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Acesso à justiça e a legitimidade da defensoria pública para propor ação civil pública

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Academic year: 2018

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ DEPARTAMENTO DE DIREITO PROCESSUAL

CURSO DE DIREITO

THIAGO FROIS TAJRA

ACESSO À JUSTIÇA E A LEGITIMIDADE DA DEFENSORIA PÚBLICA PARA PROPOR AÇÃO CIVIL PÚBLICA

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THIAGO FROIS TAJRA

ACESSO À JUSTIÇA E A LEGITIMIDADE DA DEFENSORIA PÚBLICA PARA PROPOR AÇÃO CIVIL PÚBLICA

Monografia apresentada à disciplina de Monografia Jurídica do Curso de Direito da Universidade Federal do Ceará – UFC, como requisito para aprovação na disciplina.

Prof. Orientador: Jorge Bheron Rocha

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THIAGO FROIS TAJRA

ACESSO À JUSTIÇA E A LEGITIMIDADE DA DEFENSORIA PÚBLICA PARA PROPOR AÇÃO CIVIL PÚBLICA

Monografia apresentada à banca examinadora e à Coordenação do Curso de Direito da Universidade Federal do Ceará, adequada e aprovada para suprir exigência parcial inerente à obtenção do grau de bacharel em Direito.

Prof. Orientador: Jorge Bheron Rocha.

Aprovada em 12 de Junho de 2009.

Banca Examinadora

________________________________________ Prof. Jorge Bheron Rocha

_________________________________________ Prof. Francisco de Araújo Macedo Filho

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AGRADECIMENTOS

Aos meus pais, pelo apoio, carinho e amor incondicionais.

À minha irmã, Carlinha, por todo o amor compartilhado e pelo companheirismo bem-humorado. Você trouxe novas cores à minha vida.

Aos antigos e queridos amigos Guilherme, Marcelo, Code, Emanuel, Pedro Ivo, Mauro e Augusto. O tempo e a distância nunca serão maiores que a amizade construída.

Aos preciosos amigos da faculdade, em especial Breno, Menezes, Homero, Rodrigo e Yuri. À Cynthia, pela diversão de ser seu amigo.

À Maria Gabriela, pela amizade e pela paciente e minuciosa revisão do texto. À Rogena, pela generosidade e pela contribuição ao presente trabalho.

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Modernizar o passado É uma evolução musical

Cadê as notas que estavam aqui? Não preciso delas!

Basta deixar tudo soando bem aos ouvidos O medo dá origem ao mal

O homem coletivo sente a necessidade de lutar O orgulho, a arrogância, a glória

Enche a imaginação de domínio

São demônios, os que destroem o poder bravio da humanidade

Viva Zapata! Viva Sandino! Viva Zumbi!

Antônio Conselheiro! Todos os panteras negras

Lampião, sua imagem e semelhança

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RESUMO

Acesso à justiça e a legitimidade da Defensoria Pública para propor ação civil pública. Parte da análise histórica do direito fundamental de acesso à justiça e estuda os obstáculos à sua efetivação. Em seguida, apresenta o movimento de superação de tais barreiras, através do exame de suas três fases, as “ondas” de acesso à justiça. Após, classifica os direitos transindividuais e conceitua suas três categorias. Enfatiza a necessidade de sistematização do processo coletivo e aponta alguns de seus princípios norteadores. Discute as principais dificuldades no que concerne à representação dos direitos coletivos lato sensu em juízo. Investiga a essencialidade da Defensoria Pública à função jurisdicional do Estado. Delimita o sentido e o alcance da hipossuficiência na ordem constitucional. Destaca a importância da atuação coletiva da Defensoria Pública e defende sua legitimação ampla para a proteção, por meio da ação civil pública, dos direitos transindividuais.

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ABSTRACTS

Access to justice and legitimacy of the Public Defensory to provide public civil action. The work starts from the historical analysis of the fundamental right of access to justice and examines the obstacles to its realization. Then, displays the movement of overcoming these barriers, through examination of its three stages, the "waves" of access to justice. After, classifies the collective rights and presents the concept of its three categories. Emphasizes the needing to systematize the collective process and shows some of its guiding principles. Discusses the main difficulties concerning the representation of collective rights in court. Investigates the essentiality of the Public Defensory for the jurisdiction function of the state. Defines the meaning and scope that the constitutional order provides for “necessity”. Indicates the importance of collective action of the Public Defensory and defends its wide legitimacy for the protection, through public civil action, of the collective rights.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...1

1 ACESSO À JUSTIÇA ...4

1.1 Evolução Histórica da Noção de Acesso à Justiça ...4

1.2 Estado Democrático de Direito e Acesso à Ordem Jurídica Justa ...8

1.3 Obstáculos à Efetividade do Direito Fundamental Social de Acesso à Justiça ...14

1.4 Perspectivas de Superação dos Obstáculos: as “ondas” de acesso à justiça ...19

2 A TUTELA DOS DIREITOS COLETIVOS LATO SENSU ATRAVÉS DO PROCESSO COLETIVO...25

2.1 Direitos Difusos ...26

2.2 Direitos Coletivos stricto sensu ...28

2.1 Direitos Individuais Homogêneos ...30

2.4 Processo Coletivo: considerações e princípios norteadores ...33

2.5 A Representação em Juízo dos Direitos Transindividuais...42

3 A LEGITIMIDADE DA DEFENSORIA PÚBLICA PARA PROPOR AÇÃO CIVIL PÚBLICA ...49

3.1 A Defensoria Pública como Função Essencial à Atividade Jurisdicional do Estado ...50

3.2 Hipossuficiência na Ordem Constitucional: sentido e alcance ...56

3.3 Atuação Coletiva e a Legitimidade da Defensoria Pública para a Propositura de Ação Civil Pública ...59

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 74

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INTRODUÇÃO

A consagração dos direitos fundamentais pela Constituição Federal de 1988 trouxe consigo o reconhecimento da garantia fundamental de acesso à justiça, instrumento de efetivação dos demais direitos assegurados. Com efeito, o acesso à justiça é um requisito básico em qualquer ordenamento jurídico igualitário, que pretenda não somente proclamar direitos, mas garanti-los.

O acesso à justiça constitui, ainda, um importante direito fundamental, possuindo, como tal, uma dimensão subjetiva, por consagrar direitos subjetivos, e uma dimensão objetiva, uma vez que consubstanciam valores básicos acolhidos pela ordem jurídica, os quais devem nortear a interpretação e aplicação das normas produzidas no âmbito estatal.

A partir do reconhecimento da necessidade de assegurar um acesso efetivo à justiça a todos os cidadãos, através da garantia de instrumentos aptos à concretização de seus direitos fundamentais, surge a questão da tutela dos direitos coletivos lato sensu, associados ao processo de positivação dos direitos fundamentais de terceira e quarta dimensão (ou geração).

O processo histórico de positivação dos direitos fundamentais, assim como fatores econômicos, sociais e culturais, tais como o intenso desenvolvimento tecnológico e a globalização econômica, centram a atenção da ciência do Direito na busca de novos instrumentos capazes de tutelar adequadamente os conflitos coletivos. Isso porque as profundas transformações verificadas na ordem mundial não trouxeram somente benefícios à humanidade, mas também poluição, catástrofes ambientais, produção e consumo em massa, além de outros inúmeros problemas, relacionados, sobretudo, à desigualdade socioeconômica existente no mundo capitalista.

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De fato, a adequada tutela dos direitos transindividuais depende de uma revisão dos conceitos clássicos do processo civil, de modo que, por meio de sua coletivização, o mesmo possa efetivamente servir à proteção destes direitos. O direito processual coletivo surge, destarte, para oferecer uma tutela jurisdicional efetiva aos direitos coletivos.

