximente positiva

(18)

da devida diligência e tampouco limites temporais mínimos fixados em legislação especial, como pré-requisito ao dever de indenizar, devendo-se sopesar, portanto, in concreto, com cir-cunstâncias específicas, eventual dano causado por atraso, em cotejo com conduta do usuário do transporte, de terceiro ou

força maior extrínseca.23

Mencionado entendimento, aliás, é robustecido pelos ditames do art. 737 do novo Código Civil, o qual prevê que os horários divulgados pelo transportador são vinculantes, salvo eximente de força maior extrínseca, também denominada for-tuito externo, o que corrobora nosso entendimento, no que se refere à responsabilidade objetiva do transportador aéreo por atraso, tornando, portanto, insubsistente, sob qualquer aspecto, a eximente positiva da devida diligência.

Nem se argumente, ademais, que o elemento rapidez do transporte pudesse colocar em risco a segurança do vôo, visto que as eximentes correlacionadas com a responsabilidade obje-tiva permitiriam isenção de responsabilidade do transportador, máxime quando colocada em risco a obrigação de proteção do usuário, a qual, então, preponderará diante da celeridade.

Tecidas referidas ponderações, cumpre proceder à aná-lise das repercussões provindas do Sistema de Defesa do Con-sumidor e advento do novo Código Civil.

Como é cediço, em nosso país, diante do princípio

23

Nesse sentido, consideramos manifestamente abusivas as normas insculpidas nos arts. 230 e 231, do Código Brasileiro de Aeronáutica, aplicáveis ao transporte aéreo doméstico, porquanto fixam limite mínimo de quatro horas para a caracterização de atraso indenizável e dever de assistência para endosso de bilhete. Para tal desiderato, levemos em conta, e.g., a duração de quarenta e cinco minutos em média, do trecho São Paulo–Rio de Janeiro, realizado em sistema de ponte-aérea, para verificarmos que, no intervalo de quatro horas, conforme preconiza o Código Brasileiro de Aero-náutica, poderiam ser realizados cinco vôos no mencionado percurso. Outrossim, considerando a celeridade como importante elemento ínsito ao referido transporte, o lapso de tempo fixado em legislação específica não apreciaria, pelas máximas de experiência, prováveis compromissos profissionais agendados logo após o transporte no mencionado percurso. Para maiores detalhes, no que concerne ao atraso em vôo, vide Marco Fábio Morsello, op.cit, p. 171-180.

(19)

dante da dignidade da pessoa humana, predominância da or-dem pública de proteção, bem como dos novos princípios con-tratuais vigentes, já mencionados anteriormente, o legislador constitucional erigiu a defesa do consumidor a direito funda-mental, nos termos do art. 5.º, XXXII, tendo o Código de Defe-sa do Consumidor concretizado referidos ditames e a norma do art. 48 das Disposições Transitórias implementado, a nosso ver, o princípio de proteção à parte mais fraca.

O Código de Defesa do Consumidor fixou, além disso, cláusula geral de responsabilidade civil escudada no risco da atividade profissional do fornecedor, consagrando-se, pois, a responsabilidade objetiva, que abrange o transporte aéreo,

na-turalmente não inserido na ressalva prevista no art. 14, § 4.o, do

referido diploma legal.

A nosso ver, enquanto a pessoa natural é presumida consumidora, a pessoa jurídica somente poderá beneficiar-se das regras do microssistema consumerista quando demonstrar que não utilizou o produto para nova comercialização, retiran-do-o do ciclo produtivo ou utilizanretiran-do-o como insumo, e quan-do houver a comprovação essencial de vulnerabilidade no caso concreto, por vezes atrelada a mister diverso daquele exercido pela empresa.

