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A MIGRAÇÃO DO DISCURSO DE LULA DE UMA PARA OUTRA POSIÇÃO-SUJEITO

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A MIGRAÇÃO DO DISCURSO DE LULA DE UMA PARA OUTRA POSIÇÃO-SUJEITO

Ercília Ana Cazarin

RESUMO

O texto1 concebe o acontecimento históri- co da eleição de Lula para Presidente do Brasil como um acontecimento enunciativo capaz de provocar a ruptura do sujeito his- tórico da formação discursiva (FD) dos tra- balhadores brasileiros. Tendo como obje- tivo compreender como ocorre a migração desse discurso para uma outra posição-su- jeito, analiso o primeiro pronunciamento do sujeito enunciador do discurso de Lula (DL) como presidente eleito, proferido na tarde de 28 de outubro de 2002, no centro da cidade de São Paulo.

Palavras-chave: discurso de Lula; aconte- cimento enunciativo; migração discursiva.

Tendo como sustentação teórica a Análise do Discurso com filiação em Pêcheux, o objetivo deste texto é compreender como, discursivamente, a partir da eleição presidencial de 2002, o discurso de Lula (DL) migra para uma outra posição-sujeito no interior da Formação Discursiva dos trabalha- dores brasileiros. O DL é entendido como aquele que produz o efeito de uni- dade discursiva de uma das posições-sujeito inscritas na referida FD. Esta, por sua vez, é tomada como a que agrega os saberes e as demandas de todos os segmentos de trabalhadores brasileiros, mas é heterogênea porque abriga diferentes posições de sujeito, que se diferenciam na forma de se relacionar com o sujeito histórico da FD em que estão inscritas.

1 Uma primeira versão deste texto foi apresentada no GT de Análise do Discurso, no XIX Encontro da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Letras e Lingüística – ENANPOLL, de 28 de junho a 02 de julho de 2004, em Maceió, AL.

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Foucault2, ao pensar a língua, afirma que é “no discurso que se eviden- cia a sua espessura material”; importa, então, compreender como aparece um determinado enunciado e não outro em seu lugar. Escreve: “é como se aí estivesse sendo admitida a submissão da estrutura ao sujeito -- à ordem própria do discurso que, distinta da materialidade da língua, a afeta”. Em relação ao discurso, formula a noção teórica de FD que, para ele, consiste em um conjunto de enunciados dispersos, mas que mantêm uma regulari- dade entre si3.

Pêcheux4, quando da formulação da teoria do discurso, retoma a no- ção de formação discursiva e a (re)significa, acrescentando-lhe o elemento ideológico. Em texto distinto5, escreve que o interdiscurso, além de delimitar o conjunto do dizível, histórica e lingüisticamente definido, determina a FD com a qual o sujeito discursivamente se identifica, indicando, portanto, que sempre já há discurso, exterior ao sujeito. Esse mesmo autor, quando escre- ve “Análise do Discurso: três épocas”6, chama a atenção para o fato de que é impossível caracterizar uma FD como um espaço fechado, pois “sua consti- tuição é invadida por elementos que vêm de outro lugar, sob a forma de pré- construídos e de discursos transversos”. Uma FD inscreve-se entre diversas FDs e suas fronteiras se deslocam em função dos jogos da luta ideológica.

Na mesma direção teórica, Courtine7 salienta que uma FD “não consiste em um limite traçado uma vez por todas, separando um interior de um exterior do saber, pois suas fronteiras são fundamentalmente instáveis e, por isso, deve ser considerada como uma unidade divisível, uma heterogeneidade em relação a si mesma”.

2 FOUCAULT, Michel. Arqueologia do saber. Tradução de Luiz Felipe Baeta Neves. Petrópolis: Vozes, 1972.

p. 38-9.

3 Essa regularidade é entendida por Foucault como a delimitação de uma ordem em seu aparecimento sucessivo, de correlações em sua simultaneidade, de posições assinaláveis em um espaço comum de um funcionamento recíproco, de transformações ligadas e hierarquizadas.

4 PÊCHEUX, Michel. “A análise do Discurso: três épocas”. In: GADET; HAK (Org.). Por uma análise automá- tica do discurso. Campinas: Editora da Unicamp, 1990.

5 ______. Semântica e discurso (1975). Tradução de Eni Pulcinelli Orlandi et. al. Campinas: Editora da Unicamp, 1988, p. 213-218.

6 ______. “A análise do Discurso: três épocas”. In: GADET; HAK (Org.). Por uma análise automática do discurso. Campinas: Editora da Unicamp, 1990. p. 314.