Uma das questões de mais difícil solução na tutela coletiva de direitos refere-se ao tema da legitimidade para agir, vale dizer, a quem cabe a proposição das ações coletivas. A dificuldade reside no fato de que o esquema rígido de legitimação no processo civil tradicional não se conforma ao processo coletivo, vez que os titulares dos direitos transindividuais correspondem a uma coletividade.

Em razão disso, constatou-se a necessidade de ser estabelecer um rol extenso de legitimados à defesa dos interesses transindividuais, de modo a evitar a mera declaração de direitos, tornando-os inócuos. A atribuição de legitimidade a determinados sujeitos possui um conteúdo eminentemente político, devendo a análise do tema orientar-se pela necessidade de garantir uma tutela efetiva destes direitos, buscando-se a sua máxima efetividade, com o mínimo de riscos para os representados que, mesmo não presentes em juízo, são atingidos pela decisão proferida.

Nesse contexto, a legitimação da Defensoria Pública para a propositura de ação civil pública, incluída pela Lei nº 11.448/2007, representa um importante passo para a efetivação desses direitos, em claro cumprimento do papel constitucional atribuído à referida instituição, assim como do princípio da máxima efetividade dos direitos fundamentais.

Considerando as idéias acima articuladas, o primeiro capítulo conterá um minucioso estudo do direito fundamental de acesso à justiça, em que será apresentada sua evolução histórica, sua íntima relação com o Estado Democrático de Direito, além da análise acerca dos obstáculos à sua efetividade e do movimento de superação destes.

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de tais direitos, ficará clara a necessidade de uma tutela diferenciada dos mesmos, pelo que será discutida a necessidade de sistematização do sistema processual coletivo, apontando-se alguns de seus princípios. Serão examinadas ainda as principais dificuldades na representação em juízo dos direitos metadindividuais, uma das questões mais problemáticas do direito processual coletivo.

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1 ACESSO À JUSTIÇA

A consagração dos direitos fundamentais na ordem jurídico-constitucional brasileira, sobretudo a partir do advento da Constituição Federal de 1988, trouxe consigo o reconhecimento da garantia fundamental de acesso à justiça, instrumento de efetivação dos demais direitos assegurados.

Com efeito, seria inócua a previsão de tais direitos fundamentais, sem que a ordem jurídica assegurasse mecanismos preordenados à sua efetivação. Daí porque avulta a importância do acesso à justiça, que deve ser considerado um requisito básico em qualquer ordenamento jurídico igualitário, que pretenda não somente proclamar direitos, mas garanti-los.

O acesso à justiça constitui, ainda, importante direito fundamental e, como tal, possui uma dimensão subjetiva - consagradora de direitos subjetivos - e uma dimensão objetiva, vez que tais direitos “traduzem valores básicos e consagrados na ordem jurídica, que devem presidir a interpretação/aplicação de todo ordenamento jurídico, por todos os atores jurídicos” (DIDIER JR., 2008, Vol 1., p. 228).

Partindo dessas considerações, serão analisados neste capítulo diferentes aspectos relacionados ao acesso à justiça, tais como a evolução histórica do conceito, sua íntima ligação com as diversas fases pelas quais passou o Estado, sua caracterização como instrumento de democracia participativa, os obstáculos, e meios de superação, ao acesso a uma ordem jurídica justa, dentre outros.

1.1 Evolução Histórica da noção de Acesso à Justiça

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Assim, nos Estados Liberais burgueses dos séculos XVIII e XIX, influenciados pelos ideais iluministas então vigentes, o individualismo típico da época marcava a disciplina, a tutela e a interpretação dos direitos. Remonta a esse momento histórico a positivação dos chamados direitos fundamentais de primeira geração (ou dimensão) – direitos civis e políticos -, ligados ao valor liberdade.

Os direitos de liberdade têm por finalidade tutelar o indivíduo frente ao Estado, traduzindo-se em “direitos que valorizam primeiro o homem-singular, o homem das liberdades abstratas, o homem da sociedade mecanicista” (BONAVIDES, 2003, p, 564). A tutela desses direitos resultou numa visão de acesso à justiça puramente formal, o que levava a um quase esvaziamento de seu conteúdo.

O acesso à justiça consistia, nessa perspectiva, na mera possibilidade legal de o cidadão, o indivíduo abstratamente considerado, ingressar em juízo para reclamar a tutela de seus direitos e interesses.

O Estado adotava uma postura passiva, não se preocupando com a impossibilidade material de a maioria das pessoas buscar a tutela jurisdicional de seus interesses. Em verdade, a condição de pobreza era um fardo cuja responsabilidade era atribuída exclusivamente ao indivíduo, o qual deveria suportar resignadamente todos os seus ônus. Vigia, desse modo, a igualdade formal, garantida e esgotada pela simples previsão legal, independendo de ações para sua implementação.

Tal concepção de Estado e sociedade servia claramente aos interesses de uma minoria economicamente poderosa, que podia gozar efetivamente dos direitos e garantias conquistados com o advento da filosofia liberal em voga, enquanto a maioria desfavorecida e dominada era sujeita de direitos formais, que de nada lhe serviam, senão para manter a opressão.

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fundamentais de segunda geração (ou dimensão), resultado de uma concepção mais coletiva de sociedade. Segundo BONAVIDES (2003, p. 564):

São os direitos sociais, culturais e econômicos bem como os direitos coletivos ou de coletividades, introduzidos no constitucionalismo nas distintas formas de Estado social, depois que germinaram por obra da ideologia e da reflexão antiliberal do século XX. Nasceram abraçados ao princípio da igualdade, do qual não se podem separar, pois fazê-lo equivaleria a desmembrá-lo da razão de ser que os ampara e os estimula.

A formação de uma consciência coletiva em uma sociedade cada vez mais complexa tornou possível o reconhecimento de direitos sociais, além dos já consolidados direitos individuais, e uma nova preocupação com o direito ao acesso efetivo à justiça.

O Estado passou a reconhecer a importância de agir e implementar medidas com o fim de garantir a todos, a despeito de sua condição socioeconômica, a possibilidade efetiva de ter acesso aos meios mediante os quais os indivíduos podem fazer valer seus direitos. O acesso à justiça deixou de ser encarado do ponto de vista meramente formal, passando-se a buscar meios de efetivá-lo materialmente. Nesse sentindo, CAPELLETI; GARTH (1988, p.11):

De fato, o direito ao acesso efetivo tem sido progressivamente reconhecido como sendo de importância capital entre os novos direitos individuais e sociais, uma vez que a titularidade de direitos é destituída de sentido, na ausência de mecanismos para sua efetiva reivindicação. O Acesso à justiça pode, portanto, ser encarado como o requisito fundamental – o mais básico dos direitos humanos - de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretenda garantir, e não apenas proclamar os direitos de todos.

A disparidade existente entre países desenvolvidos e países subdesenvolvidos, aliada às atrocidades reveladas pela II Guerra Mundial, fizeram cristalizar no cenário jurídico no final do século XX os direitos fundamentais de terceira geração (ou dimensão), ligados ao valor solidariedade e dotados de alto teor de humanismo e universalidade.

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Fala-se, ainda, em uma quarta geração (ou dimensão) de direitos fundamentais, cristalizadora de direitos relacionados à globalização do neoliberalismo e destinada à proteção dos povos e na participação destes no destino da vida comunitária. O direito à democracia, o direito à informação e o direito ao pluralismo são exemplos de direitos da quarta geração, conforme BONAVIDES (2003, p. 571).

Nessa perspectiva de um mundo globalizado, caracterizado pelo avanço tecnológico, pela influência dos grandes grupos econômicos e, sobretudo, pela coletivização dos conflitos, surge a necessidade de redimensionar a noção de acesso à justiça, de modo a melhor tutelar tais direitos transindividuais, que transbordam a esfera individual, alcançando, em determinadas hipóteses, dimensões universais.