De fato, o destinatário final, como preconiza Cláudia Lima Marques, “é o Endverbraucher, o consumidor final, o que retira o bem do mercado ao adquirir ou simplesmente utili-zá-lo (destinatário final fático), aquele que coloca um fim na cadeia de produção (destinatário final econômico) e não aquele que utiliza o bem para continuar a produzir, pois ele não é o consumidor-final, ele está transformando o bem, utilizando o

bem para oferecê-lo por sua vez ao cliente, seu consumidor”.24

Patente, destarte, a exclusão daquele que utiliza produto ou serviço para fins de revenda ou reinserção no ciclo

24

Cf. Contratos no Código de Defesa do Consumidor, 4. ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2002, p. 279.

(20)

vo, também denominado consumidor intermediário.25

Outrossim, tendo em vista o primado específico das mencionadas normas, é evidente que o elemento vulnerabilida-de emerge como outro pressuposto para a caracterização da figura.26

Com efeito, poderão surgir hipóteses de inserção do transportador aéreo como fornecedor e do transporte aéreo co-mo serviço, sem, no entanto, caracterizar relação de consuco-mo, na medida em que, por vezes, o usuário não se qualificará

co-mo consumidor.27

25

Nesse sentido: Marco Antonio Zanellato, Considerações sobre o conceito jurídico de consumidor. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, n. 45, p. 173, jan./mar. 2003, observando que, “entende-se que a Lei 8078/90 faz distinção entre o consumidor final e o consumidor intermediário, ao levar à ilação, em face do dispos-to no art. 2º, caput, que somente a aquisição para uso próprio, individual, familiar ou de terceiros será considerada como consumo, ficando ao largo de sua proteção a aquisição de bens ou serviços para utilização na atividade-fim da empresa.”; Anto-nio Herman V. Benjamin, O transporte aéreo e o Código de Defesa do Consumidor. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, n. 26, p. 34-35, abr./jun. 1998; New-ton De Lucca, O Código de Defesa do Consumidor: discussões sobre o seu âmbito de aplicação. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, n. 6, abr./jun. 1993, p. 65 ; Cláudia Lima Marques, Antônio Herman V. Benjamin e Bruno Miragem, Co-mentários ao Código de Defesa do Consumidor: arts. 1.º a 74 - aspectos materiais. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2004, p. 71-72, opinando que “destinatário final é aquele destinatário fático e econômico do bem ou serviço, seja ele pessoa jurídica ou física. O destinatário final é consumidor final, o que retira o bem do mercado ao adquiri-lo ou simplesmente utilizá-lo (destinatário final fático), aquele que coloca um fim na cadeia de produção (destinatário final econômico), e não aquele que utiliza o bem para continuar a produzir, pois ele não é consumidor final, ele está transformando o bem, utilizando o bem, incluindo o serviço contratado no seu, para oferecê-lo por sua vez ao seu cliente, seu consumidor, utilizando-o no seu serviço de construção, nos seus cálculos de preço, como insumo de sua produção.”; Sérgio Pinheiro Marçal, Código de Defesa do Consumidor: definições, princípios e o tratamento da responsabilidade civil. Revista de Direito do Consumidor, n. 6, p. 100-101, abr./jun. 1993; Marco Aurélio Maselli Gouvêa, O conceito de consumidor e a questão da empresa como “destinatário final”. Revista de Direito do Consumi-dor, São Paulo, n. 23-24, p. 190-192, jul./dez. 1997.

26Nesse sentido: Juliana Santos Pinheiro, O conceito jurídico de consumidor. In: Gustavo Tepedino (Coord.). Problemas de Direito Civil Constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 334-336.

27Nesse sentido, Antônio Herman de V. e Benjamin, O transporte aéreo e o Código de Defesa do Consumidor, cit., p. 36.

