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A proteção dos conhecimentos tradicionais associados à agrobiodiversidade.

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A proteção dos conhecimentos tradicionais associados à agrobiodiversidade.

Juliana Santilli, sócia-fundadora do ISA e promotora de Justiça do Ministério Público do DF.

Agosto de 2010

A proteção ao conhecimento tradicional associado à biodiversidade já era estabelecida no artigo 8 (j) da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), mas, no âmbito do Tratado internacional sobre Recursos Fitogenéticos para Alimentação e Agricultura, se refere especificamente às inovações, práticas e saberes relativos às sementes e aos sistemas agrícolas. Os conhecimentos tradicionais associados à agrobiodiversidade incluem as práticas de cultivo, o controle biológico de pragas e doenças, a seleção, o desenvolvimento e o melhoramento de variedades localmente adaptadas, a manutenção da fertilidade do solo etc. As variedades locais, desenvolvidas por agricultores e populações tradicionais, incorporam, em si, tais saberes agronômicos associados.

A distinção entre os componentes tangíveis (recursos fitogenéticos) e intangíveis (conhecimentos associados) da agrobiodiversidade é artificial, pois dificilmente se poderá dissociar as variedades dos saberes locais, que são incorporados ao próprio objeto biológico1. Nas palavras de Laure Emperaire

O conhecimento tradicional associado à planta domesticada e selecionada pelas comunidades locais se expressa na própria existência do objeto biológico, a planta.

Sem o saber agronômico das comunidades locais, suas técnicas e experimentos de seleção e conservação, esses objetos não existiriam, quer se trate de plantas alimentares, medicinais, ornamentais e outras categorias de uso. A diversidade agrícola é por si expressão e materialização de saberes tradicionais2.

A proteção aos conhecimentos tradicionais e a repartição dos benefícios derivados da utilização dos recursos fitogenéticos têm motivado diversas propostas, que se inspiram principalmente em dois modelos, propostos em separado e conjuntamente.

O primeiro modelo está centrado na criação de um regime sui generis3 de propriedade intelectual.

Seriam reconhecidos direitos de propriedade intelectual sobre as variedades de plantas desenvolvidas pelos agricultores, tal como se faz com as variedades comerciais. Tal forma de proteção considera que as comunidades locais serão beneficiadas com o recebimento de royalties por suas variedades da mesma forma como os melhoristas comerciais recebem royalties pelas variedades que desenvolvem e são protegidas. Os direitos de propriedade intelectual beneficiariam os agricultores por sua contribuição para a conservação da agrobiodiversidade e para o desenvolvimento de novas variedades e impediriam que terceiros se apropriassem indevidamente de suas variedades e saberes agrícolas (na visão dos defensores desse modelo).

Os direitos de propriedade intelectual são em geral incorporados às leis de proteção de cultivares e dos direitos de melhoristas, como na lei da Índia.

Há diversas dificuldades e incoerências na implementação de tal regime sui generis de propriedade intelectual. Proteger através de direitos de propriedade intelectual implica exclusão e concessão de monopólios, o que acabaria por desestimular o intercâmbio e a circulação de recursos e saberes agrícolas, solapando as bases dos sistemas agrícolas locais e tradicionais. Os agricultores estariam não apenas

1 No Brasil, por exemplo, a autorização de acesso do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGEN) é necessária para variedades tradicionais, locais ou crioulas, em virtude do conhecimento tradicional associado, incorporado ao material genético.

2SANTILLI, Juliana & EMPERAIRE, Laure. “A agrobiodiversidade e os direitos dos agricultores indígenas e tradicionais.” In:

RICARDO, Beto & RICARDO, Fany (eds.). Povos indígenas no Brasil: 2001-2005. São Paulo: ISA, 2006. p. 100-103.

3 O termo “sui generis” pode ter muitos significados. Estes variam desde a criação de um regime jurídico verdadeiramente sui generis (ou seja, com características próprias, distintas do regime de propriedade intelectual), baseado no reconhecimento do pluralismo jurídico e das instituições jurídicas locais, desenvolvidas pelos próprios agricultores, até o significado que tem sido mais comumente adotado: um regime jurídico sui generis seria uma espécie de “adaptação” dos direitos de propriedade intelectual, nos termos do artigo 27.3. “b” do Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (Trips) da Organização Mundial de Comércio.

