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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ CENTRO DE HUMANIDADES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO

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Academic year: 2018

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ CENTRO DE HUMANIDADES

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO

ANA PRICILA CELEDONIO DA SILVA

BIBLIOTECA E MEMÓRIA: INTERLOCUÇÕES COM A COMUNIDADE

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ANA PRICILA CELEDONIO DA SILVA

BIBLIOTECA E MEMÓRIA: INTERLOCUÇÕES COM A COMUNIDADE

Dissertação apresentada ao Mestrado Acadêmico em Ciência da Informação do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da Universidade Federal do Ceará. Linha de Pesquisa: Mediação e Gestão da Informação e do Conhecimento.

Orientador(a): Prof.ª Dra. Lidia Eugenia Cavalcante.

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação Universidade Federal do Ceará

Biblioteca Universitária

Gerada automaticamente pelo módulo Catalog, mediante os dados fornecidos pelo(a) autor(a)

S578b Silva, Ana Pricila Celedonio da.

Biblioteca e memória: interlocuções com a comunidade / Ana Pricila Celedonio da Silva. – 2018. 165 f. : il. color.

Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do Ceará, Centro de Humanidades, Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação, Fortaleza, 2018.

Orientação: Profa. Dra. Lidia Eugenia Cavalcante.

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ANA PRICILA CELEDONIO DA SILVA

BIBLIOTECA E MEMÓRIA: INTERLOCUÇÕES COM A COMUNIDADE

Dissertação apresentada ao Mestrado Acadêmico em Ciência da Informação do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da Universidade Federal do Ceará Linha de Pesquisa: Mediação e Gestão da Informação e do Conhecimento.

Aprovada em: 08/08/2018.

BANCA EXAMINADORA

______________________________________________ Profa. Dra. Lidia Eugenia Cavalcante (Orientadora)

Universidade Federal do Ceará (UFC)

______________________________________________ Prof.ª Dra. Elisa Campos Machado

Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO)

______________________________________________ Prof. Dr. Luiz Tadeu Feitosa

Universidade Federal do Ceará (UFC)

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AGRADECIMENTOS

A Deus que, por seu infinito amor e misericórdia, me concede infinitas graças e me ensina que, pela pequena via da humildade, alçaremos os tesouros insondáveis de seu imenso amor. E à Nossa Senhora, que sempre me acolhe em seu regaço de mãe.

À minha orientadora Lidia Eugenia Cavalcante, cuja sabedoria, competência e generosidade em compartilhar seus conhecimentos foram para mim inspirações constantes. Só tenho a agradecer todo o carinho e a atenção dedicados a mim desde a graduação. Seu nome tem e continuará tendo lugar cativo em minhas orações e pedidos de intercessão à Nossa Senhora.

À minha família, meus pais Irenilce e Francisco, importantes pilares em minha vida, com quem aprendi o real significado das palavras amor, fé, família e dedicação. Minhas irmãs Ninha, Josi, Rosiane e Patrícia, e meu irmão Daniel, cujo companheirismo e amor me deram forças para dar passos em direção aos meus sonhos.

Agradeço de forma especial à banca, no nome da professora Elisa Machado e do professor Tadeu Feitosa, cujas contribuições realizadas na qualificação desta pesquisa foram de imensa importância. Bem como a disponibilidade dos professores Jefferson Veras e Jonathas Carvalho, que aceitaram participar como integrantes suplentes.

Às equipes de responsáveis pelas bibliotecas comunitárias “Criança Feliz” e “Sorriso da Criança”, que abriram suas portas para a realização desta pesquisa, de forma tão generosa e acolhedora. E aos participantes das oficinas realizadas nas bibliotecas comunitárias, que se colocaram à disposição para a realização desta pesquisa.

À minha querida amiga Giordana, que com certeza foi um presente de Deus dado a mim nesse mestrado. Pela atenção, carinho e paciência, por sua companhia nos momentos intensos e nos desafios vividos durante o curso.

À Mayara, Raquel e Damaris, amigas que ajudaram a fazer essa jornada bem mais leve e divertida. E à Adriana, cujo apoio foi tão importante nesses momentos.

Aos professores e professoras do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da UFC, que além de nos repassar seus saberes e informações, foram compreensivos e pacientes.

À querida Veruska, cujos atributos vão além da competência profissional, se estendendo ao seu jeito amável e generoso de nos acolher e ajudar.

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Aos colegas da primeira turma do mestrado em Ciência da Informação, cujo afeto foi um forte auxílio nessa empreitada acadêmica.

Aos servidores e funcionários do departamento de Ciência da Informação da UFC, que se mostraram sempre tão atenciosos.

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RESUMO

Visa apresentar a perspectiva da biblioteca comunitária como mediadora e difusora da memória coletiva da comunidade. Nesse sentido, apresenta como estudo empírico as bibliotecas comunitárias Criança Feliz e Sorriso da Criança, localizadas na cidade de Fortaleza, Ceará. O objetivo norteador da pesquisa foi averiguar de que maneira essas bibliotecas têm atuado como espaços promotores da memória coletiva e se são reconhecidos dessa forma pelos moradores dos espaços onde estão localizadas. Consoante a este objetivo, foram realizadas investigações acerca das principais características das comunidades, bem como sobre as atividades desenvolvidas pelas bibliotecas e seus acervos, buscando averiguar se estes remetem para uma atuação voltada à difusão da memória e cultura local. Ademais, buscou-se identificar como ocorre a relação entre biblioteca e comunidade, e a forma como as ações daquela reverberam no imaginário dos moradores destes locais. Configurando-se como uma pesquisa de cunho qualitativo, exploratório e bibliográfico, são discutidos temas relacionados à memória, comunidade e biblioteca, observando-se em cada um deles seus aspectos conceituais, teóricos, históricos e contemporâneos, articulando junto a estes, discussões acerca da cultura, identidade, cotidiano, pertencimento, dentre outros. Apoiados pelos pressupostos metodológicos da etnografia e da técnica da história oral, a pesquisa se caracteriza como um empreendimento de imersão e interpretação do lócus em que se inserem as bibliotecas supracitadas, de modo a contemplá-las sob a perspectiva da biblioteca comunitária, atuando como interlocutora de memórias coletivas. Para tanto, utilizou-se como recursos metodológicos a observação participante, entrevistas focalizadas com os gestores e a realização de oficinas discursivas com os moradores adultos e idosos. A partir deste estudo, foi possível identificar o papel cultural e memorial desses espaços, evidenciados de modo especial por meio de duas ações, o projeto Tecendo Memórias, realizado pela Biblioteca Comunitária Sorriso da Criança, e o projeto Histórias e Quintais, organizado em parceria com a Biblioteca Comunitária Criança Feliz. Tais projetos, evidenciaram o caráter dialógico e plural possibilitado na atuação da biblioteca comunitária como mediadora das memórias, identidades e saberes do cotidiano.

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ABSTRACT

It aims to present the perspective of the community library as mediator and diffuser of the collective memory of the community. In this sense, it presents as an empirical study the community libraries Criança Feliz and Sorriso da Criança, located in the city of Fortaleza, Ceará. The objective of the research was to investigate how these libraries have acted as spaces that promote collective memory and are recognized in this way by the residents of the spaces where they are located. According to this objective, investigations were carried out on the main characteristics of the communities, as well as on the activities developed by the libraries and their collections, seeking to ascertain if they refer to an action focused on the diffusion of the local memory and culture. In addition, we sought to identify how the relationship between library and community occurs, and how the actions of the same reverberates in the imaginary of the residents of these places. Setting up a qualitative, exploratory and bibliographic research, topics related to memory, community and library are discussed, observing in each one of them its conceptual, theoretical, historical and contemporary aspects, articulating with them, discussions about the culture, identity, daily life, belonging, among others. Supported by the methodological presuppositions of ethnography and the technique of oral history, the research is characterized as an immersion and interpretation project of the locus where the above mentioned libraries are inserted, in order to contemplate them from the perspective of the community library acting as interlocutor of collective memories. For this purpose, participant observation, focused interviews with managers and the holding of discursive workshops with adults and elderly people were used as methodological resources. From this study, it was possible to identify the cultural and memorial role of these spaces, evidenced in a special way by means of two actions, the Tecendo Memórias project, carried out by the Biblioteca Comunitária Sorriso da Criança, and the Histórias e Quintais project, organized in partnership with the Biblioteca Comunitária Criança Feliz. These projects demonstrated the dialogical and plurality of the community library as a mediator of memories, identities and everyday knowledge.

