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A (i)legitimidade da defensoria pública na ação civil pública

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ

VINÍCIUS DE BRITO MARINHO

A (I)LEGITIMIDADE DA DEFENSORIA PÚBLICA NA AÇÃO CIVIL PÚBLICA

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VINÍCIUS DE BRITO MARINHO

A (I)LEGITIMIDADE DA DEFENSORIA PÚBLICA NA AÇÃO CIVIL PÚBLICA

Monografia apresentada ao Curso de Direito da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial à obtenção do título de bacharel em Direito, sob a orientação da Professora Janaína Soares Noleto Castelo Branco.

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VINÍCIUS DE BRITO MARINHO

A (I)LEGITIMIDADE DA DEFENSORIA PÚBLICA NA AÇÃO CIVIL PÚBLICA

Monografia apresentada ao Curso de Direito da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial à obtenção do título de bacharel em Direito.

Aprovada em: ___/___/______.

BANCA EXAMINADORA

________________________________________________ Prof.ª Janaína Soares Noleto Castelo Branco (Orientadora)

Universidade Federal do Ceará (UFC)

_______________________________________________ Prof. Dr. Machidovel Trigueiro Filho

Universidade Federal do Ceará (UFC)

_______________________________________________ Prof. Dr. Dimas Macedo

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AGRADECIMENTOS

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RESUMO

A (I)LEGITIMIDADE DA DEFENSORIA PÚBLICA NA AÇÃO CIVIL PÚBLICA

O acesso à justiça deve ser o mais amplo e eficaz possível de modo a resguardar direitos. O supracitado tema ficou em evidência perante o surgimento de novos direitos transindividuais. Nesse cenário, em que o direito processual civil clássico não comportava soluções eficazes à tutela dos direitos coletivos, tornou-se necessária a criação de novos instrumentos processuais específicos e aptos a sua proteção; cite-se a ação civil pública. Ainda em observância ao direito de acesso à justiça, destaca-se o papel da Defensoria Pública em defesa de hipossuficientes, inclusive, por intermédio dessa ação coletiva. Contrária a legitimação conferida à Defensoria Pública pela Lei nº 11.448, de 15 de janeiro de 2007, insurge-se a Associação Nacional dos Membros do Ministério Público.

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ABSTRACT

THE (UN)RIGHTFULNESS OF THE OFFICE OF PUBLIC DEFENDER IN PUBLIC-INTEREST CIVIL ACTION

The access to justice must be as broad and effective as possible in the way to protect rights. The aforesaid theme was in evidence towards the rise of new collective rights. In this context, in which the classic civil procedural law did not contain effective solutions to the protection of collective rights, became necessary to create specific procedual tools and able to protect their; instance the public-interest civil action. Still, in observance of the access to justice, stand out the responsibility of the Office of Public Defender to help the indigent with the public-interest civil action. The National Association of Members of The Public Prosecutor's Office rises up against the legitimacy of the Office of Public Defender conferred by Law nº. 11,448, of January 15, 2007.

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO...9

2. DIREITO FUNDAMENTAL À TUTELA ADEQUADA EFETIVA...10

2.2. AS BARREIRAS NO ACESSO À JUSTIÇA E AS ONDAS RENOVATÓRIAS...10

2.2.1. OBSTÁCULO ECONÔMICO E A PRIMEIRA ONDA...11

2.2.2. OBSTÁCULO ORGANIZACIONAL E A SEGUNDA ONDA...13

2.2.3. OBSTÁCULO PROCESSUAL E A TERCEIRA ONDA...15

2.3. AS BARREIRAS NO ACESSO À JUSTIÇA NO BRASIL...16

2.4. A DEFENSORIA PÚBLICA...17

2.4.1. PRINCÍPIOS INSTITUCIONAIS...18

2.4.1.1. PRINCÍPIO DA UNIDADE...19

2.4.1.2. PRINCÍPIO DA INDIVISIBILIDADE...19

2.4.1.3. PRINCÍPIO DA INDEPENDÊNCIA FUNCIONAL...20

2.4.2. OBJETIVOS...21

2.4.3. FUNÇÕES DA DEFENSORIA PÚBLICA...22

2.4.3.1. FUNÇÃO TÍPICA...23

2.4.3.2 FUNÇÃO ATÍPICA...24

3. DIREITOS METAINDIVIDUAIS E A AÇÃO CIVIL PÚBLICA...27

3.1. DIREITOS METAINDIVIDUAIS...28

3.1.1. DIREITOS DIFUSOS...28

3.1.2. DIREITOS COLETIVOS STRICTO SENSU...29

3.1.3. DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS...31

3.2. AÇÃO CIVIL PÚBLICA...33

3.2.1. OBJETOS...35

3.2.2. LEGITIMADOS...36

3.2.2.1. MINISTÉRIO PÚBLICO...40

3.2.2.2. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DIRETA E INDIRETA...41

3.2.2.3. ASSOCIAÇÕES...42

3.2.2.4. DEFENSORIA PÚBLICA...42

4. (I)LEGITIMIDADE DA DEFENSORIA PÚBLICA EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA...44

4.1. ADI Nº 3.943 E ARE Nº 690.838/MG...44

4.2. LEGITIMIDADE DA DEFENSORIA PÚBLICA...48

4.2.1. INAFETAÇÃO DE ATRIBUIÇÕES DO MINISTÉRIO PÚBLICO...49

4.2.3. A DEFENSORIA PÚBLICA EM EVIDÊNCIA NA TUTELA COLETIVA...53

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS...57

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1. INTRODUÇÃO

Trata o presente trabalho sobre a (i)legitimidade da Defensoria Publica no ajuizamento da ação civil pública. O tema é abordado na perspectiva do macro problema do “acesso à justiça”, mormente em decorrência do surgimento dos novos direitos de caráter transindividual e a busca por instrumentos e legitimados aptos à tutelá-los.

Nesse cenário, destacam-se o surgimento das ações coletivas e a ampliação de seu rol de legitimados. Nesse contexto, ressaltam-se a importância da ação civil pública e a atuação da Defensoria Pública, mormente em decorrência da edição da Lei nº 11.448 de 2007, a qual fez incluir no inciso II do artigo 5º da Lei nº 7.347 a Defensoria Pública.

Contudo, a Associação Nacional dos Membros do Ministério Público, contestando a constitucionalidade de supracitada norma, ajuizou Ação Direta de Inconstitucionalidade. A discussão também chegou ao Supremo Tribunal Federal por meio do Recurso Extraordinário com Agravo nº 690.838/MG, o qual também trata sobre a (im)possibilidade de se atribuir a legitimação ad causam à Defensoria Pública em ação civil pública. No caso, reconheceu-se a repercussão geral da matéria dada a densidade constitucional do tema extrapolar os interesses subjetivos das partes, bem como pelo seu potencial de repetir-se em inúmeros processos.

De fato, o tema além de interessar a todas as Defensorias Públicas existentes no país, também é toda a coletividade.

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2. DIREITO FUNDAMENTAL À TUTELA ADEQUADA EFETIVA

No ordenamento jurídico brasileiro, conforme previsão constitucional, conquista e reflexo do Estado Democrático de Direito, apresenta-se o princípio da inafastabilidade da jurisdição.

Consoante Luiz Guilherme Marinoni em sua obra conjunta com Daniel Mitidiero e Ingo Wolfgang Sarlet (2012, p. 628), o direito fundamental à tutela adequada efetiva, comporta três perspectivas: (i) o acesso à justiça, (ii) da adequação da tutela (iii) da efetividade da tutela.

O desdobramento do acesso à justiça corresponderia à amplitude da prestação da tutela jurisdicional, desde o ajuizamento da demanda aos valores a serem despendidos pelo autor ao longo do curso do processo, mas não somente para a defesa de direitos individuais, mas também de direitos coletivos.