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impedidos de utilizar os recursos da agrobiodiversidade em virtude da incidência de direitos de propriedade intelectual sobre as variedades comerciais como se excluindo, uns aos outros, com a criação de direitos exclusivistas. Além disso, tal regime negaria o caráter coletivo e cumulativo das inovações produzidas pelos agricultores, e seria complexo (para os direitos estatais) definir os titulares de tais direitos, considerando que os intercâmbios realizados pelas comunidades locais se dão através de complexas redes sociais e segundo as normas e instituições locais.

O direito de impedir terceiros de usar os recursos e saberes agrícolas – que é, basicamente, o que representa o direito de propriedade intelectual – teria, na verdade, impacto negativo sobre os sistemas agrícolas locais e sobre os processos biológicos, sociais e culturais que geram a agrobiodiversidade. Como observa Carlos Corrêa, “seria ilógico proteger os direitos de agricultores através do sistema de propriedade intelectual, porque foi exatamente esse sistema que criou os problemas que o conceito de direitos dos agricultores procura resolver”4. A fim de evitar a apropriação indevida de variedades locais, entretanto, as leis nacionais podem – e devem – estabelecer limitações à concessão de direitos de propriedade intelectual sobre os materiais genéticos vegetais e as inovações na agricultura.

O segundo modelo está centrado no estabelecimento de regimes bilaterais de acesso e repartição de benefícios, nos moldes da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB). Assim, o acesso aos recursos fitogenéticos conservados in situ/on farm pelos agricultores estaria sujeito ao seu consentimento prévio e informado e à repartição dos benefícios derivados de sua utilização. Algumas propostas sugerem que os melhoristas sejam obrigados a revelar a origem dos materiais genéticos utilizados no desenvolvimento de novas variedades, a fim de repartir benefícios com os agricultores. No Brasil, o regime de acesso e repartição de benefícios foi estabelecido pela MP 2.186-16/2001, que implementa a Convenção sobre Diversidade Biológica. O regime bilateral de acesso e repartição de benefícios é incompatível com a natureza dos recursos fitogenéticos na área de alimentação e agricultura, e os contratos entre “provedores” e

“usuários” de recursos não têm trazido benefícios para os agricultores.

Além das formas diretas e bilaterais de repartição de benefícios, discute-se a imposição de uma taxa sobre os lucros obtidos pelos melhoristas com a comercialização de sementes de variedades protegidas. Tais recursos seriam destinados a fundos de repartição de benefícios, implementados no plano internacional e nacional. O Tratado Internacional sobre os Recursos Fitogenéticos para a Alimentação e a Agricultura (ratificado pelo Brasil) cria um sistema multilateral de acesso e estabelece um fundo (internacional) de repartição de benefícios, onde é depositada parte dos lucros gerados pela venda de sementes protegidas por patentes, que tenham sido desenvolvidas com base em materiais genéticos acessados através do sistema multilateral. Tais recursos não se destinam à implementação dos direitos dos agricultores, mas do tratado internacional de forma geral. O tratado estabelece, entretanto, que os benefícios econômicos devem reverter prioritariamente aos agricultores, especialmente dos países em desenvolvimento que conservam e utilizam, de forma sustentável, os recursos fitogenéticos5. Só fazem parte do sistema multilateral os cultivos agrícolas incluídos em uma lista anexa ao tratado, conservados ex situ e em coleções públicas, e esse fundo internacional é gerido pelo órgão gestor do tratado, e não se confunde com os fundos de repartição de benefícios instituídos por alguns países, como a Índia.

O Brasil não deve estabelecer um regime de propriedade intelectual sobre as variedades de plantas desenvolvidas pelos agricultores. As formas de repartição de benefícios com os agricultores também não devem ser vinculadas à comercialização de produtos desenvolvidos com base em materiais genéticos acessados de coleções ex situ ou coletados in situ/on farm, pois o papel dos agricultores na conservação da agrobiodiversidade estaria sendo subestimado: afinal, os agricultores conservam e manejam os recursos agrícolas há milênios, e considerar que a sua contribuição se limita ao material genético utilizado em variedades comerciais é subestimar enormemente a sua contribuição para o pool gênico global. Haveria ainda enormes dificuldades para se identificar as comunidades detentoras de recursos, conservados tanto in situ/on farm como ex situ. Muitas variedades conservadas ex situ foram coletadas em terras ocupadas por comunidades locais e raramente constam, dos dados de passaporte do acesso, quaisquer informações

4 CORREA, Carlos, op. cit.

5 Artigo 13.3. O artigo 18.5 também estabelece que os países concordam que seja dada prioridade à implementação de planos e programas voltados para os agricultores de países em desenvolvimento que conservam e utilizam de forma sustentável os recursos fitogenéticos.

