Análise de algumas condições institucionais para a organização do trabalho pedagógico
Peron, Sarah Cristina
Veröffentlichungsversion / Published Version Zeitschriftenartikel / journal article
Empfohlene Zitierung / Suggested Citation:
Peron, S. C. (2001). Análise de algumas condições institucionais para a organização do trabalho pedagógico. ETD - Educação Temática Digital, 2(2), 208-230. https://nbn-resolving.org/urn:nbn:de:0168-ssoar-105708
Nutzungsbedingungen:
Dieser Text wird unter einer Free Digital Peer Publishing Licence zur Verfügung gestellt. Nähere Auskünfte zu den DiPP-Lizenzen finden Sie hier:
http://www.dipp.nrw.de/lizenzen/dppl/service/dppl/
Terms of use:
This document is made available under a Free Digital Peer Publishing Licence. For more Information see:
http://www.dipp.nrw.de/lizenzen/dppl/service/dppl/
ANÁLISE DE ALGUMAS CONDIÇÕES INSTITUCIONAIS PARA A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO PEDAGÓGICO
Sarah Cristina Peron
RESUMO: Este artigo apresenta uma discussão sobre algumas condições institucionais para a organização do trabalho pedagógico na escola, integrando a elaboração e o desenvolvimento do projeto político-pedagógico da instituição. A gestão democrática da escola, o trabalho reflexivo e coletivo dos profissionais, a concepção de projeto político-pedagógico como eixo organizativo do trabalho escolar e a importância da consideração das condições institucionais para tal, constituíram-se o eixo teórico da discussão, a qual baseou-se em uma pesquisa de iniciação científica da autora na área.
Tal pesquisa, realizada em uma escola particular de Campinas, adotou como metodologia de coleta de dados a observação de reuniões pedagógicas, além de entrevistas com um grupo de profissionais da escola. Os resultados da pesquisa, caracterizados como fatores facilitadores e dificultadores da organização do trabalho na escola, constituem-se o eixo principal das discussões, destacando-se as seguintes considerações finais: a-) a importância da criação de esquemas coletivo/reflexivo/democráticos de planejamento, elaboração e acompanhamento do projeto político-pedagógico da escola, garantidos por uma estrutura de reuniões pedagógicas entre os profissionais; b-) a existência de lideranças seguras, ativas e possibilitadoras do trabalho coletivo e desenvolvimento da autonomia do grupo; c-) a criação de canais de participação dos alunos e das famílias, em todo o processo.
PALAVRAS-CHAVE: Trabalho pedagógico; Escolas; Gestão educacional.
ABSTRACT: This paper presents a discussion about some institutional issues regarding the educational work organisation in the school, combining design and development of the political and educational project of this institution. The democratic procedure in the school, the conscious and collective work of the professionals, the design of a political and educational project as the main axis of the work in the school, and the importance in considering the real conditions for that are the major theoretical fundaments for the discussion, based in a study lead by the author in this field. In this research - carried out in a private school in Campinas, São Paulo - as a method for data collection, it was chosen the observation of meetings for discussion of educational issues, and also there were interviews with a group of professionals from that school.
The results, considered as aspects that facilitates, or not, the work organisation in the school, are in the centre of the discussions. From this, we are able to point out some final considerations: a-) the importance of build up and carry out a collective/reflexive/democratic project, based in regular educational meetings between the professionals; b-) the importance of a mature, active leadership able to motivate a collective work and the development of an independent group; c-) the creation of means of participation for the students and their families in the whole process.
KEY-WORDS: Educational work; Schools; Educational policy.
1. A QUESTÃO DA GESTÃO DEMOCRÁTICA
1.1. GESTÃO: DAS CONCEPÇÕES TRADICIONAIS A UMA
PROPOSTA DEMOCRÁTICA Nos últimos tempos, altas taxas de fracasso escolar têm tido incidência freqüente no ensino público brasileiro.
Como se sabe, além dos fatores extra- escolares, são inúmeras as causas intra- escolares determinantes desta incidência, podendo as mesmas serem localizadas tanto em fatores pedagógicos que envolvem o trabalho educativo, quanto em fatores organizacionais que envolvem o funcionamento das instituições escolares, dentre outros. O presente artigo enfocará estes últimos fatores, procurando analisar a influência dos mesmos no desenvolvimento de projetos pedagógicos centrados no trabalho coletivo e reflexivo de professores na instituição escolar.
