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Ser na vida

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Ser na vida

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Vagner Batista

Ser na vida

Rio de Janeiro – RJ 2019

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Copyright© 2019, Vagner Batista

Edição e Revisão Vagner Batista

Capa

Luiz Felipe Souza Santos

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Dedico este livro à minha mãe, Dona Rê, e ao meu professor João Bosco (in memoriam).

(6)

Agradecimentos

Agradeço à minha mãe, Regina, meu maior exemplo de pessoa guerreira e trabalhadora. Muito obrigado pela confiança, torcida e companhia, combustíveis fundamentais para que este sonho se realizasse. À senhora, todo o amor e toda a gratidão.

Agradeço ao João Bosco (in memoriam), meu eterno professor de português e literatura. Obrigado por ter sido inspiração e exemplo e por ter me dado um dos presentes mais significativos que ganhei na vida: o livro Estudos de Literatura Brasileira, de Douglas Tufano, que era utilizado em suas aulas.

Agradeço à Jéh, por toda empolgação, carinho e incentivo quando ainda rascunhava o Poesias Inacabadas. Sem sombra de dúvidas, suas revisões, observações e considerações, sempre muito dedicadas, foram de extrema importância para que eu chegasse até aqui.

Agradeço ao Luan, pelo convite à Biblioteca Municipal, que representou um giro de 360 graus em minha vida. Além do mais, obrigado por partilhar de um dos momentos que me preparava para o agora: ao fundo, é possível ouvir um trecho, voz e violão, de Amigo do peito/Amigo com jeito /de ser igual.

Agradeço às Gregorys, Carol, Deusa, Jhefa e Luíza, por, coletiva e individualmente, acolherem meus poemas (e textos experimentais). Obrigado por presenciarem e incentivarem o NaCimento de uma de minhas poesias mais sublimes, Líryka ou Giannina. Agradeço também por me demonstrarem a importância do estado de vida reflexivo e problematizador, sem perder de vista a leveza e a serenidade.

Agradeço à Elivan, que, de prontidão, aceitou o convite para escrever o prefácio e o fez de forma profunda e lindamente.

(7)

Obrigado pelas mãos dadas e pelo profissionalismo exemplar que se somam a este projeto literário, tornando-o ainda mais representativo e especial.

Agradeço ao Luiz Felipe, pela criação da maravilhosa capa que apresenta esta obra. Obrigado por esse presente, construído com a sensibilidade aflorada que lhe é singular.

Agradeço às pessoas que construíram os espaços (de papéis ou físicos) nos quais tive a oportunidade de compartilhar meus textos. Em especial, às organizações do II e III Encontro do Orgulho Crespo, do Resistir para (Re)Existir, do AFROnta UFLA, do 15º Concurso Nacional de Poesias (CNEC/Capivarí- SP), à Revista Subversa e às Editoras Andross (especialmente, Marcelo Aceti) e Porto de Lenha.

Agradeço, por fim, a toda pessoa que, de alguma forma, contribuiu para que Ser na vida pudesse estar no mundo; dentre elas, minhas irmãs Gi e Juh, profa. Marcela (AMA-SL), profa.

Irene (AMA-SL), profa. Fernanda (UFLA), profa. Laís (UFLA), Maysa, Julia, Fernanda Messias, Lucas Porfírio, Magna, Zulu, Isadora, Jenifer, Laíssa, Fernanda Senna, Lorrayne, Giovanni, Lucas Giraldello, Hugo, Márcio...

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[...] hoje em dia a coisa mais fácil do mundo é não ser. Cê foge; cê passa a vida inteira fugindo de uma necessidade de ser. Então, é mais fácil não ser.

(Maysa)

(9)

Apresentação

Ser na Vida é fruto de um desejo que me acompanha desde 2014, qual seja, publicar um livro. Ao longo desse período, cheguei a rascunhar o Poesias Inacabadas, que não verá a luz do dia (em sua integralidade). A ele, todavia, sou grato por ter sido um companheiro e tanto e por guardar o que considero “escritos navalhas na carne, hoje vestígios dum tal sentir”.