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relativas às comunidades locais detentoras de recursos e saberes agrícolas, o que dificulta a sua identificação. Tal regime tende a estimular rivalidades, e os agricultores têm mais a ganhar se for preservada a sua liberdade de acessar e trocar as sementes, segundo as normas e instituições locais, do que se lhes forem assegurados direitos a restringir e impor condições e receber benefícios econômicos. As formas de repartição de benefícios devem assegurar que todos os agricultores possam acessar, manejar e usar os recursos genéticos de acordo com as práticas, usos e costumes locais.

O Brasil poderia estabelecer um fundo nacional de repartição de benefícios, gerido com a participação de representantes de agricultores locais, familiares e tradicionais e destinado a apoiar planos e programas voltados para a conservação in situ e on farm da agrobiodiversidade e para a implementação dos direitos dos agricultores. Entretanto, a esse fundo deveria ser destinado um percentual sobre todas as vendas de sementes no país, e não apenas sobre a comercialização de produtos desenvolvidos com base em materiais genéticos acessados de coleções ex situ ou coletados in situ/on farm. Os benefícios devem ser repartidos não apenas com aqueles agricultores que detêm variedades de plantas utilizadas em programas de melhoramento, mas com todos os agricultores que participaram da conservação e utilização sustentável da agrobiodiversidade.

A forma mais eficaz e equitativa de repartição de benefícios, ainda que indireta, é apoiar a conservação e o manejo on farm da agrobiodiversidade, com a participação dos agricultores, assegurando a continuidade dos processos biológicos, sociais e culturais que geram a agrobiodiversidade e fortalecendo os vínculos entre conservação e desenvolvimento local sustentável. As ações e políticas de conservação devem enfocar o sistema agrícola como um todo, e não apenas as espécies6, e considerar não só os elementos biológicos, como espécies e variedades agrícolas, como os conhecimentos, as inovações e as práticas associadas a eles. Todo o sistema sociocultural que acompanha e dá suporte aos componentes biológicos deve ser considerado: as percepções e os valores locais associados aos recursos e saberes da agrobiodiversidade, as concepções desenvolvidas pelas comunidades locais sobre as variedades, como são criadas e se diferenciam entre si, a titularidade de direitos sobre tais recursos (segundo as normas e instituições jurídicas locais), o liame entre o recurso e o conhecimento, a circulação e intercâmbio do material fitogenético, o seu compartilhamento por várias comunidades locais etc.7. São sistemas socioculturais complexos e pouco estudados, e o primeiro passo é definir, entre as prioridades para a pesquisa participativa, um melhor conhecimento de tais sistemas e de suas interações com a agrobiodiversidade. O tratado internacional prevê a obrigação dos países de fortalecer a pesquisa que promova e conserve a diversidade biológica, maximizando a variação intraespecífica e interespecífica8 em benefício dos agricultores (artigo 6.2.”b”).

Os arts. 5º e 6º do tratado internacional estabelecem os princípios e diretrizes que devem orientar as políticas e as ações voltadas para a conservação e a utilização sustentável dos recursos fitogenéticos, prevendo a participação dos agricultores no manejo e conservação in situ e on farm dos recursos fitogenéticos. Tais princípios e diretrizes estão diretamente relacionados com a implementação dos direitos dos agricultores: esses não são estabelecidos apenas no artigo 9º do tratado, mas também nas normas que disciplinam o uso e a conservação da agrobiodiversidade (artigos 5º e 6º). É a primeira vez que um tratado internacional vinculante reconhece o papel dos agricultores e das comunidades locais na conservação da agrobiodiversidade, obrigando os países a adotar ações, políticas e programas de apoio à conservação on farm. Essa cumpre várias outras funções, além da conservação em si, como o empoderamento das comunidades locais, o fortalecimento dos sistemas agrícolas tradicionais e locais e a manutenção dos agricultores em suas terras. O tratado obriga ainda os países a adotar políticas agrícolas que promovam o desenvolvimento e a manutenção dos diversos sistemas de cultivo que favorecem o uso sustentável da agrobiodiversidade.

