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O Tribunal Penal Internacional enquanto Corte Internacional de jurisdição permanente: um estudo sobre o caso Thomas Lubanga Dyilo

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Academic year: 2018

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE DIREITO

DEPARTAMENTO DE DIREITO PÚBLICO

ANDREA MACEDO TERCEIRO LIMA

O TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL ENQUANTO CORTE

INTERNACIONAL DE JURISDIÇÃO PERMANENTE: UM ESTUDO SOBRE O CASO THOMAS LUBANGA DYILO

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ANDREA MACEDO TERCEIRO LIMA

O TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL ENQUANTO CORTE

INTERNACIONAL DE JURISDIÇÃO PERMANENTE: UM ESTUDO SOBRE O CASO THOMAS LUBANGA DYILO

Monografia apresentada à Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito.

Orientador: Prof. Ms. Raul Carneiro Nepomuceno.

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação Universidade Federal do Ceará

Biblioteca Universitária

Gerada automaticamente pelo módulo Catalog, mediante os dados fornecidos pelo(a) autor(a)

L696t Lima, Andrea Macedo Terceiro.

O Tribunal Penal Internacional enquanto Corte Internacional de jurisdição permanente: um estudo sobre o caso Thomas Lubanga Dyilo / Andrea Macedo Terceiro Lima. – 2016.

58 f.

Trabalho de Conclusão de Curso (graduação) – Universidade Federal do Ceará, Faculdade de Direito, Curso de Direito, Fortaleza, 2016.

Orientação: Prof. Me. Raul Carneiro Nepomuceno.

1. Tribunal Penal Internacional. 2. Crimes contra a humanidade. 3. Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional. 4. Thomas Lubanga Dyilo. 5. República Democrática do Congo. I. Título.

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ANDREA MACEDO TERCEIRO LIMA

O TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL ENQUANTO CORTE

INTERNACIONAL DE JURISDIÇÃO PERMANENTE: UM ESTUDO SOBRE O CASO THOMAS LUBANGA DYILO

Monografia apresentada à Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito.

Aprovada em: ___/___/_____

BANCA EXAMINADORA

____________________________________________________

Prof. Ms. Raul Carneiro Nepomuceno (Orientador)

Universidade Federal do Ceará (UFC)

____________________________________________________

Mestranda Natália Pinheiro Alves Batista

Universidade Federal do Ceará (UFC)

____________________________________________________

Mestrando Rafael Vieira de Alencar

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AGRADECIMENTOS

À minha mãe, Emília, que me gerou, me educou e me fez tudo o que sou hoje. Não saberia expressar em palavras o quanto eu a amo e o quanto eu sou grata por tudo o que faz por mim. Saiba que você, mãe, mulher proba, batalhadora, cuidadosa e afetuosa, é meu exemplo mais cristalino de um ser humano virtuoso.

Aos meus avós, Liraíce e Expedito, pessoas iluminadas e de grande coração, pelas suas histórias de vida, pela humildade, por todos os ensinamentos e oportunidades a mim oferecidos e por todos os momentos de reflexão proporcionados.

Ao meu pai, ao meu irmão, aos meus tios e aos meus primos, por todo o apoio, pelos felizes momentos em família que compartilhamos, apesar das diferentes personalidades e, algumas vezes, da distância, e por constituírem o núcleo familiar mais amoroso e unido de que tenho conhecimento.

Ao Paolo, meu companheiro de vida, que, mesmo distante, tanto se faz presente e que tanto me faz feliz, muito tendo me ensinado com sua paciência, atenção, amor e carinho imensuráveis. A você, todo o meu amor, da forma mais pura que este sentimento possa se manifestar.

Ao Professor Raul Carneiro Nepomuceno, pelo zelo na leitura deste trabalho, pelos apontamentos e observações pertinentes, pela paciência e pelo interesse demonstrado na temática abordada.

À Taís, à Isabela, ao João Lucas, ao Daniel, à Bia, ao Falkner, à Bianca, à Natália, ao William e a todos os outros amigos que fiz na SONU, projeto que marcou significativamente a minha graduação e pelo qual eu tenho um apreço profundo. Vocês terão sempre um lugar especialíssimo guardado em minha memória.

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A todos os meus amigos dos mais diferentes círculos de amizade, por compartilharem comigo angústias, tristezas e inseguranças e por me ajudarem a superar esses momentos com conselhos, alegrias e momentos de descontração.

A todos os professores que realmente me engrandeceram com seus ensinamentos, nem sempre apenas os formais.

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“Life’s most persistent and urgent question is ‘What are you doing for

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RESUMO

O presente trabalho tem por escopo realizar uma análise do emblemático caso Thomas Lubanga Dyilo, líder miliciano congolês e primeiro condenado do Tribunal Penal Internacional pela prática do crime de guerra de alistamento e recrutamento de crianças menores de quinze anos de idade e sua utilização para participar de hostilidades na região de Ituri, na República Democrática do Congo, entre 1º de setembro de 2002 e 13 de agosto de 2003. Inicialmente, buscou-se fazer um apanhado histórico dos Tribunais ad hoc que

julgaram diversos acusados pela prática de crimes violadores de direitos humanos e levaram à criação de uma jurisdição penal internacional permanente de proteção a direitos humanos, materializada no Tribunal Penal Internacional. Em seguida, fez-se um estudo da referida Corte, abordando aspectos como a sua origem, substanciada no Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional, sua estrutura, sua competência e jurisdição e sua sistemática processual. Ato contínuo, procedeu-se ao exame do caso propriamente dito, em observância à situação socioeconômica e cultural que antecedeu as duas guerras civis na República Democrática do Congo e à atuação de Lubanga nos conflitos, mormente em relação aos crimes perpetrados. Por fim, destaca-se o julgamento do caso, com as acusações formais e a condenação de Lubanga, primeira condenação do Tribunal Penal Internacional.

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ABSTRACT

The present paper aims at conducting an analysis of the emblematic case of Thomas Lubanga Dyilo, a congolese militia leader who was the first person convicted by the International Criminal Court for the practice of the war crime of enlisting and conscripting children under the age of 15 and using them to participate actively in hostilities in the Ituri region of the Democratic Republic of Congo between September 1st., 2002 and August 13, 2003. Initially, it has been intended to make a historical overview of the ad

hoc Courts that tried several defendants for the commitment of crimes in violation of

human rights and led to the creation of a permanent criminal jurisdiction to protect human rights, which was embodied in the International Criminal Court. Then, the referred Court has been studied, addressing issues such as its origin, its structure, its jurisdiction and its procedural methods. Subsequently, the case itself hás been examined, in compliance with the socioeconomic and cultural status that preceded the two civil wars occured in the Democratic Republic of Congo as well as with Lubanga’s role in the conflicts, especially

regarding to the perpetrated crimes. Finally, the trial of the case has been highlighted, in conjunction with the formal charges and the conviction of Lubanga, the first person ever convicted by the International Criminal Court.

Key words: Crimes against humanity. Rome Statute. International Criminal Court. Human rights. Thomas Lubanga Dyilo. Democratic Republico of Congo.

