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A presença da alfabetização científica em textos produzidos por graduandos em Ciências Biológicas

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Academic year: 2021

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A presença da alfabetização científica em textos produzidos por graduandos em Ciências Biológicas

Adriana Pugliese1,2, Lúcia Helena Sasseron3 e Martha Marandino3

1Programa de Pós-Graduação em Educação, Faculdade de Educação, USP, Brasil,

2Universidade Cruzeiro do Sul, Brasil

3Faculdade de Educação, USP, Brasil

adriana.pugliese@gmail.com; sasseron@usp.br; marmaran@usp.br

Introdução

Segundo Santos (2005, p.3) a concepção de ensino com enfoque CTS, embora tendo a ciência como primeira referência, preocupa-se também com a tecnologia e a sociedade. Há uma preocupação com a educação humanista e cultural, incluindo toda uma base reflexiva sobre o exercício da cidadania. Lemke (2006, p.6) comenta sobre o panorama da educação científica e da necessidade de se redefinir os critérios fundamentais para formar cidadãos que compreendam o significado das Ciências em sua vida.

Na tentativa de cumprir as metas para a educação deste novo século, é fundamental compreender qual o papel da alfabetização científica em cada nível escolar, de modo que além de aprimorar gradativamente esta questão, seja possível ao longo de todos os anos escolares, uma mesma linha de raciocínio no decorrer da formação discente. Para isso algumas considerações se fazem pertinentes: a importância de integrar as Ciências às outras disciplinas; enxergar a Ciência como uma forma de ver o mundo, mas não a única, permitindo desse modo que toda história de vida do estudante se relacione com sua vida escolar, com seu processo de educação científica; e, acima de tudo, perceber o ensino de Ciências para a cidadania, ou seja, o ensino com enfoque CTS.

A verificação de indícios do processo de alfabetização científica pode acontecer mediante o discurso escrito dos alunos. Bargalló e Prat (2010) analisaram a argumentação a partir da leitura de textos e, Ruiz-Primo, Li, Tsai e Schneider (2010, p.584) analisaram textos construídos pelos alunos a partir do uso da argumentação em instrumentos de avaliação, defendendo que esta é uma atividade fundamental em pesquisas científicas.

Nessa perspectiva, da mesma forma que a prática da argumentação em sala de aula é fundamental para a formação de cidadãos críticos, alfabetizados cientificamente, é essencial que os professores saibam praticar esta metodologia;

destaca-se a necessidade dos cursos de formação (inicial e continuada) de professores discutirem esta temática. A autonomia para escrever um texto é tão importante para o professor quanto o domínio das metodologias que visem o exercício da argumentação em sala de aula.

Metodologia

Neste estudo, analisamos o discurso escrito elaborado por licenciandos de um curso de Ciências Biológicas em uma universidade privada brasileira, durante a disciplina “Instrumentação para o Ensino de Ciências”, com o intuito de avaliar as justificativas contidas nos textos construídos por esses alunos-professores, na a elaboração de suas atividades docentes, durante sua formação inicial. Ao longo do semestre, além desta, outras disciplinas com enfoque pedagógico foram cursadas pelos licenciandos, contribuindo para discussões a respeito da realidade escolar;

problemas como violência, pobreza, carência afetiva, saneamento básico, drogas,

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enchentes, gravidez na adolescência eram constantemente discutidos nas aulas deste curso de graduação.

A análise das justificativas levantadas baseou-se nos textos produzidos pelos licenciandos a partir de um instrumento de avaliação baseado em um estudo de caso hipotético, onde era pleiteada uma vaga para lecionar em determinada escola. O texto deveria abordar a escolha e justificativa de um tema para aula de Ciências, e uma reflexão sobre o que deveria ser considerado por uma banca, para selecionar o candidato à vaga, justificando a escolha dos critérios.

Resultados

Foram analisadas 17 avaliações e, ao longo das respostas percebemos justificativas para a escolha dos temas de suas aulas, os quais faziam referência à realidade escolar. Consideramos aqui as quatro avaliações mais fundamentadas, sendo possível perceber a coerência das propostas de aula e das explicações que embasavam as escolhas. Foi selecionado um trecho de quatro dessas avaliações, ou seja, um fragmento de texto de quatro licenciandos.