(21)

De fato, considerando a vigência da Lei n. 8.078/90 há considerável lapso de tempo, observamos que sociedades co-merciais bem organizadas, quando adquirem produtos ou utili-zam serviços, propugnam por inserção no mencionado micros-sistema, que lhes seria mais benéfico. No entanto, a nosso ver, tal conduta é injustificável, visto que o escopo do Código de Defesa do Consumidor é a proteção especial de um grupo da sociedade considerado mais vulnerável, ou seja, aqueles que efetivamente necessitam de proteção, elidindo-se, então, a vul-garização de seus preceitos, de modo a não abranger relações interempresariais e de lucro correlacionadas com os denomina-dos profissionais-consumidores, que certamente findariam por

fragilizar o nível de proteção destinado aos mais vulneráveis.28

Destarte, na hipótese de contrato de transporte aéreo de mercadorias, somente quando comprovada a condição de desti-natário final, fático e econômico do produto ou serviço, com mister diverso daquele correlacionado com a mercadoria adqui-rida ou serviço utilizado, sem prejuízo de prova de efetiva vul-nerabilidade, aplicar-se-á excepcionalmente o microssistema consumerista., sob pena de deslustrá-lo.

Conclui-se que, neste contrato, uma vez não comprova-dos os requisitos excepcionais elencacomprova-dos no parágrafo anterior, a fixação prévia de patamar-limite indenizável afigura-se legí-tima, cabendo, no âmbito das relações interempresariais, a con-tratação de eventual seguro complementar pelo usuário do

28Nesse sentido: Marco Antonio Zanellato, op. cit., p. 187-189; Newton Luiz Finato, Contrato de transporte aéreo e a proteção do consumidor. Revista de Direito do Consumidor. São Paulo, n. 42, abr./jun. 2002, p. 185, afirmando que “vemos com cautela a extensão da proteção ampla, pois poderia descaracterizar a natureza prote-tiva do Código de Defesa do Consumidor, sabido que aquele que tudo protege perde a sua especificidade”. No mesmo diapasão, trazendo à baila a dicotomia contratos existenciais e de lucro, com densidade diversa na aplicação de princípios contratuais, vide Marco Fábio Morsello, Contratos existenciais e de lucro. Análise sob a ótica dos princípios contratuais contemporâneos, in Temas Relevantes do Direito Civil Contemporâneo (Coord. Renan Lotufo, Giovanni Ettore Nanni e Fernando Rodri-gues Martins), p. 273-291, São Paulo, Ed. Atlas, 2012.

(22)

transporte, empresário-adquirente, evitando repasse para a tari-fa dos custos que adviriam da inexistência de qualquer limite nessa seara.

Por via de conseqüência, nas relações interempresariais e de lucro, não se caracterizando o status de destinatário final, bem como a vulnerabilidade do adquirente de produto ou ser-viço, que poderá salvaguardar seus interesses, aplicar-se-ão os diplomas legais aeronáuticos; se houver incompatibilidade en-tre estes e o novo Código Civil, aplicar-se-á este último.

Referida posição foi robustecida, sob nossa ótica, pelo novo Código Civil, na medida em que, no contrato de transpor-te de coisas, admitiu-se expressamentranspor-te a fixação prévia de pa-tamar-limite indenizável, nos termos do art. 750.

Por outro lado, nos contratos de transporte aéreo de pas-sageiros e bagagens, vige relação de consumo, que possibilita a reparação integral do dano, ex vi do que preceituam os arts. 6º, VI e 22, parágrafo único, da Lei n. 8.078/90, que prevalecem, nesse aspecto, diante de disposições em contrário fixadas no Sistema de Varsóvia, na Convenção de Montreal e no Código Brasileiro de Aeronáutica, ressalvando-se, no tocante ao trans-porte de bagagens, a formação do juízo de verossimilhança no que concerne à prova do seu conteúdo.