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FPLC Forces Patriotique pour la Libération Du Congo

RCD-ML Rassemblement Congolais pour la Démocratie - Mouvement pour la Libération

RCD-Goma Rassemblement Congolais pour la Démocratie - Goma

RDC República Democrática do Congo

TPI Tribunal Penal Internacional

UPC Union des Patriotes Congolais

UPDF Uganda People’s Defence Forces

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1. INTRODUÇÃO ... 12

2. CRIMES CONTRA A HUMANIDADE: VIOLAÇÕES DE DIREITOS HUMANOS E PRECURSORES DO TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL.. 15

3. O TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL ... 25

3.1. O Estatuto de Roma e a criação do TPI ... 25

3.2. Competência e jurisdição do Tribunal ... 27

3.2.1. Crime de genocídio ... 28

3.2.2. Crimes contra a humanidade ... 29

3.2.3. Crimes de guerra... 29

3.2.4. Crime de agressão ... 30

3.3. Breve exposição da sistemática processual no âmbito do TPI ... 31

4. O CASO THOMAS LUBANGA DYILO ... 35

4.1. Panorama socioeconômico e histórico da República Democrática do Congo . 35 4.2. A guerra civil do Congo ... 36

4.3. A Milícia “União dos Patriotas Congoleses” (UPC) ... 39

4.4. Crimes perpetrados ... 40

4.4.1. Recrutamento de crianças-soldado ... 43

4.4.2. Manutenção de escravas sexuais menores de idade ... 44

4.5. Acusações formais e julgamento ... 45

5. CONCLUSÃO ... 52

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12 1. INTRODUÇÃO

Nas primeiras décadas do século XX, graves violações aos direitos humanos ocorreram em todo o mundo, principalmente em decorrência das duas grandes guerras mundiais. Várias atrocidades foram cometidas, dizimando milhões de pessoas. Por vezes, os perpetradores destes crimes não eram sequer julgados pelas barbaridades que

cometiam, o que despertou uma “consciência coletiva” no sentido de impedir a

impunidade destes criminosos, bem como de evitar a reprodução daqueles atos de crueldade.

Diante de um cenário como este, a importância da implementação de um jus

puniendi universal era observada na medida em que se experimentou a necessidade de se

estabelecer uma jurisdição internacional que alcançasse todos os indivíduos, bem como aplicar-lhes sanções de caráter penal pela violação de direitos humanos e humanitários e pela violação das normas de Direito Internacional, concretizando uma “arquitetura internacional” apta a impedir que atrocidades daquela monta voltassem a ocorrer no planeta.

Assim é que alguns Tribunais ad hoc, cortes de exceção criadas com o fito de

realizar determinada persecução penal e eram extintas após cumprirem sua finalidade, surgiram em uma tentativa de conter tais atrocidades e punir aqueles responsáveis pelos crimes. Dentre estes tribunais, destaca-se a atuação do Tribunal de Nuremberg de 1945, do Tribunal Militar para o Extremo Oriente (Tribunal de Tóquio), do Tribunal Penal Internacional para a ex-Iugoslávia, do Tribunal Penal Internacional para Ruanda e, mais recentemente, do Tribunal Penal Internacional para Serra Leoa.

Assim, por meio do Estatuto de Roma de 1998, foi criado o Tribunal Penal Internacional, corte internacional permanente, independente e vinculada ao sistema das Nações Unidas, cuja principal característica é a jurisdição sobre os crimes considerados de maior gravidade e que mais causam repulsa à comunidade internacional. Sua atuação poderá, também, se dar de forma complementar às jurisdições penais nacionais, quando estas não quiserem ou não dispuserem de recursos para perseguir penalmente os criminosos.

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Estados – que tenham praticado crimes internacionais de maior gravidade e grau de reprovabilidade, a saber, genocídio, crimes de guerra, crimes contra a humanidade –

incluindo agressão generalizada a civis, ou contra populações, como tortura e estupros

em massa para as chamadas “limpezas étnicas”.

Desse modo, com a criação do TPI, seria possível fazer que os indivíduos fossem julgados e, eventualmente, condenados por violarem leis internacionais. O direcionamento das sanções tornaria o direito penal mais justo e efetivo. Dessa forma, um dos objetivos do TPI seria o de pôr termo à impunidade daqueles indivíduos que cometem crimes de grande monta, que assustam a comunidade internacional. À referida corte foi atribuída a competência para julgar crimes de genocídio, crimes de agressão, crimes contra a humanidade e crimes de guerra, delitos estes considerados violares do jus cogens,

o conjunto de normas peremptórias imperativas do direito internacional e inderrogáveis pela vontade das partes.

Como paradigma para a análise da atuação do Tribunal Penal Internacional, foi selecionado o primeiro caso submetido ao julgamento da Corte, qual seja, o de Thomas Lubanga Dyilo, líder miliciano congolês fundador e presidente da União dos Patriotas Congoleses (Union des Patriotes Congolais – UPC) e comandante da ala militar do grupo, as Forças Patrióticas pela Liberação do Congo (Forces Patriotiques pour la Libération du Congo – FPLC). Lubanga foi o primeiro condenado do Tribunal Penal Internacional pela prática do crime de guerra de alistamento e recrutamento de crianças menores de quinze anos de idade e sua utilização para participar de hostilidades na região de Ituri, na República Democrática do Congo, entre 1º de setembro de 2002 e 13 de agosto de 2003.

O presente trabalho de conclusão de curso intenciona, portanto, proceder, num primeiro momento, a uma pesquisa histórica dos Tribunais ad hoc que julgaram

diversos acusados pela prática de crimes violadores de direitos humanos e levaram à criação de uma jurisdição penal internacional permanente de proteção a direitos humanos, materializada no Tribunal Penal Internacional.

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Em seguida, procurou-se realizar um exame do caso propriamente dito, em observância à situação socioeconômica e cultural que antecedeu as duas guerras civis na República Democrática do Congo e à atuação de Lubanga nos conflitos, mormente em relação aos crimes perpetrados.

Destaca-se, ainda, o julgamento do caso, com as acusações formais e a condenação de Lubanga, primeira condenação do Tribunal Penal Internacional, bem como a tentativa de reparação coletiva dos danos sofridos pelas vítimas dos conflitos por meio do Trust Fund for Victims, Fundo criado pela Corte em 2008.

Por fim, o objetivo geral do presente trabalho é o de fazer um estudo do caso Thomas Lubanga, líder da milícia rebelde União dos Patriotas Congoleses (UPC) durante a Guerra Civil do Congo e primeiro condenado do Tribunal Penal Internacional, analisando, primordialmente, as acusações que levaram à sua condenação e as motivações por trás delas, e relacionando-as à sistemática processual do TPI, Corte internacional permanente que tem por escopo punir os acusados de crimes de guerra, crimes de agressão, crimes de genocídio e crimes contra a humanidade.

A metodologia adotada no presente estudo consistiu no levantamento e na análise de documentos e dados internacionais atinentes ao caso, do Estatuto de Roma e de consultas doutrinárias. Buscou-se, também, utilizar a pesquisa bibliográfica, explicando-se, pois, a temática a partir de referências teóricas.

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15 2. CRIMES CONTRA A HUMANIDADE: VIOLAÇÕES DE DIREITOS HUMANOS OS PRECURSORES DO TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL

Os chamados "crimes contra a humanidade" são uma categoria de crime internacional frequentemente associada com os conceitos de genocídio e de crimes de guerra. Apesar de o Direito Internacional albergar diversas definições de crimes contra a humanidade, estes geralmente estão relacionados a atos de violência ou de perseguição física cometidos contra grupos vulneráveis de civis.

Crimes contra a humanidade estão intimamente relacionados com o crime de genocídio, mas têm um âmbito mais abrangente, na medida em que engloba ataques a uma ampla gama de populações civis, enquanto que o crime de genocídio está circunscrito a grupos nacionais, étnicos, raciais ou religiosos. Além disso, eles não demandam a destruição física das vítimas para serem configurados e, ao contrário dos crimes de guerra, eles podem ser cometidos em tempos de paz. Pode-se convir que crimes contra a humanidade são analogias amplas a sérias violações de direitos humanos. Em caso de violações ao Direito Internacional dos Direitos Humanos, é o Estado que é responsabilizado, enquanto que, em hipóteses de crimes contra a humanidade, os indivíduos são os autores das ofensas e são eles os únicos responsabilizados criminalmente. A consequência de uma violação grave de direitos humanos pode ser uma ordem para cessar o ato rechaçado ou para compensar a vítima, enquanto que a consequência de um crime contra a humanidade será geralmente um período significativo de detenção.

Tendo em vista que crimes contra a humanidade são designados como uma espécie de crime internacional, eles normalmente são vistos como uma exceção à regra de que é direito soberano dos Estados julgarem crimes cometidos nos limites de suas próprias fronteiras ou por seus próprios cidadãos. Os crimes contra a humanidade podem ser punidos por tribunais de Estados diferentes daquele onde o crime ocorreu, bem como por tribunais internacionais.