Na concepção tradicional de gestão escolar, as esferas de decisão encontradas nos espaços escolares estão organizadas a partir de concepções individualistas de organização do trabalho, em detrimento das concepções coletivas envolvendo os membros da instituição. Os campos de atuação dos profissionais encontram-se divididos, segundo determinações que dizem respeito à hierarquização do poder e, conseqüentemente, manutenção de situações de dominação: reproduz-se a dicotomia entre os que pensam, planejam, elaboram, e os que apenas executam; tal dicotomia é típica das formas de produção capitalista.
Este modo de organização do trabalho tem origem na indústria, mais
especificamente com o modelo taylorista de divisão do trabalho. Taylor (apud Zanelli, 1992) difundiu a idéia da obtenção do lucro máximo com o mínimo esforço possível pelos detentores do capital, minimizando o bem estar do fator humano como elemento essencial neste processo. Neste modelo, a produção é parcelada, dividida entre os funcionários e setores, e cada um passa a ter uma função específica, participando, assim, de apenas uma limitada fração da globalidade de um determinado processo de produção. O trabalhador, desta forma, não visualiza o processo global de produção: é a gênese do trabalho alienado.
Deste modo, nas atuais organizações educacionais, as políticas curriculares, uniformes e inflexíveis, elaboradas e determinadas através de um processo centrado de tomada de decisões, bem como os dispositivos burocráticos de avaliação desenvolvidos pelos professores, transformados em meros cumpridores das propostas, diminuem as esferas de autonomia e responsabilidade docente, como resultado de uma crescente racionalização da didática e da organização escolar.
Esta forma tradicional de organização escolar tem como conseqüência, entre outras, a manutenção da ordem e da ideologia sociais vigentes, na medida em que não permite a abertura de espaços onde se possa realizar a reflexão sobre o contexto social onde a educação atua.
Tal contexto, desde há muito, apresenta
características opressivas e massacrantes
para uma maioria desprovida de recursos
sócio-econômico-culturais, fruto de uma
divisão da riqueza injusta, marcada por
uma política de concentração de renda
nas mãos de uma reduzida parcela da população. Pode-se afirmar que tais concepções estão baseadas em um modelo positivista, onde se ignoram as necessidades individuais e da maioria da sociedade, tornando o indivíduo um mero sujeito passivo das forças sociais externas, num processo de alienação e conformação em relação às normas sociais impostas.
Desprovida, assim, de ligação com a realidade onde atua e, conseqüentemente, desinteressada pelas possibilidades concretas de transformação da mesma, a tradicional organização institucional escolar é marcada pela incidência de altas taxas de fracasso escolar, pois o aluno não consegue ver, na educação assim estruturada, um sentido ou um benefício real à sua vida em sociedade. Desta forma, é possível afirmar que a atual organização escolar seria um dos fatores determinantes do fracasso e, consequentemente, da exclusão escolar.
Em um estudo a respeito do interesse de pesquisadores e profissionais da educação em pesquisas sobre fracasso e exclusão escolar, Arroyo (1992) destaca a importância de se
"(...) colocar as análises, tanto do fracasso quanto do sucesso escolar, para além dos tradicionais diagnósticos reducionistas que os identificam com supostas capacidades dos alunos e dos mestres ou com o grau de eficiência dos métodos, isolando a estrutura e o funcionamento do próprio sistema educacional." (p. 47)
Existiria, na realidade, uma cultura da exclusão, que estaria materializada na organização e na estrutura do sistema escolar, sendo a
escola, há muito tempo, uma instituição seletiva e excludente.
Porém, este quadro necessita urgentemente de mudanças. A sociedade atual, organizada de forma complexa, tem exigido constantemente profissionais que consigam acompanhar o crescente processo de modernização tecnológica, onde o acesso consciente ao conhecimento e à informação são imprescindíveis para uma melhor qualidade de vida. Assim, o indivíduo precisa estar melhor "instrumentalizado"
para o exercício da cidadania, especialmente no mundo do trabalho.