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LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

a.C Antes de Cristo

BCCF Biblioteca Comunitária Criança Feliz BCSC Biblioteca Comunitária Sorriso da Criança

CD Compact Disc

CI Ciência da Informação C&A Clemens e August DVD Digital Versatile Disc

EJA Educação de Adultos e Idosos

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IDH Índice de Desenvolvimento Humano

IFLA Federação Internacional de Associações e Instituições de Bibliotecas IPECE Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará

ONGs Organizações Não Governamentais ONU Organização das Nações Unidas

PMLLLB Plano Municipal do Livro, Leitura, Literatura e Biblioteca PROCIF Projeto Comunitário Criança Feliz

SECULT Secretária de Cultura

SENAC Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial SESC Serviço Social do Comércio

TIC Tecnologias de Informação e Comunicação UFC Universidade Federal do Ceará

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Comparativo entre Bibliotecas Públicas e Bibliotecas

Comunitárias... 70

Quadro 2 – Bibliotecas Comunitárias de Países Desenvolvidos... 71

Quadro 3 – Bibliotecas Comunitárias de Países em Desenvolvimento... 72

Quadro 4 – Quadro Teórico da Pesquisa Bibliográfica... 84

Quadro 5 – Aplicações Metodológicas aos Objetivos da Pesquisa... 88

Quadro 6 – Relação dos Participantes das Entrevistas... 89

Quadro 7 – Faixa Etária da População dos Bairros... 103

Quadro 8 – Caracterização dos Participantes das Oficinas... 140

Quadro 9 – Aspectos da Biblioteca Comunitária como Território de Memória 150 Quadro 10 – Aproximações com o conceito “Território de Memória”... 151

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 – Processos da Análise e Interpretação dos Dados... 93

Imagem 1 – Conjunto Habitacional Castelo Branco, Presidente Kennedy... 95

Imagem 2 – Antiga Feira do Jardim Iracema... 97

Imagem 3 – Rua Planalto, Presidente Kennedy... 101

Imagem 4 – Rua Gaudioso de Carvalho, Jardim Iracema... 102

Imagem 5 – Mediação de Leitura realizada na BCSC... 110

Imagem 6 – Mediação de Leitura realizada na BCCF... 110

Imagem 7 – Pé na Rua, outubro de 2017... 111

Imagem 8 – I Tecendo Memórias... 117

Imagem 9 – IV Tecendo Memórias... 118

Imagem 10 – Baile nos Quintais... 121

Imagem 11 – Histórias e Quintais, setembro de 2017... 122

Imagem 12 – Histórias e Quintais, dezembro de 2017... 122

Imagem 13 – Pé na Rua, outubro 2017... 122

Imagem 14 – Histórias e Quintais, dezembro de 2016... 128

Imagem 15 – A Recordação e os Objetos... 131

Imagem 16 – Oficina Realizada na Biblioteca Comunitária Sorriso da Criança.... 141

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO... 14

2 MEMÓRIA: interlocuções históricas, conceituais e teóricas... 20

2.1 Contextualização histórica e contemporânea da memória... 20

2.2 As diferentes faces de Mnemosyne... 25

2.3 Enlaces entre memória e Ciência da Informação... 33

2.3.1 Entrelaçamentos conceituais... 35

2.3.2 Os estudos da memória na historicidade da Ciência da Informação ... 39

2.4 Memória e cultura na construção da identidade ... 42

2.5 Lugares de recordação e identificação: a memória e a biblioteca... 49

3 COMUNIDADE E BIBLIOTECA: convergências de memórias e saberes... 54

3.1 Comunidade: reflexões conceituais e contemporâneas... 55

3.2 As marcas da memória na comunidade... 62

3.3 Biblioteca Comunitária: reflexões acerca das discussões conceituais... 68

3.3.1 A construção do conceito... 69

3.3.2 Os serviços e os usuários da biblioteca comunitária... 75

3.4 A biblioteca comunitária no território da memória... 78

4 METODOLOGIA DA PESQUISA... 83

4.1 A etnografia: aspectos conceituais e teóricos acerca do método... 85

4.2 O processo de coleta de dados ... 87

4.3 Apresentação e Análise dos Dados... 92

5 OS CENÁRIOS DA PESQUISA: as comunidades e as bibliotecas comunitárias... 94

5.1 As comunidades dos bairros Presidente Kennedy e Jardim Iracema... 94

5.2 As bibliotecas comunitárias “Sorriso da Criança” e “Criança Feliz”... 104

5.2.1 Os caminhos percorridos... 104

5.2.2 Aspectos relacionados à gestão... 106

5.2.3 Os serviços e os usuários das bibliotecas... 109

6 O ENCONTRO ENTRE MEMÓRIA, BIBLIOTECA E COMUNIDADE... 115

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6.1.1 O projeto Tecendo Memórias... 116

6.1.2 O projeto Histórias e Quintais... 119

6.2 Expressões da memória, cultura e identidade através da biblioteca comunitária... 125

6.2.1 A memória e o acervo da biblioteca comunitária... 125

6.2.2 A memória e a oralidade nas bibliotecas comunitárias... 130

6.3 A biblioteca comunitária e a memória coletiva no imaginário da comunidade 139 6.4 Interlocuções com o conceito de território de memória... 149

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS... 153

REFERÊNCIAS... 156

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1 INTRODUÇÃO

Alguém poderia objetar que quanto mais a obra tende para a multiplicidade dos possíveis mais se distância daquele unicum que é o self de quem escreve, a sinceridade interior, a descoberta de sua própria verdade. Ao contrário, respondo, quem somos nós, quem é cada um de nós senão uma combinatória de experiências, de informações, de leituras, de imaginações? Cada vida é uma enciclopédia, uma biblioteca, um inventário de objetos, uma amostragem de estilos, onde tudo pode ser continuamente remexido e reordenado de todas as maneiras possíveis.

(Ítalo Calvino)

Memória, Biblioteca e Comunidade já possuem separadamente um cabedal de perspectivas que as inscrevem como objeto filosófico, social e antropológico de variadas áreas do saber, como a Biblioteconomia, Ciência da Informação, Sociologia, Antropologia, História, Psicologia, para citar algumas. O olhar direcionado ao estudo ora apresentado recai justamente sob à multiplicidade de diálogos e possibilidades que advêm da reunião desses três elementos, mediada pela biblioteca comunitária. O ponto central se volta à descoberta de como essa reunião acontece. Para isso, apresenta-se como estudo empírico, a Biblioteca Comunitária Sorriso da Criança, situada no bairro Presidente Kennedy, e a Biblioteca Comunitária Criança Feliz, localizada no bairro Jardim Iracema, ambas na cidade de Fortaleza, Ceará.

No contexto brasileiro, as bibliotecas comunitárias podem ser caracterizadas como projetos sociais, oriundos de iniciativas de comunidades, que se estabelecem a partir de uma gestão autônoma e participativa. Têm, dentre seus objetivos, possibilitar ou expandir o acesso à informação, ao livro e à leitura, ferramentas necessárias e indispensáveis para que os indivíduos possam exercer sua cidadania. Essas bibliotecas se inserem em cenários muitas vezes de exclusão social, periferias e zonas rurais, mas que apresentam também grande riqueza de cultura, histórias e diversidade (MACHADO, 2008).

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possibilidade desses espaços serem locais de promoção e mediação da memória e da cultura local.