Dessa forma, além da importância de garantir meios para que os indivíduos possam efetivar os direitos assegurados no plano abstrato pela ordem jurídica, há a preocupação de adequar tais meios às especificidades desses direitos transindividuais, de forma a melhor tutelá-los.

Tal pensamento é reforçado por WATANABE (apud DIDIER JR., 2008, vol. 01 p. 40/41), ao versar sobre a moderna compreensão do princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional, apontando para a necessidade de entender tal princípio “não como uma garantia formal, uma garantia de pura e simplesmente ‘bater às portas do Poder Judiciário’, mas sim, como garantia de acesso à ordem jurídica justa, consubstanciada em uma prestação jurisdicional célere, adequada e eficaz”.

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Em verdade, de nada adiantaria a existência do processo sem que este fosse adequado ao direito material que se busca tutelar, pois importaria em verdadeira negação da própria tutela jurisdicional. Assim, tem-se a premente necessidade de formulação de um devido processo coletivo preordenado a satisfação das especificidades dos direitos metaindividuais, aqui entendidos como os direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos.

1.2 Estado Democrático de Direito e Acesso à Ordem Jurídica Justa.

A noção de acesso à justiça, como idéia construída pelo homem e portanto envolta de historicidade, é um valor cultural, logo mutável ao longo do tempo. A concepção de processo vista através das lentes do acesso à justiça traz em si uma ideologia voltada para a realização de determinados fins (MARINONI, 1993).

Assim, é indispensável compreender o tema do acesso à justiça sob o prisma do Estado Democrático de Direito, atualmente vigente no Brasil, considerando, portanto, os seus fundamentos, princípios e fins maiores, delineados pela ordem constitucional.

O acesso à justiça deve, portanto, ser balizado pelas linhas constitucionais que orientam o processo, buscando uma tutela efetiva e útil dos direitos, tanto na dimensão individual quanto na coletiva, a fim de se construir uma sociedade justa, realizando-se os ditames da Justiça Social, que integram o conteúdo do Estado Democrático de Direito.

A Constituição Federal de 1988, já em seu at. 1º, quando afirma que a República Federativa do Brasil se constitui em Estado Democrático de Direito, não apenas demonstra a intenção de organizar tal Estado, mas já o está proclamando e fundando (SILVA, José Afonso da., 2005, p. 119).

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afirma que o Estado Democrático de Direito “visa, assim, a realizar o princípio democrático como garantia real dos direitos fundamentais da pessoa humana”.

Há uma superação, destarte, do Estado de Direito e do Estado Social, sem que se possa falar em uma reunião formal dos conceitos, uma vez que ao incorporar “um componente revolucionário de transformação do status quo” (SILVA, José Afonso da. 2005, p. 119), o Estado Democrático de Direito, em tese, supera tais formas de Estado.

Difere-se do Estado Liberal de Direito por ser destinado a concretizar os direitos fundamentais da pessoa humana e pela ênfase posta na participação popular na formação da vontade estatal. Nesse sentido, lembra BONAVIDES (2004, p.16) que a “idéia essencial do liberalismo não é a presença do elemento popular na formação da vontade estatal, nem tampouco a teoria igualitária de que todos têm direito igual a essa participação ou que a liberdade é formalmente esse direito”.

Do mesmo modo, contrapõe-se ao Estado Social, em que reinava quase que exclusivamente a democracia representativa, a qual restringia a cidadania ao mero ato de periodicamente eleger representantes. Não havia, desse modo, uma participação política efetiva do povo, o que, em certa medida, limitava materialmente o princípio democrático, dificultando a construção de uma sociedade verdadeiramente livre, justa e solidária.

O Estado Democrático de Direito baseia-se, portanto, na soberania popular, no pluralismo de expressão e organização política, na consagração e efetivação dos direitos fundamentais, tendo por fim a realização da democracia econômica, social, cultural e o aprofundamento da democracia participativa. Tal como expressamente consigna a Constituição Portuguesa, em seu art. 2º, redação da 2ª revisão 19891.

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Nessa perspectiva, diante da necessidade de participação direta do cidadão para a consecução de uma democracia ampla e abrangente, o acesso à justiça, mormente se considerado sob o prisma dos direitos metaindividuais, revela-se um importante instrumento de democracia participativa, vez que possibilita ao povo interferir decisivamente nos rumos da sociedade.

Somente a participação popular, em especial dos cidadãos excluídos socialmente – sobretudo negros e pobres -, conseguirá levar à construção, no Brasil, de um Estado verdadeiramente democrático, caracterizado pela inclusão social, política, econômica, jurídica e cultural.

Nessa perspectiva, a participação popular através das ações coletivas, notadamente através da Defensoria Pública, contribui de forma relevante para a efetivação de direitos fundamentais coletivos básicos e para o rompimento com o modelo hierarquizado de sociedade, em que apenas uma elite cristalizada usufrui plenamente dos direitos assegurados pela ordem jurídica.

Alguns setores conservadores da sociedade, no entanto, insurgem-se contra a ampla utilização das ações coletivas na tutela de tais direitos coletivos, sob o argumento de que haveria a transformação do Poder Judiciário em um superpoder, o que levaria a uma interferência indevida em decisões políticas tomadas pelos representantes legitimamente escolhidos para tal função, pondo em risco a tripartição e a harmonia dos poderes.

Defendem que o Judiciário existe para exercer uma atividade substitutiva, dirimindo controvérsias, e não apreciando interesses primários, os quais deveriam ser objeto de tutela em nível de legislação ou do poder de polícia da administração (DORNELAS, 2003). Afirmam, ainda, que tal exorbitância de atribuições do Poder Judiciário seria incompatível com o sistema democrático representativo vigente.

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iniciativa popular. A duas porque o judiciário compõe o Estado, não estando distante das questões políticas, sobretudo pelo fato de que o ordenamento jurídico não é neutro, sendo constituído de valores relacionados ao princípio da dignidade da pessoa humana, núcleo axiológico do sistema de garantias e direitos fundamentais assegurado pela Constituição Federal.

De fato, o Judiciário, ao tutelar adequadamente os direitos lesados, sejam eles individuais ou coletivos, está cumprindo sua função constitucional, que é exatamente efetivar direitos em última instância, quando violados ou insuficientemente protegidos pelas instâncias estatais ordinárias e pelos particulares.

O sistema normativo de princípios assegurados pela Constituição trouxe consigo o desenvolvimento de uma nova concepção hermenêutica voltada à máxima efetividade dos direitos fundamentais, o que, inexoravelmente, importa na opção política pelos valores a prevalecer na solução dos casos concretos, mormente se se considerar a incidência do princípio da proporcionalidade e a máxima do sopesamento dos valores.

Ademais, é imprescindível desmistificar a neutralidade ideológica do juiz e de todos os operadores do direito. “É que um juiz e o processualista, se um dia se pensaram ideologicamente neutros, mentiram a si próprios, pois a afirmação de neutralidade já é opção ideológica do mais denso valor, a aceitar e reproduzir o status quo” (MARINONI, 1993, p. 22).