Por sua vez, a adequação da tutela equivale a afirmar que por meio do processo se materializem os direitos estabelecidos no ordenamento jurídico. Nesse sentido, o processo é percebido como instrumento hábil a defesa de direitos violados.

Já a efetividade da tutela relaciona-se com o resultado prático do processo. Assim, por meio do processo, deve garantir-se a parte que teve o direito violado a sua tutela específica, ainda que convertida em seu equivalente monetário. Não escapa também a ameaça de direito à tutela inibitória perante o Poder Judiciário nesse sentido.

Interessante posicionamento é também trazido pelos autores quando tratam do direito fundamental à igualdade e à paridade de armas. Para eles o processo somente pode ser considerado justo se as partes dispuserem das mesmas oportunidades e meios de nele influenciar.

A igualdade entre as partes é importante à medida que é ponto de partida na identificação das barreiras no acesso à justiça explicados por Mauro Cappelletti e Bryant Garth (1988).

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Mauro Cappelletti e Bryant Garth (1988) buscaram evidenciar os entraves no acesso à justiça, bem como apresentar suas respectivas soluções oriundas da experiência de diversos países.

2.2.1. OBSTÁCULO ECONÔMICO E A PRIMEIRA ONDA

A defesa de direitos por intermédio de processo judicial é expediente caro, isso é sabido. As custas com o processo e mormente os honorários advocatícios, sejam contratuais ou sucumbenciais, constituem barreias econômicas ao litigante. Frise-se que nas causas de valor economicamente inexpressivo são particularmente afetadas pelo preço das custas processuais e por vezes excedem o valor do objeto, logo, torna-se contraproducente a defesa de direitos nesses casos. Os dados reunidos pelo Projeto de Florença confirmam o acima exposto, Mauro Cappelletti e Bryant Garth (1988, p. 19) explicam: “Na Alemanha, por exemplo, as despesas para intentar uma causa cujo valor corresponda a USS 100, no sistema judiciário regular, estão estimadas em cerca de USS 150 [...]”.

Acresça-se que o tempo despendido em um processo também se impõe como obstáculo ao acesso à justiça na medida em que os economicamente fracos não podem arcar com custas e despesas diversas com o advogado por longos períodos, assim, muitos transigem com a parte contrária aceitando acordos bem abaixo do montante requisitado em juízo ou simplesmente abandonam a causa.

Ademais, identifica-se como barreira a preponderância econômica de um litigante ante o outro. Conforme já exposto, em virtude dos altos valores despendidos ao longo do curso do processo, são poucos aqueles que podem arcar com o ônus financeiro do processo e pagar por pareceres, melhores advogados e, desse modo, elaborarem uma defesa mais eficiente.

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diferenças de educação, meio e status social do indivíduo. Note-se que essa barreira não é obstáculo apenas para os pobres, mas também para aquele que simplesmente não é conhecedor de seus direitos, mormente à falta de conhecimento jurídico básico, até mesmo a maneira de ajuizar uma demanda.

Some-se a isso, a disposição psicológica das pessoas para fazer uso de processos judiciais demorados, o ambiente intimidador de fóruns e tribunais, o formalismo, juízes e advogados, “figuras tidas como opressoras”, tornam obstáculos para aqueles mais esclarecidos de seus direitos – Mauro Cappelletti e Bryant Garth (1988, p. 24).

Mauro Cappelletti e Bryant Garth (1988, p. 25) também apresentam a dicotomia desenvolvida pelo professor Galanter entre litigantes “eventuais” e “habituais” com base na frequência de seus encontros com o sistema judicial. Esclareceu as vantagens que os litigantes habituais tinham perante os eventuais os enumerando: 1) maior experiência com o direito possibilita-lhes melhor planejamento do litígio; 2) o litigante habitual tem economia de escala, porque tem mais casos; 3) o litigante habitual tem oportunidades de desenvolver relações informais com os membros da instância decisora; 4) ele pode diluir os riscos da demanda por maior número de casos; e 5) pode testar estratégias com determinados casos, de modo a garantir expectativa mais favorável em relação a casos futuros. Em decorrência dessas vantagens, concluiu que os litigantes habituais teriam uma eficiência maior em apresentar demandas em juízo e as proverem.

Como superação dos obstáculos econômicos Mauro Cappelletti e Bryant Garth (1988) apresentaram três grandes sistemas de assistência judiciária aos pobres: o sistema judicare, o advogado remunerado pelos cofres públicos e o terceiro resultante da combinação dos dois primeiros.

O sistema judicare, inovação dos ordenamentos jurídicos da Áustria, Inglaterra e Holanda consistia no reconhecimento de que a assistência judiciária era direito de todos, por isso, o Estado deveria custear o pagamento dos honorários de advogados particulares que prestassem os seus serviços aos cidadãos miseráveis.

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Por sua vez, o advogado remunerado pelos cofres públicos teve início com a criação dos Offices of Economic Opportunity em 1965, nos Estados Unidos, e consistia em verdadeiros “escritórios de vizinhança”. Era vantajoso para os assistidos por se localizar nos bairros onde residiam minimizando, portanto, as barreiras de classe. Ele superava o sistema judicare, uma vez que visava a conscientização dos novos direitos dos assistidos.

Todavia, por o sistema do advogado remunerado pelos cofres públicos depender da ação governamental para o seu devido funcionamento, ele igualmente ao sistema judicare era passível de críticas.

Sobressaiu-se melhor, contudo, a combinação dos dois modelos anteriores, modelos combinados, a Suécia e a Província Canadense de Quebeque foram as primeiras a oferecer a escolha entre o atendimento por advogados servidores públicos ou por advogados particulares. Mauro Cappelletti e Bryant Garth (1988) identificavam o sistema sueco mais próximo ao sistema judicare, pois os advogados públicos deveriam manter-se, essencialmente, através dos honorários pagos pelo Estado quando atuasse em favor do assistido miserável. Em Quebeque, noticiam os autores que os escritórios de advocacia eram mantidos diretamente pelo governo sem que se tomasse em consideração o grau de sucesso em relação às sociedades de advogados particulares.

Mauro Cappelletti e Bryant Garth (1988, p.44) evidenciam a seguinte vantagem desse modelo: “permite que os indivíduos escolham entre os serviços personalizados de um advogado particular e a capacitação especial dos advogados de equipe, mais sintonizados com os problemas dos pobres.”.

2.2.2. OBSTÁCULO ORGANIZACIONAL E A SEGUNDA ONDA

O segundo obstaculo apresentado por Mauro Cappelletti e Bryant Garth (1988) decorre do surgimento dos direitos difusos, caracterizado pelos autores como “interesses fragmentados ou coletivos, tais como o direito ao ambiente saudável, ou à proteção do consumidor”, e a dificuldade em os tutelar.

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suficiente a corrigir um direito coletivo, ou o prêmio é bastante reduzido para que alguém se sinta motivado à resguardá-lo. Em um segundo momento, ela decorreria da própria incapacidade dos indivíduos se organizarem adequadamente para resguardar direito coletivo.

Fernando de Castro Fontainha (2009) esclarece de forma bastante simples a lição dos autores Mauro Cappelletti e Bryant Garth (1988) da seguinte forma:

Devemos nos perguntar, então: o que torna os direitos difusos um problema no contexto do acesso à justiça?

Devemos desmembrar a resposta em duas vertentes. Por um lado, devemos considerar o problema que reside no trinômio legitimação-interesse-possibilidades materiais. De outro, a barreira da própria organização dos grupos na sociedade.

Quanto à primeira vertente, devemos partir do princípio de que a pequena fração do direito ou interesse que compete a cada indivíduo (i) pode não lhe fazer legítimo para propor a demanda judicial, (ii) pode não lhe conferir interesse caso não lhe caiba nenhuma indenização concreta e, (iii) caso venha a ser legítimo e lhe compita pequena fração do direito difuso violado, retomamos a questão das pequenas causas: a ínfima fração pode não justificar a propositura de ação judicial.