Todos os 28 poemas que compõem está obra foram escritos entre 2014 e 2018, que representa o período de minha graduação em Direito na Universidade Federal de Lavras. Alguns deles foram performados/declamados em eventos de negritude/LGBT+, realizados tanto dentro quanto fora da UFLA; uns surgiram com o fim de serem dedicados para algumas pessoas; e, ainda, outros já foram publicados em Coletâneas Literárias.

Ao menos, três perguntas estão relacionadas (em menor ou maior intensidade) à abordagem deste livro: i) o que é ser na vida?; ii) quem pode ser na vida?; e iii) como ser na vida?. Tratam- se de questões profundas e desafiadoras para as quais não pretendo oferecer respostas definitivas. Então, querida leitora e querido leitor, eis que têm em mãos um singelo convite poético no sentido de que “Seja o que tiver que ser, seja o que quiser ser”, mas sem deixar de ser, mas sem medo de ser...

Lavras/MG, 02.03.2019 Vagner Batista

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Prefácio

Quem somos na vida? Esse questionamento seria simplório de ser respondido se cada um de nós já soubéssemos de qual forma ou conteúdo nossa matéria humana é permeada.

De uma coisa tenho como assertiva: não somos pessoas unívocas. Somos sim pessoas dotadas de pluralidades e singularidades; identidades, memórias e narrativas que nos fazem constituintes de nossas próprias histórias. Ou melhor dizendo, de ter livre arbítrio para desvelar caminhos que talvez para muitos sejam tortuosos, perigosos, mas que exigem muita coragem para serem desvelados, desbravados e, até mesmo, mencionados.

Dessa forma, “ser quem realmente somos primordialmente na sociedade contemporânea” pressupõe em nossas realidades algo ora complexo e outrora como enquadramento social, pois configura-se como um ato de coragem e bem como converge em suplantar paradigmas por intermédio de algo tão belo, sublime, afiado e mimético como é a arte poética.

Tomando como ponto de chegada, e não meramente como ponto de partida, ao retomar a pergunta e a melhor reformulando (mantendo um olhar profundo, tentado e atento sobre ela):

Portanto, “Ser na vida” significa o quê para você?

É olhar-se diante do espelho?

É abrir a porta do armário?

É sair da sua zona de conforto/confronto?

É buscar o seu lugar de fala?

É encontrar o seu lugar (no/seu) mundo?

(11)

É adentrar as singularidades e pluralidades de cada um?

Nessa direção, fica aqui um convite: “Ser na vida” reúne um compilado poético de 28 textos, os quais, posteriori as suas leituras, somente você irá chegar as suas próprias inquietações e bem como interrogações...

Nessa perspectiva, levando em consideração tudo o que já foi colocado acerca do livro anteriormente, só podemos suscitar que, nas páginas que se sucederão, muitos questionamentos e divagações ainda hão de surgir: E, certamente este não é um livro voltado para o ponto de partida outrossim, para o ponto de chegada...

Lavras/MG, 08.04.2019 Elivan Aparecida Ribeiro

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Sumário

12 Vem ser...

14 Corpo silêncio...

17 Poesia em concreto...

18 Pazceiro...

20 Diz troços...

21 Só riso?...

23 O que dizer, em nossa defesa?...

27 Quem tem fé, anda...

30 Sujeito oculto...

32 Ensopado...

34 Íntegro...

36 Corpo negro...

41 Arco-íris pincel...

42 O bailar da navalha...

44 Quem é você?...

47 Transcendência...

49 A cruz de Maria...

54 Ser resistência...

56 Com ciência ou sem ciência?...

60 Mudo [n]o mundo...

62 Vagamundo...

64 Sonho-viagem...

67 Gomorra...

69 Fuuuuuuuuu...

71 Admita-me (o) amor...

73 Não julgue um leitor pela cara...

75 Fatia do ouro...

78 Menino-fênix...

(13)

12

Vem ser

Com o choro no leito, é dada a largada:

vencer na vida, menino!

O dever é único,

mas há tantos pontos de partida...

Então, vem ser, na vida, menino.

O caminho é múltiplo, e a escolha possível...

Vem ser, só ser, na vida, menino.

E com o fechar dos olhos,

(14)

13

é anunciada a partida:

vem ser, até na morte, menino.

Vence aquele que é, a seu modo, mesmo sem ser o troféu a figurar na vitrine do sucesso.