De fato, da análise do microssistema tutelador dos direi-tos do consumidor, observa-se que estes estão agrupados pela função e não pelo objeto, evidenciando alcance e segmentação horizontais no âmbito das denominadas relações de consumo, que prepondera, pois, com fulcro no critério da especialidade, diante de outros diplomas legais que eventualmente apresentem campos de aplicação idênticos, com normas mais desfavoráveis ao consumidor, mesmo à luz do advento da Convenção de

Montreal e do novo Código Civil.29

29

Nesse sentido, quanto à subsistência dos ditames da Lei n. 8.078/90, mesmo diante do advento do novo Código Civil, vide: Cláudia Lima Marques, Antônio Herman V. Benjamin e Bruno Miragem, Comentários ao Código de Defesa do Consumidor: arts. 1.º a 74 - aspectos materiais, cit., p. 34-36.; Maria Helena Diniz, Parte especial

(23)

Tecidas referidas ponderações, cumpre ressaltar que o novo Código Civil regulamentou o contrato de transporte, es-tipulando em seu art. 732 que prevalecerá caso as normas de outros diplomas legais reguladores da mesma matéria denotem

incompatibilidade com seus ditames.30

Sucede que tal assertiva, a nosso ver, não implica, em nenhum momento, o afastamento do princípio da indenização integral fixado no sistema de defesa do consumidor, pelas ra-zões já expostas anteriormente, com espeque no critério da

– Livro complementar – Das disposições finais e transitórias. In: Antonio Junqueira de Azevedo (Coord.). Comentários ao Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2003. v. 22, p.565-569.; Carlos Roberto Gonçalves, Parte especial: Do direito das obrigações, cit., v. 11, p. 144.; Ruy Rosado de Aguiar Júnior, O novo Código Civil e o Código de Defesa do Consumidor - pontos de convergência, Revista de Direito do Consu-midor, São Paulo, n. 48, out./dez. 2003, p. 57, asseverando que, “no conflito entre princípios, aplica-se à relação de consumo o do Código de Defesa do Consumidor”; Renan Lotufo, O contrato de transporte de pessoas no novo Código Civil, Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, n. 43, jul./set. 2002, p. 21, observando que “é regra de interpretação que a norma geral só revoga a especial quando expressamente assim dispõe. A dicção revogadora da incidência das normas especiais conflitivas haveriam que ser expressamente indicadas, pois não se pode entender que de manei-ra genérica o Código Civil revogue o Código de Defesa do Consumidor, que é evi-dentemente especial diante da generalidade do Código Civil.”; Adalberto Pasqualot-to, O Código de Defesa do Consumidor em face do novo Código Civil, Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, n. 43, p. 96-110, jul./set. 2002, concluindo (op. cit, p. 110), que: “A entrada em vigor do novo Código Civil brasileiro, em janeiro de 2003, nenhum prejuízo trará aos consumidores. O Código de Defesa do Consumidor é lei especial perante o Código Civil e sua aplicação será beneficiada pela instituição do direito de empresa. (, cit., ). De outra parte, certas disposições do novo Código Civil que estipulem patamares de proteção inferiores aos estabelecidos no CDC em nada afetarão os consumidor, em virtude do princípio de que a lei especial prevalece sobre a lei geral, enquanto normas convergentes e complementares ao CDC, eventu-almente mais amplas ou benéficas, poderão ser aplicadas supletivamente em favor dos consumidores”.

30

Nesse sentido, Cláudia Lima Marques, Antônio Herman V. Benjamin e Bruno Miragem, op. cit., p.37 elucidando que, “como toda regra tem sua exceção, também no CC/2002 há uma exceção expressa: em matéria de contrato de transporte, o art. 732 prevê a subsidiariedade das leis especiais, mesmo de fonte internacional, como a Convenção de Varsóvia. Aqui se prevê, pois, a aplicação prioritária das novas nor-mas do CC/2002 em exceção ao sistema normal, que é de aplicação subsidiária”. Tal premissa, no entanto, a nosso ver, não tem o condão de desnaturar o princípio da reparação integral, em sede de relações de consumo.

(24)

especialidade.