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território. É dizer: apenas quando homicídios, extermínio e perseguições atingirem um limiar de grande seriedade e de ampla escala é que os Estados estarão preparados para deixar ruir o manto da soberania que tradicionalmente lhes dá o direito de criminalizar condutas cometidas dentro de seu próprio território. Estas limitações adicionais sobre a definição de crimes contra a humanidade estão no cerne de todo o seu conceito, e são muitas vezes referidos como os "elementos contextuais" deste tipo de crime.

Pode-se dizer que os crimes contra a humanidade envolvem uma perseguição organizada que é dirigida por um Estado e executada em conformidade com a sua legislação ou tolerada pelo Estado e tacitamente incentivada. A definição de crimes contra a humanidade do Estatuto de Roma requer que eles sejam cometidos como parte de um ataque generalizado e sistemático sobre uma população civil e que este ataque se dê em conformidade com ou em prol de uma política estatal ou organizacional que incentive ou tolere a prática desses ataques.

As listas de atos puníveis de crimes contra a humanidade não são as mesmas dentro das diversas definições de crimes contra a humanidade. Elas têm em seu núcleo a enumeração encontrada quando da elaboração da Carta de Nuremberg: homicídio, extermínio, escravidão, deportação, outros atos desumanos e perseguição. A definição do Conselho de Controle do Tribunal, em sua Resolução nº. 10, adotada em dezembro de 1945, adicionou à lista os crimes de aprisionamento, tortura e estupro. A definição foi novamente atualizada de forma a ter em conta evoluções no Direito Internacional da época, quando o Estatuto de Roma do TPI adicionou os crimes de apartheid e

desaparecimento forçado de pessoas à lista dos crimes contra a humanidade.

O crime de homicídio é bem definido em sistemas jurídicos nacionais e coloca pouca dificuldade em sua compreensão no contexto de crimes contra a humanidade. Não obstante ter havido desacordos sobre isso em alguns casos, atualmente está bem sedimentado o entendimento de que o homicídio não necessariamente precisa ser premeditado para se enquadrar na categoria de crimes contra a humanidade.

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A escravidão, por seu turno, foi amplamente praticada ao longo da história da humanidade. No início do século XXI, o Direito Internacional reconheceu diversas formas contemporâneas de escravidão. A prática de tráfico de pessoas, por exemplo, especialmente a de mulheres e de crianças, está associada a formas modernas do crime contra a humanidade de escravidão.

O ato de deportação envolve a expulsão forçada de populações através de fronteiras internacionais. O Estatuto de Roma do TPI acrescentou as palavras

“transferência forçada de população” à conduta de deportação, reconhecendo, assim, para

fins de condenação, o que, nos últimos anos, tem se chamado de “limpeza étnica”,

mormente quando isso ocorre dentro dos próprios limites fronteiriços do país.

O aprisionamento é, naturalmente, um ato normal praticado pelos Estados na aplicação e execução da justiça criminal. Para que seja alçado à categoria de crime contra a humanidade, a prisão deve ascender à privação da liberdade física que vai de encontro a regras fundamentais do Direito Internacional. Manter prisioneiros capturados indefinidamente enquanto se lhes nega o acesso a vias de recursos ordinários é uma conduta que pode ser enquadrada nesta espécie de crime contra a humanidade.

A tortura não foi listada explicitamente na Carta de Nuremberg como crime

contra a humanidade, embora possa ser albergada no conceito genérico de “outros atos

desumanos”. Há, agora, um corpo substancial dentro do Direito Internacional que aborda

a questão da tortura, incluindo a Convenção das Nações Unidas contra a Tortura e outros Tratamentos ou Punições Cruéis, Desumanos e Degradantes. De acordo com o Estatuto

de Roma, tortura significa “a imposição intencional de dores ou sofrimentos agudos,

sejam eles físicos ou mentais, em uma pessoa sob custódia ou controle do acusado. Este termo não compreende as dores ou os sofrimentos resultantes unicamente de ou inerentes

a sanções legais”.

A ampliação mais impactante do âmbito dos crimes contra a humanidade nos últimos anos teve lugar na lista (agora muito significativa) de crimes de gênero que complementam a referência mais tradicional de estupro. Com efeito, a Carta de Nuremberg nem sequer reconheceu o estupro como uma espécie de crime contra a

humanidade, embora pudesse ser enquadrado na categoria de “outros atos desumanos”.

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18 vários outros atos relacionados, notadamente “a escravidão sexual, a prostituição, a

gravidez e a esterilização forçadas e qualquer outra forma de violência sexual de gravidade comparável”.

O crime de apartheid foi definido pela primeira vez para descrever o regime

racista que perdurou na África do Sul durante boa parte da segunda metade do século XX. De acordo com o Estatuto de Roma, ele se refere a atos desumanos de caráter similar a outros crimes contra a humanidade quando cometidos no contexto de um regime institucionalizado de opressão e de domínio sistemático de um grupo racial sobre qualquer outro grupo racial e cometidos com a intenção de manter esse regime. Nesta espécie de crime, o envolvimento de um Estado na prática de crimes contra a humanidade é bastante explícito.

O desaparecimento forçado de pessoas é um fenômeno que se tornou bastante difundido nos regimes repressivos da América Latina durante os anos 1970 e 1980. Ele foi reconhecido pela primeira vez como crime contra a humanidade por uma resolução de 1992 da Assembleia Geral da ONU. No Estatuto de Roma do TPI, o termo refere-se à prisão, detenção ou sequestro de pessoas por um Estado ou uma organização política, ou com sua autorização apoio ou aquiescência, seguido por uma recusa em reconhecer a privação de liberdade ou em dar informações sobre o paradeiro ou o destino dessas pessoas, com a intenção de retirá-las da proteção das leis por um período prolongado de tempo.

A maioria das listas que definem os crimes contra a humanidade as concluem

com o termo “outros atos desumanos”. O seu âmbito é, naturalmente, bastante vago, e,

por esta razão, algumas tentativas nacionais de elaboração de legislações atinentes aos crimes contra a humanidade eliminaram esta referência. Refletindo estas preocupações,

o Estatuto de Roma afirma que tais “atos desumanos” devem não apenas ser similares

àqueles que figuram na lista dos atos qualificados como crimes contra a humanidade, mas devem também causar intencionalmente grande sofrimento ou ofensas graves à integridade física ou mental da vítima, na acepção individual do termo.

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discriminações por nacionalidade, etnia, cultura e gênero como formas proibidas do crime em questão. Além disso, a Carta de Roma estendeu a definição a outras motivações universalmente reconhecidas como inaceitáveis no Direito Internacional, permitindo, assim, uma maior evolução deste conceito.

No que concerne à definição do crime contra a humanidade de perseguição, cita-se como exemplo as seguintes condutas: destruição de bens ou de meios de subsistência, destruição e danificação de instituições religiosas ou educacionais, detenção ilegal de civis, perseguição, humilhação e abuso psicológico e violações de direitos políticos, sociais e econômicos.1

Diversos sistemas jurídicos preveem que, após certo período de tempo, determinadas ofensas já não podem mais ser processadas. O que se nomeia como prescrição reflete uma série de preocupações, incluindo o fato de que, com o passar do tempo, a persecução se torna muito mais difícil pela indisponibilidade de testemunhas e de outras provas, bem como pelo interesse do Estado em prontamente reprimir o crime, com o fito de dissuadir o agressor e outros do cometimento de crimes. Muito embora essas preocupações possam ser relevantes em relação a vários crimes, elas são altamente questionáveis quando se referem ao contexto de gravidade dos crimes internacionais.

Na década de 1960, quando, aparentemente, alguns criminosos de guerra nazistas que ainda não haviam sido capturados e processados fossem se evadir da justiça, o Direito Internacional foi estendido de forma a proibir a incidência da prescrição sobre crimes de guerra e crimes contra a humanidade. Os países cujas legislações previam a prescrição foram solicitados a alterá-las. Diante de um tribunal penal internacional, nenhum réu pode se valer da passagem do tempo (ou prescrição) como defesa para uma acusação, o que está atestado explicitamente no Estatuto de Roma.