Atendendo a esse direcionamento, revelou-se imperativo realizar intersecções teóricas envolvendo principalmente os estudos da memória; dando ênfase ao seu caráter social, o qual teve como ponto de partida as teorias defendidas por Maurice Halbwachs (2003), para quem a memória é vista como elemento inerentemente social e coletivo. Congrega-se a esta perspectiva, estudos ligados à cultura, identidade, comunidade e aos cotidianos, de modo a revelá-los em interação com a biblioteca comunitária.

O cenário e a problemática nos quais se situam as perspectivas levantadas neste estudo, perpassam pela forma como na sociedade contemporânea os conceitos de memória, comunidade e biblioteca têm sido ressignificados pela atual conjuntura social. Não obstante, torna-se possível perceber os efeitos dessa conjuntura se reverberar em ações como as das bibliotecas comunitárias, destacando-se aqui, o formato dessas iniciativas encontradas em território brasileiro.

A dinâmica social contemporânea tem sido caracterizada por diversos filósofos e teóricos, dentre eles Bauman (2003) e Hall (2003), como sendo o resultado da Modernidade, do Capitalismo, da Globalização, e ainda, da profusão das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) na sociedade. Juntos, esses elementos serão personagens de grande influência naquilo que hoje se conhece como: “Sociedade da Informação”, “Sociedade da Aprendizagem”, “Pós-modernidade”, “Modernidade Tardia”, “Sociedade em Rede”, “Sociedade do Conhecimento”, entre outros nomes.

Seja qual for o nome dado à sociedade atual, os estudiosos que vêm, nas últimas décadas, se debruçando sobre os estudos da memória social, têm suas ideias próximasem um aspecto: temos convivido nos últimos tempos com uma vontade de memória (NORA, 1993), e o que Candau (2016) chamará de febre da memória. Sendo estas, o resultado do deslocamento das formas tradicionais das relações sociais, para formas mais efêmeras e pouco ligadas às tradições. Sentimentos esses que serão traduzidos na tendência atual pelo patrimonialismo e a criação de lugares de memória (NORA, 1993).

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viver coletivamente, parecendo se sobrepor a tudo isso, trouxe o surgimento de novas formas de comunidade para, de certa maneira, “saciar” essa vontade por viver na segurança promovida por uma vida gregária.

Não fugindo a essa realidade, as bibliotecas comunitárias serão produtos dessa valorização do sentimento gregário, sendo também fruto de uma vontade de conhecer a memória coletiva e a história local. Para além desses aspectos, as bibliotecas comunitárias estão inseridas numa luta pela democratização da informação e da leitura, como formas de fortalecimento e desenvolvimento do local em que se inserem (MACHADO, 2008). Localizadas em zonas periféricas e/ou rurais, essas bibliotecas irão mesclar conhecimentos da cultura erudita com a cultura popular (FEITOSA, 2014), atuando como projetos sociais inseridos em realidades muitas vezes de desigualdade, violência e vulnerabilidade social.

O estudo etnográfico realizado nas bibliotecas comunitárias “Criança Feliz” e “Sorriso da Criança”, permitiu refletir sobre a problemática acima citada, assim como outras questões e problemáticas próprias de cada contexto. A mais eminente entre elas, porém, foi a questão da violência, a qual vem influenciando fortemente nas dinâmicas sociais dos contextos estudados, bem como no posicionamento e na maneira de atuação dessas bibliotecas. Não obstante, observa-se também a existência de uma riqueza cultural de memórias e tradições que se misturam com as histórias de cada bairro. Em atenção a isto, buscou-se analisar se a atuação das bibliotecas pesquisadas, promove a memória de suas localidades.

Buscando, então, essa compreensão, foram propostos os seguintes questionamentos para a pesquisa: de que maneira as Bibliotecas Comunitárias Criança Feliz e Sorriso da Criança, situadas nos bairros Jardim Iracema e Presidente Kennedy, respectivamente, na cidade Fortaleza/Ceará, têm atuado como espaços promotores da memória coletiva e se são reconhecidos dessa forma pelos moradores das comunidades onde estão localizadas?

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Voltando-se agora aos porquês e aos elementos que compõe a justificativa desta pesquisa, pode-se dizer que ela é fruto de sentimentos de identificação e de memórias pessoais e coletivas. Pode-se dizer também, que o que conduziu a realização deste estudo encontra-se em um sentido semelhante ao que Calvino (1990, p. 138) fala no seguinte trecho: “quem é cada um de nós senão uma combinatória de experiências, de informações, de leituras, de imaginações? Cada vida é uma enciclopédia, uma biblioteca, um inventário de objetos, uma amostragem de estilos.”

Assim, esta pesquisa é resultado de uma história pessoal cujo início se deu a partir das experiências vividas enquanto estudante do curso de Biblioteconomia, na Universidade Federal do Ceará. A participação como bolsista do Projeto de Extensão Ler Para Crer: oficinas itinerantes para implantação de bibliotecas comunitárias nos municípios cearenses, fez nascer o interesse em estudar acerca das dinâmicas que envolvem as bibliotecas comunitárias e seus movimentos por meio da realização do Trabalho de Conclusão do Curso (TCC) da graduação.

Adentrar neste universo de pesquisa dos contextos locais e suas bibliotecas, investigar e analisar empiricamente a existência de ações socioeducativas que se realizam nesses espaços, causou grande encantamento diante da constatação da importância que as bibliotecas têm para o fortalecimento e inclusão dos indivíduos em suas comunidades. Mediante essa pesquisa, foram identificadas diversas ações desenvolvidas pelas bibliotecas, tanto no âmbito cultural, quanto educacional e de bem-estar social.

Outra motivação encontra-se em um encantamento pessoal relativo à proposta da biblioteca como território de memória. Bem como, a possibilidade de conhecer a história local através da biblioteca, de revisitar histórias a partir do ponto de vista de quem vive e viveu a realidade local, o que contrasta com a forma apresentada nas disciplinas de História durante a formação escolar que, na maioria dos casos, focaliza a história do país e do estado, mas poucas vezes a história da cidade, do bairro, do local onde de fato se vive. Reclusa na memória dos pais, avós, bisavós, encontra-se a história e a identidade local que, muitas vezes não se conhece e, com eles, essas memórias submergem no esquecimento. Existe, infelizmente, uma escassez de investimentos ou iniciativas de entidades públicas em preservar e difundir essas memórias, reforçando ainda o quão é relevante o papel da biblioteca comunitária, como local propício à promoção e à preservação das memórias locais.

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as pesquisas envolvendo esse tipo de biblioteca tenham aumentado nos últimos anos, existe ainda a necessidade da realização de maior número de estudos que abordem a temática das bibliotecas comunitárias, haja vista que junto a ela muitas outras perspectivas temáticas podem ser exploradas, como questões sobre desenvolvimento local, inclusão informacional, letramento e várias outras.

Desse modo, por meio deste estudo, objetiva-se oferecer momentos de diálogos teóricos que envolvam não só as áreas da Ciência da Informação e Biblioteconomia, mas também da História, Educação, Psicologia, dentre outras. Outrossim, espera-se ensejar nos contextos e bibliotecas pesquisadas, discussões quanto à importância da promoção da memória e cultura para o desenvolvimento local.

Isto posto, o objetivo geral deste estudo consistiu em: averiguar como as Bibliotecas Comunitárias Criança Feliz e Sorriso da Criança, situadas nos bairros Jardim Iracema e Presidente Kennedy, respectivamente, têm atuado como espaços promotores da memória coletiva, se são reconhecidas dessa forma pelos moradores das comunidades.

E, subjacentes a este objetivo, articularam-se também os seguintes objetivos específicos:

a) Traçar um perfil das comunidades em que se inserem as bibliotecas comunitárias; b) Fazer levantamento nos acervos das bibliotecas comunitárias Criança Feliz e Sorriso

da Criança para verificar a existência de obras que auxiliem nas discussões sobre memória e a sua importância para a comunidade;

c) Identificar a existência de ações realizadas pelas bibliotecas pesquisadas que promovam as memórias das comunidades em que se inserem;

d) Investigar como se dá a interação entre as bibliotecas e as comunidades, bem como a percepção dos moradores, especialmente os mais antigos, acerca da biblioteca e de sua contribuição para a preservação e difusão da memória local;

e) Verificar, junto aos usuários das bibliotecas, como ocorrem as relações de pertencimento e apropriação da biblioteca.