Do mesmo modo, SANTOS (1986, p.18), ao pugnar pela necessidade de mecanismos de efetivação dos direitos sociais e econômicos, constata que a organização da justiça civil e a tramitação processual não são neutras, envolvendo decisões políticas a favor de determinados interesses:

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No que concerne ao argumento de que o Judiciário estaria invadindo as competências reservadas aos demais poderes, reproduz-se a lição de DORNELAS (2003):

Mas hoje, acredita-se que a ação, principalmente quando se trata de interesses supraindividuais, é uma forma de participação comunitária na gestão da coisa pública. E isto é sem dúvida vantajoso para o cidadão, afinal, sabemos o quanto difícil, burocrático e complexo é o acesso do indivíduo às instâncias administrativas e legislativas, sendo que para se ter acesso a um juiz togado, basta uma petição. Além do mais, não estará o judiciário desenvolvendo atividade de "suplência"; afinal é sua própria atividade, de outorgar tutela a quem pede e merece. Ainda mais quando haja omissão e descaso pelo poder legislativo ou administrativo.

Nos dizeres de MOREIRA (apud DORNELAS, 2003), “não é que o judiciário esteja a invadir a seara dos outros dois [poderes]; será antes um sinal de que os outros não estão a tutelar esses interesses, obrigando aos cidadãos a recorrerem diretamente à via jurisdicional".

Diante de tais considerações acerca do Estado Democrático de Direito, assim como do aprofundamento da democracia participativa através das ações destinadas à tutela dos direitos coletivos lato sensu, surge a necessidade de redimensionar a concepção de acesso à justiça – conforme brevemente exposto no item 1.1, in fine -, de modo a garantir a mais ampla proteção possível aos direitos fundamentais.

Em uma perspectiva de inclusão política, social, jurídica, econômica e cultural, a noção de acesso à justiça, para além do acesso ao Judiciário, deve ser compreendida, nos dizeres de CASTRO; BERNARDES (2008, p. 104-105):

[...] como uma questão de empoderamento do cidadão; de colocá-lo no jogo do qual foi afastado pela maior parte da nossa história. Acesso à justiça significa criar ferramentas para que o cidadão, em especial o cidadão negro e pobre, possa transformar sua relação com o Estado e com elites políticas e econômicas.

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Ainda segundo WATANABE (1988, p. 128):

A problemática do acesso à Justiça não pode ser estudada nos acanhados limites do acesso aos órgãos judiciais já existentes. Não se trata apenas de possibilitar o acesso à Justiça enquanto instituição estatal, e sim de viabilizar o acesso à ordem jurídica justa. Uma empreitada assim ambiciosa requer, antes de mais nada, uma nova postura mental. Deve-se pensar na ordem jurídica e nas respectivas instituições, pela perspectiva do consumidor, ou seja do destinatário das normas jurídicas, que é o povo, de sorte que o problema do acesso à Justiça traz à tona não apenas um programa de reforma como também um método de pensamento, como com acerto acentua Mauro Cappelletti.

Nas palavras de GRINOVER (1990, p. 244-245), o acesso à ordem jurídica justa deve significar a garantia de acesso:

[...] a uma Justiça imparcial; a uma Justiça igual, contraditória, dialética, cooperatória, que põe à disposição das partes todos os instrumentos e meios necessários que lhes possibilitem, concretamente, sustentarem suas razões, produzirem suas provas, influírem sobre a formação do convencimento do juiz

Da garantia de acesso à ordem jurídica justa não decorre somente o acesso à tutela jurisdicional, mas também a valorização de meios alternativos de resolução de conflitos, tais como a conciliação e a mediação, que valorizam a autocomposição das partes, e, especialmente, a adoção pelo poder público - notadamente o Poder Executivo - de políticas tendentes a efetivar os direitos, individuais e coletivos, assegurados pelo ordenamento jurídico, cumprindo, assim, sua função primária de gestão dos interesses da coletividade.

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Do exposto, constata-se que o Estado democrático de Direito traz em si a possibilidade de efetiva participação popular na formação da vontade estatal, a qual pode ser implementada pela garantia de acesso à ordem jurídica justa, principalmente no que diz respeito à tutela dos direitos fundamentais coletivos.

Nesse contexto, avulta a importância de uma mudança de mentalidade com vistas à efetivação do direito de acesso à justiça, seja a nível jurisdicional - através da compreensão dos modernos princípios processuais constitucionais e da necessidade de efetivação dos direitos fundamentais, individuais e coletivos -, seja a nível de implementação de políticas públicas pelo Estado - por meio de maior zelo e probidade na gestão coletiva dos interesses públicos -, seja a nível organizacional, haja vista a importância da mobilização social para a conquista e implementação de direitos.

1.3 Obstáculos à Efetividade do Direito Fundamental Social de Acesso à Justiça

O acesso efetivo à ordem jurídica justa, especialmente em países em desenvolvimento como o Brasil, é ainda uma meta distante, havendo uma série de fatores que constituem verdadeiros entraves à solução do problema. É certo que tais obstáculos atingem de maneira mais aguda as camadas menos favorecidas da população, as quais não têm vários de seus direitos e garantias fundamentais respeitados, carecendo de meios para reivindicar a sua efetivação.

O acesso à ordem jurídica justa, encarado como um direito básico garantidor de todos os outros, demanda, desse modo, uma séria reflexão acerca das barreiras à sua plena concretização e dos meios capazes de efetivamente superá-las.

SANTOS (1986, p.19), ao discorrer acerca da sociologia da administração da justiça, aponta que os obstáculos ao acesso à justiça são de ordem econômica, social e cultural.

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se ingressar em juízo são consideravelmente altas, o que desestimula substancialmente indivíduos ou grupos a procurar a tutela jurisdicional de seus problemas.

O problema sobreleva-se para as causas de pequeno valor, em que os custos processuais são proporcionalmente mais altos. MARINONI (1993, p.27) cita estudo sociológico realizado no qual se verificou que na Inglaterra um terço das ações em que houve contestação os custos processuais superaram o valor da causa. Já na Itália, os custos de se ingressar em juízo podem chegar a 8,4% (oito vírgula quatro por cento) do valor da causa nas causas de alto valor, enquanto nas pequenas causas tal proporção pode atingir o patamar de 170 % (cento e setenta por cento).

SANTOS (1986, p. 19), referindo-se aos dados supramencionados, afirma que “esses estudos revelam que a justiça é proporcionalmente mais cara para os cidadãos economicamente mais débeis.”, já que “são eles os protagonistas e os interessados nas ações de menor valor e é nessas ações que a justiça é proporcionalmente mais cara, o que configura um fenômeno de dupla vitimização das classes populares frente à administração da justiça”.

O hipossuficiente econômico, portanto, é penalizado pelo fato de seus interesses levados a juízo corresponderem a um pequeno valor pecuniário, não sendo capazes, desse modo, de fazer frente às despesas judiciais; do contrário, são por ela engolidos.

Outro fator relevante que merece ser analisado é a duração excessiva dos processos. A lentidão na entrega da prestação jurisdicional tem efeitos maléficos, vez que o prolongamento do processo ao longo do tempo inflaciona ainda mais os custos para as partes, além de servir como um significativo desestímulo para a população em geral, que, em face da demora na resolução formal dos conflitos, deixa de acreditar na eficiência do Judiciário.

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modo, que a duração razoável do processo é fundamental para que este cumpra seus fins e seja hábil a garantir um acesso efetivo à justiça.

A demora na prestação jurisdicional prejudica sobremaneira os economicamente mais frágeis, os quais não têm condições de suportar uma lide longa. Percebe-se, assim, que tal morosidade favorece a determinados interesses, possibilitando aos detentores de poder econômico beneficiar-se do exagerado prolongamento da demanda. Isso, infelizmente, às vezes, causa uma certa resistência à adoção de medidas que contribuam para uma maior celeridade do sistema judiciário.

Dificuldades adicionais surgem na litigância contra empresas ou grupos de grande poder econômico, chamados por GALANTER (apud CAPELLETTI; GARTH, 1988, p.25) de litigantes habituais, por estarem freqüentemente em juízo. Os indivíduos comuns, chamados pelo mesmo autor de litigantes eventuais, por raramente estarem frente ao sistema judiciário, têm de lidar com diversos fatores que diminuem sensivelmente sua chance de vitória.