O estudo do Tribunal Penal Internacional está intimamente ligado à própria história da humanidade e às inúmeras violações de direitos humanos ocorridas no período do Holocausto, que foi o grande marco de desrespeito e de ruptura com a dignidade da pessoa humana, em virtude das barbáries e das atrocidades infligidas a milhares de pessoas durante a Segunda Guerra Mundial. Este período histórico, que marcou a Europa

1 Disponível em:

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entre 1939 a 1945, restou singularizado na consciência coletiva mundial pelo fato de apresentar o ser humano como algo descartável e totalmente destituído de dignidade e de direitos.

O legado do Holocausto para a internacionalização dos direitos humanos consistiu na preocupação que foi gerada no mundo pós-Segunda Guerra acerca da falta que fazia uma arquitetura internacional de proteção de direitos, com vistas a impedir que atrocidades daquela monta viessem a ocorrer novamente. Daí porque o período pós-guerra significou o resgate de uma consciência cidadã mundial, ou a reconstrução dos direitos humanos.

A partir desse momento, que representou o início da humanização do Direito Internacional, é que são elaborados os grandes tratados internacionais de proteção dos direitos humanos, que deram causa ao nascimento da moderna arquitetura internacional de proteção desses mesmos direitos. Seu desenvolvimento pode ser atribuído às violações de direitos humanos da Segunda Guerra, bem como à crença de que parte dessas violações poderia ter sido evitada se um efetivo sistema de proteção internacional desses direitos existisse.

Uma das primeiras tentativas de criação de uma instância penal internacional que punisse os responsáveis por violações de direito internacional humanitário foi feita ainda no século XIX, com a reclamação feita em 1872 por Gustave Moynier, um dos fundadores do Comitê Internacional da Cruz Vermelha, a fim de que se criasse um Tribunal Internacional para julgar os crimes de guerra praticados durante o conflito armado entre a Prússia e a França, entre 1870 e 1871 (FERNANDES, 2006, p. 126; MAZZUOLI, 2011, p. 39). Anos depois, tendo em vista a repercussão do primeiro genocídio do século XX, perpetrado em 1915 por autoridades turcas contra o povo armênio, ainda se tentou negociar, no Tratado de Sèvres, de 1920, a entrega dos responsáveis para julgamento, sem se lograr êxito, posto que os turcos foram anistiados no Tratado de Paz de Lausanne, em 1923.

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ambicionando à proposição de estabelecimento de um tribunal internacional permanente, discussões estas que também restaram infrutíferas.

Após a Segunda Guerra Mundial, como resposta às atrocidades perpetradas pelo regime totalitário da Alemanha nazista, oportunidade em que o Estado colocou sua burocracia a serviço do extermínio de seres humanos, cria-se, por meio do Acordo de Londres de 1945/1946, celebrado entre os governos da França, Estados Unidos da América, Reino Unido e União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, o famoso Tribunal de Nuremberg, um Tribunal Militar Internacional para julgar e punir os grandes criminosos de guerra das potencias europeias do Eixo. De fato, vários processos foram levados a efeito por esta Corte penal, entre 1945 e 1949, para julgar os grandes criminosos nazistas, o que levou doutrinadores a afirmar que foi a partir do estabelecimento do Tribunal de Nuremberg que se pode realmente falar em um direito internacional penal como regime específico e distinto de responsabilidade, principalmente no tocante à questão da proteção aos Direitos Humanos.

No entanto, a formulação deste modelo de Corte internacional sofreu muitas críticas, como a ofensa ao princípio da imparcialidade do juiz (que era indicado pela parte vencedora do conflito), a ideia de que uma Corte de jurisdição internacional afrontava a soberania dos Estados, a ausência do duplo grau de jurisdição, a afronta aos princípios da legalidade e da irretroatividade da lei penal, e, talvez a crítica mais contundente feita ao Tribunal Militar de Nuremberg, a de que este não passava de Tribunal de exceção, de motivação eminentemente política, arbitrariamente constituído e controlado pelas potências vencedoras, aplicando uma lei para os vencidos e outra para os vencedores. A mesma crítica foi feita ao Tribunal de Tóquio, Corte internacional de controvertida atuação jurídica e de parcos resultados, encarregada de julgar os criminosos japoneses em relação às punições por graves violações dos direitos humanos no Extremo Oriente, já que não foram questionados nem os ataques atômicos a Hiroshima e Nagasaki pelos Estados Unidos, nem a invasão da Manchúria pela União Soviética, considerados, respectivamente, como crimes contra a humanidade e contra a paz, cometidos pelas potências vencedoras.

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consequências deste autoritarismo estatal. Isto porque a ideia de inimputabilidade dos líderes governantes estava de tal modo enraizada na cultura política, que dificultava a punição daqueles que cometeram as mais terríveis atrocidades contra a dignidade da pessoa humana. Surgiu, então, a necessidade de se proteger tais direitos de maneira universal, fazendo que todos os Estados assumissem o compromisso de fazer valer estes direitos.

Logo, percebe-se que o Direito Internacional, notadamente penal, tomou maiores contornos no que diz respeito à proteção efetiva e universal dos Direitos Humanos (COMPARATO, 2003; MAZZUOLI, 2011), pois, apesar de tais Direitos estarem resguardados em âmbito internacional, a punição por possíveis violações ficava incumbida a cada Estado, o que denotava falta de efetividade de tal proteção, já que, por diversas vezes, os Estados se quedavam omissos no desempenho desta função. Portanto, enquanto os indivíduos não obtivessem status de sujeito de direitos e deveres perante a ordem jurídica internacional, e enquanto não fossem determinadas as definições dos crimes que poderiam ser praticados (crimes contra a paz, crimes de guerra e crimes contra a humanidade), dificilmente os institutos e métodos que vinham sendo criados para buscar a paz e segurança internacionais atenderiam a seus propósitos (MAZZUOLI, 2006).

O Direito Internacional Público positivo, na letra dos arts. 53 e 64 da Convenção de Viena sobre Direitos dos Tratados2, de 1969, adotou uma regra importantíssima, a do jus cogens, que talvez possa ter servido de base (antes de sua

positivação em norma convencional) para os julgamentos do Tribunal de Nuremberg, segundo a qual há certos tipos de crimes tão abruptos e hediondos que existem independentemente de estarem regulados por norma jurídica positiva.

Os estudos feitos durante a segunda metade do século XX mostram que a extrema gravidade dos acontecimentos ocorridos nos períodos de descolonização, da Guerra Fria e dos genocídios na ex-Iugoslávia e em Ruanda precipitaram, de algum modo,

2 Art. 53. É nulo um tratado que, no momento de sua conclusão, conflite com uma norma imperativa de Direito Internacional geral. Para os fins da presente Convenção, uma norma imperativa de Direito Internacional geral é uma norma aceita e reconhecida pela comunidade internacional dos Estados como um todo, como norma da qual nenhuma derrogação é permitida e que só pode ser modificada por norma ulterior de Direito Internacional geral da mesma natureza.

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a necessidade de estabelecimento imediato de um tribunal para julgar os culpados das atrocidades cometidas contra Sérvios e Bosnianos de um lado, e Tutsis e Hutus do outro.