Desta forma, passa-se a exigir da escola uma maior qualidade para o processo educativo e, portanto, uma ampla reformulação de sua organização institucional. Resgata-se, então, a necessidade da escola, compreendida como uma instituição formada por docentes e administradores com o objetivo de possibilitar o exercício da cidadania, estruturar-se de maneira a atender às exigências surgidas devido às novas condições sociais e econômicas.
Como afirma Popkewitz (1992), as exigências das sociedades modernas em relação às práticas educativas consistem na valorização do "(...)pensamento crítico, a flexibilidade e a capacidade de questionar padrões sociais, isto é, requisitos culturais que têm implicações na autonomia e responsabilidade dos professores.”
(p.40)
Desta forma, a busca de uma
nova organização escolar, que torne esta
instituição um instrumento de
emancipação das camadas populares, a
partir da produção e da democratização
do saber, não consiste, segundo Pimenta
(1995), em
“(...) conceber previamente um tipo de organização escolar ideal, mas de garimpar no já existente os elementos que, fortalecidos, apontam para novas práticas, o que requer pesquisas, análises, observações e experimentação, conduzidas a partir da finalidade de colocar a escola como instância socializadora do saber para as camadas populares.” (p. 23)
É evidente que um avanço em termos qualitativos na educação escolar, avanço este que possibilite o atendimento das novas exigências que nela recaem e o cumprimento de seu papel social de transformação, não pode ocorrer através do trabalho isolado de seus membros. O processo tradicional de estruturação da escola, marcado pela divisão do trabalho e pela não participação de todos na organização do trabalho pedagógico, torna-se inadequado. Pode-se afirmar, portanto, que o modelo tradicional de gestão é excludente, ou seja, a maioria dos indivíduos que aí se insere não participa dos níveis de decisão.
A inadequação deste modelo é confirmada por MOURA (1990), quando afirma que
“O educador deve possuir visão global do processo educativo, isto é, deve conhecer desde a realidade inerente ao processo educativo – a sala de aula – até o processo administrativo da escola. Ele tem de se constituir em sujeito de seu trabalho, rompendo assim com a divisão entre os que planejam e os que executam, apropriando-se do trabalho global da escola e contribuindo para a efetivação de uma nova qualidade de ensino.” (p. 30)
O desafio que se coloca, então, aponta para a superação do caráter
individualista, através do trabalho coletivo, englobando todos os envolvidos no processo pedagógico, por meio de uma gestão democrática da instituição escolar.
É somente por meio de um trabalho ativo e coletivo dos educadores que se conseguirá superar as práticas e os conhecimentos inadequados, que acabam por empobrecer a dimensão social da ação destes profissionais.
1.2. O PROFESSOR REFLEXIVO Com base nas questões apresentadas, pode-se assumir que, para a consolidação da gestão democrática na instituição escolar, o papel do professor que se delineia é o do professor reflexivo (Shön, 1992). Este novo profissional seria essencial para a superação de um saber escolar burocrático, institucionalizado, fechado, em favor de formas de organização centradas na prática da reflexão sobre a ação e na ação, coletivamente, envolvendo administradores, professores e alunos, tendo em vista a consideração dos objetivos da educação como produtora de conhecimentos.
Parte-se do pressuposto de que a formação inicial dos professores é extremamente importante, porém não suficiente para o atendimento das exigências da sociedade, cada vez mais complexa, em relação à educação.
Entende-se que é por meio de um
processo ativo de reflexão sobre a
prática que ocorrerá, também, o
processo de formação contínua de
professores.
Esta visão do processo de formação contínua também é defendida por Kramer (1989). A autora afirma que
"(...) a efetiva formação do professor em serviço se dá através do confronto entre a reflexão sobre os conhecimentos advindos da sua prática e as teorias que explicam, questionam, lançam conflitos e indagações e permitem melhor compreender esta mesma prática. A síntese vivido/estudado substitui, assim, os grandiosos, porém inócuos, 'eventos', 'treinamentos', 'capacitações', 'reciclagens' e estratégias congêneres, por um processo aparentemente lento e silencioso, porém mais mobilizador, crítico e ativo." (p. 204)
Desta forma, a profissionalização dos professores deve direcionar-se também para as questões sociais e filosóficas que aí estão envolvidas, a partir do momento em que se compreende a educação como ação social que não é neutra, e que contém certas concepções que permeiam as práticas dos profissionais docentes, que podem produzir, reproduzir ou transformar o contexto em que atuam.