(15)

14

Corpo silêncio

um dia chuvoso, interminavelmente sem fim, é o motivo de ser no quarto escuro.

recusa e silêncio, aparentemente sem sentido, constituem o sentido do estar só.

sem sol, sem ar co-íris, sem céu azul.

o que restou?

um corpo perambula pelos incômodos da casa.

há histórias vividas arquivadas nas gavetas do armário.

(16)

15

[lembranças do tipo paradoxo - denunciam a lentidão mortal e expõem um já se foi]

por que não se sorri como antes?

por que a partida se tornou companhia constante?

[atraente é a aproximação, mas o sedutor convite ainda é rejeitado

até quando? não se sabe]

o que se perdeu já não se pode ver?

(17)

16

o que dizer de si, quando o buraco cinza se aloja na mente e sufoca a mais racional das vozes?

o que dizer de si, quando a escuta autêntica se ausenta e tudo se torna inexprimível?

o que dizer?

um corpo silente perambula pelos incômodos da casa.

(18)

17

Poesia em concreto

Escrevo na parede com tinta sangue.

[O mover do corpo é o bailar do desejo.

A razão é desespero com o duelar das palavras.

A emoção é êxtase com o existir eufórico.]

Já não há esboço no papel, a poesia dança em concreto.

(19)

18

Pazceiro

Ah, como me emociono com esse convite dançante e sincero que o vento me faz!

Ah, como me desmancho diante de sua pegada que, sedutoramente, enlaça-me,

e tão logo me faz flutuar!

Ah, como ele me cativa quando sussurra em meus ouvidos

essas gostosas palavras gasosas, que, ousadamente, deixam-me sem ar.

(20)

19

Ah, como ele tem o dom de poeticamente completar

e de subitamente arrebatar o meu coração para outro lugar.

(21)

20

Diz troços

Diz troços são

higiênicamente arrancados da boca que beija, que dita, que geme, que diz

creptamente consome a seiva do mal hábito horrível dizer sentir o que não se sente,

com o coração não se brinca a dança das cadeiras.

(22)

21

Só riso?

um sorriso de vitrine impressiona o despercebido que passa

na metade do dia

o sol ilumina a calçada da fama, mas não cessa

o cerrado caixão da dor.

talvez, no meio da noite, com a benção da lua cheia, o lobisomem descortine o medo.

(23)

22

e é na monstruosidade do ser

que a conexão humana se reveste de verdade e a expressão de riso é toda horror

na face angelical de barro.

(24)

23

O que dizer, em nossa defesa?

I

De braços abertos, recebo meu filho.

E o intransponível silêncio de sempre se desfaz diante de tanto carinho.

Então, a dor latente irrompe o peito.

E suas lágrimas se mesclam às minhas.

Cada palavra por ele lançada é flecha que rasga a carne.

Mas a vontade de desistir sucumbe ante a necessidade de se (a)firmar.

(25)

24

II

O que dizer para meu pequenino que, na escola, ouviu “é pecado!”

a união entre papai e papai?

O que dizer para meu pequenino, que, na rua, ouviu “é errado!”

a união entre mamãe e mamãe?

III

Atordoado, sinto que prendem meus lábios.

Porém, gigantescas recordações invadem minha mente.

(26)

25

Há seis anos, adoção concluída com sucesso!

E, enfim, a sensação de família completa.

Há um ano, acidente, hospital, velório e luto.

E agora um estágio diferente de incompletude...

IV

Mas, o que dizer para meu pequenino?

V

Filho, eu te amo e você me ama.

Filho, o seu pai te amou e você o ama.

Filho, eu amei o seu pai e ele me amou.

Essa é a base de toda e qualquer união.

(27)

26

Então,

quem afirma que é pecado, quem afirma que é errado,

é um baita bobão!,

porque nem a ciência, porque nem a religião, é capaz de afastar o amor de nosso humano coração.

(28)

27

Quem tem fé, anda

Quem tem fé, anda.

Quem tem fé, anda.

Com passos diversos, por todos caminhos.

Com laços nos versos não somos sozinhos.

Quem tem fé, anda.

Quem tem fé, anda.

Sempre avante, a mãe atenta desenha no quadro vida.

(29)

28

Usa (e abusa) do pincel amor e tece facetas várias de um futuro-presente.

Quem tem fé, anda.

Quem tem fé, anda.