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Dando continuidade as discussões teóricas, no capítulo 3, apresentam-se reflexões acerca dos conceitos de comunidade e biblioteca comunitária, trazendo junto a estes, questões envolvendo temas como cultura, as marcas da memória nos cotidianos, a possibilidade de a biblioteca comunitária atuar como centro de cultura e fomento das memórias comunitárias.

No capítulo 4, são apresentadas as perspectivas metodológicas da pesquisa, a qual foi guiada pela perspectiva qualitativa e exploratória, bem como, pelos pressupostos metodológicos da etnografia, combinada à metodologia da história oral. Apresenta, também, os processos de coleta de dados, os quais foram compostos mediante: a observação participante nas atividades desenvolvidas pelas bibliotecas comunitárias “Sorriso da Criança” e “Criança Feliz”; as entrevistas focalizadas com as equipes gestoras das bibliotecas; e a organização e realização de oficinas discursivas com os moradores adultos e idosos, participantes das atividades desenvolvidas pelas referidas bibliotecas. O processo de interpretação e apresentação dos dados coletados buscou integrar os aspectos da análise de tipo descritiva e teórica.

O capítulo 5 destina-se à apresentação dos contextos em que estão localizadas as bibliotecas comunitárias analisadas, dando-se ênfase aos aspectos históricos, sociais e demográficos dos bairros Presidente Kennedy e Jardim Iracema. Este momento, se destinou, ainda, a apresentar as principais características das bibliotecas comunitárias “Sorriso da Criança” e “Criança Feliz”, principalmente no que se refere à criação, gestão e serviços oferecidos por elas.

Uma vez realizada a introdução aos cenários, o sexto capítulo se debruça sobre o encontro entre memória, biblioteca e comunidade, sobre o qual, podemos identificar: os principais movimentos de busca pelas memórias comunitárias mediante a atuação das bibliotecas; as expressões da memória e cultura local percebidas através dos acervos e das narrativas dos moradores; o imaginário dos moradores adultos e idosos acerca da biblioteca comunitária e de sua contribuição para o fomento da memória e cultura local; e por fim, o diálogo entre os pontos identificados nas bibliotecas e a noção de biblioteca comunitária como “território de memória”, definida por Prado e Machado (2008).

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2 MEMÓRIA: interlocuções históricas, conceituais e teóricas

A memória, ao mesmo tempo em que nos modela é também por nós modelada.

(Joël Candau)

Ao falar da memória, muitos significados podem vir à mente. Entretanto, o lugar comum nessas significações volta-se, quase sempre, à possibilidade de fazer recordar acontecimentos, sensações, sentimentos, fatos, informações etc. A memória, porém, é muito mais, pois vai além de um caminho ou ponte que leva ao passado. Ela é, como a epígrafe já denuncia, o que modela e define as pessoas como cidadãos, partícipes de uma cultura e de uma história, não apenas como indivíduos, mas como sociedade. Como se operasse numa via de mão dupla, vivencia também os efeitos desse processo, ou seja, indivíduos e sociedade igualmente a transformam e modelam.

As discussões apresentadas neste capítulo se ocupam em elucidar como esse jogo entre memória e sociedade acontece, sem esquecer, obviamente, o papel do individual na construção da memória social. Primeiro, aborda-se os aspectos históricos e contemporâneos da memória, adentrando, posteriormente, em seus aspectos conceituais. Em seguida, demonstra-se a sua dinamicidade e pluralidade ao traçar aproximações teóricas entre a memória e o campo da Ciência da Informação e, ainda, a sua relação com as discussões que envolvem cultura e identidade. Concluindo, apresenta-se a forma como a memória e seus conceitos subjacentes adentram as concepções acerca da biblioteca e a sua função memorial.

2.1 Contextualização histórica e contemporânea da memória

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Contudo, antes de falar da memória no cenário atual, torna-se necessário, primeiramente, visitar, mesmo que de forma breve, os caminhos históricos pelos quais essa noção perpassa e, para isso, tem-se como principal ponto de referência o exame realizado nos estudos de Le Goff (2003).

Por meio da análise desse autor, nota-se que a história da memória se desenha mediante modificações sociais em que, algumas dessas, serão cruciais e decisivas para cada período da memória. Em suas interlocuções, Le Goff (2003) reflete que, para compreender a dinâmica histórico-memorial, é necessário, inicialmente, atentar para as diferenças existentes entre as sociedades de memória essencialmente oral e as sociedades de memória essencialmente escrita. Entretanto, é importante ressaltar que, mesmo com a criação de formas de exteriorização da memória, como a escrita, a memória oral não deixa de estar presente.

Em cada uma dessas sociedades, as formas pelas quais a memória se apresenta socialmente se alteram conforme a inserção e a criação de novos elementos de comunicação, como a invenção da escrita, da impressa e, de forma mais recente, os computadores. Tendo como pano de fundo esses dois tipos de sociedades, Le Goff (2003) sistematiza as alterações históricas da memória social em cinco fases, a saber: a memória étnica nas sociedades sem escrita, ditas “selvagens”; o desenvolvimento da memória, da oralidade à escrita, da Pré-História à Antiguidade; a memória medieval, em equilíbrio entre o oral e o escrito; os progressos da memória escrita, do século XVI aos nossos dias; e os desenvolvimentos atuais da memória.

A memória dos povos sem escrita tem na oralidade a principal forma de transmissão de saberes e tradições. Os responsáveis por essa transmissão eram os chamados homens-memória, sendo estes, os genealogistas, os historiadores da corte, e também os chefes de família, idosos, bardos e sacerdotes. Estes homens possuem, além da função de guarda e transmissão da memória, o papel de manter a coesão do grupo (LE GOFF, 2003).

Ademais, Le Goff (2003) assinala, que a transmissão dessas memórias não era realizada mediante uma memorização exata, considerando-se palavra por palavra, mas, que esse processo se dava, sobretudo, por meio de uma reconstrução criadora e não segundo uma memorização mecânica. A memória coletiva desses povos teria passado por constantes reconstruções, visto que, as narrativas eram repassadas por aqueles a quem se destinara o labor da recordação.

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possui, segundo a crença, o antídoto do esquecimento. A deusa da memória, “permite unir aquilo que fomos ao que somos e ao que seremos” (CANDAU, 2016, p. 59), ou seja, através das lembranças, a mesma permite revisitar o passado, compreender o presente e interferir no futuro.

O desenvolvimento da memória, desde a oralidade à escrita, ocorre de formas e tempos diferentes nas diversas sociedades e grupos étnicos. Nas grandes civilizações, como, Mesopotâmia, Egito e China, o surgimento da escrita está relacionado principalmente à necessidade de registrar as distâncias, as datas, os dados do comércio e a memória dos reis. Regiões com grande fluxo de comércio, como Egito e Mesopotâmia passam a acumular muitos dos registros dessas atividades e, em consequência, criam-se lugares especificamente para guardá-los; são os arquivos, as bibliotecas e os museus, e dentre estes, está a célebre biblioteca de Assubarnipal, em Nínive, datada de dois mil anos antes de nossa era (LE GOFF, 2003).

Dentre os primeiros suportes de escrita estão materiais como: pedra, mármore, osso, pele e, mais adiante, criam-se suportes especificamente para uso de registro, como papiro, pergaminho e papel. O uso desses materiais tem duas principais funções, o primeiro deles é de armazenamento de informações, que permite comunicar através do espaço e do tempo; e o segundo, o de possibilitar reorganizar e reexaminar informações (LE GOFF, 2003).