No trecho 1, o tema solo foi desenvolvido: o discurso justificava que o plantio de vegetais poderia evitar possíveis danos ambientais à uma comunidade, pois o solo estaria protegido de erosão:

“O tema abordado seria solo... Desta forma, conseguiria abordar dentro de um único tema o projeto da instituição, permitindo o desenvolvimento daquela comunidade através de interações ecológicas e com plantio de vegetais... para consumo próprio; além de trazer um assunto de acordo com a realidade daquela comunidade, relacionando os casos de enchentes e deslizamentos ao mau planejamento do uso do solo... como o uso de vegetais pode ajudar a diminuir o impacto das chuvas sobre o solo, permitindo maior permeabilidade e que a erosão ocorra com menor intensidade.”

Esta fala parece direcionar a importância do solo em um sentido mais amplo que vai além apenas de caracterizá-lo, pois há uma contextualização social para com a realidade escolar.

No trecho 2, a escolha do tema “saneamento básico” justifica-se pelo fato da escola ser uma região frequentemente atingida por enchentes:

“Se eu fosse este professor de Ciências, o tema escolhido seria ‘saneamento básico’, pois de acordo com informações citadas no texto, a região onde a escola se localiza é de risco, por ser atingida por enchentes e alagamentos causados pela chuva. Pensando nisso, nada melhor do que tratar de um assunto onde ajudará os habitantes da região a tomarem alguns cuidados para que o índice de doenças causadas por esta situação não aumente e a população possa ter uma qualidade de vida melhor...”

Percebe-se nesse discurso uma perspectiva sócio-científica, pois para abordar o tema, seriam consideradas tanto questões científicas e técnicas sobre o assunto quanto questões sociais, onde a população envolvida poderia ser beneficiada.

O trecho 3 traz a ideia de uma questão de relevância social, o caso do lixo, mas há certa confusão no uso de conceitos relacionados à reciclagem, pois esta é confundida com reutilização:

“Quando falamos em reciclagem se entende por pegar lixo e colocá-lo em seu devido lugar, quando na realidade é muito mais que isso; é saber utilizar algo que não tem mais o uso para qual ele foi produzido e dar a ele uma nova forma e reutilizá-lo

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em outra tarefa... Com uma aula sobre reciclagem, nós poderíamos aumentar o acervo da biblioteca reutilizando livros que seriam jogados fora por outra escola...”

O trecho 4 trata do tema “Consumo consciente” e, apesar de a ideia abranger relações entre CTS, a licencianda levanta o problema, mas não desenvolve as possíveis explicações que daria para solucioná-lo:

“O tema da aula seria ‘Consumo consciente’. Levando-se em conta que a escola é situada em uma região com riscos de enchente, a qual um dos principais motivos é o descarte de lixo em locais não apropriados, focaria minha aula em conceitos sobre lixo, sua produção exacerbada, lixões, finalizando com sugestões para amenização do problema.”

Depois de escolher e justificar o tema das aulas, os licenciandos descreveram quais seriam a metodologia e os recursos utilizados para ministrá-las. Em alguns momentos notou-se a explicitação de uma sequência didática, onde apareciam indicadores da alfabetização científica. A seguir um trecho do discurso da licencianda 4:

“Utilizaria o projetor para introduzir alguns conceitos sobre lixo... para que seja perceptível como a produção de lixo em grande escala traz problemas... Gostaria de mostrar que a produção de lixo é inevitável, porém podemos diminuir a sua produção, através da reciclagem, reutilização do material... Concluiria o conteúdo conceitual utilizando um pequeno vídeo que nos mostraria as consequências trazidas pelos aterros sanitários e lixões. Para concluir esta aula, utilizaria o espaço do laboratório...

reutilização de lixo orgânico através da técnica de compostagem... reutilização de lixo não orgânico através da reciclagem.... de forma a despertar a participação da escola para a preservação do meio ambiente.”

Embora a licencianda 4 tenha consciência que a produção de lixo seja inevitável, ela propõe possibilidades de modificação. A ideia de reutilização e reciclagem parece mostrar uma previsão do que pode acontecer se o olhar para o lixo for diferente: é possível diminuir a quantidade de lixo produzida. O fato de ela demonstrar uma sequência didática pode ser entendido como uma justificativa que embasa sua ideia, que é concluída com uma atividade prática de transformação do lixo; ou seja, os alunos desta professora, após uma discussão teórica, presenciariam a transformação do lixo na prática. O argumento dessa aluna-professora é mais pautado sobre a metodologia de ensino e menos sobre a legitimidade do tema, isto é, independente do tema proposto, ela ministraria a aula tendo a argumentação como pano de fundo; a adoção da argumentação como metodologia de ensino mostra o relacionamento da atividade docente desses licenciandos com práticas CTS.