Mas o pequenino filho, que não engatinha, fica à espera do colo-ninho, anseia por amor e carinho.

Quem tem fé, anda.

Quem tem fé, anda.

(30)

29

Grato e fiel, eis um lindo passarinho!

cujas asas se fortalecem no maternal cuidado: o mundo é casa de mistérios.

Hoje desvendados pelo saber materno, amanhã descobertos pelo adulto-menino,

que sobrevoou os edifícios do tempo.

Quem tem fé, anda.

Quem tem fé, anda.

(31)

30

Sujeito oculto

o eco escorrega pelos dedos no papel, escuto o bronze do escudo

a me defender da loucura,

que me quer oco na escuridão do meu ser.

eu tô fugindo da multidão no vazio.

há tempos que ela me segura,

mas juro, eu tô fugindo e não me fingindo mais um.

eu sei que de louco todo mundo tem um pouco, mas cansei de me submeter a este ritual:

ser pendurado na vida feito roupa molhada, posta a secar, durante dias, num sol escaldante.

(32)

31

evaporam-se os sonhos e desejos.

descolore-se a criatividade felina.

sob o pretexto de retirar as águas turvas, sugam minha vitalidade,

e deixam-me sujeito oculto, incapaz de protagonizar a mim mesmo.

(33)

32

Ensopado

recua o menino assustado com medo da chuva que cai

de um enorme céu azul da cor do giz de cera

que desenha

sapatos velhos

nos pés descalços de outrora o que era proteção vira receio:

pior do que sujar a meia branca, ficar o dia todo com o pé

(34)

33

ensopado de carne não era o seu prato predileto...

mas o que dizer de escolhas

se, no armário, não existiam possibilidades?

(35)

34

Íntegro

Desintegro-me, consciente da incoerência

do meu todo.

Busco nos pedaços de mim mesmo o que me resta?

de sublime.

Desentrego-me, consciente da incoerência

do seu todo.

(36)

35

Retomo os pedaços de mim mesmo é o que me resta?

do retorno.

(37)

36

Corpo negro

Corpo negro jogado ao chão.

Corpo negro refém da negação, da desumanidade, da exclusão.

Corpo negro sem face, sem voz, sem vez, sem identidade

e sem identificação.

Corpo negro ao relento...

Será que ainda vive?

Se estiver dormindo, deve carregar nos sonhos a vontade de não mais despertar para a realidade-pesadelo

(38)

37

a qual está condenado;

aquela adquirida desde o berço,

em virtude da escravização de sua ancestralidade.

Corpo negro jogado ao chão.

Corpo negro passível de apropriação, de crueldade, de humilhação.

Corpo negro vítima do estupro, do fetiche, da objetificação.

Corpo negro ao relento...

Será que ainda vive?

Ou melhor: é possível lhe garantir vida digna sem acesso à educação, à saúde, à moradia e à alimentação?

(39)

38

Corpo negro jogado ao chão.

Corpo negro declarado marginal.

Corpo negro, inimigo, tem sua vida ceifada e seus rastros apagados da história nacional.

Corpo negro ao relento...

Será que ainda vive?

Alvo da polícia, mas não da política pública.

Tem acesso amplo às celas das prisões, mas ingresso restrito aos embranquecidos

e elitizados bancos universitários.

(40)

39

Corpo negro jogado ao chão.

Corpo negro ao relento...

Corpo negro jogado ao chão.

Corpo negro ao relento...

Corpo negro jogado ao chão.

Corpo negro ao relento...

Mas, até quando?

Corpo negro que se levanta.

Corpo negro que se posiciona.

Corpo negro que se indigna.

Corpo negro que reivindica.

Corpo negro que ocupa espaços.

Corpo negro que dita suas regras.

(41)

40

É bom se acostumar camarada com corpo negro empoderado,

com corpo negro consciente, com corpo negro escurecido.

Enquanto o seu racismo [e machismo]

quer navio negreiro, quer chicote, quer tronco, quer senzala e quer “mulata” pra sexo,

a minha consciência humana, mas que é negra, quer liberdade, quer igualdade, quer dignidade, quer respeito, quer direito, quer agora e sem demora.

Pois a revolução que se aproxima derrubará a casa grande.