Ademais, procedendo à análise do contrato de transpor-te de pessoas no novo Código Civil, inexistranspor-te norma expressa fixadora de patamar-limite indenizável na hipótese de dano-evento morte ou lesão corporal. Ao revés, a norma fixada no art. 734 permite diálogo das fontes - na feliz expressão de Erik

Jayme, utilizada por Cláudia Lima Marques31- com o

micros-sistema consumerista, levando-nos à conclusão de que a ilimi-tação do montante indenizável é a regra no contrato de trans-porte de pessoas, diferentemente, e.g., do transtrans-porte de coisas, em que o legislador optou pela menção à existência de

limita-ção, ex vi do que preceitua o art. 750 do novo diploma legal.32

Cumpre anotar, outrossim, que, sob a ótica constitucio-nal, a defesa do consumidor consubstancia direito fundamental (art. 5.º, XXXII), de eficácia plena, de modo que a existência de norma em antinomia com aquelas que tenham implementa-do a mencionada defesa naturalmente não poderá subsistir, levando-se em conta a força normativa que promana da Consti-tuição Federal. Nesse aspecto, não há como negar, ademais, que o dever de segurança e proteção previsto no art. 5.º, caput, do ordenamento constitucional pátrio abrangerá o consumidor, principalmente nas atividades de risco, como o transporte aé-reo.33

31

Cf. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor: arts. 1.º a 74 - aspectos materiais, cit., p. 26.

32

Nesse sentido, Renan Lotufo, O contrato de transporte de pessoas no novo Código Civil, cit., p. 212, asseverando que, “as disposições do novo Código Civil conflitam com o teor da Convenção de Varsóvia e mesmo com o teor das nossas leis referentes aos transportadores aeronáutico e marítimo, que fixam limitações ao valor das inde-nizações, a pretexto de serem hipóteses de responsabilidade objetiva. A disposição do art. 734 está conforme o conteúdo constitucional que se refere às pessoas, ao ser humano como valor fundamental e à vida como merecedora de proteção especial. Aqui a regra do art. 732 tem plena aplicação, ou seja, as limitações de outros diplo-mas não interferem”.

33

Para maiores detalhes acerca do sistema de defesa do consumidor e correlata re-percussão na seara do contrato de transporte aéreo, vide Marco Fábio Morsello, Responsabilidade civil no transporte aéreo, cit, p. 390-422.

(25)

No que concerne ao Sistema de Varsóvia e Convenção de Montreal, sua classificação como tratados internacionais, não tem o condão de viabilizar inserção nos ditames do art. 5.º, §3º, da Constituição Federal, acrescido com fundamento na

Emenda Constitucional n. 45.34

De fato, no que concerne ao Sistema de Varsóvia, como mencionado alhures, este se fundamenta na pretérita ordem pública de direção, visando privilegiar desenvolvimento do ramo aeronáutico, obstaculizando, a nosso ver, a justa compen-sação à vítima e o correlato alcance da obrigação de proteção, vulnerando o próprio escopo dos tratados internacionais de direitos humanos e os princípios insculpidos na Convenção de Viena, de 1969. Outrossim, malgrado os ingentes esforços, que culminaram no advento da Convenção de Montreal, depreende-se, à evidência, que não se caracteriza como tratado de direitos humanos, existindo, inclusive, restrições ao direito do usuário consumidor, como, e.g, na fixação do two-tier system, adrede mencionado.

Ademais, cumpre observar que nossa tradição pretoria-na recente evidencia inexistência de privilégio hierárquico dos tratados internacionais deste jaez, quando cotejados com a lei ordinária. De fato, a corrente dualista, fulcrada na paridade entre o tratado e a lei nacional, foi consagrada nos Estados Unidos da América, obtendo aceitação e prevalência em nosso