A prática da reflexão, no contexto educacional, remete-nos a esclarecer um outro conceito que é indissociável do conceito de professor reflexivo, elucidado neste estudo. Trata-se do conceito de professor pesquisador.
Como já ressaltado anteriormente, os professores produzem, na prática docente, um conjunto de conhecimentos e experiências que, segundo Dickel (1998), pode e deve ser, para estes profissionais, o “(...) ponto de partida de qualquer processo de aperfeiçoamento de seu trabalho e de
mudança na escola.” (p. 41) Assim, para a autora, a valorização dos saberes docentes originados na prática pedagógica, juntamente com a reflexão sobre os mesmos, na busca de soluções para os problemas e conseqüente aprimoramento desta prática, remete à formação do professor pesquisador.
Desta forma, refletindo coletivamente sobre e na ação, os professores estarão buscando a sua autonomia pedagógica e a sua emancipação em relação à racionalidade técnica.
É importante ressaltar, porém, que todas as condições de que necessitam os professores no processo de formação continuada dependem de amplas reformas educativas que, por sua vez, estão diretamente ligadas à vontade política dos responsáveis pela área educacional no país.
Porém, não se pode deixar de considerar que o nível final de decisão deste processo ocorre na escola. Isto significa que a administração escolar deve garantir ao grupo de professores condições para o exercício da autonomia pedagógica, mesmo na ausência de diretrizes administrativas mais amplas. Por autonomia pedagógica entende-se a liberdade garantida ao grupo para a tomada de decisões coletivas a respeito dos objetivos e das práticas pedagógicas, bem como de sua formação continuada, sendo que estas decisões também devem ser compartilhadas pelo pessoal administrativo.
Ainda a respeito da prática da reflexão pelos professores, Popkewits (1992, p.
42) afirma que não é o bastante "(...)
afirmar que os professores devem ser
reflexivos e que devem dispor de
maior autonomia. Há que se estabelecer uma tradição de pensamento e de reflexão que possa apoiar este esforço.” Assim, a sistematização da prática reflexiva, no processo de organização do trabalho pedagógico deve basear-se, na construção coletiva de um projeto educativo da escola, onde sejam visualizados todos os objetivos aos quais a educação se destina, na instituição à qual se refere.
1.3. O PROJETO POLÍTICO- PEDAGÓGICO
Como já se afirmou anteriormente, não se pode pensar em trabalho coletivo e superação de práticas individualistas de trabalho sem uma sistematização dos conhecimentos práticos e teóricos a respeito da organização do trabalho pedagógico. Tal sistematização só é concretizada por meio da construção coletiva do projeto político-pedagógico da instituição escolar.
A necessidade da estruturação de um projeto de trabalho pedagógico da escola já era apontada por LEITE (1988), em pesquisa sobre a implantação de um projeto de alfabetização em um município da Zona Leste de São Paulo, na década de 70. Esclarece que o conceito de projeto pedagógico baseou- se, prioritariamente, em dois pressupostos:
"a-) a idéia de que o trabalho do corpo docente de uma escola deveria ser planejado e desenvolvido em torno de diretrizes pedagógicas comuns; b-) a idéia de que, para tanto, dever-se-ia repensar a organização dos docentes na escola, no sentido de abrir concretamente um espaço de planejamento e contínua reflexão
sobre as práticas desenvolvidas, ambas atividades numa perspectiva coletiva." (p. 22)
Malavazi (1995), em pesquisa sobre a construção e desenvolvimento de um projeto político-pedagógico em uma determinada instituição escolar, também reconhece a importância do processo de construção coletiva pois, segundo a autora, possibilita reunir as diferenças e semelhanças entre as concepções sobre prática pedagógica e educação existentes entre os profissionais da escola, concepções estas que exercem influência na organização do trabalho pedagógico da instituição.