(42)

41

Arco-íris pincel

meu corpo-tecido resiste.

aqui não há meros retalhos.

sou todo feito de carne.

carrego na pele-quadro as marcas da super/ação.

tinta no preto e branco;

sou artista em posto de batalha.

minh’alma? é o arco-íris pincel,

que colore o viver em lágrimas,

transformando-o em um mar de revolução.

(43)

42

O bailar da navalha

Rabisco no ar minhas dores pra que se dissipam avulsas e nuas

no esplendor do nada.

Bebo minhas angústias no café da manhã, acompanhado de meus medos e monstros.

Danço com minhas frustrações

à beira da loucura, dos prazos e do precipício.

Brinco com meus fantasmas no quarto escuro, depois de um súbito despertar às três da madrugada.

(44)

43

Enfrento meus algozes no espelho do banheiro, e denuncio cada um de seus segredos e planos.

Clamo à entidade morte: “faça-se presente!”, e assisto o bailar da navalha no corpo esquálido.

(45)

44

Quem é você?

Eu sou O Bicho (de Bandeira) que habita na imundície e sobrevive

do resto da ceia de domingo das casas dos burgueses de plantão.

Eu sou O cão sem plumas (de Cabral de Melo Neto) que vive do rio, e também é rio,

que convive com o homem, mas sem um status humano.

Eu sou a Meire (de Laerte) que quebra o espelho opressivo

(46)

45

teimoso em produzir um transfobismo, que mata, que apaga, que destrói.

Eu sou Metamorfose Ambulante (de Raul) que extrapola o rol de autodefinições por saber que se encontra em constante

poiesis

e amanhã será um outro alguém.

Eu sou a Benedita (de Elza Soares) que desponta altiva na esquina da vida, que desmonta o cerco da bela adormecida,

o qual quer acordar um Dito, que, na realidade, nem veio da cegonha.

(47)

46

Eu sou a Máscara (de Pitty) que desmascara a ideia do aceitável e se permite ser estranha, ser horrenda, ser bizarra, mas sempre em genuinidade.

Eu sou o Desabafo (de MC Xúxu) que repudia o preconceito, que exige o necessário respeito,

em favor de um real coexistir.

Eu Sou como sou (de Aléx Góes), que isso baste.

(48)

47

Transcendência

Hoje, já não sou a mesma de ontem sou é diferente.

Esse devir um tanto repentino tem assustado é muita gente.

Hoje, já sou outra passado.

Só, vejo-me aqui presente.

Vivo louca metamorfose ambulante, uso nova lente.

Hoje, jaz aquela outra pessoa que se fez vivente.

Nasceu, então, um novo ser

(49)

48

agraciado com nova mente.

Hoje, já não tem mais jeito.

O despertar não é só aparente.

A leitura é sentido de vida, faz-me ser muito mais consciente.

Hoje, já virei as páginas, pois leio assiduamente o livro agora é meu amigo, um verdadeiro confidente.

Hoje, com outros conceitos, meu pensar é mais independente.

E, mesmo que o externo limite, a leitura me faz transcendente.

(50)

49

A cruz de Maria

Ontem, foi a mãe da Maria que apanhou do marido.

Hoje, é Maria

que apanha do marido e do filho.

Amanhã, será a filha da Maria

que apanhará do marido, do filho e do neto.

Ontem, foi o pai do João quem bateu na esposa.

Hoje, é João

quem bate na esposa e na filha.

Amanhã, será o filho do João quem baterá na esposa, na filha e na neta.

(51)

50

E os vizinhos, em suas casas, de vidro e de concreto,

assistem de camarote.

Por força da moral e dos bons costumes, (ab)usam (d)a colher de pau

pra cozer vaca atolada, mas não mexem no caldo marital

que ferve na panela ao lado.

E, tentando justificar o injustificável, contam que, na receita antiga e caseira,

o ingrediente principal é:

“100% da culpa é da muié, aquela vaca safada,

(52)

51

que, mesmo a beira do abate, da coleira não se esquivava.”

A polícia, informada dos fatos, registra, numa pilha sem fim, os Boletins de Ocorrência.

Um.

Dois.

Três.

Quatro.

Cinco.

. . .

Desumanizada, é treinada apenas pra lidar com bandido, sujeito preto, pobre e favelado,

(53)

52

que deve ser mantido no cárcere,

afastado das pessoas de bem.