7 COURTINE, Jean Jacques. “Définition d’orientations théoriques et construction de procédures en analyse du discourse”. In: Philosophiques, n. 9, v. 2, p. 244-249, 1982.

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Em AD, também é consenso o fato de que uma FD não é algo delimita- do a priori porque se “constrói” e se configura como gesto de interpretação, ou seja, como resultado do olhar do analista, funcionando, portanto, como um princípio de organização metodológica. No âmbito geral da pesquisa que realizo8, a partir do que escreve Pinheiro9, tomo metodologicamente como efeito de início da FD dos trabalhadores brasileiros a substituição, no final do século XIX, da mão-de-obra escrava pela mão-de-obra operária, inicialmente formada por escravos libertos, trabalhadores livres e imigrantes europeus.

Ao mesmo tempo, tenho presente que, ao longo do século XX, os saberes e as demandas da referida FD, internamente, foram sendo (re)configurados, tanto em relação às diferentes posições-sujeito nela inscritas, como em rela- ção aos saberes e às demandas que a ela foram sendo agregados10. Neste texto, em especial, pontuo apenas a conjuntura histórico-social na qual o discurso de Lula emerge, inscrevendo-se em uma das posições-sujeito no interior da FD em pauta, para, na seqüência, procurar demonstrar como es- tou concebendo o processo de migração do DL de uma para outra posição- sujeito.

Quando do Golpe Militar de 31 de março de 1964, o movimento sindi- cal é um dos setores mais duramente atingidos pela repressão, em virtude de sua integração na luta pelas reformas de base, então reivindicadas por segmentos da sociedade brasileira. Durante a ditadura militar, as greves fo- ram proibidas, a liderança da Confederação Geral dos Trabalhadores11 foi cassada, os sindicatos fechados e seus diretores foram destituídos dos car- gos, tendo os direitos políticos cassados. A partir daí, os sindicatos, controla-

8 A partir de 2003, passei a me ocupar com a análise do discurso de Lula, tendo o mesmo sido objeto tanto de minha dissertação como da tese; atualmente, desenvolvo, no Departamento de Estudos de Linguagem, Arte e Comunicação da UNIJUI, projeto de pesquisa que trata da representação política do sujeito enunciador do DL no espaço-tempo 2003-2006.

9 PINHEIRO, Paulo Sérgio. “O proletariado industrial na Primeira República”. In: ______. História geral da civilização brasileira. 2. ed. São Paulo / Rio de Janeiro: DIFEL, 1977. p. 138.

10CAZARIN, Ercília Ana. Identificação e representação política: uma análise do discurso de Lula. Ijuí, RS:

Editora Unijuí, 2005.

11A CGT (Confederação Geral dos Trabalhadores) a que estou me referindo é aquela que resultou da Confederação Operária Brasileira (COB), criada em 1908; a CGT foi dissolvida em 1947 pelo governo sob a alegação de infiltração comunista (SANTANA, Marco Aurélio. Homens partidos – comunistas e sindicatos no Brasil. Rio de Janeiro: Boitempo Editorial, 2001. p. 27).

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dos pelo governo, assumem o papel de agente assistencialista12. Segundo Brum13, no final da década de 60, o movimento sindical tenta uma rearticulação, conseguindo inclusive realizar as greves dos metalúrgicos de Osasco (SP) e de Contagem (MG). No entanto, esses movimentos foram for- temente reprimidos com base no AI-5, baixado em dezembro de 1968. A partir daí, inicia-se o período mais duro da ditadura militar.

Na prática, durante 10 anos, a classe operária sai da cena pública brasileira, mas, mesmo silenciados, os operários conseguem se reorgani- zar14. No final dos anos 70, inicia-se o período do “novo sindicalismo”, enten- dido como oposição à estrutura sindical oficial marcada pelo assistencialismo sindical pretensamente dominante; em maio de 1978, ocorre a retomada pública das lutas dos trabalhadores; a partir das greves do ABC paulista, os metalúrgicos, liderados por Lula, retornam à greve, inaugurando assim um novo período na história do movimento sindical.