Os litigantes habituais possuem uma série de vantagens estratégicas frente o cidadão ordinário, enumeradas por CAPELLETI; GARTH (1988, p. 25):

1) maior experiência com o Direito possibilita-lhes melhor planejamento do litígio; 2) o litigante habitual tem economia de escala, porque tem mais casos; 3) o litigante habitual tem oportunidades de desenvolver relações informais com o membros da instância decisora; 4) ele pode diluir os riscos da demanda por maior número de casos e 5) pode testar estratégias com determinados casos, de modo a garantir expectativa mais favorável em relação a casos futuros.

No que diz respeito aos obstáculos ao acesso à justiça especificamente no Brasil, PASSOS (1985, p. 83) chama a atenção para uma série de elementos, em sua maioria sociais e culturais, decorrentes em grande medida do subdesenvolvimento socioeconômico do país. Veja-se:

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extremo-sul, embora presente, de forma ponderável, em São Paulo, o mais importante dos Estados do Brasil, com renda per capita próxima dos paises desenvolvidos”.

Com efeito, questão de fundamental importância para o tema ora analisado, notadamente em países pobres como o Brasil, é a insuficiência de informação jurídica de grande parte da população. As camadas mais baixas da sociedade são indubitavelmente as mais atingidas por tal problema, vez que são as que menos têm acesso a oportunidades de instrução acerca do fenômeno jurídico e todos os seus desdobramentos e repercussões.

As pessoas de baixa renda, no entanto, não são as únicas acometidas pela dificuldade de reconhecimento de direitos e meios de reivindicá-los formalmente. Até mesmo pessoas que ocupam camadas altas da sociedade têm às vezes dificuldades de compreender normas cada vez mais técnicas e complexas, vale dizer, distantes e inacessíveis ao cidadão comum.

A informação e orientação jurídica são, sem sombra de dúvidas, indispensáveis para se alcançar o ideal de acesso à justiça. Alguém que nem sequer é capaz de reconhecer um direito de que é titular, certamente não é capaz de reivindicar a concretização do mesmo. E um Estado que não ponha à disposição de seus cidadãos meios capazes de orientá-los acerca de seus direitos fundamentais e de como protegê-los, não pode ser considerado verdadeiramente democrático. MARINONI (1993, p. 37) ao abordar o assunto, expõe que “o pobre, para ser cidadão, ou melhor, para ser cidadão participante no mundo em que vive, agente da história e responsável pela mesma, deve ser efetivamente orientado e informado sobre os seus direitos”.

Não é possível se falar seriamente em acesso à justiça, portanto, em uma sociedade que negligencia a educação e a orientação dos que têm menos recursos. A ignorância limita e aprisiona o ser humano, impossibilitando-o de desenvolver-se plenamente. A informação garante ao indivíduo a possibilidade de se exprimir livremente, inclusive na postulação de seus direitos. A garantia de acesso à justiça pressupõe, dessa forma, conhecimento amplo acerca do sistema de direitos e dos meios institucionais de reivindicá-los e tutelá-los.

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Judiciário. Diversos são os motivos que contribuem para tal situação, tais como, a distância geográfica entre os fóruns e escritórios de advocacia e as periferias das cidades, as vestimentas utilizadas no ambiente judiciário, o temor de eventuais represálias, a descrença e desconfiança nas estruturas de poder, dentre outros.

Há que se tecer, ainda, rápidas considerações acerca dos direitos metaindividuais, adiantando-se que o tema será estudado mais detidamente no capítulo 2 do presente trabalho.

Os direitos metaindividuais são aqueles ligados, por sua natureza coletiva, às coletividades ou a um número indeterminado de pessoas. Constituem categoria específica de direitos, desvinculada da noção subjetivista, que tão somente admite como sujeito de direitos o indivíduo isoladamente considerado.

A tutela dos direitos coletivos lato sensu, portanto, deve ser diferenciada, de modo a conseguir proteger de maneira mais eficiente tais interesses. Com o aumento significativo dos conflitos de massa e a conseqüente constitucionalização dos direitos fundamentais de terceira geração (ou dimensão), suscitaram-se reflexões acerca da concepção tradicional de processo civil, que não era capaz de tutelar adequadamente tais direitos, visto que o processo estava voltado para a resolução de conflitos intersubjetivos, conforme o esquema clássico autor, juiz e réu.

Um dos pontos fundamentais do chamado processo coletivo diz respeito à legitimação ativa ad causam. É certo que o caráter fragmentado dos direitos metaindividuais torna complexa a discussão de qual sistema de legitimação ativa seria o mais adequado para a sua tutela. Direitos pertencentes a toda coletividade, mas não divisíveis individualmente, não podem deixar de ser realizados sob o argumento individualista de que não pertencem a ninguém e por isso não se haveria de tutelá-los.

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supremacia da Constituição. Não basta, portanto, a mera atribuição de direitos coletivos, faz-se necessária a criação de todo um sistema processual hábil a garantir de maneira efetiva a proteção e tutela de tais interesses.

Do exposto, verifica-se a existência de inúmeros obstáculos à realização do acesso pleno à justiça nas sociedades capitalistas, marcadas por contradições econômicas, sociais e culturais. Razão pela qual se acolhe no presente trabalho monográfico o pensamento do sociólogo SANTOS (1997), consubstanciado na constatação de que o estudo do acesso à justiça revela a permanente tensão existente entre a igualdade formal - constante nas leis - e a desigualdade socioeconômica - vivenciada cotidianamente pelos indivíduos -, da qual decorrem os inúmeros obstáculos que dificultam o acesso ora comentado.

1.4 Perspectivas de Superação dos Obstáculos: as “ondas” de acesso à justiça

A superação da noção meramente formal e abstrata da garantia de acesso à justiça, com raízes na massificação da sociedade e de suas relações e no advento do Estado do bem estar social, levou a uma crescente reflexão da ciência processual acerca do tema.

A moderna processualística, então, ao menos àquela comprometida com o fim maior da Justiça Social, passou a ter como um de seus temas centrais o estudo e a identificação dos obstáculos à efetividade do acesso à ordem jurídica justa. A partir dessa problematização, esforços foram empreendidos para a adequada superação de tais obstáculos.

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A primeira onda evolutiva preocupou-se em proporcionar assistência judiciária aos hipossuficientes. A impossibilidade de se ingressar em juízo pela falta dos recursos econômicos foi o ponto de destaque de tal fase.

A assistência judiciária gratuita aos pobres foi resultado do reconhecimento da necessidade de um enfrentamento sério das limitações impostas pelos custos da litigância, sobretudo dos gastos com advogados, à população menos favorecida economicamente. A disponibilização de serviços jurídicos gratuitos aos necessitados foi, sem dúvida, um passo importante em direção à efetividade do acesso à justiça.

A Constituição Federal de 1988 incluiu em seu art. 5º, LXXIV2, a assistência jurídica gratuita e integral ao hipossuficientes como um direito fundamental. O constituinte, dessa forma, foi mais abrangente que a mera assistência judiciária, ou seja, a assistência profissional em juízo, vez que a assistência jurídica gratuita e integral preceituada engloba também a garantia de consultoria e orientação jurídica extrajudiciais aos economicamente necessitados.