A década de 90 passou, então, a representar um momento de importância fundamental para o desenvolvimento do direito internacional penal, quando várias decisões foram tomadas e implementadas de forma a garantir maior efetividade a estes anseios. Em 1993, foi criado, por força de Resolução do Conselho de Segurança (trata-se de Tribunal ad hoc, ou seja, para determinada missão e circunstância específica), o

Tribunal Internacional Penal para a antiga Iugoslávia, a fim de julgar as pessoas acusadas de graves violações ao direito internacional humanitário, crimes de genocídio e contra a humanidade cometidos naquela região a partir de 1991. Em 1994, também por iniciativa do Conselho de Segurança, foi criado, por meio da Resolução 955 do Conselho de Segurança da ONU, datada de 08/11/94, o Tribunal de Ruanda, com sede em Arusha, na Tanzânia e competência para julgar os crimes de genocídio e violações ao direito internacional humanitário ocorridos a partir de 1990 naquele país.3

De fato, todas essas tensões internacionais, advindas desde a Primeira Guerra Mundial, e esses Tribunais representaram a ruptura com a tradição segundo a qual criminosos de guerra apenas poderiam ser julgados pelos seus Estados de origem, se estes assim o quisessem, e a consequente retomada das negociações para a instalação de uma Corte Penal Internacional permanente. Daí o motivo pelo qual avultava de importância a criação e o estabelecimento efetivo de uma corte penal internacional permanente, universal e imparcial, instituída para processar e julgar os acusados de cometer os crimes mais graves que ultrajavam a consciência da humanidade e que constituem infrações ao próprio Direito Internacional Público, a exemplo do genocídio, dos crimes contra a humanidade, dos crimes de guerra e do crime de agressão.

Em 1994, o Projeto de Estatuto para uma Corte Permanente Internacional, elaborado pela Comissão de Direito Internacional da ONU, cujos trabalhos foram retomados a partir de 1989, foi apresentado na 49ª Assembleia Geral das Nações Unidas. A Comissão sugeriu, então, a convocação de uma conferência internacional para discussão e aprovação da Convenção. A partir de 1995, um Comitê procedeu à elaboração final do que seria a futura Convenção de Roma, negociada e aprovada em 1998, e que estabeleceu, finalmente, uma jurisdição permanente para julgar os crimes de guerra,

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contra a paz, contra a humanidade e os de genocídio.4 Assim, nasce, pelo Estatuto de Roma de 1998, o Tribunal Penal Internacional, primeira instituição permanente de justiça penal internacional que tem, entre outras vantagens, a de evitar que somente os vencidos ou os menos poderosos sejam julgados e condenados, garantindo-se, assim, uma maior imparcialidade ao julgamento.

Finalmente, em 2002, entrou em vigor o Estatuto de Roma, Carta de suma importância para atuação do TPI, e as discussões acerca da punição dos crimes de guerra e contra a humanidade passaram a ser reconhecidas como um dos assuntos mais relevantes para a comunidade internacional.

3. O TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL

A criação de uma instância penal internacional, de caráter permanente e autônomo, resultou de longo processo histórico. Até final do século XX, as experiências acumuladas, a vontade de dar respostas às questões materiais e processuais de direito penal internacional e as frustrações internacionais em relação à falta de eficácia das

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soluções anteriores levaram os representantes dos Estados membros da ONU, presentes na Convenção de Roma, a aprovar, em 1998, o Estatuto de Roma, que instituiu o Tribunal Penal Internacional. Desde sua entrada em vigor em 2002 até os dias atuais, a Corte se notabilizou pela expansão de suas atividades e inovações em termos de práticas processuais.

3.1. O Estatuto de Roma e a criação do TPI

Aprovado em julho de 1998, em Roma, na Conferência Diplomática de Plenipotenciários das Nações Unidas, o Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional teve por finalidade constituir um tribunal internacional com jurisdição criminal permanente, dotado de personalidade jurídica própria, com sede em Haia, na Holanda. Foi aprovado por 120 Estados, contra apenas sete votos contrários – China, Estados Unidos, Iêmen, Iraque, Israel, Líbia e Catar – e 21 abstenções.

O Estatuto do TPI entrou em vigor internacional em 1º de julho de 2002 e é composto por um total de 128 artigos com um preâmbulo e treze partes (capítulos), quais sejam: I – criação do Tribunal; II – competência, admissibilidade e direito aplicável; III

– princípios gerais de direito penal; IV – composição e administração do Tribunal; V –

inquérito e procedimento criminal; VI – o julgamento; VII – as penas; VIII – recurso e revisão; IX – cooperação internacional e auxílio judiciário; X – execução da pena; XI – Assembléia dos Estados-partes; XII – financiamento; e XIII – cláusulas finais.

Segundo o Estatuto de Roma, o Tribunal Penal Internacional é uma pessoa jurídica de Direito Internacional com capacidade necessária para o desempenho de suas funções e de seus objetivos. O Tribunal poderá exercer os seus poderes e funções nos termos do seu Estatuto, no território de qualquer Estado-parte e, por acordo especial, no território de qualquer outro Estado (art. 4º, §§ 1º e 2º).

O Estatuto de Roma desempenha papel central na atuação do TPI. Define claramente os princípios de Direito Penal e de Direito Processual Penal consensuais entre a comunidade jurídica internacional daquele momento, que norteiam a ação dos diferentes órgãos que compõem o TPI.

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de Roma e no regimento interno do TPI, é lembrado o respeito aos seguintes princípios: a) nulum crimen sine lege: como decorrência deste princípio, entende-se que ninguém

será penalmente responsável por crime que não esteja, no momento em que ocorrer, previsto como conduta típica sob jurisdição do TPI e, ainda, que a interpretação dos crimes será realizada de maneira restritiva (não admitindo analogia em prejuízo do réu); b) nulla poena sine lege: as penas aplicáveis devem ter previsão no Estatuto (vale lembrar

que tal princípio respeita à qualidade da pena, já que o diploma não prevê a quantidade de pena aplicável a cada crime, ficando isto a cargo do juiz); c) irretroatividade ratione

personae: somente haverá responsabilidade por crimes previstos no Estatuto após sua

entrada em vigor. Há previsão de aplicação do direito mais favorável ao acusado, quando ocorre mudança benéfica antes da sentença definitiva; d) responsabilidade penal individual: sendo este tema de grande relevância, pois são responsáveis criminalmente perante a ordem internacional, as pessoas naturais que cometerem crimes de jurisdição do TPI (há previsão de autoria e participação), desconsideram-se as qualidades oficiais dos indivíduos (ou seja, não se aplicam as imunidades) e a responsabilidade do Estado não é ilidida pela responsabilização do indivíduo, tendo parcela de responsabilidade no crime, responderá junto com ele. Destaca-se que os menores de 18 anos são inimputáveis, e que o Estatuto prevê algumas excludentes de responsabilidade, tais como: legítima defesa, coação sob ameaça de morte ou lesão grave, doença mental, dentre outras. e) Elementos de intencionalidade: diz-se que são puníveis os crimes cometidos intencionalmente e com conhecimento dos elementos materiais do crime (art. 30, 2, do Estatuto de Roma).

Como visto, o TPI, enquanto jurisdição criminal permanente, dotada de personalidade jurídica própria, com sede em Haia, na Holanda, mas vinculada ao sistema das Nações Unidas, tem base sólida. São três suas principais características: a de não ter sido Tribunal instituído por tratado comum, mas por um tratado especial de natureza centrífuga e que por isso detém natureza supraconstitucional, cujas normas derrogam todo tipo de norma de Direito Interno; sua independência, já que seu funcionamento independe de qualquer tipo de ingerência externa; e seu funcionamento como justiça autônoma, já que o TPI não depende, para seu pleno funcionamento, de qualquer aceite do Estado de sua competência jurisdicional (MAZZUOLI, 2011, p. 46-48).

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serão financiadas: a) pelas quotas dos Estados-partes; e b) pelos fundos provenientes da Organização das Nações Unidas, sujeitos à aprovação da Assembléia Geral, notadamente no que diz respeito às despesas relativas a questões remetidas para o Tribunal pelo Conselho de Segurança (art. 115).

O Estatuto veda expressamente a possibilidade de sua ratificação ou adesão com reservas, nos termos do seu art. 120. Isto evita os eventuais conflitos de interpretação existentes sobre quais reservas são e quais não são admitidas pelo Direito Internacional, retirando dos países céticos a possibilidade de escusa para o cumprimentos de suas obrigações. Caso fossem admitidas reservas ao Estatuto, países menos desejosos de cumprir os seus termos poderiam pretender excluir (por meio de reserva) a entrega de seus nacionais ao Tribunal, alegando que tal ato violaria a proibição constitucional de extradição de nacionais. O impedimento da ratificação com reservas, portanto, é uma ferramenta eficaz para a perfeita atividade e funcionamento do Tribunal.