Nesta perspectiva, é possível afirmar que um projeto político-pedagógico moderno baseia-se na organização do trabalho coletivo de professores e profissionais da educação, possibilitando que os mesmos discutam, decidam, executem, acompanhem e controlem o trabalho pedagógico. Este projeto deve ter clareza de seus fins e efetivar-se no cotidiano. Portanto, não se pode visualizar um projeto político-pedagógico como algo pronto, acabado, mas sim, entendê-lo como uma construção que depende do comprometimento político de profissionais competentes. Defende- se, assim,
"(...) o delineamento de uma ação
intencional, com sentido explícito e
compromisso definido coletivamente,
... a formulação em torno do projeto
político-pedagógico afasta-se da
concepção de planejamento de ensino
estruturado com o objetivo de suprir
exigências burocráticas desarticuladas
das necessidades e exigências da
escola, visando, em seu lugar, à
formalização de proposta construída e
vivenciada em todos os momentos e
por todos os envolvidos com o
processo educacional." (PINHEIRO, 1998, p. 78)
Neste sentido, conclui-se que o projeto político-pedagógico assim pensado possibilita uma maior integração entre todos os setores da escola e uma crescente autonomia de seus membros, por ser um espaço conquistado por todos. Além disso, apresenta-se como o elemento articulador de todo o trabalho pedagógico.
Para o trabalho coletivo de reflexão, discussão e avaliação sobre o cotidiano escolar, no processo de construção do projeto político-pedagógico, Pinheiro (1998) estabelece uma identificação de alguns aspectos que se constituem em realidades diferentes em cada escola onde o processo ocorra. São eles: a gestão escolar, o currículo e a avaliação.
Segundo a autora, estes aspectos devem, necessariamente, serem previstos e considerados como determinantes, na organização do processo de discussão.
Como complemento para esta abordagem buscam-se, ainda em Cavagnari (1998), referências sobre as vantagens trazidas pela construção do projeto político pedagógico no que diz respeito aos próprios alunos, na medida em que estes são os sujeitos que usufruem das práticas educativas propostas por este projeto. Segundo a autora, sendo o projeto político- pedagógico concebido como um instrumento para a conquista da democratização do ensino e conseqüente melhoria de sua qualidade, este permite a construção de uma identidade coletiva entre os alunos, na medida em que vão sendo superadas as práticas individualistas, rotineiras e desinteressantes. Isto seria decorrente,
assim, da "(...) instalação de um verdadeiro 'clima educacional' na escola, quando todas as ações convergem para a efetivação do melhor aproveitamento escolar pelos alunos." (p. 110)
1.4. AS CONDIÇÕES
INSTITUCIONAIS É importante ressaltar o fato de que a escola está inserida num contexto burocrático do qual é dependente. Este contexto é um dos determinantes das condições objetivas e subjetivas que perpassam as relações sociais de trabalho existentes em seu interior. Nesta perspectiva, as reformas na organização do trabalho pedagógico, bem como a sua concretização, e a decorrente profissionalização dos docentes, só têm sentido se analisadas e formuladas tendo em vista as condições institucionais onde ocorrem.
A escola, bem como todas as concepções subjacentes a ela, pode estar voltada tanto para a mudança da realidade quanto para a manutenção da ordem vigente. Tradicionalmente, como já foi enfatizado neste trabalho, a burocracia escolar está voltada para o saber fechado, pronto, acabado, e que não permite aberturas, reflexões.
Portanto, os profissionais da educação
que desejem reverter este quadro,
através da execução de um trabalho
reflexivo/coletivo para a construção do
projeto político-pedagógico
transformador, não poderão fugir da
tarefa de reformulação das condições
institucionais escolares onde
desenvolvem o seu trabalho. Como
afirma Schön (1992),
“(...) o desenvolvimento de uma prática reflexiva eficaz tem que integrar o contexto institucional. O professor tem de se tornar um navegador atento à burocracia. E os responsáveis escolares que queiram encorajar os professores a tornarem- se profissionais reflexivos devem tentar criar espaços de liberdade tranqüila onde a reflexão na ação seja possível.” (p. 87)
Em pesquisas realizadas em escolas públicas estaduais paranaenses, através da implantação do projeto “Construindo a escola cidadã”, Cavagnari (1998) constata a existência de alguns entraves na realidade escolar que constituem dificuldades no processo de construção do projeto político-pedagógico e conquista da autonomia da escola. Estes entraves seriam a constante rotatividade do corpo docente, a fragilidade dos professores em relação aos conceitos teóricos que envolvem o processo, a implantação apressada de novas políticas educacionais, geralmente impostas por órgãos administrativos mais amplos e, principalmente, a falta de espaço coletivo para discussão periódica entre os professores.