Na segunda vertente o problema se intensifica. Numa análise superficial podemos afirmar que carece, na base da sociedade civil o elemento organização. (FONTAINHA , 2009, p.57).

Como tentativa de superação dos obstáculos organizacionais, Mauro Cappelletti e Bryant Garth (1988) apresentaram as seguintes soluções: a ação governamental, a técnica do procurador geral privado e a técnica do advogado particular do interesse público.

A ação governamental é solução apresentada quando se incumbe a determinados órgãos públicos a defesa dos direitos difusos, citam-se como exemplos o Ministério Público, o Staatsanwalt alemão e a Prokuratura soviética. Essa técnica é bastante criticada por faltar a esses legitimados conhecimento específico multidisciplinar em diversas áreas, como contabilidade, ecologia etc, necessário a salvaguardar os direitos difusos, bem como por estarem sujeitos às pressões políticas e, por conseguinte, acabarem por não litigar contra os interesses do Poder Público, quando esse causa danos coletivos à sociedade.

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regulamentadoras especializadas. Todavia, revelou-se a inoperância dessas instituições, notadamente, por, assim como os demais órgãos governamentais, estarem sujeitos à pressões políticas.

Por sua vez, a técnica do procurador-geral privado consiste em legitimar um particular para agir não em nome próprio, mas em socorro dos direitos coletivos da sociedade. É o caso em que o particular por intermédio de uma ação coletiva contesta, por exemplo, determinada política do governo.

Já a técnica do advogado particular é assim sintetizada por Fernando de Castro Fontainha (2009):

Já a técnica do advogado particular do interesse público representa o que há de mais avançado em termos de representação de interesses transindividuais. Esta técnica se desenvolveu em duas importantes etapas. A primeira foi justamente o reconhecimento dos grupos existentes, e dos direitos a eles atribuídos, criando condições para a implementação das ações coletivas, instrumentos processuais capazes de representar em juízo interesses não de indivíduos isolados, mas de verdadeiros grupos, ou até mesmo de interesse geral, como é o caso da defesa da ecologia ou da saúde pública. A segunda etapa foi justamente aquela que mobilizou o que se pode chamar de sociedade civil organizada para a questão do obstáculo organizacional, o que se iniciou com a atribuição de legitimidade ativa a associações e instituições de caráter representativo para propor ações coletivas em favor de seus associados. (FONTAINHA , 2009, p.75)

Destarte essas instituições puderam fazer frente a grandes empresas causadoras de danos coletivos, bem como ao Estado.

2.2.3. OBSTÁCULO PROCESSUAL E A TERCEIRA ONDA

Esse obstáculo revela-se na própria ineficiência de soluções de conflitos por intermédio do Poder Judiciário.

Conforme Mauro Cappelletti e Bryant Garth (1988):

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tratá-las como apenas algumas de uma série de possibilidades para melhorar o acesso. (CAPPELLETTI; GARTH, 1988, p.67-68).

Busca-se superar o monopólio Estatal na resolução de conflitos de modo a preservar as relações entre os litigantes. Nesse sentido, devem ser utilizadas soluções alternativas de resolução de conflitos que não o Poder Judiciário; citem-se a conciliação e a arbitragem.

Já aqueles conflitos que não podem ser resolvidos pelos métodos alternativos devem ser solucionados por intermédio de um processo rápido e eficiente; deve-se, portanto, modernizar as técnicas processuais combatendo-se o excesso de formalismo. Nessa linha, busca-se também a especialização dos tribunais, notadamente voltada para as pequenas causas.

2.3. AS BARREIRAS NO ACESSO À JUSTIÇA NO BRASIL

Em remate, Mauro Cappelletti e Bryant Garth (1988) observam um padrão nos obstáculos criados pelos sistemas jurídicos de sua época. Perceberam que as barreiras são mais evidentes quando ligadas as pequenas causas e autores individuais, especialmente os pobres, ao passo que as vantagens pertencem aos litigantes organizacionais. Por fim, esclareceram os autores que as barreiras de acesso à justiça, por se encontrarem inter-relacionados, não poderiam ser combatidas uma por uma, sob o risco de a eliminação de uma barreira potencializar outra. Dá-se o exemplo do combate a barreira econômica com a eliminação de representação por advogados em determinados procedimentos. O que se visualizaria como vantagem para aquele litigante com parcos recursos financeiros apresenta-se como desvantagem caso ele não consiga postular em juízo por sequer conhecer o modo ou a forma de como fazê-lo.

Em verdade, o mérito maior dos autores reside na identificação dessa tendência universalizada dos obstáculos se apresentarem nas diferentes sociedades estudadas, bem como nas experiências dessas sociedades em minimizá-los.

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reproduzi-las em parte.

Como experiência brasileira no combate as barreiras econômicas, exemplifique-se a Lei nº 1.060, de 5 de fevereiro de 1950, que regulamenta a “assistência judiciária” aos necessitados, em verdade benefício da justiça gratuita, e a criação da Defensoria Pública, a qual presta assistência jurídica, conceito que engloba a assistência judiciária, em favor dos necessitados.

Agora, como inovação no embate a barreira organizacional, citem-se a Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985, que regulamenta a ação civil pública e a Lei nº 4.717, de 29 de junho de 1965, que regulamenta a ação popular; diplomas que conferiram legitimidade a particulares e órgãos governamentais para a defesa dos direitos coletivos.

Por sua vez, em consonância com a terceira onda renovatória, citem-se a Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996, que dispõe sobre a arbitragem, e a Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, que regulamenta os Juizados Especiais Cíveis e Criminais.

Ressalve-se contudo a importância da Defensoria Pública de forma clara no contexto do acesso à justiça. Ela está presente em duas das ondas renovatórias anunciadas por Mauro Cappelletti e Bryant Garth (1988). Na primeira, já devidamente destacada, na segunda, como legitimada ao ajuizamento da ação civil pública. Não olvidemos a sua participação, porém, agora ligada a terceira onda, uma vez que a Defensoria Pública também sempre que possível almeja a composição amigável dos conflitos por intermédio da conciliação.

No presente estudo, porém, buscar-se-á evidenciar a sua atuação no contexto da primeira e segunda onda renovatória noticiadas por Mauro Cappelletti e Bryant Garth (1988).

2.4. A DEFENSORIA PÚBLICA

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referência à assistência jurídica aos necessitados, sem, entretanto, incumbirem o exercício dessa função a um determinado órgão específico, muito menos lhe dando origem. Como resultado, tornavam-se letra morta tais disposições, ou seja, o serviço não se prestava de forma eficaz e eficiente. Essencialmente, a Constituinte de 1988, ao revés das anteriores, optou pela criação de uma instituição independente, especialmente incumbida dessa tarefa: Defensoria Pública.

A Defensoria Pública encontra-se prevista no artigo 134 da Constituição Federal e lhe foi atribuída a função de orientar jurídica e defender os necessitados em todos os graus de jurisdição, espelhando, portanto, a garantia constitucional da assistência jurídica integral e gratuita àqueles que comprovarem insuficiência de recursos.

Por “necessitado”, leiam-se, “economicamente necessitado”, o que não possui recursos financeiro suficiente para contratar os serviços de advogado, e “juridicamente necessitado”, aquele que, apesar de gozar de recursos suficientes para garantir sua defesa em juízo, não o faz, essa situação ocorre comumente na seara penal quando o acusado não constitui advogado. Hodiernamente, defende-se outro tipo de hipossuficiência: a organizacional para a tutela de interesses metaindividuais.

Em decorrência dos múltiplos sentidos atribuídos ao termo “necessitado”, inscrito no artigo 134 da Constituição Federal, dividiu-se as funções da Defensoria Pública em típicas e atípicas, sendo aquelas correlatas às funções desempenhadas em favor do hipossuficiente econômico, enquanto essas, em benefício do necessitado jurídico ou organizacional.