6 EMPERAIRE, Laure & VELTHEM, Lúcia H van &. OLIVEIRA, Ana Gita de. “Patrimônio cultural imaterial e sistema agrícola: o manejo da diversidade agrícola no médio rio Negro (AM).” In: 26ª REUNIÃO BRASILEIRA DE ANTROPOLOGIA, realizada em de abril de 2008, Porto Seguro, BA. [Documentos]. CD virtual, disponível em:

abant.org.br/noticias.php?type=congressoRBA#453. Acessado em 11/1/2009.

7 SANTILLI & EMPERAIRE, 2006, op. cit.

8 A diversidade interespecífica é a diversidade entre espécies, e a diversidade dentro de uma mesma espécie é chamada de intraespecífica.

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Os programas orientados para a conservação on farm devem incluir não só a conservação, mas políticas de valorização e fortalecimento dos sistemas agrícolas locais, como a criação de bancos de sementes locais/comunitários9, a realização de feiras de sementes e de programas de melhoramento participativo (realizados em parceria por melhoristas de instituições de pesquisa e agricultores), com o consequente fortalecimento da capacidade dos agricultores de desenvolver variedades adaptadas às suas condições socioculturais, econômicas e ecológicas. Deve ser assegurado o direito dos agricultores de conservar, usar, trocar e vender sementes ou outros materiais de propagação sem impedimentos ou restrições legais inadequadas às características dos processos produtivos locais. Um sistema de remuneração dos serviços ambientais deve considerar a conservação da diversidade de espécies, variedades e agroecoosistemas como um dos serviços ambientais prestados pelos agricultores. Devem também ser desenvolvidos instrumentos e políticas especiais para garantir o acesso (em condições facilitadas) dos produtos da agrobiodiversidade ao mercado10. Além disso, a criação de quaisquer sistemas de registro deve ter sempre natureza declaratória, e não constitutiva de direitos, e contar sempre com a participação das comunidades locais.

Muitas iniciativas já têm sido adotadas pelas organizações da sociedade civil brasileira, em parceria com os agricultores, e outras pelo governo brasileiro. O Mapa das Expressões da Agroecologia no Brasil, elaborado durante o processo preparatório para o II Encontro Nacional de Agroecologia, realizado em junho de 2006, em Recife, Pernambuco, ilustra a abrangência e a diversidade das experiências nacionais de uso e conservação da biodiversidade (apesar de ser apenas uma pequena amostra, como destacam os seus organizadores). Para o tema Sementes, por exemplo, foram identificadas 47 experiências em 14 Estados, envolvendo 10.064 famílias, trabalhando com 51 espécies. O caderno Uso e Conservação da Biodiversidade, do II Encontro Nacional de Agroecologia, apresenta experiências como a produção de sementes de hortaliças agroecológicas pela Bionatur11, a experiência da Unaic12 , Rio Grande do Sul com a recuperação de sementes crioulas, a experiência da Rede Sementes da Articulação do Semiárido Paraibano e as práticas de recuperação, produção e melhoramento de sementes crioulas de hortaliças do Movimento de Mulheres Camponesas de Santa Catarina. Em 2005 foi criado, no âmbito da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), o Grupo de Trabalho de Biodiversidade.

Outra publicação do II Encontro Nacional de Agroecologia, intitulada Construção do Conhecimento Agroecológico, também produzida pelo Articulação Nacional de Agroecologia, em junho de 2007, relata experiências em redes, como a Articulação Mineira de Agroecologia e a Rede Ater Nordeste, e outras experiências institucionais, como o Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas ; o Centro Sabiá, no agreste pernambucano, o Grupo de Agricultores, Experimentadores e Monitores de Sistemas Agroecológicos no vale do rio Doce, em Minas Gerais, a Associação dos Produtores Alternativos de Ouro Preto do Oeste, em Rondônia; e a Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa (AS-PTA).