A respeito deste último entrave, Cavagnari (idem) constata que, nas instituições pesquisadas, há pouco espaço garantido para as reuniões de grupo sobre as práticas escolares. Além disso, as poucas reuniões previstas em calendário não são bem aproveitadas, devido ao fato de que, nessas reuniões, são discutidas a maioria das questões administrativas, sobrando pouco tempo para as questões pedagógicas.
Desta forma, a autora constata que o tempo não é o único fator indispensável
para a realização do processo de construção reflexiva/coletiva do projeto político-pedagógico da escola. É necessária, portanto, a existência de um espaço real e concreto para a realização de encontros que devem ser previstos na agenda escolar.
Nesta mesma pesquisa, foi constatada a grande importância da administração da instituição escolar como determinante de um trabalho pedagógico de qualidade.
Como afirma Cavagnari (ibidem), “Uma coordenação e uma liderança seguras, competentes e criativas incentivam a participação e unificam as ações dos professores, favorecendo o crescimento do grupo e da escola.” (p.
109)
1.5. A QUESTÃO DA AVALIAÇÃO Na construção coletiva/reflexiva do projeto político-pedagógico, deve-se incluir o processo de avaliação como um aspecto fundamental para o desenvolvimento do próprio projeto.
Segundo Villas Boas (1998), a avaliação é a categoria do trabalho escolar que inicia e mantém o andamento adequado do projeto político-pedagógico, "(...)por meio de contínuas revisões de percurso, e por oferecer elementos para a análise do produto final.” (p.
180)
Desta forma, em relação ao
desenvolvimento de projetos, o processo
de avaliação dos mesmos deve se dar de
forma contínua e formativa,
configurando-se como um instrumento de
apoio ao andamento do trabalho escolar
em todas as suas dimensões. Portanto,
durante todo o processo, devem ser
analisados os fatores facilitadores ou os
interceptores do trabalho estruturado,
possibilitando, assim, as alterações necessárias e, portanto, a continuidade e efetivação do próprio projeto.
Villas Boas (idem, p. 195) enfatiza, ainda, em sua abordagem sobre avaliação, a importância do planejamento da mesma, no que diz respeito ao clareamento de sua função, bem como à determinação das dimensões do trabalho a serem avaliadas, assim como quem o fará, e quais são os procedimentos mais adequados de registro e uso das informações coletadas. Além disso, a autora enfatiza a importância de se buscarem meios que possibilitem o envolvimento dos alunos na sua auto avaliação e na avaliação do trabalho pedagógico e, por fim, a reflexão fundamental de todo o processo: como usar as informações coletadas para replanejar o trabalho pedagógico da escola.
Na busca de uma forma mais sistematizada de avaliação, destaca-se a pesquisa, como instrumento de divulgação de dados e resultados obtidos com o processo de avaliação de projetos pedagógicos, e também como possibilitadora da formação continuada de professores e de profissionais da educação em geral. Assim, por meio da pesquisa na própria prática educativa, dá-se a inclusão dos professores no processo de construção de conhecimentos sobre educação.
Atualmente, destaca-se a necessidade de se produzirem conhecimentos na área da gestão escolar, mais precisamente a respeito das concepções democráticas de gestão, com vistas ao trabalho reflexivo/coletivo de educadores na construção do projeto político-
pedagógico da instituição escolar.