Considerações finais

Nas aulas de ciências, frequentemente observa-se o relato de justificativas sobre posicionamento e opiniões. Essa prática contribui de modo significativo para o processo de alfabetização científica dos alunos; este fato não é diferente quando se trata da formação de professores. Percebe-se que o texto da licencianda que já havia começado a lecionar (licencianda 4) era mais bem embasado. Isso nos remete a Tardiff (2010, p.48) com suas discussões sobre os saberes docentes, especificamente os experienciais, que se estabelecem pela prática cotidiana da profissão.

Tishman e Perkins (1997 como citado em Ruiz-Primo et al., 2010, p.584) colocam que a formulação escrita de argumentos auxilia no processo de reflexão sobre as discussões de classe, o que não seria possível apenas com discussões orais;

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podemos trazer esta mesma ideia para o contexto da formação docente. Ruiz-Primo et al (2010, p.605) comentam sobre a importância de o professor estar bem preparado para conseguir praticar a argumentação em sala de aula, permitindo uma boa construção de apontamentos escritos por seus alunos.

É fundamental que esta metodologia de ensino se inicie preferencialmente na formação docente inicial, pois se o professor não sabe como argumentar ou promover um discurso crítico, muito provavelmente ministrará aulas onde o exercício do questionamento e das argumentações não acontecerá, o que não contribuirá para a alfabetização científica de seus alunos.

Sasseron e Carvalho (2011, p.102) relatam sobre indicadores de alfabetização científica que surgem durante uma sequência didática em sala de aula, onde aparecem: o levantamento de hipótese sobre o fenômeno estudado, a explicação fornecida ao problema que está sendo investigado, o uso de justificativa para dar consistência à sua ideia, e o uso do raciocínio lógico possibilitando uma estrutura coesa para o argumento proferido.

De modo análogo, salientamos que essa prática deve ser considerada também nos cursos de formação de professores, estabelecendo-se de diferentes modos, inclusive na elaboração de textos, visando o domínio da linguagem escrita assim como da oralidade.

Os estudos sobre argumentação sejam dentro ou fora da sala de aula, tendem a mostrar toda fundamentação e problemas que possam aparecer durante a defesa de um ponto de vista onde o argumento é, ou não, bem fundamentado. Quando não há uma boa fundamentação também não há uma efetiva sustentação da ideia apresentada e o argumento perde a validade. Em sala de aula, durante um curso de formação de professores, seria como exercitar em nossos alunos a capacidade de defender suas ideias com questões fundamentalmente válidas, relacionadas à atividade científica, fazendo com que eles se apropriem de um discurso mais bem estruturado, conseguindo refutar, alegar e defender pontos de vistas diferentes.

Nessa perspectiva podemos pensar a prática docente preocupada com a importância da linguagem, da sistematização científica, das possibilidades de utilização de vários meios de e para a aprendizagem.

A relação triádica entre CTS vai de encontro ao processo de alfabetização científica, tendo como cenário a metodologia de ensino da argumentação, contribuindo para o desenvolvimento de indivíduos críticos (de diferentes níveis escolares, inclusive aqueles em formação continuada, como por exemplo, professores), capazes de desempenhar com plenitude sua cidadania.

Referências bibliográficas

Bargalló, C.M. & Prat, A. (2010). Favorecer la argumentación a partir de la lectura de textos. Alambique: Didáctica de las Ciencias Experimentales, n. 63, pp. 39-49.

Lemke, J.L. (2006). Investigar para el futuro de la educación científica: nuevas formas de aprender, nuevas formas de vivir. Enseñanza de las Ciencias, v. 24, n. 1, 5-12.

Ruiz-Primo, M.A., Li, M., Tsai, S.P. & Schneider, J. (2010). Testing one premise of scientific inquiry in science classrooms: examining students’ scientific explanations and student learning. Journal of Research in Science Teaching, 47 (5), 583-608.

Santos, M.E.V.M. (2005). Una Educación para el desarollo sostenible. Enseñanza de las Ciencias, n. Extra, VII Congreso 1.

Sasseron, L.H. & Carvalho, A.M.P. (2011). Construindo argumentação na sala de aula:

a presença do ciclo argumentativo, os indicadores de Alfabetização Científica e o padrão de Toulmin. Ciência & Educação.

Tardif, M. (2010). Saberes docentes e formação profissional. 11ª edição. Petrópolis, RJ: Vozes.

Referências

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