E, assim, João impune, enquanto Maria, desgraçada,

carrega, sozinha, a

social c estatal r

u z e a todas imposta:

o machismo estrutural,

(54)

53

que provoca cicatrizes no corpo e faz sangrar n’alma,

quando não lhes silencia a vida.

(55)

54

Ser resistência

Um dia deixamos de lado a chave e o cadeado, em busca d’um espelho que refletisse por inteiro:

quem somos por dentro?

Cá fora, todos os dias uma, duas, três vezes três.

Quanta batalha nos espera?

e, na estrada, nos expõe:

(56)

55

FORAGIDAS!

FORAGIDOS!

Não colocamos a cara a tapa, como pensam. Pelo contrário,

colocamos a cara no sol!

Mas não enxergamos o céu-limite, nossa íris contempla um arco, ao final de tudo, refletimos: no ringue da vida,

somos inteira resistência.

(57)

56

Com ciência ou sem ciência?

I

Pesquisas apontam que a raça é categoria pra lá de atrasada, afirmando um abstrato humano,

que se desfaz, porém, na dureza dos fatos reveladores de tamanho

engano?

Mas, a ciência não produz verdade?

Então, como pode essa equivocidade, se ela possui a melhor razão?

(58)

57

II

“Que olhos grandes você tem!”

“É pra nos enxergar direito?”

“Mas porque os mantém vendados?”

“É pra fazer justiça?”

III

Pesquisas apontam que a raça é categoria pra lá de atrasada, afirmando um abstrato humano,

(59)

58

mas que visão é essa que não enxerga o concreto, apesar de ter o mundo na mão?

mas que visão é essa que, no século passado, afirmou, de forma retumbante,

a inferioridade do negro, logo após a escravização?

mas que visão é essa que ignora a realidade de tamanha discriminação?

(60)

59

IV

Eis o x da questão, E o 2+2 já não tem resposta.

Eu duvido que seja 4!

Eu duvido que seja exato o teor de sua precisão.

É isso, cisão entre as ciências!

Abaixo a ciência dita humana, abstrata, branca e racista.

Eu fico com a ciência negra, de carne e osso e desejo de revolução.

(61)

60

Mudo [n]o mundo

Mudo quando fico mudo querendo desrespeitar, discriminar.

Mudo quando fico mudo querendo inferiorizar, coisificar.

Mudo quando fico mudo querendo rotular, estereotipar.

Mudo quando fico mudo querendo intrigar, inimizar.

Mudo quando fico mudo querendo tiranizar, escravizar.

(62)

61

Mudo quando fico mudo e planto em mim e no mundo uma muda de respeito ao próximo.

(63)

62

Vagamundo

caminho deserto com minhas interrogações

nas costas.

carrego cobras serpentes que enlaçam certezas e envenenam verdades.

não prendem minhas pernas, mas envolvem minh’alma.

sem flauta, sem tato, sem dom, vivo este instante de ausências.

(64)

63

e, nas abundâncias dos vazios, basto-me sem um buraco de encaixe.

(65)

64

Sonho-viagem

I

Malas prontas.

Passaporte no bolso.

Abraços guardados cá dentro no peito o coração dançarino baila.

Há festa em mim!

Sou toda um carnaval ambulante com pouso agendado pra logo na terra da prata, não busco metal precioso é o sonho saindo do ovo.

(66)

65

II

Voe sabiá, voe bem alto!, para além da rivalidade no campo, e vá ao encontro de João-de-barro!, que, nos (b)ares hermanos, irá te ensinar o tango!

Em agradecimento, apresente-lhe o samba.

III

Uma adrenalina imensa me constitui.

Afasto um turbilhão de incertezas que teimam em se agigantar.

E o medo-vestido vira enfeite no cabide.

(67)

66

E o desespero-colar se esconde na caixa de veludo.

Agora me visto de coragem e livre sigo (os conselhos de Caio F. de Abreu):

fecho os olhos e solto os cabelos ao vento e mergulho sedenta

na imensidão desse sonho-viagem.

(68)

67

Gomorra

Por favor, não suba de joelhos az escadas da Catedral de Alcântara.

Mas venha!, com toda sua desonra.

E eu estarei aqui, por inteiro.

Liberto das roupas de castidade, e disposto a contigo caminhar.