Portanto,
“Ainda que entendido como processo único, analisar o percurso de uma escola no desenvolvimento de seu projeto pode sugerir reflexões e esclarecimentos úteis para o enriquecimento de propostas semelhantes em curso.” (Pinheiro, 1998, p. 77)
2. OBJETIVO
A partir das reflexões teóricas expostas neste trabalho, definiu-se como seu objetivo a análise de algumas condições institucionais para o planejamento e desenvolvimento do projeto político-pedagógico na escola, com base em concepções coletivas e democráticas de organização do trabalho.
Este tema será abordado à luz dos resultados de uma pesquisa desenvolvida na área
1, a qual objetivou avaliar o trabalho de uma instituição cuja gestão e organização das práticas estavam baseadas nas concepções definidas anteriormente. Buscou-se identificar, com a pesquisa, os fatores facilitadores e dificultadores considerados fundamentais para o andamento e efetivação do projeto político-pedagógico da escola, visto que, como já foi enfatizado neste trabalho, os fatores intrínsecos à instituição escolar, no que diz respeito à sua gestão e organização do trabalho pedagógico, são, dentre outros, determinantes para o processo em questão.
1
PERON, Sarah Cristina. (2000) “Condições institucionais para o desenvolvimento do projeto pedagógico na escola democrática”
Trabalho de Iniciação Científica financiado
pela FAPESP (Fundação de Amparo à
Pesquisa do Estado de São Paulo)
Assim, uma instituição que demonstra estar se transformando, na medida em que adota concepções mais modernas de gestão e organização do trabalho, parece ter condições de fornecer informações sobre esta inovação, dada à sua própria experiência. Portanto, diante do momento atual pelo qual caminha a educação, onde inúmeras contradições relacionadas à gestão e organização do trabalho pedagógico escolar parecem atravancar a sua eficiência, é importante que se obtenham conhecimentos acerca de propostas e experiências inovadoras nesta área, para que os resultados positivos possam abranger um número cada vez maior de instituições.
3. A PESQUISA DESENVOLVIDA 3.1. DESCRIÇÃO
A pesquisa foi realizada em uma escola de caráter privado e de ensino confessional, de porte grande, situada em um bairro de classe média de Campinas.
O setor escolhido para a pesquisa foi o de Ensino Fundamental – 5
aà 8
asérie (2
afase). O motivo desta escolha foi a constatação, através de pesquisa bibliográfica, da existência de um processo de desenvolvimento e construção do projeto político- pedagógico neste setor, por meio da organização coletiva do trabalho. A análise destas condições constituiu o objetivo do trabalho de pesquisa. O setor pesquisado possui, atualmente, um total de 735 alunos, divididos entre a 5
ae a 8
asérie, nos períodos da manhã e da tarde.
Participaram desta pesquisa os seguintes sujeitos:
- todos os professores do setor, que participavam regularmente das reuniões
formais. Destes, foram escolhidos 8, para serem sujeitos das entrevistas semi- dirigidas, onde foram coletados dados mais específicos, além daqueles coletados na observação das reuniões.
Dos 8 professores, 4 eram professores coordenadores de área (Ciências, Ciências Sociais, Comunicação e Expressão e Matemática) e 4 não eram coordenadores;
- os 2 Coordenadores Pedagógicos do setor, que participavam regularmente das reuniões, e com os quais foram realizadas entrevistas semi-dirigidas, onde foram coletados dados mais específicos do que aqueles coletados na observação das reuniões;
- as 2 Orientadoras Educacionais do setor, que participavam de algumas das modalidades de reuniões, e com as quais foram realizadas entrevistas semi- dirigidas, onde foram coletados dados mais específicos do que aqueles coletados na observação das reuniões;
- o Diretor geral da escola, com o qual foi realizada uma entrevista semi-dirigida, onde foram coletados dados mais específicos do que aqueles coletados na observação dos momentos citados anteriormente;
- os demais funcionários da equipe técnica do setor, como os inspetores, a secretária, a bibliotecária, entre outros, os quais estavam presentes em momentos formais ou informais observados;
- outros funcionários da escola como, por exemplo, pessoas responsáveis pelo Departamento de Comunicação e pela Pastoral de Educação, bem como outras pessoas convidadas, estando estes sujeitos presentes em momentos formais e informais observados.