A escrita traz profundas modificações na memória coletiva, dentre estas, está o aparecimento dos processos mnemotécnicos e a memorização palavra por palavra. Esse fato soa contraditório, visto que, mesmo com a invenção da escrita, que vem acompanhada por uma “promessa” de ser uma extensão da memória humana, passa a ser constante a preocupação de memorizar informações. Enquanto, que, como se pode ver, nas sociedades sem escrita não existia uma preocupação em memorizar de forma exata informações e fatos (LE GOFF, 2003; CANDAU, 2016).

Com a criação da imprensa de Gutemberg, por volta do século XV, as formas de comunicação da memória se aproximam cada vez mais da forma escrita. Até então, as diferenças entre a transmissão da memória pela oralidade e pela escrita eram bem menos acentuadas. Através da imprensa, a memória coletiva se prende ao suporte físico, dessa maneira, são difundidas as formas de apreensão do conhecimento pela leitura do texto escrito. (LE GOFF, 2003)

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no século XX, sobretudo, depois da década de cinquenta, que acontece mais uma grande revolução da memória, dessa vez, causada pela invenção do computador. Advindos das máquinas de calcular criadas no decurso da Segunda Guerra Mundial, os computadores inauguram novas formas de registrar e transmitir a memória coletiva. Trazendo promessas ainda maiores do que a invenção da escrita de expandir as possibilidades de registro, transmissão e fortalecimento da memória humana (LE GOFF, 2003).

De acordo com Candau (2016), esses prenúncios não têm se refletido na realidade contemporânea, pois, a grande profusão de registros informacionais, uma das principais características da modernidade, não garante ou reforça as memórias coletivas, mas, pode apresentar o efeito contrário, haja vista que, “a erosão de memórias coletivas pode estar correlacionada com a multiplicação de memórias mecânicas.” (2016, p. 114). Assim, as memórias artificiais, ao invés de auxiliarem a memória coletiva, podem estar contribuindo para o “esquecimento” destas. Para reforçar sua argumentação, o autor cita que, “calcula-se que uma edição de fim de semana do The New York Times contenha muito mais informações do que uma pessoa comum, vivendo na Inglaterra no século XVII, pudesse encontrar ao longo de sua existência ” (CANDAU, 2016, p. 113).

Assim, as discussões que envolvem a memória no cenário contemporâneo têm sido cada vez mais ligadas às questões referentes a uma crise memorial e de identidade social. A sociedade contemporânea, segundo Candau (2016), vive uma espécie de mnemotropismo, a febre de uma busca pela memória, que seria resultado de uma tensão identitária, própria dos tempos atuais.

Essa perspectiva levantada por Candau (2016) vai ao encontro de uma corrente historiográfica francesa, localizada especialmente nas últimas três décadas, a qual pertencem, dentre outros teóricos, Le Goff (2003) e Nora (1993). Para o primeiro desses, “a memória coletiva faz parte das grandes questões das sociedades desenvolvidas e das sociedades em vias de desenvolvimento. ” (2003, p. 469). Segundo esse autor, isso acontece porque a memória “é um elemento essencial do que se costuma chamar de identidade, individual ou coletiva, cuja busca é uma das atividades fundamentais dos indivíduos e das sociedades de hoje, na febre e na angústia ” (LE GOFF, 2003, p. 469).

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A curiosidade pelos lugares onde a memória se cristaliza e se refugia está ligada a este momento particular da nossa história. Momento de articulação onde a consciência da ruptura com o passado se confunde com o sentimento de uma memória esfacelada, mas onde o esfacelamento desperta ainda memória suficiente para que se possa colocar o problema de sua encarnação. Sentimento de continuidade torna-se residual aos locais. Há locais de memória porque não há mais meios de memória. (NORA, 1993, p.7)

Para Nora (1993), os lugares de memória são hoje necessários porque a memória não habita o cotidiano como antes habitava. A memória acontecia nos rituais, nos valores, nas tradições, estava sempre presente e era concretizada em ações do dia a dia. A sua ausência no cotidiano leva à necessidade de construir lugares de memórias, lugares que remetem às histórias, vivências e tradições (NORA, 1993).

Uma das razões para essa crise estaria no que Bauman (2001) chama de efeitos de uma modernidade líquida. Para ele, a sociedade moderna vive momentos de fluidez, de relações e acontecimentos governados pela efemeridade, pelo banal. Ao fazer uma analogia da realidade social com a liquidez, o autor explica que, o estado líquido, diferente do estado sólido, não suporta uma força tangencial ou deformante quando imóvel e assim sofre uma constante mudança de forma quando submetido a tensão. “O que todas essas características dos fluidos mostram, em linguagem simples, é que os líquidos, diferentemente dos sólidos, não mantêm sua forma com facilidade ” (BAUMAN, 2001, p.8).

Entendendo então a diferença entres os estados sólido e líquido posta pelo autor, a analogia da modernidade líquida, ilustra que a modernidade se caracteriza pela flexibilidade, pela inconstância e por um caráter heterogêneo. Na percepção do autor, o que está acontecendo hoje é, por assim dizer, uma redistribuição e realocação dos “poderes de derretimento” da modernidade (BAUMAN, 2001, p.13).

Para Giddens (1991, p. 10), esse movimento de rompimento, de descontinuidade, esteve presente em várias fases do desenvolvimento histórico. Entretanto, os modos de vida desenvolvidos na modernidade “nos desvencilharam de todos os tipos tradicionais de ordem social, de uma maneira que não tem precedentes. ”

Pode-se afirmar que a ideia de tradição contrasta com a ideia de modernidade. No sentido empregado por Giddens (1991), a tradição é uma “maneira de lidar com o tempo e o espaço, que insere qualquer atividade ou experiência particular dentro da continuidade do passado, presente e futuro, sendo estes por sua vez estruturados por práticas sociais recorrentes ” (GIDDENS, 1991, p. 37).

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passado, exceto na medida em que o que "foi feito antes" por acaso coincide com o que pode ser defendido de uma maneira proba à luz do conhecimento renovado ” (GIDDENS, 1991, p. 39).

Refletindo acerca da problemática que envolve a memória no cenário contemporâneo, Candau (2016), em tom conciliador, comenta que é preciso deter atenção não em um desaparecimento da memória coletiva, mas, na sua transformação; pois, mesmo que distanciada das formas tradicionais, essa memória não deixa de existir. E, portanto, caberá ao antropólogo contemporâneo, “fazer o inventário das novas formas com as quais se revestem as memórias mutáveis, móveis, eletivas, não tão grandes e menos fortes que as de antigamente, mas sempre vivas, tanto no presente como no passado, em nossa sociedade, como em outras ” (CANDAU, 2016, p. 194).

O que pode ser compreendido por meio desse breve olhar sobre os tempos da memória é que, na evolução das sociedades, desde os povos sem escrita até os domínios contemporâneos, a memória coletiva se transmuta e renasce a cada nova etnia e nova sociedade que se funda, bem como a cada nova ação do homem sobre os espaços. O que mais se sobressai a tudo isto, é que a memória acompanha e se adequa ao ritmo coletivo em que habita, como parte de um corpo social.

Com efeito, a memória é realmente um caso intrigante a se estudar. O exame feito por Le Goff (2003) e contemporaneamente por diversos outros autores, testemunham a favor da concepção que a memória está de tal forma imbricada à sociedade que não é possível dissociá-las, e tudo aquilo que afeta o construto social também irá afetá-la. Destarte, essas primeiras perspectivas históricas escolhidas para encaminhar os temas discutidos neste capítulo, denunciam que a memória é, sobretudo, dinâmica. E, por esta razão, existem diferentes maneiras de revisitar e compreender Mnemosyne.

2.2 As diferentes faces de Mnemosyne

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De antemão, é necessário esclarecer que o intuito das discussões não está voltado a demostrar uma supremacia de um conceito em detrimento de outro; busca-se, sobretudo, evidenciar a pluralidade de entendimentos e olhares que a memória recebe.