34

Cumpre anotar que, muito embora prepondere na jurisprudência brasileira emana-da dos Tribunais de Justiça Estaduais e em sede de uniformização federal infracons-titucional emanada do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a aplicação do sistema de defesa do consumidor, nomeadamente na seara do transporte de pessoas, o Supremo Tribunal Federal (STF), nossa Corte Constitucional, reconheceu a relevância da matéria, em sede de repercussão geral, conforme Recurso Extraordinário n.636331, figurando como relator o Ministro Gilmar Mendes, inexistindo, por ora, pronuncia-mento definitivo. No entanto, não se dessume, se, de fato, além da questão nodal da aplicabilidade da Convenção de Montreal, quando em cotejo com o sistema de defesa do consumidor, que provavelmente será reconhecida, haverá pronunciamento específico acerca das normas constitucionais de eficácia plena que tutelam a repara-ção do dano extrapatrimonial, expressamente excluídas pelo tratado em comento, o que poderá gerar novo conflito de normas no futuro.

(26)

país, máxime a partir do julgamento do Recurso Extraordinário n. 80.004, no qual, como informa José Francisco Rezek, restou “assentada, por maioria, a tese de que, ante a realidade do con-flito entre tratado e lei posterior, esta, porque expressão última da vontade do legislador republicano, deve ter sua prevalência garantida pela justiça - sem embargo das consequências do

descumprimento”.35

Nem se argumente, aliás, que o art. 178 da Constituição Federal denotaria preponderância in casu. De fato, a nosso ver, os direitos fundamentais de defesa do consumidor e a obriga-ção de segurança e proteobriga-ção preponderam diante do art. 178 da Constituição Federal, de modo que, caso subsistisse efetivo conflito de normas, emergeria para o último dispositivo o

sta-tus de norma constitucional inconstitucional, como preconiza

Otto Bachof.36 Sob nossa ótica, no entanto, afigura-se

plena-mente factível compatibilizar a norma do art. 178 com os

35

Cf. Direito Internacional Público, 7.ed. rev. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 105-106, resumindo ulteriores dados referentes à fundamentação do julgado, publicado in RTJ 83/809: “A maioria valeu-se de precedentes do próprio Tribunal para dar como induvidosa a introdução do pacto – no caso, a Lei uniforme de Genebra sobre letras de câmbio e notas promissórias - na ordem jurídica brasileira, desde sua promulga-ção. Reconheceu, em seguida, o conflito real entre o pacto e um diploma doméstico de nível igual ao das leis federais ordinárias – o Decreto-Lei n. 427/69, posterior, em cerca de três anos, à promulgação daquele -, visto que a falta de registro da nota promissória, não admitida pelo texto de Genebra como causa de nulidade do título, vinha a sê-lo nos termos do decreto-lei. Admitiram as vozes majoritárias que, faltan-te na Constituição do Brasil garantia de privilégio hierárquico do tratado infaltan-ternacio- internacio-nal sobre as leis do Congresso, era inevitável que a justiça devesse garantir a autori-dade da mais recente das normas, porque paritária sua estatura no ordenamento jurídico”. Infere-se, outrossim, que referido autor perfilha doutrinariamente o mes-mo entendimento (op. cit, p.102-103) ao dispor que, “ o primado do direito das gentes sobre o direito nacional do Estado soberano é, ainda hoje, uma proposição doutrinária. Não há, em direito internacional positivo, norma assecuratória de tal primado”.

36

Cf. Normas constitucionais inconstitucionais? Tradução de José Manoel Cardoso da Costa. Coimbra: Almedina, 1994, p. 54-59, elucidando a existência de inconstitu-cionalidade de normas constitucionais em virtude de contradição com normas cons-titucionais de grau superior. No mesmo sentido, na doutrina peninsular, vide Vezio Crisafulli e Livio Palladin, Commentario breve alla Costituzione. Padova: Cedam, 1990, p. 9.