2.4.1. PRINCÍPIOS INSTITUCIONAIS

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2.4.1.1. PRINCÍPIO DA UNIDADE

A unidade da Defensoria Pública significa que a Instituição compreende um todo coeso orientado por suas finalidades institucionais.

Frederico Rodrigues Viana de Lima (2010), assim, explica:

A unidade representa que os Defensores Públicos integram um mesmo órgão, regidos pela mesma disciplina, por diretrizes e finalidades próprias, e sob o pálio de uma mesma chefia. Todos os membros da carreira fazem parte de um todo, que é a Defensoria Pública. (LIMA, 2010, p.97).

Nesse sentido, colaciona-se a lição de Marília Gonçalves Pimenta e Cléber Francisco Alves (2004):

[...] entende-se que a Defensoria Pública corresponde a um todo orgânico, sob uma mesma direção, mesmos fundamentos e mesmas finalidades. Permite aos membros da Defensoria Pública substituírem-se uns aos outros. Cada um deles é parte de um todo, sob a mesma direção, atuando pelos mesmos fundamentos e com as mesmas finalidades. (ALVES; PIMENTA, 2004, p. 112-113).

Note-se que a unidade há de ser considerada em relação a cada uma das Defensorias Públicas existentes, ou seja, as Defensorias dos Estados, da União, e as do Distrito Federal e dos Territórios, cada uma, em si considerada, forma um todo unitário.

2.4.1.2. PRINCÍPIO DA INDIVISIBILIDADE

A indivisibilidade informa que os membros da Defensoria Pública podem ser substituídos uns pelos outros sem que se interrompa o serviço prestado ao assistido pela Instituição. Ou seja, não há solução de continuidade da representação quando o defensor que usualmente tratava dos interesses da parte venha a abster-se de atuar no processo por qualquer motivo.

Frederico Rodrigues Viana de Lima (2010), assim, explica:

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assistência jurídica prestada pela Defensoria Pública não sofra solução de continuidade, ou seja, que não se permita que ela cesse em virtude da ausência temporária de um dos seus integrantes. (LIMA, 2010, p.97).

Nesse sentido, colaciona-se a lição de Paulo Cesar Ribeiro Galliez (2007):

Uma vez deflagrada a atuação do Defensor Público, deve a assistência jurídica ser prestada até atingir o seu objetivo, mesmo nos casos de impedimento, férias, afastamento e licenças, pois, nesses casos, a lei prevê a possibilidade de substituição ou designação de outro Defensor Público, (GALLIEZ, 2007, p. 34).

Assim, férias, licenças ou aposentadoria de defensores públicos não acarretarão a dissolução da representação do assistido pela Defensoria Pública. O afastamento, seja temporário, seja definitivo, é sempre do defensor, e não da Defensoria Pública.

2.4.1.3. PRINCÍPIO DA INDEPENDÊNCIA FUNCIONAL

Consiste em assegurar à Defensoria Pública, no exercício de seu mister, a autonomia necessária perante os demais órgãos estatais, ainda que contrariamente aos interesses das pessoas jurídicas de direito público que a instituíram.

Sílvio Roberto Mello Moraes (1995), explica:

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do Estado poderia cercear a promoção, ou seja, a atuação do órgão de provedoria de justiça.”. (MORAES, 1995, p. 22).

A independência funcional, porém, não significa somente a autonomia perante a ingerência dos demais órgãos do Estado, mas também assegura a autonomia administrativa e a iniciativa de sua proposta orçamentária, conforme o §2º do artigo 134 da Constituição.

Felipe Caldas Menezes informa outro desdobramento do princípio da independência funcional ao afirmar:

Tal princípio institucional “elimina qualquer possibilidade de hierarquia diante dos demais agentes políticos do Estado, incluindo os magistrados, promotores de justiça, parlamentares, secretários de estado e delegados de polícia”. Essa independência da Instituição em relação a outros órgãos estatais pode ser encarada como aspecto externo da independência funcional (princípio institucional).1

2.4.2. OBJETIVOS

A Lei Complementar nº 80/1994 descreve os objetivos da Defensoria Pública, enumerando-os no artigo 3°-A, acrescido pela Lei Complementar nº 132/2009.

São objetivos da Defensoria Pública: a primazia da dignidade da pessoa humana e a redução das desigualdades sociais, a afirmação do Estado Democrático de Direito, a prevalência e efetividade dos direitos humanos e a garantia dos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório.

Nota-se a importância da Defensoria Pública na afirmação do Estado Democrático de Direito, pois ela foi eleita como seu instrumento (artigo 1º da Lei Complementar nº 80). Ademais, perceba-se o seu papel de destaque ao atuar na redução das desigualdades sociais, ao zelar pela primazia da dignidade da pessoa humana. Nesse sentido, a atuação da Defensoria Pública não se limita somente a

1 Defensoria Pública da União: Princípios Institucionais, Garantias e Prerrogativas dos Membros e um Breve Retrato da Instituição. Disponível em:

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orientação e defesa dos necessitados em juízo, ela persegue a materialização dos direitos sociais; ela é instituição propulsora de modificações sociais no Estado Democrático de Direito.

Destaca-se, ainda, nesse sentido, sua atuação em defesa dos direitos da coletividade. Frederico Rodrigues Viana de Lima (2010), explica:

Os objetivos da Defensoria Pública são perceptíveis quando se trata de tutela coletiva. A proteção ao consumidor, ao idoso, à criança e ao adolescente, à pessoa portadora de necessidades especiais e a outros grupos vulneráveis (art. 4º, VIII e XI, LC 80/94) são levadas em conta com arrimo nos escopos perseguidos pela Instituição, quando se busca, por exemplo, “a prevalência e efetividade dos direitos humanos” (art. 3°-A, III, LC 80/94). A promoção da defesa no processo criminal, ainda que não em favor de pessoa economicamente necessitada, como, de resto, no exercício da curadoria especial (art. 4º, XVI, LC 80/94), importa na consecução do objetivo de “garantia dos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório” (art. 3°-A, IV, LC 80/94). (LIMA, 2010, p.103).

Com efeito, a Defensoria Pública tem de fato garantido os direitos fundamentais de grande parcela da população brasileira carente dos recursos básicos à sua existência digna.

2.4.3. FUNÇÕES DA DEFENSORIA PÚBLICA

Atribuição precípua da Defensoria Pública está inscrita no artigo 134 da Constituição. Cuida a norma de atribuir à Defensoria Pública o papel de orientador jurídico dos necessitados, conforme o artigo 5º, LXXIV, da Carta Magna.

Interpretava-se o disposto no artigo 134 combinado com o artigo 5º, LXXIV, da Constituição Federal, de modo a atribuir à Defensoria Pública o múnus de prestar serviços somente aqueles que comprovassem a insuficiência de recursos financeiros. A sua atuação, então, somente se limitaria aos hipossuficientes econômicos, ou seja, aqueles que não teriam condições financeiras para arcar com os custos de um processo judicial ou contratar advogado para os defender judicialmente.

Contudo, essa visão é estreita e merece ser revista.

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somente aquele que não tem recurso financeiro. A doutrina, hodiernamente, atribui ao vocábulo necessitado outros sentidos, identificando outros tipos de hipossuficiência, como a jurídica e organizacional.

Com base nessa plurissignificação do termo “necessitado”, separou-se a atuação da Defensoria Pública em duas subdivisões: a) função típica: ligada à proteção dos hipossuficientes econômicos; b) função atípica: ligada à proteção de indivíduos que não sejam necessariamente hipossuficientes econômicos.

Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr. (2010) também percebem essa dicotomia:

É importante frisar que a defensoria atua mesmo em favor de quem não é hipossuficiente econômico. Isto por que a Defensoria Pública apresenta funções típicas e atípicas. Função típica é a que pressupõe hipossuficiência econômica, aqui há o necessitado econômico (v.g., defesa em ação civil ou ação civil para investigação de paternidade para pessoas de baixa renda). Função atípica não pressupõe hipossuficiência econômica, seu destinatário não é o necessitado econômico, mas sim o necessitado jurídico, v.g., curador especial no processo civil (CPC art. 9º, II) e defensor dativo no processo penal (CPP art. 265). (DIDIER JUNIOR; ZANETI JUNIOR, v.4, 2010, p. 216/217)

2.4.3.1. FUNÇÃO TÍPICA

Nessa acepção, a incapacidade econômica da parte assistida justifica a atuação da Defensoria Pública. Essa é a função precípua da Defensoria Pública, consoante ensina Frederico Rodrigues Viana de Lima (2010):

A carência financeira é a razão primeira da existência da Defensoria Pública; é o que impulsiona a Instituição. Originou-se dela e nela concentra o seu principal objetivo. Por intermédio da Defensoria Pública, garante-se que o cidadão economicamente vulnerável possa ser auxiliado juridicamente, quer na esfera extrajudicial, como é o caso da consultoria jurídica, da conciliação prévia, do assessoramento e da defesa em processos administrativos, quer na esfera judicial, cujo exemplo mais evidente é o ajuizamento de demandas para postulação de direitos.

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o critério para a aferição da necessidade econômica do assistido, cite-se a resolução nº 13, de 25 de outubro de 2006, do Conselho Superior da Defensoria Pública da União. Contudo, na maioria dos casos, resolve-se deferir a assistência a todo aquele que venha a ter prejudicada a subsistência da família com gastos de honorários de advogado.

Aliás, é muito comum na prática que pessoas com renda familiar mais elevada procurem os serviços da Defensoria Pública. Nestes casos, observa se que os inúmeros e inadiáveis compromissos financeiros (principalmente com aluguel, educação e saúde) fazem com que a renda mensal das famílias seja diminuída. (LIMA, 2010, p.175).

Assim, por intermédio da Defensoria Pública, o cidadão economicamente vulnerável pode ser auxiliado, seja extrajudicialmente, como nas hipóteses de consultoria jurídica, conciliação extrajudicial, assessoria e defesa em processo administrativos, seja judicialmente, na postulação de direitos em juízo.

2.4.3.2 FUNÇÃO ATÍPICA

Por sua vez, as funções atípicas desempenhadas pela Defensoria Pública prescindem da insuficiência de recursos financeiros da parte assistida.

Esclarece Silvio Roberto Mello Moraes (1995, p. 24.) que essas funções: “seriam aquelas outras exercidas pela Defensoria Pública, independentemente da situação econômica daquele ou daqueles beneficiados com a atuação da Instituição”.

(24)

Nesse sentido, agora na seara civil, a Defensoria Pública também exerce atividade atípica em defesa de hipossuficiente jurídico quando exerce a curatela especial de incapaz.

Além das modalidades de hipossuficiência apresentadas acima, tem a doutrina entendido pela existência de outro tipo de hipossuficiência que não a econômica e a jurídica, qual seja, a organizacional.

Ada Pellegrini Grinover defende a atuação da Defensoria Pública em defesa também dos necessitados de recursos organizacionais, culturais, sociais, porquanto o termo necessitado inscrito no inciso LXXIV do artigo 5º da Constituição deve ser interpretado de forma ampla.

Da mesma maneira deve ser interpretado o inc. LXXIV do art. 5º da CF: “O Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”. A exegese do termo constitucional não deve limitar se ao recursos econômicos, abrangendo recursos organizacionais,‐ culturais, sociais.2

A atuação da Defensoria Pública se justificaria nesses casos dada a vulnerabilidade social em que estariam inseridos os consumidores, os usuários de serviços públicos, os usuários de planos de saúde, os que queiram implementar ou contestar políticas públicas, como as atinentes à saúde, à moradia, ao saneamento básico, ao meio ambiente etc.

Assim entende a autora em virtude de o artigo 134 da Constituição apenas revelar função precípua a ser desempenhada pela Defensoria Pública e não sua função exclusiva. A atuação para a defesa de direitos difusos mostra-se tão somente como evolução almejada pela Constituição, porquanto reforça o acesso à justiça.

Inicialmente, a defesa coletiva dos consumidores exercida pela Defensoria Pública fundamentava-se no disposto no artigo 82, III, do Código de Defensa do Consumidor, combinado com a redação antiga do artigo 4º, XI, da Lei Complementar nº 80. A Defensoria Pública, à época, era considerada órgão

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integrante da Administração Pública – a sua autonomia somente foi prevista quando do advento da Emenda Constitucional nº 45/2004.

Posteriormente, a defesa dos hipossuficientes organizacionais ficou melhor desenhada com o advento da Lei Complementar nº 132 que veio a acrescer outras funções à Defensoria Pública. Atribuiu-se à instituição a atribuição genérica de defender os interesses coletivos de todo aquele grupo que mereça a proteção especial do Estado. Citem-se os incisos do artigo 4º a respeito:

Art. 4º São funções institucionais da Defensoria Pública, dentre outras: [...]

VII – promover ação civil pública e todas as espécies de ações capazes de propiciar a adequada tutela dos direitos difusos, coletivos ou

individuais homogêneos quando o resultado da demanda puder

beneficiar grupo de pessoas hipossuficientes (grifei); (Redação dada pela Lei Complementar nº 132, de 2009).

VIII – exercer a defesa dos direitos e interesses individuais, difusos, coletivos e individuais homogêneos e dos direitos do consumidor

(grifei), na forma do inciso LXXIV do art. 5º da Constituição Federal; (Redação dada pela Lei Complementar nº 132, de 2009).

X – promover a mais ampla defesa dos direitos fundamentais dos necessitados (grifei), abrangendo seus direitos individuais, coletivos, sociais, econômicos, culturais e ambientais, sendo admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela; (Redação dada pela Lei Complementar nº 132, de 2009).

XI – exercer a defesa dos interesses individuais e coletivos (grifei) da criança e do adolescente, do idoso, da pessoa portadora de necessidades especiais, da mulher vítima de violência doméstica e familiar e de outros grupos sociais vulneráveis que mereçam proteção especial do Estado

(grifei); (Redação dada pela Lei Complementar nº 132, de 2009).

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3. DIREITOS METAINDIVIDUAIS E A AÇÃO CIVIL PÚBLICA

Em decorrência das mazelas oriundas do pensamento liberal na gerência dos Estados, criou-se um contexto social propício ao surgimento do conhecido Estado Social. Superava-se o modelo do laissez faire com uma atuação ativa do Estado na defesa e tutela de direitos sociais surgidos ao longo das contradições sociais originadas no período anterior.

No Estado Social, exigia-se uma maior ingerência do Estado nas relações particulares de modo que se observassem os direitos sociais e fundamentais a existência digna do ser humano, bem como a efetivação de políticas públicas aptas ao embate das desigualdades sociais. Criaram-se no período disposições sobre a limitação da jornada de trabalho, remuneração mínima, proibição do trabalho infantil, previdência social etc.

O desenvolvimento social, econômico e tecnológico sem precedentes observado no século XX, por sua vez, tornou mais complexa a organização social e rapidamente se fez necessária à tutela desses novos direitos reivindicados pela sociedade. Novas contradições originadas do modelo socioeconômico vigente evidenciaram a necessidade premente da evolução, conceituação e positivação dos novos direitos ditos de terceira geração, os quais encerariam predominantemente os direitos humanos fundamentais.

A positivação dos direitos e interesses coletivos, bem como a prescrição de instrumentos hábeis a sua tutela junto ao Poder Judiciário, são consequências necessárias e úteis em uma sociedade em constante evolução e de maior complexidade. Nesse contexto, cita-se a Lei nº 7.347/1985 – por meio da qual se pretendia responsabilizar os causadores de danos ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico. Contudo, para a efetivação dessas inovações legislativas, é necessária, em contrapartida, a mudança do pensamento jurídico dos aplicadores do direito.