É por isso que tomo, como efeito fundador do DL e também da posi- ção-sujeito na qual esse discurso, na época, se inscreveu, o acontecimento histórico e enunciativo da eclosão das greves do ABC paulista (1978), pois é esse acontecimento que provoca uma ruptura interna nos saberes da FD dos trabalhadores brasileiros e instaura a posição-sujeito a partir da qual uma significativa parcela de trabalhadores passa a enunciar, resgatando, mobili- zando e (re)significando saberes provenientes do interdiscurso; delimita-se, assim, uma nova região de saber (uma posição-sujeito) no interior da FD dos trabalhadores brasileiros. Segundo Orlandi15, “uma posição-sujeito não é anterior à construção dos efeitos de sentido, e sim se produz com eles; é justamente nesse momento de atualização e de (re)significação da memó- ria que se produz um efeito de sentido capaz de instituir uma posição-sujei-

12Apesar da repressão e das dificuldades de organização, as posições-sujeito silenciadas pelo Golpe tentaram resistir. Segundo Brum (1999, p. 310-11), entre 1967 e 1968, como uma forma de resistên- cia ao regime militar e também pela motivação das mobilizações que estavam ocorrendo em diferen- tes países, houve uma tentativa de mobilização, surgida a partir de segmentos políticos, sindicais e estudantis, dentre outros.

13BRUM, Argemiro J. O desenvolvimento econômico brasileiro. 20. ed. Ijuí: Editora Unijuí, 1999. p. 310- 11.

14EVANGELHO LOPES, Carmem Lúcia. O que todo cidadão precisa saber sobre sindicatos no Brasil. São Paulo: Global, 1986. p. 14-85.

15ORLANDI, Eni Pulcinelli. As formas do silêncio: no movimento dos sentidos. 2. ed., Campinas, SP: Ed.

da UNICAMP, 1993, p. 21.

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to”. Conforme o escrito no início deste texto, o DL é o que vai discursivamente organizar os saberes da referida posição-sujeito, produzindo o efeito de uni- dade da mesma. A dinâmica do movimento sindical, desde o final dos anos 70, definiu-se pela polarização entre estas duas maiores tendências - o “novo sindicalismo” e a “unidade sindical”; assim, a posição-sujeito em que o DL estava inscrito, na maneira de se relacionar com a forma-sujeito da FD, apre- senta-se, desde o início, em divergência com essa outra posição-sujeito tam- bém inscrita na mesma FD, mas representativa de outros saberes dos traba- lhadores, ou seja, representativa dos saberes e demandas da unidade sindi- cal.

O entendimento que estou tendo é que a posição-sujeito, “inaugurada”

quando da eclosão das greves do ABC paulista, atualiza e (re)significa sabe- res que estavam já-lá, silenciados no âmbito do interdiscurso. A relação intradiscurso / interdiscurso, de acordo com Courtine16, coloca em movimento

“zonas discursivamente heterogêneas”, isto é, processos discursivos ineren- tes a FDs antagônicas, ou mesmo, a posições de sujeito que se diferenciam ou que se apresentam divergentes no seio de uma mesma FD. Diante de outras condições de produção, em outra conjuntura histórico-social (1978), enunciados anteriores retornam (re)significados, ainda que sob o viés do in- consciente do sujeito enunciador do DL. Os saberes dessa posição-sujeito, então instaurada, na qual o DL se inscreveu fizeram ressoar um discurso- outro (de FD(s) distintas ou de outra(s) diferente(s) posição(ões)-sujeito) que se encontrava disperso no interdiscurso. Discursivamente, a compreensão é que, pelo viés da memória discursiva, nessa nova reconfiguração da FD, sa- beres já enunciados que materializaram as lutas dos trabalhadores brasilei- ros e/ou estrangeiros em outra(s) conjuntura(s) histórico-social(is) são rememorados e (re)significados, mobilizando novos sentidos, embora isso não se dê, necessariamente, de forma direta nem consciente.

Essa posição-sujeito na qual o DL se inscreveu apresentou-se, no iní- cio, como representativa dos saberes e das demandas dos trabalhadores metalúrgicos, mas, aos poucos, o conceito de trabalhador foi sendo amplian- do e passou a representar não apenas os metalúrgicos, mas os trabalhado- res em geral e, mais: a partir da fundação do PT, incorporou, em sua discursividade, saberes do campo da política partidária, o que fez com que,

16COURTINE, Jean Jacques; MARANDIN, Jean Marie. “Quel objet pour l’analyse de discours?” In: Matérialités Discursives. Actes du Colloque, avril, 1980. Paris X - Nanterre Lille. Presses universitaires de Lille, 1981.

p. 49.

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aos trabalhadores, se juntassem outros sujeitos enunciadores ligados ao campo da esquerda brasileira. Esse processo de (re)configuração dos sabe- res e das demandas da posição-sujeito em que o DL estava inscrito fez com que esse discurso também se (re)significasse e, por conseguinte, afetou a discursividade da própria FD.