(27)

tos fundamentais supra-referidos, concluindo-se que a lei dis-porá sobre a ordenação dos transportes aéreo, aquático e terres-tre, devendo, quanto à ordenação do transporte internacional, observar os acordos firmados pela União, que deverão estar em conformidade com o dever de segurança e proteção à pessoa e

ao consumidor, preponderantes, na referida hipótese.37

Cumpre destacar, outrossim, ainda sob o prisma dos tra-tados internacionais, que na Convenção de Viena de 1969, que os regula, muito embora fixada sua superioridade hierárquica em relação às leis ordinárias de vários países, admite-se sua rejeição no bojo de ordenamentos jurídicos internos, quando

vulnerado eventual direito fundamental.38 Eis, pois, sob nossa

ótica, outro fundamento para a rejeição de montantes indenizá-veis, que em verdade não protegem efetivamente a vítima ou herdeiros na hipótese de dano-evento.

De fato, além da incompatibilidade com o novo

37

Nesse sentido, José Joaquim Gomes Canotilho, Direito constitucional e teoria da Constituição. Coimbra: Almedina, 1998, p.1096-1099, que, referindo-se ao âmbito do “catálogo-tópico” dos princípios da interpretação constitucional, elenca o impor-tante princípio da concordância prática ou harmonização, asseverando que, “este princípio não deve divorciar-se de outros princípios de interpretação já referidos (princípio da unidade, pirncípio do efeito integrador). Reduzido ao seu núcleo essen-cial o princípio da concordância prática impõe a coordenação e combinação dos bens jurídicos em conflito de forma a evitar o sacrifício (total) de uns em relação aos outros”.

38

Nesse sentido: Antônio Paulo Cachapuz de Medeiros, O poder de celebrar trata-dos: competência dos poderes constituídos para a celebração de tratados, à luz do direito internacional, do direito comparado e do direito constitucional brasileiro. Porto Alegre: Sergio A. Fabris Ed., 1995. p.263-266, afirmando que, em observação aos ditames da redação final do art. 46 da referida Convenção ,“vê-se que a Conven-ção de Viena sobre o Direito dos Tratados se definiu por concepConven-ção eclética: um Estado não pode, em princípio, invocar a violação do seu Direito Interno, como viciando o seu consentimento no plano internacional (tese internacionalista), mas há uma exceção para o caso da violação ser manifesta e concernente a uma regra do Direito Interno de importância fundamental (tese constitucionalista) ”; Mirtô Fraga, O conflito entre tratado internacional e norma de direito interno, Rio de Janeiro, Forense, 1997, p.33-34. Referida autora assevera, outrossim (op. cit., p. 123-126), que conquanto raríssimas as ocorrências, no conflito entre o tratado e a Constituição, esta última prevalecerá.

(28)

gma vigente, no seio da própria ordem internacional e dos tra-tados correlatos, há infração aos ditames do ordenamento cons-titucional pátrio, no âmbito do dever de segurança e proteção referido, em conjunto com a justa reparação da vítima e prote-ção ao consumidor, espelhados no princípio da reparaprote-ção inte-gral.

Ademais, o alcance da obrigação de proteção, conjun-tamente com o princípio de justa compensação às vítimas, permitem inferir inclusão da figura dos danos extrapatrimoni-ais, com fulcro em força normativa advinda da Constituição Federal, nos termos do art. 5.º, V e X, razão pela qual as restri-ções expressas fixadas nesse aspecto pela Convenção de Mon-treal não se afiguram vinculantes.

Nesse contexto, sobreleva acrescentar que, a obrigação de proteção ao passageiro se encontra ínsita na própria avença pactuada, sendo importante ressaltar que a preocupação cres-cente com a proteção à pessoa, independentemente da qualifi-cação contratual ou extracontratual, propicia, a nosso ver, con-cepção lato sensu do conceito de acidente, abrangendo todo acontecimento ou dano-evento correlacionado com a atividade de transporte do fornecedor, ou seja, incluindo, portanto, inci-dentes ou irregularidades, superadores de definição restritiva prevista no Sistema de Varsóvia, não modificada nesse aspecto pela Convenção de Montreal.