Todavia, antes de adentrar na seara das concepções da memória, torna-se necessário evidenciar algumas fronteiras conceituais no que tange à memória e à história, haja vista que, muitas vezes, esses termos são tomados como semelhantes, ou mesmo equivalentes. Essas demarcações conceituais são destacadas por Halbawchs (2003), para quem não se pode confundir memória e história, pois, segundo ele, a primeira pertence ao próprio movimento humano em seus atos de recordação vividos em um presente pelos indivíduos e grupos, permitindo que estes, a partir de seus pontos de vista, busquem no passado as suas lembranças, enquanto que,

A história é a compilação dos fatos que ocuparam maior lugar nas memórias dos homens. No entanto, lidos nos livros, ensinados e aprendidos nas escolas, os acontecimentos passados são selecionados, comparados e classificados necessidades ou regras que não se impunham aos círculos dos homens que por muito tempo foram seu repositório vivo. Em geral a história só começa no ponto em que termina a tradição, momento em que se apaga ou decompõe a memória social. (HALBWACHS, 2003, p. 100)

Imbuído desse entendimento, Nora (1993) esclarece que a memória está enraizada em todos os processos que envolvem indivíduo e sociedade. Dessa forma, seria sempre viva, e independentemente do tempo cronológico. Enquanto que a história se debruça no que passou, no que está encerrado no passado, e que ela própria se incube de nomear como passado, como algo finito. Para o autor, “a memória se enraíza no concreto, no espaço, no gesto, na imagem, no objeto. A história só se liga às continuidades temporais, às evoluções e às relações das coisas. A memória é um absoluto e a história só conhece o relativo ” (NORA, 1993, p. 9).

Pelas afirmativas de Halbawchs (2003) e de Nora (1993), as diferenciações entre memória e história residem na forma como, em geral, a primeira toma para si o labor (de caráter científico) de registrar e contar os fatos passados, obedecendo a uma ordem cronológica, dando especial foco àquilo que não foi vivenciado pelas gerações do presente. Essas afirmativas, permitem compreender que o que a história apresenta é uma memória daquilo que já passou; diferente da memória, que é relativa ao ato de rememorar fatos, sensações ou acontecimentos por meio de uma “busca” no passado, mas que acontece sempre em diálogo com o presente.

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primeiro advindo de uma tradição do olhar interior, originário das teorias de Santo Agostinho, e o segundo, em um olhar exterior, o qual será inaugurado pelo trabalho de Halbwachs, entre as décadas de 20 e 30 do século XX.

Visitando, inicialmente, o entendimento que pode ser considerado lugar comum quando remete-se ao termo memória, à tradição do olhar interior da memória. Recorrentes na linguagem do senso comum e nos estudos que se voltam aos aspectos psicológicos da memória, esse olhar costuma ressaltar, na reflexão de Ricoeur (2007), três principais traços. O primeiro deles encontra-se na singularidade da memória como algo inerente ao ser humano, vivenciado pelo sujeito e intransferível para outro indivíduo. Seguindo-se de um vínculo importante que a memória permite com o passado, a capacidade de relembrar eventos passados nos quais se situa o sujeito. E, o terceiro traço destacado, reúne discursos que indicam que é pela memória que o indivíduo se orienta quanto à passagem do tempo.

Nesse olhar interior, surgido com Santo Agostinho em Confissões, o filósofo contempla a memória sob o aspecto da recordação que se dá por meio da cognição humana, que o autor chama de os “vastos palácios da memória”. Em seus escritos, se refere às capacidades cognitivas como meios pelos quais pode-se realizar atos de reminiscências daquilo que foi sentido e vivenciado. Para o autor, essas lembranças são feitas de imagens que representam acontecimentos, fatos, informações e percepções contidas na mente. Todavia, nesse processo, algumas dessas lembranças se apresentam mais facilmente, e outras, só emergem após uma busca minuciosa, como destacado a seguir:

Chego aos vastos campos e vastos palácios da memória onde estão tesouros de inumeráveis imagens trazidas por percepções de toda espécie. Aí está também escondido tudo o que pensamos, quer aumentando quer diminuindo ou até variando de qualquer modo os objetos que os sentidos atingiram. Enfim, jaz aí tudo o que lhes entregou e depôs, se é que o esquecimento ainda não absorveu e sepultou. Quando lá entro mando comparecer diante de mim todas as imagens que quero. Umas apresentam-se imediatamente, outras fazem-me esperar por mais tempo, até serem extraídas, por assim dizer, de certos receptáculos ainda mais recônditos. (SANTO AGOSTINHO, 2000, p. 266-267)

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que se dá através dos movimentos motores, orientados por um sentido de natureza e, de certa forma, realizados inconscientemente pelo sujeito. Em outra direção, o segundo tipo de memória são as imagens-lembranças que o sujeito busca voluntariamente em sua mente, são lembranças “pessoais que desenham todos os acontecimentos dele com seu contorno, sua cor e seu lugar no tempo ” (BERGSON, 2010, p. 97).

As imagens-lembranças de Bergson (2010) se assemelham à descrição de Santo Agostinho (2000) acerca da memória, quando afirma que: “o que vêm à nossa memória não são os fatos em si, que já deixaram de existir, mas as palavras que exprimem as imagens dos fatos, que, através de nossos sentidos, gravaram em nosso espírito suas pegadas” (SANTO AGOSTINHO, 2000, p. 268).

O movimento de recordação nos dois autores é retratado como um ato em que se recuperam fragmentos de acontecimentos, de percepções, pertencentes ao tempo passado, mas que, pelo ato de recordação, voltam à superfície da cognição como imagens.

Reverberando em outros estudos, as reflexões realizadas por Bergson (2010) estarão presentes nas definições de memória de autores como Chauí (1994) e Candau (2016). Em Chauí (1994), a memória é identificada sob algumas tipologias, a saber: memória perceptiva ou reconhecimento, que permite reconhecer coisas, pessoas, lugares etc., e que é indispensável para a vida cotidiana; memória-hábito, que adquire-se por atenção deliberada ou voluntária e pela repetição de gestos ou palavras, até gravá-los e poderem ser repetidos sem que neles tenha que se pensar; a memória-fluxo-de-duração pessoal, que faz guardar a lembrança das coisas, fatos, pessoas, lugares, cujo significado é importante para o indivíduo, seja do ponto de vista afetivo, como do ponto de vista dos conhecimentos (CHAUÍ, 1994, p. 129).

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À luz desses estudos, percebe-se que a memória, em sua concepção cognitiva e de ordem íntima, remete a outros tipos ou níveis de memória existentes. A memória-hábito/protomemória, relativa, por exemplo, a quando se anda de bicicleta, e se acionam mecanismos motores presentes na memória cognitiva que se traduzem em movimentos sem que precise perceber criticamente como este ato ocorre graças a uma memória-hábito. Existem também as imagens-lembranças, as quais se referem a momentos onde se evocam, por vontade própria ou não, lembranças que se apresentam na mente, como quando se recorda de um fato acontecido, uma lição apreendida, uma sensação, o que pode acontecer por escolha, ou porque algum elemento direciona a essa lembrança, como uma fotografia, uma fragrância, um livro.

Em contraponto à ideia da memória pertencente particularmente ao escopo da mente humana, a concepção de memória coletiva, inaugurada pelo sociólogo Maurice Halbwachs, coloca a memória sob a égide dos quadros sociais. Até então, esta era estudada principalmente sob o prisma do sujeito e suas estruturas psíquicas. Indo em outra direção, Halbwachs (2003) funda novas bases para se pensar a memória como “parte de um processo social, em que indivíduos não são vistos como seres humanos isolados, mas interagindo uns com os outros ao longo de suas vidas a partir de estruturas sociais ” (SANTOS, 2012, p. 39).

Com Halbwachs (2003), inicia-se a tradição do olhar exterior sobre a memória e, de acordo com Ricoeur (2007, p. 130), deve-se a este autor “a audaciosa decisão de pensamento que consiste em atribuir a memória diretamente a uma entidade coletiva que ele chama de grupo ou sociedade. ”

Nessa perspectiva, o principal atributo da memória seria a sua natureza coletiva, sua constituição social. Como aluno de Bergson e estudioso de Durkheim, Halbwachs (2003) terá nesses dois teóricos os fundamentos pelos quais fundam sua teoria da memória enquanto elemento social. Focando principalmente nos fatos sociais de Durkheim, o autor apresenta a tese de que “os indivíduos se recordam de acordo com estruturas sociais que os antecedem ” (SANTOS, 2012, p. 40).