Meu gesto interpretativo leva à compreensão de que, desde 1978, o DL permaneceu inscrito nessa região interna (posição-sujeito) da referida FD. Entretanto, no início do séc. XXI, mais precisamente em 2002, ocorre um novo momento de atualização e (re)significação da memória - o aconteci- mento histórico e enunciativo da eleição de Lula para Presidente da Repúbli- ca17 produz uma turbulência de saberes no interior da FD dos trabalhadores a ponto de instaurar uma ruptura de seu sujeito histórico, ou seja, a ponto de instituir uma nova posição-sujeito para a qual migra o discurso de Lula. Em- bora essa eleição consista em um acontecimento histórico, concebido como um fato empírico fundacional que será discursivizado por diferentes posi- ções de sujeito, é preciso reconhecer que esse próprio acontecimento já se configura como resultado de uma discursividade anterior. Nesse sentido, valho-me do escrito por Le Goff18 e também por Pêcheux19. O primeiro deles afirma que “o acontecimento histórico é da ordem da realidade (do que está posto), mas que esta, por sua vez, já é resultado de uma construção discursiva, criada a partir do real; a realidade está para “uma verdade”, como elemento passível de observação”.

Pêcheux20 escreve que, quando um acontecimento histórico estabele- ce uma ruptura capaz de gerar uma outra formação discursiva, se está dian- te de um acontecimento discursivo que rompe com a “estabilidade” anterior e se inaugura uma outra “estabilidade” discursiva, mas não logicamente or- ganizada, pois a mesma tem a ver com a ordem do discurso que joga com as materialidades lingüística e histórica. Esse autor observa que “o aconteci- mento discursivo é o ponto de encontro de uma atualidade e uma memória;

é ele que desestabiliza o que está posto e provoca um novo vir a ser, reorga-

17Em 27 de outubro de 2002.

18LE GOFF, Jacques. História e memória. Tradução Bernardo Leitão. et.al. 4. ed. Campinas, SP: Ed. da UNICAMP, 1996. p. 11.

19PÊCHEUX, Michel. O discurso: estrutura ou acontecimento? Tradução de Eni Pulcinelli Orlandi. Campi- nas, SP: Pontes, 1990.

20Id. Ibid, p. 17-9.

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nizando o espaço da memória que o acontecimento convoca”. Esse entendi- mento possibilita pensar o acontecimento histórico como algo pontual, ca- paz de gerar múltiplas discursividades; nesse sentido, interessa à AD com- preender a maneira como a discursividade funciona e produz sentidos. No caso em análise, meu olhar centra-se no âmbito do DL, inscrito na FD dos trabalhadores brasileiros. Tomando emprestado de Indursky21 a noção teóri- ca de acontecimento enunciativo, entendo, a partir do formulado por essa autora, que, quando um acontecimento histórico não produz um aconteci- mento discursivo mas movimenta fortemente os saberes da FD, (re)significando-os a ponto de provocar uma ruptura interna do sujeito histó- rico, se está diante de um acontecimento enunciativo que instaura uma nova posição-sujeito; ou seja, um acontecimento que estabelece a ruptura dos saberes da FD e provoca a “delimitação” de uma “nova” região de saber no interior da FD, região essa que se institui como um modo particular de lidar com o sujeito histórico da FD, isto é, de lidar com saberes antes não possí- veis no seu interior.

A partir do até aqui exposto, acredito que o acontecimento histórico da vitória de Lula na eleição presidencial de 2002 não instaura um aconteci- mento discursivo nos moldes do formulado por Pêcheux22, pois o sujeito enunciador do DL, naquele momento pontual do acontecimento, não se desidentifica23 da FD dos trabalhadores brasileiros, mas, com certeza, não enuncia mais da mesma posição-sujeito. É isso que me leva a compreender

21INDURSKY, Freda. “A noção de sujeito em Análise do Discurso: do desdobramento à fragmentação”. In:

Anais do XV Encontro da ANPOLL. Niterói, 2000 – Seção de Análise do Discurso, ANPOLL, Porto Alegre, 2002. 1 CD-ROM.

22PÊCHEUX, Michel. O discurso: estrutura ou acontecimento? Tradução de Eni Pulcinelli Orlandi. Campi- nas, SP: Pontes, 1990.

23A questão da identificação/desidentificação do sujeito é tratada por Pêcheux (1988, p. 213-17) ao abordar a relação que o sujeito pode manter com sua FD, o que denomina de modalidades da tomada de posição: a primeira modalidade consiste em uma superposição entre o sujeito da enunciação e o sujeito universal e caracteriza o discurso do “bom sujeito”; a segunda modalidade caracteriza o discur- so do “mau sujeito”, discurso no qual o sujeito da enunciação “se volta” contra o sujeito universal por meio de uma “tomada de posição“. Essa segunda modalidade consiste em uma separação (distanciamento, dúvida, questionamento, contestação, revolta...) em relação ao que diz a forma-sujei- to, conduzindo o sujeito do discurso a contra-identificar-se com o saber da formação discursiva que lhe é imposta, levando, assim a uma terceira modalidade que funciona sob o modo da desidentificação do sujeito enunciador, de uma formação discursiva e de sua forma-sujeito, deslocando sua identificação para outra formação discursiva e sua respectiva forma-sujeito ou, até mesmo, instituindo outra forma- ção discursiva.