Por via de conseqüência, nos acidentes aéreos, o dano derivado de causa desconhecida, que, pelas máximas de expe-riência, enseja inúmeros percalços às vítimas e seus herdeiros,

impõe ao transportador os ônus correlatos.39

3.1. A PERSPECTIVA PORTUGUESA. APRECIAÇÕES CONCLUSIVAS

39

Para maiores detalhes acerca da denominada teoria da causa desconhecida e inter-pretação do conceito de acidente aeronáutico, vide Marco Fábio Morsello, op. cit, p. 258-266.

(29)

Em Portugal, a prevalência da Convenção de Montreal é inconcussa, com a aplicabilidade correlata de suas normas, conforme, aliás, ocorre em toda a União Européia.

Ademais, no transporte aéreo doméstico, como

preconi-za Carlos Alberto Neves Almeida40, “o regime de

responsabi-lidade civil deve considerar-se regulado actualmente ao abrigo das seguintes fontes normativas:

1- Com respeito ao transporte aéreo de pessoas e bagagens:

- Regulamento (CE) n. 2027/97 do Conselho de 9.10, alterado

pelo Regulamento (CE) 889/2002 do Parlamento Europeu e do Conselho de 13.05, e, por efeito deste, a Convenção de Montreal de 1999.

2- Com respeito ao transporte aéreo de mercadorias:

- D.L. n. 321/89, de 25.09, alterado pelo DL n. 279/95, de 26. 10, e Portaria n. 269/90, de 10.04.”

Observe-se que a identificação da sede legal aplicável à responsabilidade civil do transportador aéreo no transporte aéreo doméstico de passageiros e bagagem, não prejudica a aplicação a título de garantia complementar dos Regulamentos (CE) n. 261/2004 e 1107/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho. Nesse contexto, o primeiro visa ao estabelecimento de regras comuns para a indenização e assistência aos passagei-ros em caso de recusa de embarque e de cancelamento ou atra-so considerável, ao pasatra-so que o último estabelece os direitos das pessoas com deficiência e mobilidade reduzida no transpor-te aéreo.41

Referidos diplomas normativos, sob nossa ótica, são consentâneos com aspectos primordiais de proteção ao usuário do transporte aéreo, objeto de sucessivas menções na seara de

39

Cf. Do Contrato de Transporte Aéreo e da Responsabilidade Civil do Trasnpor-tador Aéreo, cit, p. 642. No mesmo diapasão: Luís de Lima Pinheiro, Breves notas sobre o Direito aplicável ao contrato de transporte aéreo internacional, p. 247-270, in Estudos de Direito Aéreo, Dário Moura Vicente (Coord). Coimbra Editora, Grupo Wol-ters Kluwer, 2012; Nuno Calaim Lourenço, op. cit, p. 425-426.

41

Referências

Documentos relacionados

Com relação ao CEETEPS, o tema desta dissertação é interessante por se inserir no Programa de Educação de Jovens e Adultos (PROEJA), sob a tutela da Coordenação de

Também é demonstração desse equilíbrio a proteção contratual e extracontratual com a adoção da responsabilidade civil objetiva, além da proteção processual com a inversão

In WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; DIDIER JR., Fredie; TALAMINI, Eduardo; DANTAS, Bruno (coord.). Breves comentários ao novo Código de Processo Civil, 3ª ed.. que não deve haver,

Compreendo nestas falas e com minha própria experiência que o déficit de recursos humanos vivenciado atualmente na instituição e nestas UTIs gera a necessidade de reorganização

Antonio Junqueira de Azevedo (Coord.).. de direitos do outro. A dignidade do idoso é podada e ferida quando este não pode ter o direito de iniciar um matrimônio sem

Reflexões sobre o código de processo civil de 2015: uma contribuição dos membros do Centro de Estudas Avançados de Processo - Ceapro.. Código de processo civil

Comentários ao código civil brasileiro: direito da família -

Com o passar do tempo à sociedade/legislador percebeu que essa não era a melhor forma de tratar da filiação e sucessão revogando assim, esse referido dispositivo