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Halbwachs (2003), no entanto, não nega a existência de uma memória individual que, segundo ele, seria aquela de ordem mais íntima, que o indivíduo carrega consigo. Não obstante, essa mesma memória não deixa de perpassar pelos grupos, de se tornar lembranças em comum. O autor reflete, ainda, que:

Contudo, se a memória coletiva tira sua força e sua duração por ter como base um conjunto de pessoas, são indivíduos que se lembram, enquanto integrantes do grupo. Desta massa de lembranças comuns, umas apoiadas nas outras, não são as mesmas que aparecerão com mais intensidade para cada um deles. De bom grado, diríamos que cada memória individual é um ponto de vista sobre a memória coletiva, que este ponto de vista muda conforme o lugar que ali eu ocupo, e que este mesmo lugar muda segundo as relações que mantenho com outros ambientes. (HALBWACHS, 2003, p. 69)

As lembranças de ordem íntima, percepções e sentimentos, serão aquelas com maior dificuldade de se recordar, ao passo que as memórias que se relacionam aos grupos podem ser mais facilmente lembradas. Conforme o autor, “os fatos e ideias que mais facilmente recordamos são do terreno do comum, [...] porque podemos nos apoiar na memória dos outros ” (HALBWACHS, 2003, p. 66-67).

O trabalho de Halbwachs (2003) irá inspirar novos estudos (especialmente nas disciplinas ligadas às Ciências Humanas e Sociais) nos quais as memórias serão vistas como parte central nas discussões envolvendo as estruturas coletivas, os processos interativos e os quadros sociais (SANTOS, 2012). Com a constituição das Ciências Sociais, o entendimento da memória como elemento social ganha força e, “desempenha papel importante na interdisciplinaridade que tende a instalar-se entre elas ” (LE GOFF, 2003, p. 466).

Dentre esses estudos, vale destacar os de Pierre Nora (1993), que define a memória de forma bastante poética, fala da mesma como fenômeno sagrado, vivido em um eterno presente, cheio de recordações, de lembranças que emergem de “um grupo que ela une, o que quer dizer que há tantas memórias quantos grupos existem; que ela é por natureza, múltipla e desacelerada, coletiva, plural e individualizada ” (NORA, 1993, p. 9).

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Entretanto, sem negar a memória enquanto elemento social, Candau (2016) diz que quanto menor e homogêneo for o grupo, mais chances de ali existirem memórias coletivas. Para ele, as “sociedades caracterizadas por um forte e denso conhecimento recíproco entre seus membros são, portanto, mais propícias à constituição de uma memória coletiva do que as grandes megalópoles anônimas ” (CANDAU, 2016, p. 45). Para os grupos maiores e de caráter heterogêneo, o autor afirma que, ao invés de um compartilhamento de memórias, existe uma socialização destas.

Quando diferencia a memória nas sociedades de tradição oral e de tradição escrita, Le Goff (2003) ressalta que o termo memória coletiva poderia ser melhor aplicado às primeiras, visto que, esses povos tinham na memória do grupo os elementos pelos quais se davam suas relações gregárias. Enquanto que, com a inserção da escrita na dinâmica social, as memórias serão confiadas muito mais aos suportes físicos do que aos membros dos grupos. Para a memória dessas sociedades, Le Goff (2003) afirma preferir a utilização da adjetivação social.

O que mais se destaca nessa concepção social/coletiva da memória é que ela é inerente aos homens, o que acontece porque estes são seres de natureza social. Para além dos antagonismos entre memória de ordem cognitiva ou social, presentes na literatura, é importante perceber, como reflete Santos (2012, p. 30), que “a memória excede o escopo da mente humana, do corpo, do aparelho sensitivo e motor e do tempo físico, pois ela também é resultado de si mesma, ela é objetivada em representações, rituais, textos e comemorações.” Ou seja, a memória é plural, ela é do indivíduo, ao mesmo tempo que é social e coletiva.

Na linha de pensamento sugerida por Ricoeur (2007), a polarização desses discursos sobre a memória (interior ou exterior) não pode ser compreendida unicamente por sua natureza antagônica, em que um deles seria o real detentor da memória verdadeira. Contudo, o autor sugere que os dois discursos possuem um campo intermediário, no qual se encontram o eu, os coletivos, e os próximos, pois, as memórias não podem ser dissociadas de uma atribuição individual, ao passo que também não podem ser vistas longe de uma relação do sujeito com os próximos que o rodeiam. O autor reflete, ainda, que o que deve importar ao investigador que enveredar pelos caminhos de Mnemosyne é, antes de tudo, saber sob qual contraponto a memória será estudada, pela “memória dos protagonistas da ação tomados um a um, ou a das coletividades tomadas em conjunto ” (RICOEUR, 2007, p. 105).

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meio de suportes e mecanismos, como a escrita, e que hoje se realiza também através de computadores e demais técnicas e instrumentos.

No entendimento de Oliveira e Rodrigues (2011, p. 216) esse tipo de memória pode ser compreendida como uma “memória adicional possibilitada por recursos tecnológicos, ou um procedimento técnico que permite sua fixação e facilita sua recuperação.”

Para Umberto Eco (2014) esse tipo de memória poderia ser também percebida pelas características minerais e vegetais dos suportes em que ela é registrada. Advinda, principalmente da invenção da escrita, a memória mineral se faz nos primeiros signos que foram gravados e esculpidos em pedras, tábuas de argila, e nas próprias formas arquitetônicas, desde as pirâmides às catedrais. A memória denominada como vegetal, recebe esse nome pois os primeiros materiais desenvolvidos especialmente para a escrita, o papiro, o papel e, até mesmo o pergaminho, possuem origem vegetal.

Numa perspectiva semelhante, Candau (2016) considera que as formas de registro do conhecimento, supracitadas pelas palavras de Eco (2014), são maneiras de exteriorização da memória, ato esse que acompanha os homens desde suas origens, quando estes deixam traços de sua cultura por meio das gravuras pré-históricas. E concordando com Le Goff (2003), afirma que teria sido a invenção da escrita e, mais ainda a imprensa, que vem possibilitando uma maior socialização da memória.

Assim, essas considerações revelam – assim como o exame histórico da memória de Le Goff (2003) – que a escrita possibilitou novas formas de transmissão e socialização da memória coletiva. Ao passo que se intensificam os usos das formas de registros, as memórias, os testemunhos, os conhecimentos dos indivíduos e grupos passam cada vez mais a estarem confiadas às formas escritas, mais do que à memória humana, como ocorria nas sociedades de tradição oral. Sobre isso, Eco (2014) vem dizer que: “hoje, os livros são os nossos velhos. Embora saibamos que erram com frequência, em todo caso nós os levamos a sério” (ECO, 2014, p. 16).

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Em síntese, compreende-se que as concepções da memória perpassam pensamentos que aparentam certa natureza antagônica, quando os discursos querem ora entendê-la sob um olhar focado no ser humano e sua capacidade cognitiva, e ora querendo lhe conferir um significado oposto, ao lhe dar como principais atributos sua pertença aos grupos e a sociedade. Ao superar essas dicotomias, é possível concordar com Nora (1993) e dizer que em essência a memória é plural e dinâmica. E, se tal como os gregos antigos, considerá-la por sua possibilidade de conectar ao passado, pode-se então reconhecê-la como Mnemosyne, a entidade divina que abre as portas para o passado.

Entre formas individuais e coletivas, é certo que a memória assume também um caráter material e físico; essa possibilidade de registro, transmissão e comunicação, como defendem os autores que citamos, foi de grande importância para os desdobramentos vividos pelas sociedades, tanto antigas, quanto modernas. Esse novo meio de apoio a recordação, insere nas sociedades novas maneiras de guardar, recordar e criar conhecimentos e informações.