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3.1. DIREITOS METAINDIVIDUAIS

Denominam-se direitos coletivos lato sensu os direitos coletivos entendidos como gênero, dos quais são espécies: os direitos difusos, os direitos coletivos strícto sensu e os direitos individuais homogêneos. Essa, aliás, é a subdivisão feita pelo atual artigo 81, parágrafo único do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90), que traz nos seus incisos: I – interesses ou direitos difusos; II - interesses ou direitos coletivos; III - interesses ou direitos individuais homogêneos.

Registre-se que, a despeito de constarem nos supracitados incisos os termos interesses e direitos, ambos os termos devem ser percebidos como sinônimos aptos a merecerem proteção do Poder Judiciário.

Segue a lição de Cassio Scarpinella Bueno (2010) a respeito:

É importante destacar, desde logo, que a dicotomia “direitos” e “interesses” não apresenta maior relevância para o momento da exposição. Ambas as palavras devem ser compreendidas — e é esta a segura orientação da doutrina (assim, v.g., a lição de Kazuo Watanabe, Código Brasileiro de Defesa do Consumidor, p. 718) — como sinônimas, indicando, tanto uma como a outra, afirmações de situações de vantagem no plano material que justificam, caso confirmadas, a prestação da tutela jurisdicional. (BUENO, v. 2, t.III, 2010, p.199).

3.1.1. DIREITOS DIFUSOS

O Código de Defesa do Consumidor, Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, dispõe em seu artigo 81, parágrafo único, I, sobre os direitos difusos:

Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo.

Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:

I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato.

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Assim, reputam-se direitos difusos (art. 81, par. ún., I, do CDC) aqueles transindividuais (metaindividuais, supraindividuais, pertencentes a uma coletividade), de natureza indivisível (só podem ser considerados como um todo), e cujos titulares sejam pessoas indeterminadas (ou seja, indeterminabilidade dos sujeitos, não havendo individuação) ligadas por circunstâncias de fato, não existindo um vínculo comum de natureza jurídica v.g., a publicidade enganosa ou abusiva, veiculada através de imprensa falada, escrita ou televisionada, a afetar número incalculável de pessoas, sem que entre elas exista uma relação jurídica base, a proteção ao meio-ambiente e a preservação da moralidade administrativa. (DIDIER JUNIOR; ZANETI JUNIOR, v.4, 2010, p. 74).

Rodolfo de Camargo Mancuso (1997, p. 79) também identifica as seguintes características dos direitos difusos: intensa conflituosidade; duração efêmera, contingencial.

Por intensa conflituosidade, entende o autor que os direitos difusos em virtude de seu “largo espectro social” podem gerar diversos conflitos de interesses, como ocorre quando direitos relativos ao meio ambiente se contrapõem a determinados interesses econômicos.

Por sua vez, a sua duração efêmera é percebida quando os direitos difusos não são protegidos em tempo. Tome-se por exemplo a instalação de uma indústria perto de uma área de preservação ambiental. Em um primeiro momento, a coletividade irá se opor a própria construção da industria, em um momento posterior, caso a obra não venha a ser embargada e já se encontre concluída, o interesse da sociedade voltar-se-á à manutenção da pureza de um lago que se encontra próximo por exemplo.

Já a característica contingencial revela-se, quando em razão do tempo e lugar, determinados direitos difusos mostram-se mais relevantes que outros. Cite-se o exemplo de certa sociedade que subsiste basicamente da pesca; a pureza de lagos e oceanos para ela se mostra fundamental, ao passo que, para uma outra coletividade que subsiste da agricultura, interessa mais a proteção do solo e águas subterrâneas.

Em remate, direitos difusos são aqueles que abrangem número indeterminado de pessoas não ligadas por um vínculo jurídico comum, porém ligadas por um fato em comum.

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A seu turno, o artigo 81, parágrafo único, II, do Código de Defesa do Consumidor, Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, dispõe sobre a seguinte espécie: direitos coletivos stricto sensu, direito coletivo do gênero direitos coletivos lato sensu, como pode ser observado a seguir:

Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo.

Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de: […]

II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base.

Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr. (2010) conceituam os direitos coletivos stricto sensu da seguinte forma:

Já os direitos coletivos stricto sensu (art. 81, par. ún., II, do CDC) foram classificados como direitos transindividuais (com a mesma sinonímia descrita acima), de natureza indivisível, de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas (indeterminadas, mas determináveis, frise-se, enquanto grupo, categoria ou classe determinável) ligadas entre si, ou com a parte contrária, por uma relação jurídica base. (DIDIER JUNIOR; ZANETI JUNIOR, v.4, 2010, p. 74).

Nesse particular, a relação jurídica base entre os indivíduos ligados entre si – “affectio societatis” – ou com a parte contrária acaba por diferenciar os direitos coletivos stricto sensu dos direitos difusos. No primeiro caso, a ligação dos indivíduos entre si por uma relação jurídica base (affectio societatis) apresenta-se nos casos de advogados inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil ou acionistas de uma determinada sociedade ou associados em uma associação; seria no dizer de Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr. (2010, p.75) uma “classe de pessoas”. No segundo caso, exemplifica-se o caso de contribuintes – “grupo de pessoas” – de um determinado tributo perante o Poder Público.

Ressalve-se, porém, de acordo com os autores citados, que a relação jurídica base deve se dar anteriormente à lesão.

(30)

determinação das pessoas reunidas por uma relação jurídica base anterior ao evento danoso.

3.1.3. DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS

No artigo 81, parágrafo único, III, do Código de Defesa do Consumidor, Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, dispõe-se sobre o que se denominou direitos individuais homogêneos:

Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo.

Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de: […]

III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.

Doutrinariamente essa nova categoria de direito, segundo Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr (2010), remete as origens das class actions for damages, ações de reparação de danos à coletividade do direito norte-americano.

Os autores acima conceituam os direitos individuais homogêneos da seguinte forma:

O CDC conceitua laconicamente os direitos individuais homogêneos como aqueles decorrentes de origem comum, ou seja, os direitos nascidos em conseqüência da própria lesão ou ameaça de lesão, em que a relação jurídica entre as partes post factum (fato lesivo). Não é necessário, contudo, que o fato se dê em um só lugar ou momento histórico, mas que dele decorra a homogeneidade entre os direitos dos diversos titulares de pretensões individuais. (DIDIER JUNIOR; ZANETI JUNIOR, v.4, 2010, p. 76-77).

Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr. (2010) destacam a importância da criação dessa nova categoria de direito coletivo:

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da vida contemporânea. Assim, “tal categoria de direitos representa uma ficção criada pelo direito positivo brasileiro com a finalidade única e exclusiva de possibilitar a proteção coletiva (molecular) de direitos individuais com dimensão coletiva (em massa) [...]. (DIDIER JUNIOR; ZANETI JUNIOR, v.4, 2010, p. 76).

Ao destrinchar o conceito de origem comum inscrito no artigo 81, parágrafo único, III, do Código de Defesa do Consumidor, Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, remete-se a lição de Watanabe:

“Origem comum” não significa, necessariamente, uma unidade factual e temporal. As vítimas de uma publicidade enganosa veiculada por vários órgãos de imprensa e em repetidos dias ou de um produto nocivo à saúde adquirido por vários consumidores em um largo espaço de tempo e em várias regiões têm, como causa de seus danos, fatos com homogeneidade tal que os tomam a “origem comum” de todos eles. (WATANABE, 2004, p.629)

Em outras palavras, o que os direitos têm em comum é mormente a procedência, se é resultado da conduta comissa ou omissiva da parte contrária, problema de direito ou de fato. Por fim, ela é quem atribui à característica de homogeneidade. Por sua vez, a possibilidade de se determinar individualmente os lesados não altera a utilidade e relevância da ação coletiva, porquanto é mais vantajoso à convergência de um número massivo de demandas por um único meio com a finalidade de obtenção de uma decisão genérica favorável.