Neste diapasão, a Defensoria Pública cumpre papel fundamental na ordem jurídica, sendo, ao lado do Ministério Público, instituição considerada essencial à função jurisdicional, ao promover a defesa e orientação jurídica em todos os graus dos hipossuficientes (art. 134, caput)3. Nesse contexto, ROCHA (2007, p. 13) afirma:

Tratou o Constituinte Originário de estabelecer mecanismos para que esses direitos e garantias não fossem exercidos, nem tivessem como destinatários, apenas a casta abonada social, política, financeira e culturalmente. Para isso, com fundamento na dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), fazer cumprir o objetivo de redução das desigualdades e erradicação da pobreza (art 3º, III), garantindo, a todos, o acesso à justiça (art. 5º, XXXV) e, aos necessitados (art. 5º LXXIV), uma Instituição dedicada especialmente à sua orientação e defesa jurídica (art. 134, caput), como forma de construir uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, I), independente de origem, cor, raça, posição social, gênero ou orientação sexual, convicção filosófica, política ou religiosa, idade, entre outros (art. 3º, IV).

2 “Art 5º, LXXIV - o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”.

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Apesar da importante função desempenhada pela Defensoria Pública, órgão voltado aos mais desfavorecidos, o Estado brasileiro está longe de atingir o fim de efetivamente oferecer aos hipossuficientes uma assistência jurídica integral. Infelizmente, a estrutura das Defensorias, tanto Estaduais, como da União, ainda não é suficiente para atender a enorme demanda por assistência judicial e extrajudicial existente no país.

Cumpre destacar ainda que a assistência jurídica integral compreende necessariamente a difusão da informação jurídica pela sociedade. O direito à informação é imprescindível ao exercício ativo da cidadania e à concretização da liberdade de expressão. Um povo que não tem conhecimento de seus direitos, não pode reclamá-los, o que causa um estrangulamento inaceitável da garantia de acesso à justiça.

A politização de uma sociedade, essencial à mobilização para a reivindicação de direitos, depende diretamente do nível de educação e cultura que possui. Daí resulta a relevância da democratização do ensino e em especial da difusão da orientação e da informação jurídicas.

A segunda onda do movimento de acesso à justiça voltou-se ao problema da representação dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos. A sociedade de massas, de produção e de consumo em larga escala, fez surgir uma série de conflitos coletivos, os quais não eram bem tutelados pelos parâmetros tradicionais do processo civil.

Por sua natureza diferenciada, a atribuição gradativamente maior de direitos metaindividuais à coletividade levou a uma profunda reflexão acerca de vários conceitos básicos e consolidados da processualística, antes voltada quase que exclusivamente à proteção de direitos individuais, o que resultou numa verdadeira “coletivização” do processo.

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Nessa perspectiva, a criação das ações coletivas no Brasil, tais quais a ação popular e a ação civil pública, foi essencial à adequada proteção de diversos novos direitos fundamentais de natureza difusa previstos pela Carta Constitucional de 1988. Novas linhas foram traçadas no processo civil, adaptando o sistema processual às peculiaridades dos direitos coletivos latu sensu, os quais dizem respeito a toda coletividade, um grupo ou um segmento de grupo.

Dentre as várias dificuldades enfrentadas para a tutela dos interesses metaindividuais, ganha relevo, como já exposto, a questão da legitimação ativa ad causam. O problema gira em torno de qual representante seria mais adequado a possuir a legitimação ativa para buscar a proteção de tais direitos.

O monopólio do Estado da legitimação ativa mostrou-se insuficiente, tendo em vista as diversas pressões políticas dos mais variados grupos de interesses a que estão submetidos os órgãos estatais e também devido à freqüente insuficiência estrutural para proteger os cada vez mais numerosos direitos coletivos latu sensu, sujeitos a toda sorte de ameaça e lesão.

A atribuição ao particular de tal legitimidade significa sem dúvida um importante e necessário passo rumo à democracia participativa, mas depende diretamente do grau de organização e politização de uma sociedade, sob pena de tornar-se uma medida quase inócua.

No caso do Brasil, a legitimação de associações civis para propor ação civil pública ainda não tem mostrado, lamentavelmente, significativos resultados. Isso se deve a uma baixa organização política da sociedade, fruto das mazelas que acometem o país.

Com efeito, até recentemente, o Ministério Público ingressava com quase todas as ações civis públicas existentes. Em 2007, houve importante avanço, na medida em que foi atribuída à Defensoria Pública legitimidade ativa para propor ação civil pública, incluindo-se mais um órgão estatal na tutela dos interesses difusos. .

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constitucionais, buscando-se sempre o melhor sistema de proteção a tais interesses, o que exige da moderna doutrina processual o enfrentamento de temas, como, por exemplo, a adequada representação em juízo desses novos direitos decorrentes de conflitos de massa e a extensão da coisa julgada.

A terceira fase de evolução do acesso à justiça diz respeito a uma abordagem mais ampla do problema, atentando para o imperativo de se adaptar o processo ao tipo de litígio, bem como tentando utilizar meios alternativos para a solução de conflitos. CAPPELETTI; GARTH (1988, p. 67-68) assevera que:

O novo enfoque de acesso à Justiça, no entanto, tem alcance muito mais amplo. Essa ‘terceira onda’ de reforma inclui a advocacia, judicial ou extrajudicial, seja por meio de advogados particulares ou públicos, mas vai além. Ela centra sua atenção no conjunto geral de instituições e mecanismos, pessoas e procedimentos utilizados para processar e mesmo prevenir disputas na sociedade moderna.

Houve, desse modo, uma preocupação em tornar o sistema judiciário, através de reformas dos procedimentos, o mais célere e adequado quanto possível à tutela de cada tipo de demanda. No entanto, mais do que isso, houve principalmente um esforço de valorização de meios e instrumentos alternativos de resolução de conflitos, prevenindo-se, com isso, o atolamento dos tribunais. Procurou-se disponibilizar à sociedade métodos mais rápidos, simples e baratos que o procedimento judicial convencional para pôr fim a litígios.

Métodos de autocomposição dos conflitos, como a conciliação e a mediação, valorizam a participação do indivíduo na solução de tais litígios, incentivando o diálogo e enfrentando as suas causas reais. São, além disso, por serem informais, meios mais céleres e menos dispendiosos, assim como permitem a solução de conflitos comunitários, ultrapassando o mero interesse individual.

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lesão ou ameaça a direito (art. 5º, XXXV)”. A Carta de 1988, como se vê, garante o acesso ao Judiciário em caso de lesão ou ameaça de lesão a direito, seja ele individual ou coletivo.

Daí porque as reformas do processo e da organização da justiça civil foram e continuam sendo fundamentais para o ideal de acesso à justiça. A teor do princípio da celeridade ou da razoável duração do processo, consagrado pela ordem constitucional com o advento da Emenda Constitucional nº 45/044; a especialização de varas; a criação de justiças especializadas e de tribunais destinados a resolver demandas de pequeno valor - os juizados especiais - são medidas, além de outras mais, que, somadas, contribuem de maneira decisiva ao acesso a um processo justo, adequado e célere.

Importante destacar ainda que o processo coletivo apresenta-se como um instrumento considerável de diminuição do sobrecarregamento dos tribunais, tendo-se em vista a sua “estrutura molecular”5, em detrimento da “estrutura atômica” do processo tradicional6. O processo coletivo, destarte, agrega em uma só demanda o interesse de diversas pessoas, de um grupo, ou de toda a coletividade, evitando também a possibilidade de decisões contraditórias para casos iguais ou afins, sendo um corolário do devido processo legal e do principio da adequabilidade do procedimento.

4 “Art. 5ª, LXXVIII - a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.

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2 A TUTELA DOS DIREITOS COLETIVOS LATO SENSU ATRAVÉS DO PROCESSO COLETIVO

Os direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos, segundo LEITE (2001), são espécies do gênero “direitos metaindividuais”7, também denominados de “direitos coletivos lato sensu”, “transindividuais” ou “suprainidividuais”, ou, segundo uma perspectiva mais ampla, consonante com a teoria dos direitos fundamentais, de “novos direitos”, “direitos globais”, “direitos de fraternidade” ou “direitos humanos de terceira geração ou dimensão”.