3.2. Competência e jurisdição do Tribunal

O preâmbulo do Estatuto de Roma proclama a determinação dos Estados em criar um Tribunal Penal Internacional, com caráter permanente e independente, complementar às jurisdições penais nacionais, que exerça competência sobre os indivíduos maiores de 18 anos (competência ratione personae), no que respeita àqueles

crimes de extrema gravidade, ocorridos após a entrada em vigor do Estatuto (competência

ratione temporis), que afetam a comunidade internacional como um todo. Nesse sentido,

sua jurisdição incidirá apenas em casos raros, quando as medidas internas dos países se mostrarem insuficientes ou omissas no que respeita ao processo e julgamento dos acusados, bem como quando desrespeitarem as legislações penal e processual internas.

Os crimes referidos pelo preâmbulo do Estatuto de Roma, são imprescritíveis e podem ser catalogados em quatro categorias (competência ratione materiae) : crime de

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feito uma declaração específica em sentido contrário, nos termos do § 3° do art. 12 do

mesmo Estatuto, segundo o qual: “Se a aceitação da competência do Tribunal por um

Estado que não seja Parte no presente Estatuto for necessária nos termos do parágrafo 2º, pode o referido Estado, mediante declaração depositada junto do Secretário, consentir em que o Tribunal exerça a sua competência em relação ao crime em questão. O Estado que tiver aceito a competência do Tribunal colaborará com este, sem qualquer demora ou exceção, de acordo com o disposto no Capítulo IX”.

A jurisdição do Tribunal não é estrangeira, mas sim internacional, podendo afetar todo e qualquer Estado-parte da Organização das Nações Unidas. Ela também não se confunde com a chamada jurisdição universal, que consiste na possibilidade de a jurisdição interna de determinado Estado poder julgar crimes de guerra ou crimes contra a humanidade cometidos em territórios alheios.

3.2.1. Crime de genocídio

O Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional, acompanhando a evolução do Direito Internacional dos Direitos Humanos e do Direito Humanitário, reproduziu, em seu art. 6º, a definição do crime de genocídio prevista no art. 2º da Convenção sobre a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio de 9 de dezembro de 1948. Para os efeitos do Estatuto de Roma, entende-se por “genocídio” qualquer um dos atos a seguir enumerados, praticados com a intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso, enquanto tal, a saber: a) homicídio de membros do grupo; b) ofensas graves à integridade física ou mental de membros do grupo; c) sujeição intencional do grupo a condições de vida com vista a provocar a sua destruição física, total ou parcial; d) imposição de medidas destinadas a impedir nascimentos no seio do grupo; e e) transferência, à força, de crianças do grupo para outro grupo.

3.2.2. Crimes contra a humanidade

Nos termos do art. 7º, § 1.º, do Estatuto de Roma, entende-se por “crime

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privação da liberdade física grave, em violação das normas fundamentais de direito internacional; f) tortura; g) agressão sexual, escravatura sexual, prostituição forçada, gravidez forçada, esterilização forçada ou qualquer outra forma de violência no campo sexual de gravidade comparável; h) perseguição de um grupo ou coletividade que possa ser identificado, por motivos políticos, raciais, nacionais, étnicos, culturais, religiosos ou de gênero, ou em função de outros critérios universalmente reconhecidos como inaceitáveis no direito internacional, relacionados com qualquer ato referido neste mesmo parágrafo ou com qualquer crime da competência do Tribunal; i) desaparecimento forçado de pessoas; j) crime de apartheid; e ainda k) outros atos desumanos de caráter semelhante, que causem intencionalmente grande sofrimento, ou afetem gravemente a integridade física ou a saúde física ou mental das pessoas.

3.2.3. Crimes de guerra

Os crimes de guerra, também conhecidos como “crimes contra as leis e

costumes aplicáveis em conflitos armados”, são estudados pelo art. 8º do Estatuto de Roma. Segundo o § 1º, desse dispositivo, o Tribunal terá competência para julgar os crimes de guerra, em particular quando cometidos como parte integrante de um plano ou de uma política ou como parte de uma prática em larga escala desse tipo de crimes.

Nos termos do longo § 2º do mesmo artigo, são exemplos de crimes de guerra, entre outros, qualquer um dos seguintes atos, dirigidos contra pessoas ou bens protegidos nos termos da Convenção de Genebra, a saber: a) homicídio doloso; b) tortura ou outros tratamentos desumanos, incluindo as experiências biológicas; c) o ato de causar intencionalmente grande sofrimento ou ofensas graves à integridade física ou à saúde; d) destruição ou apropriação de bens em larga escala, quando não justificadas por quaisquer necessidades militares e executadas de forma ilegal e arbitrária; e) o ato de compelir um prisioneiro de guerra ou outra pessoa sob proteção a servir nas forças armadas de uma potência inimiga; f) privação intencional de um prisioneiro de guerra ou de outra pessoa sob proteção do seu direito a um julgamento justo e imparcial; g) deportação ou transferência ilegais, ou a privação ilegal de liberdade; e h) tomada de reféns.

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não se confunde, entretanto, com as situações de distúrbio e de tensão internas, tais como motins, atos de violência esporádicos ou isolados ou outros atos de caráter semelhante (art. 8º, § 2º, alíneas d e f).

3.2.4. Crime de agressão

A inexistência de uma definição precisa de agressão, suficientemente

abrangente para servir como elemento constitutivo do “crime de agressão”, bem como

para fundamentar a responsabilidade penal internacional dos indivíduos, dificultou a inclusão dessa espécie de crime no Estatuto de Roma de 1998.

A definição do crime de agressão foi propositadamente relegada a uma etapa posterior, nos termos do art. 5º, § 2º (c/c os arts. 121 e 123) do Estatuto, segundo o qual o Tribunal poderá exercer a sua competência em relação ao crime de agressão desde que seja aprovada uma disposição em que se defina o crime e se enunciem as condições em que o Tribunal terá competência relativamente a tal crime. Essa nova disposição poderá ser por emenda (art. 121) ou por revisão (art. 123), pois durante a Conferência de Roma não houve consenso sobre a tipificação dessa espécie de ilícito internacional. O Estatuto esclarece ainda que tal disposição deve ser compatível com as disposições pertinentes da Carta das Nações Unidas.

A tipificação jurídica do crime de agressão será resultado dos trabalhos da Comissão Preparatória do TPI (PrepCom), que está entabulando negociações no sentido

de se chegar a um consenso sobre os elementos constitutivos de tal crime internacional.

3.3. Breve exposição da sistemática processual no âmbito do TPI

O Estatuto de Roma, nos artigos 34 a 52, disciplina a composição e a administração do Tribunal, que serão estudadas a seguir.

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Por fim, deve ser assegurada a presença de juízes especializados em determinadas matérias incluindo, entre outras, a violência contra mulheres ou crianças.

Os órgãos do TPI são a Presidência, o Juízo de Instrução, o Juízo de Julgamento em Primeira Instância, a Seção de Recursos, o Gabinete do Procurador e a Secretaria.

Os juízes são eleitos pelos Estados-partes do Estatuto de Roma para um mandato de nove anos, sem direito a recondução, sendo vedada a presença de dois juízes da mesma nacionalidade no Tribunal. No exercício de suas funções, devem portar-se com independência em relação a seus Estados, atuar com integridade, imparcialidade e idoneidade moral, bem como devem exercer suas funções em regime de exclusividade.

O Procurador também é eleito pelos Estados-partes do Estatuto. Ele é competente para receber e recolher informações sobre atos de competência do Tribunal, para abrir inquéritos, com autorização do Juízo de Instrução, e para conduzi-los, bem como para promover a ação penal. Deve atuar de forma independente, não devendo receber nem instruções nem ordens pessoas de seu Estado de origem ou de terceiros estranhos ao TPI.