Destarte, depois de evidenciada essa pluralidade de conceituações atreladas à memória, não surpreende vê-la como um objeto de estudo interdisciplinar que transita entre campos, tanto das ciências naturais como das ciências sociais e humanas. Detendo-se nessas últimas, e ainda, de maneira mais específica, na Ciência da Informação (CI), a próxima seção debruça-se no intuito de responder o seguinte questionamento: que lugar a memória ocupa no campo da CI?

2.3 Enlaces entre a memória e a Ciência da Informação

Ao visitar as origens da Ciência da Informação apresentadas por diversos teóricos do campo, como Buckland e Liu (1998), Capurro (2003) e Hjørland (2003), percebe-se que muitos destes autores concordam no seguinte aspecto: a CI nasceu interdisciplinar. O que significa que o diálogo com outros campos do saber deverá ser não só uma realidade, mas, condição sine qua non em suas práticas científicas. Para citar alguns campos com os quais a CI estabelece comunicação teórica, pode-se indicar: Biblioteconomia, Arquivologia, Museologia, Comunicação, Lógica, Psicologia, Estatística, História, Sociologia, Computação, entre outros (BENTES PINTO, 2007).

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Podemos dizer que nos reconhecemos diante de um empreendimento interdisciplinar todas as vezes em que ele conseguir incorporar os resultados de várias especialidades, que tomar de empréstimo a outras disciplinas certos instrumentos e técnicas metodológicos, fazendo uso dos esquemas conceituais e das análises que se encontram nos diversos ramos do saber, a fim de fazê-los integrarem e convergirem, depois de terem sido comparados e julgados. (JAPIASSÚ, 1976, p.75).

Também refletindo sobre esse tema, Olga Pombo (2008) diz que a interdisciplinaridade se dá por meio de três determinações, que são: a fecundação recíproca das disciplinas, pela transferência de conceitos, de problemas e métodos científicos; a aproximação das disciplinas pelo objeto de estudo, mesmo que esse objeto venha a ser visto em uma perspectiva diferenciada em cada campo; e a criação de novos objetos do conhecimento.

Desse modo, entende-se que para que uma ciência se caracterize como interdisciplinar, deve possuir com outros campos uma aproximação quanto às suas técnicas, métodos, formas de análise, partilhando também de objetos de estudo, como por exemplo, a memória, que, de acordo com Le Goff (2003), tem se constituído um elo entre os estudos de disciplinas pertencentes às Ciências Sociais e Humanas.

Voltando à CI, Bentes Pinto (2007) afirma que, o que caracteriza o referido campo são: “as possibilidades de estudar soluções para os problemas relativos à natureza, economia, produção, processamento, organização, gestão, disseminação, recuperação, recepção e uso da informação. ” (2007, p. 106). As afirmações dessa autora vão ao encontro da definição que Robredo (2003, p. 5) arroga a esta ciência, como sendo,

A disciplina que investiga as propriedades e o comportamento da informação, as forças que o fluxo da informação e os meios de processamento da informação para um máximo de acessibilidade e uso. O processo inclui a origem, disseminação, coleta, armazenamento, recuperação, interpretação e uso da informação.

Nos estudos de Capurro (2003) e Højrland (2003), é dito que a CI vem seguindo perspectivas de estudo que envolvem a informação enquanto elemento pertencente a um contexto social. Dessa forma, permite-se inferir que a CI assume estreitas relações com disciplinas como a Antropologia, a Sociologia, a Comunicação e a História.

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2.3.1 Entrelaçamentos conceituais

Pela nomenclatura “Ciência da Informação” pode ser vista de forma explícita a relação entre a CI e a informação, mas, e quanto à memória? É feita alguma discussão sobre ela na epistemologia da CI? Buscando responder a esses questionamentos, examina-se aqui algumas perspectivas conceituais envolvendo a informação, bem como, alguns dos paradigmas e abordagens presentes na referida área.

Assim como foi visto anteriormente com a memória, a informação possui diversas conceituações e entendimentos. A busca por sua definição tem sido tarefa complexa e vem sendo realizada há várias décadas com o apoio de teorias de diferentes áreas científicas. Parte-se aqui, de discussões que ocorrem no âmbito da CI.

Etimologicamente, o termo informação possui duas origens, uma latina e outra grega. Na primeira delas, o termo deriva do verbo informare, que significa dar forma, criar, e no grego, advém dos termos morphe, morfo e eidos, que significam, respectivamente, forma, ideia, aquilo que se vê. Assim, uma das características inerentes aos estudos sobre informação será as muitas faces de entendimento e definições que lhe são dadas. Wurman (1991, p. 42) chama atenção para este aspecto quando reflete que,

A palavra “informação” sempre foi ambígua e literalmente empregada para definir diversos conceitos. Os dicionários registram que a palavra tem sua raiz no latim informare[...] A definição mais comum é “a ação de informar, formação ou moldagem da mente ou do caráter, treinamento, instrução, ensinamento, comunicação de conhecimento instrutivo.

Capurro e Hjorland (2007) afirmam que o conceito de informação, cotidianamente, é usado no sentido de conhecimento comunicado. Na sistematização da conceituação de informação na CI, realizada por Capurro (2003), o autor relaciona o conceito do termo a três principais paradigmas, o Físico, o Cognitivo e o Social. O primeiro deles teve como marco a Teoria Matemática da Comunicação de Claude Shannon e Warren Weaver (1949). Dessa teoria, surge o primeiro conceito de informação incorporado pela Ciência da Informação, o qual, “implica numa analogia entre a veiculação física de um sinal e a transmissão de uma mensagem, cujos aspectos semânticos e pragmáticos intimamente relacionados ao uso diário do termo informação são explicitamente descartados por Shannon” (CAPURRO, 2003, p.7).

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existência independente dos sujeitos e dos contextos, algo possível de ser transmitido tal como é de um ponto a outro num processo de comunicação.”

De maneira semelhante, González de Gómez (2009) considera que as primeiras conceituações da informação na Ciência da Informação seguem em uma abordagem que a autora nomeia como fisicalista, que estaria relacionada ao que Capurro (2003) chamou de Paradigma Físico. Nessa abordagem, é dada ênfase ao caráter material e físico da informação, para tanto, dentre os seus estudos nessa temática, a autora lembra da designação informação-como-coisa apresentada por Buckland (1991).

Como contraponto à concepção física da informação, surge outra acepção para ela, que parte da proposta do sentido cognitivo da informação de Brookes (1977), a qual Capurro (2003) identifica como sendo pertencente ao Paradigma Cognitivo. Nesse momento, a informação passa a ser compreendida como algo com capacidade de modificar os estados cognitivos dos sujeitos, e passa-se a dar, “especial atenção às maneiras como os indivíduos percebem seus estados de lacuna cognitiva e as estratégias utilizadas por eles para buscar e usar as informações de que necessitam” (ARAÚJO, 2012, p. 148).

Assim, como no Paradigma Físico, que foi influenciado fortemente pela Teoria Matemática de Shannon e Weaver (1949), o Paradigma Cognitivo, de Brookes (1977), possui como teoria influenciadora, a teoria de Karl Popper, conhecida como os “Três Mundos de Popper”. Sobre esta, Capurro (2003, p. 8-9) destaca que,

A ontologia popperiana distingue três mundos, a saber: o físico, o da consciência ou dos estados psíquicos, e o do conteúdo intelectual de livros e documentos, em particular o das teorias científicas. Popper fala do terceiro mundo “como um mundo de objetos inteligíveis ou também de conhecimento sem sujeito cognoscente.”

No entendimento de Capurro (2003), no Paradigma Cognitivo considera-se a informação, “ou como algo separado do usuário localizado em um mundo numênico, ou de ver o usuário, se não exclusivamente como sujeito cognoscente, em primeiro lugar como tal, deixando de lado os condicionamentos sociais e materiais do existir humano” (CAPURRO, 2003, p. 9).

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Figura 1 – Processos da Análise e Interpretação dos Dados.

Referências

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