Minhas vestimentas são impuras.

Sou todo pecado.

Sou todo abominação.

(69)

68

Você bem sabe, rapaz:

maldizem nosso desejo, demonizam nosso amor.

Somos seres andarilhos sem valor.

Somos ambulantes das trevas;

verdadeiras crias do anjo caído.

Somos o mau que destruiu Sodoma e Gomorra.

Somos merecedores da morte,

mas sem direito à lapide no Mausoléu Imperial.

[mesmo o Rei Davi tendo amado o Príncipe Jônatas!?]

(70)

69

Fuuuuuuuuu

Prefiro a ausência em face da presença dissimulada.

E, assim, faço do silêncio casa de mim mesmo.

Suporto-me, ante a dor de ser tão efêmero.

Condeno-me, em razão das mais infames memórias que, monstruosamente, afugentam meus sonhos.

Acolho-me, ante os dedos-flechas apontados que alvejam minha individualidade destoante.

Delicio-me do que simboliza o terreno e o profano e cultivo o inferno ardente cá dentro.

(71)

70

Talvez eu seja apenas um amontoado de cinzas...

Minhas entranhas-poeiras revelam:

sou frágil e insignificante perante o acaso e o divino;

é isso, sou este pó que desaparece com um sopro?

(72)

71

Admita-me (o) amor

Pare de maquiar essa paixão, de conter seu grito

e de não permitir sua manifestação!

Pare de deixar transparecer a indiferença, fortalecendo-a inutilmente, quando está em minha presença!

Por que tanto teatro, se, nos bastidores da vida, só há nós dois e os nossos sentimentos?

(73)

72

Por que essas máscaras que apagam sua beleza e ocultam a certeza de seu coração?

Por que viver assim, distante ao meu lado?

se o que desejamos, e você bem sabe, é nos unirmos pra sempre...

(74)

73

Não julgue um leitor pela cara

Um dia sonhei com ele...

Um dia sonhei em conhecê-lo e em dizer o quanto o queria para mim.

Um dia o vi no outdoor e foi um dia, um dia apenas só.

E nunca mais o vi.

Agora, por estar solitário e sonhador, deixo-o figurar na vitrine dos meus pensamentos.

Deixo-o me fazer companhia e preencher este vazio, tão vívido,

(75)

74

aqui dentro de mim.

Ele sabe que o desejo muito, mas, por inocência, prudência

ou, até mesmo, incoerência, não se materializa para (além de) mim.

Sinceramente, não entendo como um livro (?)

pode ser tão frio e misterioso, diante de um leitor que se mostra (tão) a fim.

(76)

75

Fatia do ouro

Uma mão da realeza nu papel.

Uma pena de ouro exclusiva-

mente, nesta data ímpar.

Uma tinta que encarna todo sangue negro d e r r

amado,

d’África ao Brasil transportado,

(77)

76

naquele monstruoso negreiro.

Uma conquista descrita omissiva- mente o livro de história.

Uma lei assi(m)-

nada em 13 de maio de 1888.

Uma complexidade resumida em, a-pena-s,

duas frases.

A primeira profética- mente dizendo:

escravidão extinta no Brasil.

A segunda consequente- mente informando:

revogação das disposições em contrário.

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E, assim, três séculos e uns quebrados de liberdade negra cerceada,

de humanidade negra coisificada, ecoam rugidos leoninos

nas paredes do Museu Imperial.

E a Lei Áurea continuará sempre insuficiente, se o negro não tiver direito a sua fatia do ouro.

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Menino-fênix

Menino, acorde!

Menino, [se] descubra!

Menino, [se] reconheça!

Menino, viva!

Menino, [se] levante!

Menino, [se] reconstrua!

Menino, lute!

Menino, voe!

Menino, [se] veja!

Menino, sonhe!

Menino, deseje!

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Menino, vá!

Menino!

Ei, menino!

Não morra!

Seja fênix!

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Notas

Capa/Fotografia

Luiz Felipe Souza Santos – É graduado em Administração Pública pela UFLA; e atualmente trabalha na Diretoria de Comunicação da instituição. Além de desenvolver outras atividades na área da fotografia, às quais vem se dedicando desde 2014. Recentemente teve alguns de seus trabalhos publicados na revista científica Ciência em Prosa.