O Juízo de Instrução é o órgão incumbido de autorizar a abertura de inquéritos, caso entenda que o fato a ser investigado é da competência do TPI, e de impugnar a admissibilidade de um caso ou da jurisdição do Tribunal em decisão a ser confirmada pelo Juízo de Julgamento em Primeira Instância. É também competente para articular-se com o Procurador para praticar os atos necessários ao prosseguimento de um inquérito e para proceder à instrução processual que antecede o julgamento em primeira instância. É competente, por fim, para receber representações de vítimas de crimes internacionais.

O Juízo de Julgamento em Primeira Instância é competente para processar e julgar um caso submetido ao TPI, ao passo que o Juízo de Recursos processará e julgará apelações contra os julgados do Juízo de Julgamento de Primeira Instância, bem como recursos relativos à admissibilidade de um caso e pedidos de revisão.

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administrativo da Corte. Por fim, a Assembleia dos Estados-partes é o órgão dentro do qual estão representados os Estados-membros do TPI. É o foro de tratamento de questões administrativas gerais do Tribunal, como orçamento, e de deliberação quanto a mudanças no Estatuto de Roma e nos demais instrumentos que governam a Corte.

O Tribunal terá, no território dos Estados-partes, os privilégios e imunidades que se mostrem necessários ao cumprimento das suas funções. Os juízes, o Procurador, os Procuradores-adjuntos e o Secretário gozarão, no exercício de suas funções ou em relação a estas, dos mesmos privilégios e imunidades reconhecidos aos chefes de missões diplomáticas.

A fase de investigação, de acordo com as disposições do Estatuto de Roma, pode ser iniciada de duas maneiras: diretamente por iniciativa do Procurador, ou em decorrência de ter havido a comunicação do crime ao TPI. Incumbe, então, ao Procurador realizar uma fase de investigação preparatória, coordenando os primeiros trabalhos de investigação, com o objetivo de averiguar se realmente há elementos suficientes que confirmem as suspeitas iniciais de ocorrência do crime. Neste momento, o Procurador dispõe de certa liberdade para coletar as informações necessárias junto aos Estados implicados na denúncia, à ONU, a outras entidades ou a outras pessoas.

Por conseguinte, o Procurador, tomando por base o material coletado, poderá decidir que existem fundamentos suficientes para instaurar uma investigação formal e apresentar à Sala de Questões Preliminares uma petição requerendo a abertura formal das investigações, ou então entender que não existem elementos suficientes para o pleito e comunicar aos requerentes e interessados a suspensão da investigação. Esta fase de perquirição é de suma importância por se tratar do momento em que é estabelecida a real existência de um acervo mínimo de informações sobre as circunstâncias do crime e a real possibilidade de incriminar (ou não) o suspeito. Ao final desta fase, o Procurador poderá entender que o caso não deve ser levado a julgamento (art. 53, 2) ou formular uma acusação e submeter o fato à Câmara de Pré-Julgamento (art. 53, 1).

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da acusação e do teor das provas contra ele (art. 61, 3) para poder preparar sua defesa (art. 61, 6).

Ao final deste momento, a Câmara poderá rejeitar a acusação (art. 61, 7, b) ou acatá-la (art. 61, 7, a), se julgar as provas suficientes para incriminar a pessoa acusada dos crimes a ela imputados. Nesta fase intermediária, o juiz desempenha um relevante papel, pois pode ou não acolher o pedido de envio do caso a julgamento, solicitar que a acusação forneça mais provas, aprofunde a investigação ou reexamine a qualificação do crime (art. 61, 7).

É importante enfatizar o papel crucial da Procuradoria, que tem o dever de investigar a ocorrência das circunstâncias do crime denunciado, mas deve fazê-lo respeitando o direito à ampla defesa: de um lado, o direito de qualquer pessoa (testemunha ou investigado) de não se autoincriminar, de não ser submetido a qualquer tipo de coerção, tortura, ameaça, crueldade, tratamento desumano ou degradante, de não ser detido ilegalmente e que lhe seja providenciado tradutor e intérprete, se necessário (art. 55, 1). Convém ressaltar, também, o direito do acusado de permanecer calado, sem que o silêncio possa ser considerado em seu desfavor, o direito à assistência jurídica ou judiciária e o direito de ser interrogado na presença de um advogado (art. 55, 1 e 2).

Ao término destas fases preliminares, adentra-se na fase quiçá mais importante da persecução penal: a de audiências para instrução, debates e julgamento. Nesta oportunidade, o juiz do TPI pode determinar a produção de provas.

O julgamento ocorrerá, em regra, na sede do Tribunal, sendo necessária a presença do acusado, embora seja possível que ele seja retirado, em casos excepcionais e por tempo determinado, se perturbar insistentemente a audiência (art. 63,2). Quanto à produção de provas durante a audiência de julgamento, as partes podem apresentar toda e qualquer prova que interesse ao caso e o juiz pode também, de ofício, determinar a produção de provas (art. 69, 3).

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34 4. O CASO THOMAS LUBANGA DYILO

O caso Lubanga representa um grande avanço na história do Tribunal Penal Internacional. Thomas Lubanga Dyilo foi a primeira pessoa a ser julgada e condenada pela Corte. Ele era presidente e comandante chefe de um grupo miliciano da tribo Hema, a União dos Patriotas Congoleses (UPC), na República Democrática do Congo, e foi condenado pelo alistamento e recrutamento de crianças menores de quinze anos de idade e sua utilização para participar ativamente em hostilidades durante a Guerra Civil do Congo. Estas condutas são caracterizadas como crimes de guerra à luz do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional (Artigo 8), resultantes de conflitos armados internacionais ou locais.

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35 4.1.Panorama socioeconômico e histórico da República Democrática do Congo

A Conferência de Berlim de 1885 teve por escopo organizar a ocupação da África pelas potências coloniais europeias, resultando em uma divisão que não respeitou a história nem a cultura da região. Após uma das mais cruéis experiências de colonização, a República Democrática do Congo, em 1960, se tornava independente da Bélgica. Atualmente, este marco na história do país denota certo avanço político, mas também a necessidade de não se apagar da memória as atrocidades cometidas contra a população local, que ainda luta para se reconstruir após décadas de exploração, más condições de habitação e saúde e conflitos internos.

A história do país tem sido marcada pela corrupção e pela guerra civil. Desde antes de se tornar independente da Bélgica, a República Democrática do Congo sempre experimentou conflitos ou ditaduras. Depois da independência, em 1960, o país imediatamente encarou um levante militar e uma tentativa de separação da província de Katanga, rica em recursos minerais.

A República Democrática do Congo não só é o país mais rico em minerais na África central, como também tem um potencial geográfico e estratégico considerável. Quem estiver no país terá acesso a mais de 10 países vizinhos diretos e a toda a África subsaariana. Com esta observação, percebe-se o porquê de as potências europeias e americanas nunca terem saído do país.

Com um território rico em minérios e estrategicamente bem localizado, o país, presidido por Joseph Kabila desde 2001, é palco da atuação de muitas milícias congolesas (dentre elas a Mai Mai, a Popular Front for Justice in Congo e a M23) e de países vizinhos (como o FDLR), que provocam uma bárbara guerra civil pelo controle dessa riqueza, atuando como um poder paralelo em regiões em que o acesso estatal é quase que impossível.

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para manter a conexão com todas as partes signatárias do acordo. Após uma série de outras resoluções, o Conselho de Segurança expandiu o mandato da MONUSCO no sentido de supervisar a implementação do acordo de cessar-fogo, além de ter delegado outras tarefas adicionais.

Em março deste ano, o Conselho de Segurança das Nações Unidas prorrogou, por um ano, o mandato da MONUSCO. Os esforços contra os criminosos que dizimam o próprio povo em quase 20 anos de guerra civil são, atualmente, alguns dos principais desafios para o caminho da independência de fato da República Democrática do Congo.