A coleta de dados ocorreu de acordo
com os objetivos fixados e com as
opções metodológicas, centralizando-se na busca das condições institucionais percebidas como aspectos facilitadores ou dificultadores da organização da prática pedagógica da instituição.
Os dados foram coletados através de observações e de entrevistas, como se segue:
Observação de reuniões
Foram observadas as seguintes modalidades de reuniões: reuniões pedagógicas gerais mensais, reuniões semanais de coordenação de área, reuniões de conselho de classe e reuniões de entrega de notas aos pais. Uma caracterização mais detalhada do funcionamento e das especificidades de cada uma destas modalidades de reunião pode ser encontrada no relatório final da pesquisa realizada.
2Durante a observação, as principais ocorrências de cada uma das reuniões eram anotadas no Diário de Campo e, posteriormente, transformadas em matrizes de análise de dados.
Eram coletados dados a respeito:
- dos tópicos ou assuntos abordados, estando os mesmos relacionados ou não à organização do trabalho pedagógico e ao projeto político-pedagógico;
- das relações interpessoais entre os participantes da reunião - professores, coordenadores, orientadores pedagógicos e funcionários, dentre outros, que eventualmente estivessem participando destas reuniões;
- das possibilidades de participação de todos os envolvidos na reunião: suas falas principais e seus silêncios e a consideração ou não das(os) mesmas(os) para a tomada de decisões;
2
idem.
- das resoluções finais sobre os assuntos tratados na reunião, e a participação dos membros da reunião nestas decisões;
- do tempo destinado a cada parte da reunião, e da viabilidade ou não deste tempo.
ENTREVISTAS
Foram realizadas entrevistas com os seguintes sujeitos: 8 professores (4 coordenadores de área e 4 não- coordenadores), as duas orientadoras educacionais, os dois coordenadores pedagógicos do setor e o diretor da escola. Uma descrição mais detalhada a respeito dos dados específicos coletados em cada uma das entrevistas pode ser encontrada no relatório final da pesquisa.
3A realização das entrevistas semi- dirigidas foi feita com base em roteiros pré estabelecidos. Todas as entrevistas foram gravadas e posteriormente transcritas, gerando matrizes de análise de entrevistas.
Foram coletados dados a respeito:
- das impressões dos profissionais a respeito da construção e do desenvolvimento do projeto político- pedagógico do setor de 5ª à 8ª série, bem como de suas expectativas para com o trabalho estruturado, tendo em vista as condições institucionais existentes para tal;
- de suas impressões acerca da organização geral da prática pedagógica no setor, ou seja, do papel e da influência das principais modalidades de reuniões que envolvem o encontro entre o grupo todo dos professores e entre os professores da mesma área, objetivando a discussão a respeito da prática pedagógica, bem como de suas reflexões
3
ibidem.
a respeito das demais esferas de decisão (coletiva ou não) a respeito desta prática;
- da sua participação nestas modalidades de reunião, no que diz respeito à influência e aos seus anseios, referentes a esta participação;
- das definições dadas pelos profissionais a respeito dos papéis atribuídos por eles às esferas de influência na organização do trabalho pedagógico: diretor, coordenadores pedagógicos, orientadoras educacionais, professores, os próprios alunos e pais/mães.
A análise das matrizes de observação de reuniões e das matrizes de entrevistas, elaboradas a partir dos dados coletados, teve como resultado um rol de categorias e sub-categorias de análise dos dados da pesquisa, as quais, de acordo com o objetivo proposto para o trabalho, foram divididas em fatores facilitadores e fatores dificultadores da organização do trabalho pedagógico do setor de 5ª a 8ª série da instituição pesquisada. Tais categorias e sub-categorias encontram-se detalhadamente descritas no Relatório Final da pesquisa.
4. AS CONDIÇÕES
INSTITUCIONAIS E O PROJETO PEDAGÓGICO
Pretende-se, aqui, apresentar a análise de algumas das principais condições institucionais para a organização do trabalho pedagógico na escola. Esta análise terá como base a pesquisa
4já citada anteriormente; abordará os principais aspectos facilitadores da organização do trabalho pedagógico, identificados a partir da análise dos dados, bem como os fatores dificultadores desta organização, os quais
4