Paula Almeida e Cláudia Schmitt13 destacam ainda as experiências da Rede de Intercâmbio de Sementes do Ceará (RIS-CE), que conta com o apoio da organização não governamental cearense Esplar – Centro de Pesquisa e Assessoria; da Rede de Sementes da Paraíba, apoiada pela Articulação do Semiárido Paraibano;

da Cooperativa de Pequenos Produtores Agricultores dos Bancos Comunitários de Sementes (Coppabacs); e da Rede de Troca de Sementes do Grupo de Intercâmbio em Agricultura Sustentável (Gias), do Mato Grosso. No Estado de Goiás, o Movimento dos Pequenos Agricultores tem desenvolvido atividades de

9 O Estado da Paraíba editou a Lei 7.298/2002, que dispõe sobre a criação do Programa Estadual de Bancos Comunitários de Sementes, e o Estado do Alagoas editou a Lei 6.903/2008, que dispõe sobre a criação do Programa Estadual de Bancos Comunitários de Sementes. O Estado de Minas Gerais editou a Lei 18.374/2009, que dispõe sobre a Política Estadual de Incentivo à Formação de Bancos Comunitários de Sementes de Cultivares Locais, Tradicionais ou Crioulas.

10 Consultar: SIMONI, Jane. A multidimensionalidade da valorização de produtos locais: implicações para políticas públicas, mercado, território e sustentabilidade na Amazônia. Brasília, 2009. Tese (Doutorado) – Centro de Desenvolvimento Sustentável, Universidade de Brasília.

11A Bionatur é uma empresa social do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST) que mantém uma rede nacional de produção e comercialização de sementes agroecológicas de hortaliças.

12 A Unaic - União das Associações Comunitárias do Interior de Canguçu - reúne associações e grupos comunitários rurais e é dirigida exclusivamente por agricultores, contando com 38 associações filiadas. Canguçu situa-se no sudeste do Estado do Rio Grande do Sul. Consultar: www.unaic.com.br.

13 ALMEIDA, Paula & SCHMITT, Cláudia. “Sementes e soberania alimentar.” In: SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE SOBERANIA E SEGURANÇA ALIMENTAR, 7 de novembro de 2008, Recife, Pernambuco. Heifer Internacional.

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recuperação, produção, multiplicação e distribuição de sementes crioulas com os agricultores. Esses são apenas alguns exemplos de iniciativas da sociedade civil dirigidas para a conservação e a utilização sustentável da agrobiodiversidade, pois a Articulação Nacional de Agroecologia - ANA - conta com mais de 100 organizações espalhadas por todo o país14.

No Parque Indígena do Xingu o Instituto Socioambiental tem desenvolvido atividades de apoio ao uso e conservação da agrobiodiversidade pelo povo indígena Kayabi15. Na região do rio Negro, na Amazônia, o Instituto Socioambiental desenvolve, em parceria com a Organização Indígena da Bacia do Içana (OIB) e com escolas indígenas, um projeto de pesquisa intitulado “Pimentas na bacia do Içana-Ayari:

bases para a sustentabilidade da produção e comercialização”. O projeto tem, entre seus objetivos, identificar e descrever a diversidade de pimentas (do gênero Capsicum) das roças do médio e alto rio Içana e Ayari e descrever as redes de troca de pimentas secas em pó (jiquitaias), para orientar iniciativas sustentáveis de produção e comercialização das pimentas do povo indígena Baniwa.

Na esfera governamental, deve ser mencionado o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), por meio do qual a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab, do Ministério da Agricultura), adquire sementes locais de agricultores familiares para doá-las a bancos comunitários, a fim de recompor os estoques dos agricultores. O principal objetivo do PAA não é a compra e a distribuição de sementes, mas sim a compra e a distribuição de alimentos. O PAA foi instituído pelo artigo 19 da Lei 10.696/2003 e regulamentado pelo Decreto 5.873/2006, e o programa adquire alimentos, com dispensa de licitação, de agricultores familiares e os destina a pessoas em situação de insegurança alimentar e nutricional atendidas por programas sociais. O PAA é dirigido também a agricultores familiares enquadrados no Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), bem como aquicultores, pescadores artesanais, silvicultores, extrativistas, indígenas, quilombolas e agricultores assentados.