Instagram: luizfelipie

--- x --- Apresentação

Parte dos 28 poemas (p. ex., Gomorra e Com ciência ou sem ciência?) tem como pano de fundo a lógica de uma “poesia combativa”. Essa referência é baseada na música Antiga Poesia, de Ellen Oléria.

“Seja o que tiver que ser, seja o que quiser ser”. Trecho retirado da música Bate a Poeira, de Karol Conká.

--- x --- Prefácio

Elivan Aparecida Ribeiro – É graduada em Letras Português/Inglês e suas Literaturas pela UFLA, bem como é mestranda em Educação na área de concentração de Linguística Aplicada pela mesma instituição. Seus estudos

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têm contemplado abordar as temáticas raciais na perspectiva do Letramento Racial Crítico e assim como a formação de professores.

--- x --- Quem tem fé, anda

Poema dedicado à professora Fernanda Gomes, mamãe de primeira viagem.

--- x --- Corpo negro

Poema apresentado no II Encontro Orgulho Crespo, ocorrido em 2015 e realizado em Lavras/MG. Também foi publicado na Antologia Coexistência (2016), da Porto de Lenha Editora. Trata-se de versão modificada.

--- x --- Quem é você?

Trata-se de poema reformulado cuja primeira versão foi produzida a título de trabalho final para a disciplina Direitos da personalidade, lecionada pela professora Laís Godoi Lopes.

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Transcendência

Poema publicado na Revista Subversa, vol. 8, n. 7, de 15/04/2018.

--- x --- Ser resistência

Poema apresentado na primeira edição do Resistir para (Re)Existir, realizado em junho de 2017. Trata-se de evento organizado por estudantes LGBT+ da UFLA em atenção ao Dia Internacional do Orgulho LGBT+, 28/06.

--- x --- Com ciência ou sem ciência?

Poema apresentado no AFROnta UFLA, organizado pelo Diretório Central dos Estudantes e outras entidades, em atenção ao Dia da Consciência Negra, 20/11/2017.

--- x --- Mudo [n]o mundo

Trata-se de versão modificada de poema publicado na Coletânea do 15º Concurso Nacional de Poesias, promovido pela CNEC - Unidade de Capivarí/SP e realizado no ano de 2015.

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Sonho-viagem

Dedicado às hermanas Júlia Haddad e Maysa Magalhães. São versos que representaram minha despedida e meus votos de boa viagem.

--- x --- Admita-me (o) amor

Poema que está presente na coletânea Trilha de Lótus (2016), organizada por Marcelo Aceti e publicada pela Andross Editora.

--- x --- Fatia do ouro

Poema apresentado no III Encontro Orgulho Crespo, ocorrido em 2016 e realizado em Lavras/MG. Trata-se de versão modificada, especialmente em relação à última estrofe.

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Sobre o autor

Luiz Felipe Souza Santos/Luiz Felipie

Vagner Batista nasceu em São Lourenço/MG, em 1994.

Atualmente, reside no Rio de Janeiro/RJ. Bacharel em Direito pela UFLA.

Considera-se um artista que é tomado pela visão crítico- poética da vida. Vale-se da escrita como um meio para (re)interpretar e expressar a individualidade e o coexistir.

Ao longo de sua caminhada literária, participou das seguintes coletâneas:

1. 15º Concurso de Poesias (2015), organizado pela CNEC de Capivari/SP;

2. Trilha de lótus (2016), pela Andross Editora;

3. Coexistência: antologia de poesias, contos e crônicas (2016), da editora Porto de Lenha;

4. Ponto de criação (2016), da Andross Editora;

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5. Canarinho: antologia de poesias, contos e crônicas (2018), pela editora Porto de Lenha;

6. Cartas entre escritores (2018), pela editora Cavalo Café;

7. Singularidade (2019), pela editora Cavalo Café.

Tem textos publicados no Recanto das Letras e nas Revistas Literárias Philos e Subversa.

É cafezeiro de copo cheio, amigo pra todas as horas (mesmo que demore pra responder no whatsapp rs) e, de vez em quando, habitante de um mundo paralelo (de sonhos e pensamentos).

Contatos:

E-mail: vagnersb94@gmail.com Instagram: vag_batista

Facebook: Vagner Batista

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Referências

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