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que, nesse caso, se está diante de um acontecimento enunciativo. Nesse sentido, entendo que o primeiro pronunciamento do sujeito enunciador do DL como presidente eleito da República Federativa do Brasil24 constitui-se em um acontecimento enunciativo, o qual tomo como efeito fundador da posição-sujeito a partir da qual o sujeito enunciador do DL é levado a enun- ciar. Esse entendimento me possibilita afirmar que a migração do DL de uma para outra posição-sujeito resulta dessa ruptura interna que discursivamente se materializa no/pelo referido pronunciamento. Esse acon- tecimento enunciativo, de imediato, produz efeitos na discursividade da FD dos trabalhadores, interferindo igualmente na discursividade a ela externa.

O interesse é, então, compreender como o referido discurso vai “trabalhar”

esse acontecimento e que efeitos de sentido se pode produzir no interior dessa região de saber.

A análise apresentada neste texto detém-se no discurso de Lula (DL), mas dessa posição-sujeito, recém instaurada, outros enunciadores que tam- bém nela se inscrevem enunciam ou poderão vir a enunciar; a opção pelo DL resulta do entendimento que seu sujeito enunciador migra para essa posi- ção-sujeito como líder natural dela; essa migração de saberes remete ao escrito por Pêcheux25, no sentido de que a prática discursiva mostra que o sujeito, quando fala, adere à sua FD, embora a mesma determine, entretan- to, “o que pode e deve ser dito”, há, ou pode haver, em seu interior, efeitos de contradição. Remete também a Courtine e Marandin26. Estes enfatizam que a maneira como a posição-sujeito se relaciona com a forma-sujeito (sujeito histórico da FD) revela a não homogeneidade da formação discursiva e, con- seqüentemente, do discurso, no caso em análise, do DL. Esse discurso mate- rializa, desde o início, o efeito de unidade discursiva dessa posição-sujeito em que se inscrevem também outros trabalhadores brasileiros que chegam ao poder; os demais trabalhadores continuam inscritos em outras posições- sujeito no interior da FD, sendo que, em uma delas, estava inscrito o DL antes da referida eleição.

24Compromisso com a mudança– primeiro pronunciamento de Luiz Inácio Lula da Silva como presidente eleito da República Federativa do Brasil, proferido na tarde do dia 28 de outubro de 2002, no Hotel Intercontinental, centro de São Paulo, SP. Impressão e distribuição do Partido dos Trabalhadores.

25PÊCHEUX, Michel. Semântica e discurso (1975). Tradução de Eni Pulcinelli Orlandi et.al.Campinas, SP:

Ed. da UNICAMP, 1988. p. 143-49.

26COURTINE, Jean Jacques; MARANDIN, Jean Marie. “Quel objet pour l’analyse de discours?” In: Matérialités discursives. Actes du Colloque, avril, 1980. Paris X - Nanterre Lille. Presses universitaires de Lille, 1981.

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A cena discursiva que se estabelece, quando do pronunciamento em análise, instaura a interlocução tanto com aqueles inscritos na FD dos traba- lhadores como com outros interlocutores inscritos em outra(s) FD(s). Em re- lação aos inscritos na mesma FD em que o sujeito enunciador do DL se ins- creve, pode-se compreender a antecipação do discurso, materializada pela maneira como esse sujeito, em seu imaginário discursivo, concebe as expec- tativas de seus interlocutores; um dos efeitos de sentido que esse funciona- mento produz é que é preciso ter paciência, pois, desse momento em diante, esse sujeito enunciador que, até então, enunciava saberes e demandas dos trabalhadores e/ou petistas, embora continue inscrito na referida FD, passa a enunciar outros saberes, produzindo outros sentidos. Note-se: “...serei, a partir de primeiro de janeiro, o presidente de todos os brasileiros e brasilei- ras, porque sei que é isso que esperam os eleitores que me confiaram seu voto...” (grifos meus). Nesse fragmento de discurso, interessa notar que esse sujeito, na ilusão subjetiva, enuncia afetado pelo inconsciente e pelo interdiscurso, “esquecendo-se” que ele não chega sozinho ao “lugar” do po- der; entendo que, a partir da eleição de Lula para Presidente da República, o DL passa a ser representativo dos saberes de uma parcela de trabalhadores que chega ao poder. Observe-se, na seqüência discursiva (sd) que se segue, como essa representatividade opera no discurso em análise:

A nossa vitória significa a escolha de um projeto alternativo e o início de um novo ciclo histórico para o Brasil. A nossa chegada à Presidência da República é fruto de um vasto esforço coletivo, realizado ao longo de décadas por inúmeros democratas e luta- dores sociais. [...] Quero homenagear aqui os militantes anôni- mos. Aqueles que deram seu trabalho e dedicação, ao longo de todos esses anos, para que chegássemos aonde chegamos...