Esclareça-se, todavia, conforme Antonio Gidi (1995, p. 20), que de um mesmo fato lesivo pode originar “pretensões difusas, coletivas, individuais homogêneas e, mesmo, individuais puras, ainda que nem todas sejam baseadas no mesmo ramo do direito material.”.

Nesse sentido, colaciona-se o exemplo apresentado por Nelson Nery Júnior (1995) que cuida de um acidente envolvendo um navio turístico:

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prejuízos que sofreu (direito individual), ação de obrigação de fazer movida por associação das empresas de turismo que têm interesse na manutenção da boa imagem desse setor da economia (direito coletivo), bem como ação ajuizada pelo Ministério Público, em favor da vida e segurança das pessoas, para que seja interditada a embarcação a fim de se evitarem novos acidentes. (NERY JÚNIOR, 1991, p. 25).

Por fim, Cassio Scarpinella Bueno (2010) informa sobre os obstáculos que essa classificação dos direitos coletivos pode propiciar, mormente no tocante a legitimidade para a sua defesa em juízo:

É escrever de forma bem direta: as intermináveis discussões sobre o que são interesses ou direitos “difusos”, “coletivos” e “individuais homogêneos” para definir quem pode dar início a um “processo coletivo” têm ocasionado uma verdadeira e constante inversão de valores na escolha feita, desde a Constituição Federal, sobre quem são os legitimados ativos para aquele mesmo fim. E pior: a maioria delas acaba com o não reconhecimento da legitimidade ativa e, consequentemente, com a frustração no exame do pedido de tutela jurisdicional feito ao Estado-juiz. (BUENO, v. 2, t.III, 2010, p. 200).

O mesmo autor apresenta solução aos impasses originados com a classificação proposta pelo Código de Defesa do Consumidor:

Para solucionar o impasse, é preferível entender que os “direitos e interesses difusos”, tanto quanto os coletivos e os individuais homogêneos, não são “classes” ou “tipos” de direitos preconcebidos ou estanques, não interpenetráveis ou relacionáveis entre si. São — é esta a única forma de entender, para aplicar escorreitamente, a classificação feita pela lei brasileira — formas preconcebidas, verdadeiros modelos apriorísticos, que justificam, na visão abstrata do legislador, a necessidade da tutela jurisdicional coletiva. Não devem ser interpretados, contudo, como realidades excludentes umas das outras, mas, bem diferentemente, como complementares. (BUENO, v. 2, t.III, 2010, p. 201).

Por fim, não se pode olvidar a lição de Antonio Gidi (2003) – por oportuna – as ações coletivas visam à obtenção de três objetivos: proporcionar economia processual, acesso à justiça e a aplicação voluntária e autoritativa do direito material. É contraproducente guiar-se de modo diverso.

3.2. AÇÃO CIVIL PÚBLICA

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A concepção tradicional do processo civil não deixava espaço para a proteção dos direitos difusos. O processo era visto apenas com o um assunto entre duas partes, que se destinava à solução de um a controvérsia entre essas mesmas partes a respeito de seus próprios interesses individuais. Direitos que pertencessem a um grupo, ao público em geral ou a um segmento do público não se enquadravam bem nesse esquema. As regras determinantes da legitimidade, as normas de procedimento e a atuação dos juízes não eram destinadas a facilitar as demandas por interesses difusos intentadas por particulares. (CAPPELLETTI; GARTH, 1988, p.49-50).

Assim, Mauro Cappelletti e Bryant Garth (1988), propuseram como uma de suas três ondas renovatórias de acesso à justiça a representação dos interesses difusos e, por conseguinte, e busca por tutela jurisdicional dos interesses e direitos não pertencentes a um só indivíduo.

Não havia mais como se conceber a tutela dos direitos e interesses coletivos por intermédio do modelo proposto pelo direito processual civil clássico por conta de suas características intrínsecas. Ele se mostra inadequado à tutela dos novos direitos, não se revestindo como instrumento hábil.

Vivencia-se uma era coletivizada, onde os anseios e problemas sociais são compartilhados por toda a sociedade. Na sociedade de massa intensificam-se os conflitos sociais à medida que a população aumenta. O processo civil pautado apenas no direito entre as partes, individualista, não garante soluções aos problemas coletivos.

As atuações individuais daqueles que se sentem lesados em seus direitos não solucionam conflitos em massa, pelo contrário, abarrota o judiciário com um número exorbitante de ações isoladas, sobrecarregando-o, que por ser lento, torna-se desacreditado.

Nesse cenário, o primeiro diploma que buscou tutelar certos direitos coletivos foi o que instituiu a ação popular, a Lei nº 4.717/1965, a qual inicialmente previa tão somente resguardar a Administração Pública de atos lesivos a seu patrimônio.

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Empós, sobreveio à edição da lei que instituiu a ação civil pública – Lei nº 7.347/1985 – por meio da qual se pretendia responsabilizar os causadores de dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico. Posteriormente, a Constituição ampliou o objeto da ação civil pública para a tutela de demais direitos difusos e coletivos em seu artigo 129, III.

Por sua vez, sucederam a lei que instituiu a ação civil pública, também na defesa dos direitos metaindividuais, a lei de proteção aos direitos da pessoa portadora de deficiência (Lei 7.853/ 1989), a lei de proteção aos investidores no mercado de valores imobiliários (Lei 7.913/1989), o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.0 69/1990), o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/ 1990), a lei de proteção em relação aos danos causados à ordem econômica (Lei 8.864/1994), o Estatuto da Cidade (Lei 10.257/ 2001) e o Estatuto do Idoso (Lei 10.741/2003).

Ressalte-se a importância do Código de Defesa do Consumidor conjuntamente com a Lei nº 7.347/1985, essa última apontada como principal instrumento na tutela jurisdicional dos interesses ou direitos coletivos pela doutrina, mormente em razão de seu status constitucional (artigo 129, III, da CF), na formação de um microssistema de tutela de direitos coletivos, propiciando a sua defesa em juízo. Ademais, o CDC desponta em importância, uma vez que traz os conceitos de direitos e interesses difusos e coletivos, bem como traz disposições a serem aplicadas quando do manejo da ação civil pública.

3.2.1. OBJETOS

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Perceba-se que os objetos exemplificados acima se constituem em verdadeiros direitos fundamentais, em consequência, deduz-se que a ação civil pública visa tutelar, inclusive, os demais direitos fundamentais, notadamente aqueles previstos no artigo 5º e 6º da Constituição Federal.

Portanto, a ação civil pública tutela os direitos de maior expressão para toda a sociedade; resguarda direitos orientados a consecução de um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, a dignidade da pessoa humana.

Dada a sua relevância na proteção dos direitos fundamentais inscritos na Constituição Federal, máxime aqueles correlatos com a dignidade da pessoa humana, Uadi Lammêgo Bulos (2010) identifica a ação civil pública como garantia constitucional:

Garantias fundamentais específicas — instrumentalizam os direitos fundamentais e fazem prevalecer as próprias garantias fundamentais gerais. Por meio delas, os titulares dos direitos encontram a forma, o procedimento, a técnica, o meio de exigir a proteção de suas prerrogativas. Exemplos: habeas corpus, mandado de segurança, mandado de segurança coletivo, mandado de injunção, habeas data, ação popular, ação civil pública. Todos esses institutos de tutela constitucional, postos ao dispor dos indivíduos e coletividades, encarregam-se de garantir os direitos fundamentais. (BULOS, 2010, p. 519).

3.2.2. LEGITIMADOS

A legitimação em ações coletivas adotadas no Brasil foram atribuídas ao particular (qualquer cidadão em ação popular), pessoas jurídicas de direito privado (sindicatos, associações, partidos políticos, como em mandado de segurança coletivo e ao órgãos do Poder Público (Defensoria Pública em ação civil pública).