4.2. A guerra civil do Congo

O conflito na República Democrática do Congo resultou da quebra da aliança vencedora da Primeira Guerra Civil do país, que opôs Laurent Kabila (então presidente, protegido por Angola, Zimbábue, Namíbia, Chade e Sudão) às forças armadas de Ruanda, Uganda e Burundi, e envolveu cerca de vinte grupos armados e nove exércitos nacionais que disputavam o controle de regiões ricas em recursos minerais, principalmente o ouro. A ONU acusou altas autoridades de Ruanda, Uganda e Zimbábue de usar a intervenção no Congo como desculpa para saquear suas imensas riquezas minerais, em especial ouro e diamantes.

Após o genocídio de Ruanda, em 1994, e o estabelecimento de um novo governo de maioria Tutsi, cerca de 1,2 milhão de ruandeses Hutus (dentre estes, criminosos que participaram ativamente do genocídio) abandonaram o país e fugiram para regiões vizinhas do lago Kivu, ao leste da República Democrática do Congo (à época, Zaire), área inabitada por Tutsis e outras minorias étnicas às quais o grupo se opunha. Lá, uma rebelião teve origem em 1996, opondo as forças lideradas por Laurent Désiré Kabila ao exército do ditador, então presidente, Mobutu Sese Seko. As forças de Kabila, auxiliadas por Ruanda e Uganda, tomaram a capital do Zaire, Kinhasa, em 1997 e renomearam o país de República Democrática do Congo.

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formaram a facção Rassemblement Congolais pour la Démocratie (RCD), conseguiram manter seu controle sobre as regiões, contando com o apoio de Ruanda e Uganda.

A Segunda Guerra Civil do Congo, que ocorreu entre agosto de 1998 e junho de 2003, foi o conflito mais mortal desde a Segunda Guerra Mundial, e ficou conhecida

como a “Grande Guerra Africana”. Com duração de mais de uma década e conflitos anda em curso apesar da assinatura de um Acordo formal de cessar-fogo, a guerra culminou na morte de aproximadamente 5,4 milhões de pessoas. Durante o conflito, vilas inteiras foram queimadas e milhões de pessoas foram deslocadas. A maior parte das fatalidades se deu por ocasião da escassez de alimentos e de água potável, o que acabava por resultar em um quadro crescente de pessoas desnutridas, e por enfermidades decorrentes das péssimas condições de saúde pública do país, tais como pneumonia e malária.

Os crimes pelos quais Thomas Lubanga foi condenado ocorreram entre os anos de 2002 e 2003, durante o conflito entre as etnias Hema e Lendu, que disputavam entre si o controle da área de mineração de ouro na cidade de Mongbwalu, região de Ituri, no nordeste do país.

A RDC conta com aproximadamente 450 grupos étnicos diferentes, dos quais 18 estão apenas na região de Ituri. As tensões entre as etnias Hema e Lendu foram extremamente intensificadas pela colonização belga, que favorecia os Hemas. Estes últimos, mesmo após o fim da colonização, representam a elite proprietária de terras e empresarial do Congo. Ao final da década de 1990, o exército nacional ugandês, Uganda

People’s Defence Force (UPDF), explorou essa tensão apoiando a facção RCD, em um esforço para depor o então presidente Kabila. Em 1998, o UPDF já havia estabelecido uma base em Bunia, capital da região de Ituri, quando, então a violência irrompeu, e os Hemas tentaram expulsar os Lendus de seu território. Contando com o apoio do UPDF, os Hemas atacaram vilas Lendus, os quais, por seu turno, criaram forças de autodefesa e retaliaram com ataques a vilas e terrenos de pessoas da etnia Hema. Em 1999, a facção RCD se dividiu em dois grupos: o RCD-Goma, apoiado por Ruanda, e o RCD-ML, apoiado por Uganda.

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Em 15 de março de 2003, o UPDF recapturou o estratégico aeroporto de Munbgwallo, localizado na região de Ituri, dos rebeldes da UPC comandados por Lubanga. A UDPF expulsou a UPC da capital de Ituri, Bunia, em 06 de março de 2003.

Em 12 de maio de 2003, o porta-voz da MONUSCO em Bunia anunciou que a cidade havia sido tomada novamente pelas forças rebeldes lideradas pelo grupo étnico Hema, as quais lograram êxito em dominar os milicianos rivais da etnia Lendu, após uma indômita batalha de duas horas de duração.

Até junho de 2003, a milícia de maioria étnica Hema UPC ainda controlava a cidade de Bunia, capital da região de Ituri.5

A comunidade internacional se opôs veementemente ao conflito. Doadores de países ocidentais e a África do Sul também pressionaram as partes para colocar um fim na guerra. A Grã-Bretanha ameaçou reduzir ajuda a Ruanda e a Uganda a menos que eles retirassem suas forças do país e parassem de apoiar milícias locais. A África do Sul foi anfitriã de meses de negociações entre os vários grupos congoleses, além de conversas entre os governos estrangeiros envolvidos. O trabalho finalmente culminou com um acordo para dividir poder e organizar eleições multipartidárias.6 A primeira eleição democrática em 46 anos de independência do país ocorreu em 30 de julho de 2006 e foi assistida pela Missão das Nações Unidas na República Democrática do Congo.7

4.3. A milícia União dos Patriotas Congoleses (UPC)

Thomas Lubanga era Ministro da Defesa do RCD-ML, milícia que controlava a região de Ituri em 2002. Em abril daquele ano, Lubanga, junto a outros membros da facção, rompeu a relação que tinha com o RCD-ML e, pouco tempo depois, fundou a União dos Patriotas Congoleses (Union des Patriotes Congolais – UPC) e consagrou-se como presidente e comandante da ala militar do grupo, as Forças Patrióticas pela Liberação do Congo (Forces Patriotiques pour la Libération du Congo – FPLC).

A atividade militar do grupo era dirigida por um “plano comum” de conquista

de poder na região de Ituri. De forma a alcançar este objetivo, o grupo paramilitar

5 Disponível em: <http://www.globalsecurity.org/military/world/para/upc.htm>. Acesso em: 08 jun. 2016 6 Disponível em: <http://www.bbc.com/portuguese/noticias/story/2003/07/030717_congomt.shtml>. Acesso em: 08 jun. 2016.

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recrutava crianças e jovens, independentemente de sua idade, em escolas e vilas, e depois os enviavam a campos de treinamento, onde eles eram espancados, chicoteados, aprisionados e alimentados impropriamente. Além disso, as jovens meninas eram estupradas e encorajadas a consumir álcool e a fazer uso de drogas, sendo uma constante a intoxicação dessas crianças.

Em agosto de 2002, a UPC, facção composta predominantemente pela etnia Hema e apoiada pelo governo ruandês, expulsou as forças do grupo RCD-ML, liderado por Mbusa Nyamwisi, da capital de Ituri, Bunia, e matou membros das etnias Lendu e Ngiti, vistas como apoiadoras do RCD-ML.

Ativo na região norte do lago Kivu, o grupo esteve diretamente envolvido em violações de direitos humanos, incluindo assassinatos étnicos, tortura, violência sexual e mutilações, condutas essas qualificadas como crimes contra a humanidade e crimes de guerra. Suspeita-se que 3.000 crianças-soldado foram recrutadas para os quadros da FPLC. Atualmente, estima-se que o grupo conte com algumas centenas de combatentes.

O líder do grupo paramilitar também é responsável por ter criado obstáculos no sentido de evitar que os combatentes causadores da crise na província de Ituri participassem dos esforços voltados à cessação das hostilidades na região, com a sua consequente pacificação.

Conforme atesta Kai Ambos (2011, p. 93-110):

Os crimes apontados teriam sido cometidos pelas Forças Patrióticas para a Libertação do Congo - FPLC, braço armado da União dos Patriotas Congoleses - UPC, fundado em setembro de 2002 e pela própria UPC. Na ocasião, como cofundador da UPC, Presidente da UPC e comandante em chefe das FPLC, Lubanga teria exercido função-chave, o que motivou a acusação dele e de outros comandantes das FLPC e membros partidários da UPC.

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Referências

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