(grifos meus).

Meu gesto interpretativo, em relação ao funcionamento discursivo da sd recém apresentada, vai no sentido de que o jogo que se estabelece entre o funcionamento discursivo da primeira pessoa do plural, da primeira e da terceira do singular (“...A nossa vitória [...] A nossa chegada ...[...] Quero... [...]

por inúmeros democratas e lutadores sociais. [...] os militantes anônimos”), permite compreender que o sujeito enunciador não enuncia mais do mesmo lugar social “dos inúmeros democratas, lutadores sociais e militantes anôni- mos”; um efeito de sentido que se pode produzir é o de que esse sujeito assume um olhar de fora, ou reveste-se daquilo que Zoppi-Fontana27 deno-

27ZOPPI-FONTANA. Mônica Graciela. Cidadãos modernos: discurso e representação política. Campinas, SP: Ed. da UNICAMP, 1997, p. 133.

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mina como sendo a ilusão de exterioridade. Entendo que essa ilusão permite compreender a dispersão do sujeito enunciador que faz com que ele, embo- ra identificado com os grupos sociais nomeados, desloque seu discurso para outro “lugar”, passando, assim, a identificar-se com outra região de saber, isto é, migrando para uma outra posição-sujeito. No caso em análise, o fun- cionamento discursivo permite compreender que o sujeito enunciador do DL, nessa outra posição-sujeito, embora não se desidentifique da FD dos trabalhadores brasileiros, não enuncia mais, ou, pelo menos, não enuncia mais apenas em nome dos trabalhadores e/ou petistas, e, sim, em nome daqueles trabalhadores que chegaram ao poder, aliados a outras forças po- líticas; passa, portanto, a lidar com saberes representativos desse novo lu- gar social a partir do qual é levado a enunciar, isto é, a lidar com saberes antes não possíveis no âmbito da FD dos trabalhadores.

Nesse sentido, vale lembrar Rancière28 que considera que o que “os clássicos nos ensinam é que a política não se ocupa dos vínculos entre os indivíduos, nem das relações entre os indivíduos e a comunidade; a política é da alçada de uma contagem das partes da comunidade, contagem que é sempre uma falsa contagem”. Essa falsa contagem seria, na verdade, a ex- clusão daqueles que não são contados como partes – os excluídos, denomi- nados, pelo autor, como os sem-parcela, pois, em seu dizer, a política existe quando a ordem natural da dominação é interrompida pela instituição (o todo da política) de uma parcela dos sem-parcela. No caso em pauta, é esta parcela dos sem-parcela que chega ao poder – os demais, embora tenham lutado para tal e, em sua projeção imaginária, se achem também chegando lá, continuam sem-parcela.

Observe-se um outro fragmento desse discurso: “...carências históri- cas da população trabalhadora não podem ser superadas da noite para o dia. Não há solução milagrosa...”; nesse caso, o funcionamento discursivo da negação produz o efeito de sentido de que os demais trabalhadores, isto é, os militantes anônimos continuam a fazer parte do grupo de trabalhadores e/ou petistas que clama por demandas sociais, mas que deve ter paciência;

a compreensão que tenho é que o DL nega (“carências [...] não podem ser superadas da noite para o dia...”) para poder antecipar que as projeções de futuro realizadas durante a campanha eleitoral não acontecerão de imedia- to.

28RANCIÈRE, Jacques. O desentendimento. Tradução de Ângela Leite Lopes. São Paulo: Editora 34, 1996.

p. 22.

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A noção de antecipação, segundo Pêcheux29, é constitutiva do discur- so e entendida como o momento em que o orador experimenta, de certa maneira, o lugar do ouvinte a partir de seu próprio lugar de orador constituí- do pelo jogo das formações imaginárias (a imagem que faz de x, de si mes- mo, do outro). Nesse sentido, esse autor salienta que “cada um ‘sabe’ prever onde seu ouvinte o espera – é esse jogo imaginário que funciona no discur- so”.