É salutar que antes da apresentação do rol dos legitimados ao ajuizamento da ação civil pública se exponha o conceito de legitimação ativa nas ações coletivas, bem como o da pertinência temática.

Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr. (2010) conceituam a legitimação ad causam nas ações coletivas assim:

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JUNIOR, v.4, 2010, p. 173).

A legitimação ativa ad causam nas ações coletivas é possuidora das seguintes características: a uma, é extraordinária, ou seja, o legitimado atua em nome próprio defendendo os direitos e interesse de uma coletividade; a duas, concorrente (trata-se de colegitimação, ocorre quando mais de um sujeito encontra-se autorizado a pleitear em juízo determinado direito); a três disjuntiva (porquanto cada legitimado a exerce ao arrepio da vontade dos demais).

Frise-se a característica concorrente da legitimidade ativa ad causam das ações coletivas. Ela é quem justifica a substituição de um dos colegitimados em caso de desistência infundada ou abandono da ação por associação legitimada pelo Ministério Público ou outro legitimado.

A jurisprudência, contudo, não restringe a substituição de um dos colegitimados a esse caso específico em que haja a desistência infundada ou abandono da ação por associação legitimada. Ela aplica a regra prevista no §3º do artigo 5º da lei da ação civil pública inclusive para os casos em que falte legitimação ao pretenso legitimado.

Colaciona-se precedente do Superior Tribunal de Justiça nesse sentido:

PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MICROSSISTEMA DE TUTELA DE DIREITOS COLETIVOS (EM SENTIDO LATO). ILEGITIMIDADE ATIVA. APLICAÇÃO, POR ANALOGIA, DOS ARTS. 9º DA LEI N. 4.717/65 e 5º, § 3º, DA LEI N. 7.347/85. POSSIBILIDADE. ABERTURA PARA INGRESSO DE OUTRO LEGITIMADOS PARA OCUPAR O PÓLO ATIVO DA DEMANDA. EXTINÇÃO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. MEDIDA DE ULTIMA RATIO. OBSERVAÇÃO COMPULSÓRIA DAS REGRAS DE DISTRIBUIÇÃO DE COMPETÊNCIA ABSOLUTA.

[...]

5. De acordo com a leitura sistemática e teleológica das Leis de Ação Popular e Ação Civil Pública, fica evidente que o reconhecimento da ilegitimidade ativa para o feito jamais poderia conduzir à pura e simples extinção do processo sem resolução de mérito.

6. Isto porque, segundo os arts. 9º da Lei n. 4.717/65 e 5º, § 3º, da Lei n. 7.347/85, compete ao magistrado condutor do feito, em caso de desistência infundada, abrir oportunidade para que outros interessados assumam o pólo ativo da demanda.

7. Embora as referidas normas digam respeito aos casos em que parte originalmente legítima opta por não continuar com o processo, sua lógica é perfeitamente compatível com os casos em que faleça legitimidade a priori ao autor. Dois os motivos que levam a esta assertiva.

[...]

(37)

Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr. (2010) também endossam esse entendimento:

A conseqüência da falta de legitimação coletiva não pode ser necessariamente a extinção do processo coletivo, sem exame do mérito. A relevância das questões em debate impede solução tão drástica e ineficiente (do ponto de vista da efetividade dos direitos coletivos).

O exame da legislação brasileira revela que a postura em situações como essa deve ser a de aproveitamento do processo coletivo, com a substituição (sucessão) da parte que se reputa inadequada para a condução da demanda. É o que acontece, por exemplo, nos casos de desistência ou abandono do processo pelo autor da ação popular ou da ação civil pública, em que se determina a sua sucessão processual, com a assunção do Ministério Público ou de outro legitimado da posição de condutor do processo coletivo (art. 9º da Lei Federal n° 4.717/65; art. 5º, § 3º, Lei Federal n° 7.347/85).

O magistrado deve, portanto, ao concluir pela inadequação do legitimado coletivo, providenciar a sua substituição, quer pelo Ministério Público, quer por outro legitimado, convocado ao processo por meio de publicação de edital. (DIDIER JUNIOR; ZANETI JUNIOR, v.4, 2010, p. 216-216).

O exposto assenta-se ainda no princípio da primazia do conhecimento do mérito do processo coletivo, conforme ensina Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr. (2010):

Uma decorrência particular do princípio da instrumentalidade das formas é a valorização do conhecimento no mérito nos processos coletivos. No v.1 deste curso, foi visto que é preciso reexaminar o juízo de admissibilidade do processo, de modo que o magistrado possa, mesmo diante da falta de um pressuposto processual de validade, avançar e julgar o mérito, aplicando o sistema das invalidades processuais do CPC, notadamente o art. 249, § 2º, CPC. No âmbito da tutela coletiva, a lição tem aplicação ainda mais premente. (DIDIER JUNIOR; ZANETI JUNIOR, v.4, 2010, p. 118).

Por sua vez, a pertinência temática, conforme Cassio Scarpinella Bueno (2010) seria:

A afinidade entre as “finalidades institucionais” da associação e o objeto que se pretende tutelar jurisdicionalmente pela “ação civil pública” revela, em cada caso concreto, a efetiva legitimidade das associações para agir em juízo. É o que a doutrina e a jurisprudência consagraram com o eloqüente nome de “pertinência temática”. (BUENO, v. 2, t.III, 2010, p. 221).

Destarte, pertinência temática, um dos critérios de verificação da “representatividade adequada” do legitimado, resultaria da conjugação entre as funções institucionais e o direito que se busca tutelar. Nesse sentido, por exemplo, não caberia a uma associação que teria como missão institucional a proteção do meio ambiente propor demanda com nítidos contornos consumeristas.

(38)

possibilidade da ocorrência do controle jurisdicional da “representatividade adequada” do legitimado em virtude de ela se dar ope legis, hodiernamente, o controle ocorre, notadamente, por meio da análise da pertinência temática.

Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr. (2010) trazem a seguinte lição sobre o modo como ocorre o controle jurisdicional da legitimação coletiva:

A análise da legitimação coletiva (e, por conseqüência, da representação adequada) dar-se-ia em duas fases. Primeiramente, verifica-se se há autorização legal para que determinado ente possa substituir os titulares coletivos do direito afirmado e conduzir o processo coletivo. A seguir, o juiz faz o controle in concreto da adequação da legitimidade para aferir, sempre motivadamente, se estão presentes os elementos que asseguram a representatividade adequada dos direitos em tela. (DIDIER JUNIOR; ZANETI JUNIOR, v.4, 2010, p. 211-212).

Apesar de a análise da pertinência temática, conforme as alíneas do inciso V do artigo 5º da Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985, somente se aplicar às associações, doutrinariamente, em razão do devido processo legal à tutela coletiva, entende-se, conforme o autor, que até mesmo o Ministério Público não escapa a sua análise.

A necessidade de controle judicial da adequação do legitimado coletivo decorre da aplicação da cláusula do devido processo legal à tutela jurisdicional coletiva. Nem mesmo o Ministério Público poderia ser considerado um legitimado coletivo universal, pois também em relação à sua atuação se imporia o controle jurisdicional da sua legitimidade. (DIDIER JUNIOR; ZANETI JUNIOR, v.4, 2010, p. 212).

Rodolfo de Camargo Mancuso (1997) também segue essa mesma linha:

O texto que a final se converteu na Lei 7.347/85 alterou o prazo de existência da associação para um ano e não mencionou a “representatividade adequada”, nem a defining function do juiz (art. 5°). A solução intermédia exsurge, naturalmente, como a mais indicada na espécie. Os interesses difusos, pelo fato mesmo de sua natureza, pedem uma legitimação... difusa, a ser reconhecida, em sede disjuntiva e concorrente aos cidadãos, per se ou agrupados em associações, e, bem assim, aos entes e órgãos públicos interessados ratione materiae, aí incluído o Ministério Público. (MANCUSO, 1997, p. 200)

Referências

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