O processo histórico de positivação dos direitos fundamentais, assim como fatores econômicos, sociais e culturais - tais quais o intenso desenvolvimento tecnológico e a globalização econômica -, centram a atenção da ciência do Direito na busca de novos instrumentos capazes de tutelar adequadamente os conflitos coletivos. Com efeito, essas profundas transformações verificadas na ordem mundial não trouxeram somente o desenvolvimento do gênero humano, mas também poluição, catástrofes ambientais, explosões demográficas desordenadas, produção e consumo em massa, além de outros inúmeros problemas, relacionados, sobretudo, à desigualdade socioeconômica existente no mundo capitalista.

Importante consignar que a proteção jurisdicional dedicada aos direitos individuais não autoriza concluir pela inexistência histórica de direitos coletivos, estes sempre existiram, sobretudo a partir da Revolução Industrial e do fenômeno denominado de “massificação da sociedade”. Contudo, apenas com a crescente litigiosidade dos conflitos coletivos é que se chega a uma necessidade inadiável de reformulação da concepção clássica do processo, de modo a tutelar adequadamente os direitos metaindividuais, exatamente pelas peculiaridades de sua dimensão coletiva.

7 Para efeitos do presente trabalho, serão utilizadas as expressões “direitos metaindividuais” e “direitos transindividuais” como expressões sinônimas, embora alguns autores a diferenciem. Aderimos, pois, à lição de MAZILLI (2000, p.45): “Resta a análise da questão terminológica: qual expressão é mais correta: interesses

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Destaque-se o importante papel desenvolvido pelos conflitos trabalhistas, coletivos por sua própria natureza, que levaram a Justiça do Trabalho a desenvolver as chamadas ações coletivas, caracterizadas pelos interesses contrapostos de categorias antagônicas, trabalhadores e patrões.

O primeiro passo para a tutela dos direitos coletivos lato sensu deu-se, portanto, com o reconhecimento dos direitos coletivos stricto sensu, que se relacionam com a existência de grupos relativamente institucionalizados, tendo seus indivíduos unidos entre si por uma relação jurídica base anterior à lesão do direito.

Apenas recentemente verificou-se - a partir das necessidades sociais e dos estudos doutrinários de importantes autores - a necessidade de reformulação do processo civil, destinando-o à proteção dos interesses difusos, os quais, por se acharem diluídos por toda sociedade, apresentam maiores dificuldades de efetivação. Nesse sentindo a afirmação de MANCUSO (1997, p. 5) de que “são justamente esses ‘interesses em busca do autor’ os que mais necessitam de tutela, porque são os mais desprovidos dela. E isso se deve porque eles se encontram em estado ‘fluído’ no processo social”.

Diante disso, analisar-se-á neste capítulo a caracterização dos direitos coletivos lato sensu, destacando as suas peculiaridades, a necessidade de uma tutela jurisdicional diferenciada adequada à sua efetiva proteção e os princípios informadores da jurisdição coletiva.

2.1 Direitos Difusos

Os direitos difusos, segundo PRADE (apud ALMEIDA, 1993, p. 23/24), são aqueles “titularizados por uma cadeia abstrata de pessoas, ligadas por vínculos fáticos exsurgidos de alguma circunstancial identidade de situações, passíveis de lesões disseminadas entre todos os titulares, de forma pouco circunscrita e num quadro abrangente de conflituosidade”.

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pela conceituação legal. Conforme o art. 81, parágrafo único, inciso I, “interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato.”

Assim, no que diz respeito às características definidoras, os direitos difusos, sob o aspecto subjetivo, são considerados transindividuais, vez que pertencentes a toda uma coletividade, sem que se possa individualizar seus titulares, ligados que são por vínculo de natureza fática, e não jurídica.

Com efeito, o vínculo entre as pessoas se dá em relação a “fatores conjunturais ou extremamente genéricos, a dados de fato freqüentemente acidentais e mutáveis como habitar a mesma região, consumir o mesmo produto, viver sob determinadas condições sócio-econômicas, entre outros” (ROCHA, 2007, p. 41).

Dessa forma, a lesão a um direito difuso pode afetar um número incalculável de pessoas, bastando que estas se encontrem faticamente vinculadas entre si, ainda que de maneira acidental, por terem comprado, por exemplo, o mesmo produto defeituoso. Daí a potencial ocorrência de danos pulverizados por segmentos consideráveis da sociedade, em decorrência das relações de massa hoje verificadas, capazes de atingir a um número indeterminável de pessoas.

Sob o aspecto objetivo, tais direitos são caracterizados pela indivisibilidade do objeto, o qual só pode ser considerado como um todo, não podendo ser quantificado e distribuído entre os membros da coletividade que o titulariza. O bem jurídico difuso não comporta, pois, atribuição exclusiva a determinado indivíduo, pois pertence integralmente a todos os titulares na mesma medida.

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por sua vez, é “marcada pela mutação veloz das relações conflituosas, daí a urgência das tutelas requeridas em sede de ações coletivas”.

Por essa razão, tais litígios coletivos implicam, muitas vezes, em escolhas políticas, sobretudo por contrapor interesses distintos de grupos sociais, a exemplo do conflito causado pela expulsão de comunidades tradicionais de uma área para a construção de uma hidrelétrica. Nesse caso, existe uma decisão política sobre interesses diversos: os patrimoniais decorrentes da instalação desse empreendimento em determinado local e os direitos da comunidade afetada ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem como ao usufruto de seu ambiente tradicional.

2.2 Direitos Coletivos stricto sensu

Os direitos coletivos stricto sensu são direitos relacionados a uma realidade coletiva, dizem respeito, portanto, ao exercício coletivo de interesses coletivos (DORNELAS, 2003). Na dicção legal, são considerados interesses ou direitos “transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base”.

Assim, sob o aspecto subjetivo, pode-se dizer que pertencem a uma coletividade (transindividuais), sendo deles titular determinado grupo, categoria ou classe de pessoas, ligadas entre si, ou com a parte contrária através de uma relação jurídica base. Importante atentar para o fato de que a titularidade desses direitos pertence a grupo, categoria ou classe de pessoas indeterminadas, mas determináveis.

Já no que se refere ao aspecto objetivo da categoria de direitos ora analisada, verifica-se a sua indivisibilidade, similarmente aos direitos difusos, vez que a proteção ao bem jurídico tutelado não pode ser obtida por apenas um indivíduo, pois a decisão favorável aproveita a toda a classe, grupo ou categoria, assim como o prejuízo afeta a todos.

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e de titularidade transindividual. Com efeito, a distinção fundamental entre ambos reside exatamente na determinabilidade dos titulares dos direitos coletivos.

Nesse sentido, WATANABE (apud DIDIER JR; ZANETI, JR, 2009, vol. 4, p.75) afirma que a diferença entre os direitos coletivos e os difusos está na determinabilidade das pessoas titulares, seja através da relação jurídica-base que as une entre si - como os membros de uma associação de classe ou ainda acionistas de uma mesma sociedade -, seja por meio do vínculo jurídico que as liga à parte contrária, como no caso de contribuintes de um mesmo tributo ou de estudantes de uma mesma escola.

DIDIER JR; ZANETI, JR (2009, vol. 4, p.75) divergem do exposto acima, ao afirmarem que a determinabilidade se refere à identificação do grupo, categoria ou classe como um todo, não importando a identificação das “pessoas titulares”, na medida em que a tutela é indivisível. Esta parece ser a posição mais coerente com a dimensão supraindividual desses direitos.