No funcionamento do discurso em análise, o sujeito enunciador do DL antecipa uma resposta a uma outra discursividade em circulação na exterioridade de seu discurso e que, se restabelecidas as condições históri- co-sociais da época, pode ser reconstituída pelo viés do interdiscurso, com enunciados do tipo: “... O PT ganhou as eleições, agora tudo vai ser diferente, tudo será resolvido...”. Meu gesto interpretativo me leva a compreender que a interlocução que o sujeito enunciador do DL estabelece evidencia que, na cena discursiva de interlocução, está em jogo o político, entendido como representação das forças políticas que podem ser percebidas por essa discursividade, pois, embora em seu imaginário social, os trabalhadores em geral e, em especial, os trabalhadores petistas possam se sentir também chegando lá (no lugar do poder), não é esse o efeito de sentido que se pode produzir a partir da análise do pronunciamento em pauta.

Volto a Rancière30 para enfatizar que “fora da instituição não há políti- ca – é ela que define o todo da política enquanto forma específica de vínculo;

define o comum (o que é igual) da comunidade como comunidade política, quer dizer dividida - a política é a esfera da atividade de um comum que só pode ser litigioso”. A cena discursiva de interlocução estabelecida por oca- sião do pronunciamento ora em análise revela uma outra cena que lhe subjaz, ou seja, a existência das partes como partes, a existência de uma relação política que as constitui como tais – os que chegam ao poder e os que ima- ginariamente se consideram “chegando lá”. O funcionamento discursivo do DL permite essa compreensão como se pode notar a partir de um fragmento da sd em pauta: “[...] Quero homenagear aqui os militantes anônimos. Aque-

29PÊCHEUX, Michel. “Análise automática do discurso (AAD-69)”. In: GADET; HAK (Org.). Por uma análise automática do discurso. Campinas: Ed. da Unicamp, 1990. p. 77-8.

30RANCIÈRE, Jacques. O desentendimento. Tradução de Ângela Leite Lopes. São Paulo: Editora 34, 1996.

p. 26-9.

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les que deram seu trabalho e dedicação, ao longo de todos esses anos, para que chegássemos aonde chegamos...” (grifos meus).

Por outro lado, apesar de o sujeito enunciador do DL já enunciar a partir do “lugar” do poder, observa-se ainda, no pronunciamento em análise, traços de projeção de futuro, isto é, de um novo devir, próprios, como escreve Miguel31, do discurso de candidato. Note-se a seqüência a seguir:

...estamos convencidos que, desde o primeiro dia da nova ges- tão, é possível agir com criatividade e determinação na área social. Vamos aplacar a fome, gerar empregos, atacar o crime, combater a corrupção e criar melhores condições de estudo para a população de baixa renda desde o momento inicial do meu governo. Meu primeiro ano de mandato terá o selo do combate à fome...

A partir da análise dessa seqüência discursiva, talvez se possa pensar que o sujeito enunciador do DL, naquelas condições de produção do discur- so, ainda se movimentava entre os desvãos dessas duas funções enunciativas – a de candidato da Frente Brasil Popular e a de Presidente eleito. Não obstante a isso, a eleição presidencial de 2002 coloca-se como uma encruzi- lhada discursiva a partir da qual os saberes da posição-sujeito, instituída no momento pontual desse acontecimento enunciativo, (re)elaboram o DL que, embora permaneça, pelo menos, nesse primeiro momento, inscrito na FD dos trabalhadores brasileiros, migra para outra posição-sujeito, com saberes (re)significados.

Em relação à interlocução com a exterioridade da FD, observa-se que, pelo viés do enunciado dividido32, também funciona uma espécie de anteci- pação do discurso – “ ...serei, a partir de primeiro de janeiro, o presidente de todos os brasileiros e brasileiras, porque sei que é isso que esperam os elei- tores que me confiaram seu voto [...] nosso governo vai honrar os contratos estabelecidos pelo governo, não vai descuidar do controle da inflação...” - a partir desse funcionamento discursivo da antecipação, um dos efeitos de sentido que se poderia produzir é: “podem ficar tranqüilos, não precisam ter medo, pois não seremos um governo apenas dos trabalhadores e do PT; não

31MIGUEL, Luiz Felipe. Mito e discurso político, 1979-1982. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989.

32COURTINE, Jean Jacques. Quelques problèmes theoriques et methodologiques en analyse du discours;

à propos du discours communiste adressé aux chrétiens. Langages, v. 62, p. 9-127, Juin. 1981 e

“Définition d’orientations théoriques et construction de procédures en analyse du discourse”. In:

Philosophiques, n. 9, v. 2, oct. 1982.