Outros exemplos são os Centros Irradiadores de Manejo da Agrobiodiversidade (Cimas), geridos por parcerias entre o governo federal (MMA e MDA), movimentos sociais e organizações da sociedade civil para promover o resgate, a conservação e o uso sustentável da agrobiodiversidade mantida e manejada por comunidades locais, povos indígenas e agricultores familiares no campo. Uma das linhas temáticas dos Cimas são as sementes crioulas (resgate e produção de sementes próprias, visando à autonomia do agricultor). O MDA também tem apoiado projetos de resgate e conservação de sementes locais e capacitação de agricultores e técnicos em agroecologia16. Foi aprovada ainda a incorporação do programa Conservação, Manejo e Uso Sustentável da Agrobiodiversidade (conhecido como Programa Nacional de Agrobiodiversidade) no Plano Plurianual (PPA) 2008-2011, que é o principal instrumento de planejamento de médio prazo das ações do governo federal17.

14 Para mais informações sobre experiências agroecológicas, consultar também: www.agroecologiaemrede.org.br (banco de dados sobre experiências, pesquisas e contatos de pessoas e instituições vinculadas à agroecologia).

15SILVA, Geraldo Mosimann da. “Uso e conservação da agrobiodiversidade pelos índios Kayabi do Xingu”. In: BENSUSAN, Nurit (org.). Seria melhor mandar ladrilhar? Biodiversidade: como, para que e por quê. Brasília: UnB; IEB; São Paulo:

Peirópolis, 2008b. p. 317-336. Consultar também: SILVA, Geraldo Mosimann et al.(org.). A ciência da roça no Parque do Xingu:

Livro Kayabi. São Paulo: ISA, 2002.

16 O Departamento de Assistência Técnica e Extensão Rural da Secretaria de Agricultura Familiar do Ministério do Desenvolvimento Agrário (Dater/SAF/MDA) mantém uma seção em seu sítio na internet com mais de 300 tecnologias de base ecológica. O endereço é: www.pronaf.gov.br/dater/index.php?sccid=1976. Manejo de solos, plantas de cobertura, diferentes biofertilizantes, manejo de pragas e doenças, inseticidas naturais e biológicos, práticas para a produção ecológica de leite e de pecuária ecológica estão entre os temas tratados.

17 O Programa Conservação, Manejo e Uso Sustentável da Agrobiodiversidade inclui as seguintes ações: - acompanhamento da participação de produtos alimentícios oriundos da agrobiodiversidade no Programa de Aquisição de Alimentos; - desenvolvimento da agricultura orgânica (Pró-Orgânico); - fomento à conservação e uso sustentável de recursos genéticos para agricultura e alimentação; - fomento a projetos demonstrativos na Amazônia e Mata Atlântica; - fomento ao manejo de recursos naturais de várzeas na Amazônia; - fortalecimento e valorização de iniciativas territoriais de manejo e uso sustentável da agrobiodiversidade;

- identificação e pesquisa de espécies da fauna e flora de importância econômica atual e potencial; - implantação de sistemas comunitários de conservação e uso sustentável da agrobiodiversidade; - implantação de unidades territoriais de gestão ambiental rural (Gestar); - implementação dos planos de utilização dos polos do Proambiente em escala territorial; e pesquisa, acesso e tecnologia para o manejo sustentável da agrobiodiversidade.

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Como podemos observar pelas diversas experiências descritas acima, nem sempre os programas e políticas orientados para a conservação on farm e para a implementação dos direitos dos agricultores estão associados a leis específicas. As leis devem, entretanto, abrir espaços para que tais programas e políticas possam se realizar, e não criar empecilhos. Tais experiências poderiam ser fortalecidas pela criação de um fundo nacional de repartição de benefícios, destinado à conservação in situ e on farm da agrobiodiversidade e à implementação dos direitos dos agricultores, assim como pela adoção de leis especificamente concebidas para promover o uso sustentável da biodiversidade agrícola e assegurar o devido espaço legal aos sistemas agrícolas locais.

PARA SABER MAIS:

Santilli, Juliana. Agrobiodiversidade e direitos dos agricultores. São Paulo: Peirópolis, 2009.

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