Impende salientar, ainda, que a relação jurídica-base que une as pessoas integrantes do grupo, classe ou categoria deve necessariamente ser anterior à lesão ao direito. WATANABE (2001, p. 742-743), comentando o tema, leciona:

Essa relação jurídica-base é a preexistente à lesão ou ameaça de lesão do interesse ou direito do grupo, categoria ou classe de pessoas. Não a relação jurídica nascida da própria lesão ou ameaça de lesão. Os interesses ou direitos dos contribuintes, por exemplo, do imposto de renda constituem um bom exemplo. Entre o fisco e os contribuintes já existe uma relação jurídica base, de modo que, à adoção de alguma medida ilegal ou abusiva, será perfeitamente factível a determinação das pessoas atingidas pela medida. Não se pode confundir essa relação jurídica base preexistente com a relação jurídica originária da lesão ou ameaça de lesão.

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2.3 Direitos Individuais Homogêneos

A necessidade de melhor tutelar interesses individuais dotados de uma premente dimensão coletiva forçou o legislador a instituir uma categoria de direitos supraindividuais, por meio do CDC (art. 81, par. único, III), denominados de direitos individuais homogêneos.

A sua conceituação legal é bastante vaga, pois apenas estabelece que os interesses individuais homogêneos são os decorrentes de origem comum. Assim, tem-se que há uma ligação com a parte contrária, surgida posteriormente à lesão ou ameaça de lesão ao direito. Aqui, há uma clara distinção, já acima asseverada, com os direitos coletivos strictu sensu, nos quais a relação base preexiste à lesão.

Importante observar que a origem comum característica dos direitos individuais homogêneos não precisa necessariamente decorrer de fato ocorrido em um só local ou momento histórico, conforme a precisa lição do WATANABE (2001, p. 625):

‘Origem comum’ não significa, necessariamente, uma unidade factual e temporal. As vítimas de uma publicidade enganosa veiculada por vários órgãos de imprensa e em repetidos dias ou de um produto nocivo à saúde adquirido por consumidores em um largo espaço de tempo e em várias regiões, têm, como causa de seus danos, fatos com homogeneidade tal que os tornam ‘a origem comum’.

GRINOVER (apud GARCIA, 2008, p. 336-337) destaca ainda que a origem comum pode ser próxima, a exemplo de uma queda de aeronave, ou remota, como no caso de dano à saúde causado por produto potencialmente nocivo. Leciona que quanto mais remota for a causa, menos homogêneos serão os direitos individualmente considerados.

Assim, para que se verifique a homogeneidade dos direitos surgidos de uma origem comum, é necessária a primazia de questões comuns sobre as peculiaridades dos direitos individuais, assim como a utilidade da tutela coletiva aplicada ao caso.

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Com efeito, a doutrina tradicional considera ser o objeto dos direitos individuais homogêneos divisível, vez que é possível quantificar os valores cabíveis a cada titular do direito individual lesado. Adotam tal posicionamento autores como NIGRILLI (2000) e MOREIRA (1991).

Em sentido contrário, DIDIER JR; ZANETI JR. (2009), em posição que mais se coaduna com o direito fundamental à tutela adequada, esclarecem serem os direitos individuais homogêneos indivisíveis a partir do conhecimento do ilícito até o momento da condenação genérica. Posteriormente, durante a fase de liquidação e execução dos direitos individuais, passariam a ser divisíveis, podendo haver o retorno à indivisibilidade em caso de liquidação e execução coletiva. É o que chamam de “procedimento trifásico de efetivação da tutela jurisdicional”.

A execução coletiva, de acordo com o art. 100 do CDC, tem pertinência quando passado um ano da condenação não se habilitem pessoas em número compatível ao dano causado. Os legitimados ad causam da Ação Civil Pública poderão, nessa hipótese, promover a liquidação e a execução da indenização devida, a qual será revertida ao Fundo de Direitos Difusos, criado pela Lei 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública). Tal possibilidade decorre da necessidade de reparação integral dos danos causados à coletividade, cumprindo uma função ao mesmo tempo educativa e repressora a novos ilícitos, algo que diz respeito a toda sociedade.

Pense-se, por exemplo, no caso de ocorrência de várias lesões singularmente inexpressivas, incapazes de gerar interesse patrimonial suficiente para estimular alguém a promover uma ação individual, mas que, quando consideradas em conjunto, representam uma soma considerável. Nesses casos, somente a execução promovida por um dos legitimados possibilitará a reparação do dano causado, o que não seria possível caso fossem consideradas apenas as lesões individuais, evitando-se, desse modo, a repetição do ilícito.

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lesionados, ao contrário, vai mais longe, protegendo molecularmente os vários interesses lesados, além de tutelar interesses da coletividade.

Daí resulta, portanto, que os direitos individuais homogêneos não devem ser vistos como meros direitos individuais coletivamente tratados ou acidentalmente coletivos, mas antes devem ser reconhecidos como subespécies dos direitos coletivos latu sensu, propositalmente coletivizados pelo ordenamento com o fito de conferir-lhes uma tutela integral e adequada, constitucionalmente garantida.

Nesse sentido, GARCIA (2008, p.339), afirma o seguinte:

Considerar os direitos individuais homogêneos como direitos individuais, sendo “coletivamente tratados”, apenas em decorrência da homogeneidade das lesões, seria permitir o alastramento da aplicação dos princípios gerais da tutela coletiva a tais direitos. A experiência tem mostrado que há certas circunstâncias em que a tutela do direito individual não é adequada.

Impõe-se afirmar, portanto, a dimensão coletiva dos direitos individuais homogêneos e a sua decorrente indivisibilidade. MOREIRA (apud GARCIA, 2008, p. 336), ao discorrer sobre a categoria de direitos ora analisados, comenta:

[são] interesses referíveis individualmente aos vários membros da coletividade atingida, e não fica excluída a priori a eventualidade de funcionarem os meios de tutela em proveito de uma parte deles, ou até de um único interessado, nem a desembocar o processo na vitória de um ou de alguns e de simultaneamente na derrota de outro ou de outros. O fenômeno adquire, entretanto, dimensão social em razão do grande número de interessados e das graves repercussões na comunidade; numa palavra: do “impacto de massa”.

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2.4 Processo Coletivo: considerações e princípios norteadores.

Com a caracterização da sociedade de massa, em que as relações jurídicas passam a alcançar fenômenos coletivos, os danos causados a determinados direitos também ganham novos contornos, levando a novas formas de reparação, não mais condizentes com os parâmetros do processo clássico individual.

Conforme já exposto, todo o processo civil estrutura-se a partir de uma concepção individualista de sociedade, na qual a tutela dos direitos depende da existência de titulares determinados. Nesse sentido o Código de Processo Civil, em seu art. 6ª, dispõe: “Ninguém poderá pleitear, em nome próprio, direito alheio, salvo quando autorizado por lei”.

Como decorrência dessa perspectiva individualista do direito e, conseqüentemente, do processo, tem-se que somente interesses considerados relevantes pelo Estado e possuidores de um titular determinado mereceriam a proteção jurisdicional.

Para MANCUSO (1997, p. 4):

Dentro de uma tal concepção individualista, é bem compreensível que passassem despercebidos certos interesses que, justamente, se caracterizam pela inviabilidade de apropriação individual, como o interesse à pureza do ar atmosférico. Afirmou-se, mesmo, que se um interesse concerne a todos, não pertence a ninguém, e, assim, não é tutelável.

Constata-se, portanto, a necessidade de criação de um processo coletivo adaptado aos denominados conflitos de massa, de modo a possibilitar o exercício da cidadania e a adequada tutela dos direitos coletivos lato sensu. Para DIDIER JR; ZANETI JR (2009, p. 73), “o momento atual do direito revela a necessidade de efetiva proteção de posições jurídicas que fogem à antiga fórmula individual credor/devedor”.

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