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suspenderemos contratos...”; o DL estaria funcionando, assim, como respos- ta a uma discursividade exterior à FD em que o referido discurso está inscri- to, pois, se acionada a categoria de análise da memória discursiva, se pode- ria chegar a enunciados do tipo: “O governo do PT vai romper com os contra- tos firmados por governos anteriores” / “O governo do PT vai suspender o pagamento da dívida externa” / “Se Lula ganhar a eleição, a inflação vai disparar”.

Nessa mesma cena discursiva de interlocução, o sujeito enunciador, ao denunciar a dívida social acumulada (“... Não há solução milagrosa para tamanha dívida social, agravada no último período...”), produz outro efeito de sentido: a busca de desqualificação, em especial, das ações e, por conse- guinte, do discurso do governo anterior. Ainda em relação à interlocução com a exterioridade da FD, é possível, também pelo viés da memória discursiva, compreender que, no DL, ressoa (faz eco) um discurso-outro, veiculado, du- rante a campanha presidencial, em cadeia nacional de TV pela atriz Regina Duarte33: “Estou com medo. O Brasil corre o risco de perder a estabilidade.

Não dá para jogar tudo no lixo. O Serra eu conheço, sei o que vai fazer. O outro eu achava que conhecia. Isso dá medo na gente. Medo da inflação desenfreada de 80% ao mês...”; naquelas condições de produção, tão logo esse enunciado foi atualizado, o mesmo passou a trabalhar tanto no discur- so da FD em que o DL está inscrito como em sua exterioridade e, no pronun- ciamento em análise, volta a fazer eco, o que pode ser observado em: “...

Ontem o Brasil votou para mudar. A esperança venceu o medo e o eleitorado decidiu por um novo caminho para o país...”. O que estou entendendo como fazendo “eco” no DL, em AD, pode também ser tomado como o retorno do mesmo no outro, ou seja, como escrevem Courtine e Marandin34: “os discur- sos se repetem, ou melhor, há repetições que fazem discursos’; ou, ainda, conforme Serrani35, estar-se-ia aí diante de uma paráfrase discursiva, enten- dida como uma “ressonância interdiscursiva de significação”. Segundo a autora, “as paráfrases ressoam significativamente na verticalidade do dis- curso e concretizam-se na horizontalidade da cadeia, através de diferentes realizações lingüísticas”.

33Horário eleitoral, 15/10/2002.

34COURTINE, Jean Jacques; MARANDIN, Jean Marie. “Quel objet pour l’analyse de discours?” In: Matérialités discursives. Actes du Colloque, avril, 1980. Paris X - Nanterre Lille. Presses universitaires de Lille, 1981.

p. 28.

35SERRANI, Silvana M. A linguagem na pesquisa sociocultural: um estudo da repetição na discursividade.

Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 1993. p. 47.

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Concluindo, acredito que a eleição de Lula para a Presidência da Re- pública (re)organiza os saberes da FD dos trabalhadores brasileiros e, por conseguinte, do DL. Esse discurso se (re)significa, inscrevendo-se, então, em outra posição-sujeito, na qual passa a enunciar saberes e demandas relacio- nados ao “lugar” do poder, mais precisamente, relacionados ao campo da parcela da esquerda brasileira aliada a outras forças políticas que chega a esse “lugar”; esse discurso, portanto, institui-se como um novo modo de lidar (de se relacionar) com a forma sujeito da FD dos trabalhadores brasileiros.

As ações instauradas desde a posse de Lula no governo têm gerado uma turbulência de saberes e de sentidos que se abrem para diferentes ges- tos de interpretação, mas este texto trata apenas do pronunciamento ocorri- do por ocasião da vitória de Lula e não do discurso de Lula no exercício da Presidência da República. Quando da apresentação deste texto, no encontro da ANPOLL, eu registrava que, diante das condições histórico-sociais que se configuravam a partir do acontecimento enunciativo em pauta, o qual mate- rializava a passagem do DL de uma para outra posição-sujeito, interessava acompanhar o referido processo discursivo para compreender se o mesmo, em algum momento pontual, iria ou não se desidentificar da FD dos traba- lhadores e que, caso isso ocorresse, outro gesto de interpretação seria ne- cessário.

ABSTRACT

In this text, I understand the historical happening of Lula’s election as president of Brazil as an uttering event that can cau- se the rupture of the historical subject in Brazilian workers’ discursive formation (FD). Aiming at understanding how that discourse migrates to a different subject- position, I analyze the first speech by the uttering subject in Lula’s discourse (LD) as elected president, given the afternoon of October 28th, 2002, downtown São Paulo.

Key-words: Lula’s discourse; uttering event; discoursive migration.

Referências

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