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NASCIMENTO E METAMORFOSE DE UMA TEORIA MATEMÁTICA: A GEOMETRIA DOS INDIVISÍVIES NA ITÁLIA (GALILEO, CAVALIERI, TORRICELLI)

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(1)

NAscIMENTO E

METAMORFOSE

DE

I;MA

TEORIA

MATEM.ATICA:

A

GEOME-inn

nOs

INDIT{5I'yEIS NA

ITAIIA

(6ALILEO, çAVALIERI, TSRRISELLI)*

FRANçOIS DE GÀNDT

Centre

Natiotul

de Recherche Scíentifìque ( CNRS )

,

Paris

I

TNTRODUçÃO

A

It¡ília do Norte viu

nascer e desenvolver-se, aproximadamente entre 1630 e 1650, uma teoria matemdtica original e fecunda:a geometria dos

indivisiÎeisl

.

l.l

Algumøs noções pr êvits

O

que

é

um indivisiîel?

É um 'ãtomo"

de

grandeza.

Um ponto, por

exemplo, é

um

indivisfvel, ele não possui nenhuma grandeza que se possa

dividir.

Da mesma

for-ma,

uÍla

linha

é

um

indivisilvel de superfì'cie

-

poder-se'ia dizer um

átomo

de

super-fìbie

ou

um infìnitamente

pequeno de superfîcie

-

da mesma

folma, enfim,

que um plano é um

indivisiîel

de volume.

Essas entidades biz¿rras

nutriram

durante muitas gerações æ discussões dos mate-nr:íticos

e

dos

filosófos,

dando lugar a alguns belos

paradoxos:Umponto

pode tocar

um outro ponto? O

que

existe

logo ao lado de

um outro

ponto?

Quantos pontos

são

necessdiios

pafa formar

uma

porção

de

linha?

E

quantos cortes circulares para compor

um

inibio de cilindro? etc. . .

Tãis paradoxos não impediram os matemzíticos de

utiüzar

os indivisíveis. Arquime-des2

e

ialvez!í

Demóc¡ito, aceitavam que uma superfi'cie fosse composta

por

linhas.

2

eml

na "C¿rta e Eratosthenes", também intitulada "O método" (descoberta apenas

Arquimedes 906).

(2)

I

28

Flançois de Ganclt

Mas era

um ponto

de vista provisório, puramente heuri'stico. Após encontrar um

resul-tado por

esse

caminho,

restava

demo¡strá{o

rigorosamente

por

um

outro meio,

sem

utilizar

os indivisiîeis3 .

A

mais

forte

e mais expli'cita condenação veio de A¡istóteles:

no

livro YldaFísica

e

em

out¡as passagens, ele mostra

as

avessa aquele

que deseja compor

o

contihuo por

in

todos os que

nele

se inspiraram,

é impossiîel

que

que

o

tempo

seja

composto

de instantes

ou

que

o

tos

infinitesl_

mais.

Os argumentos decisivos sobre a questão

filosofìca

da composiçâ'o

do

contihuo

so-mente surgirão

no

século

XIX,

com Bolzano e sobretudo Cantor. Um novo tratamento

modo

de fazê-lo; era

difibil

ver

o

que interligava esses diferentes

"truques".

Adiferen-ciação e a

integraSo

que

foram

estabelecidas

por

Leibniz

e Newton Jão a sihtese

des-Leibniz

e

integração ções são a

A

geometria dos

indivisiîeis

pertence a essa pré-história do c¿ílculo

infinitesimal,

a esse peri'odo de

tateio

e de intuições.

No

entanto, é também uma

teoria,

com

funda-mentos

e

teoremas gerais.

Pelo

menos

foi

assim

que

Cavalieri

tentou

constituí-la, procurando dar-lhe bases rigorosas.

À

sombra da proteção fõrnecida por Cavalieri, os matemdticos dos anos 1650-1660 gozaram de uma nova liberdade, tiveram a auddcia de manipular os

infinitamente

pe-quenos (embora, falando propriamente, não existam

infinitamente

pequenos em

cava-lieri,

como veremos).

,,

.to..otfTção^entre

o infinito dos números inteiros e o infinito do contlîuo atormentou os logrcos oo seculo zU e perrnÍuìece uma questão aberta.

(3)

Nascimqtto e Metamorþse de uma Teoria

Matenaitíca

29

Estaria a geometria dos

indivisileis

condenada a perder-se no qálculo infinitesimal? Teria sido possiîel

continuar

a pratiøí-la sob essa

forma

n¡stica e ingênua durante vá-rias gerações?

A

questão é

diflcil

de resolver. Veremos que essa teoria, sob as diversas formas que

tomou,

possula uma coerência

muito

forte,

mas também dificuldades

in-ternas e lacunas que aceleraram sua evolução.

1 .2.ð/ossos

t¡ã

autores

Três

personagens

tiveram

um

papel

importante na

øia$o

dessa nova geometria na

ltália:

Galileo, Cavalieri e

Torricelli.

O

primeiro

dos três, Galileo, é o Mestre ou o Ancião

(il

Vecchio)

de quem se busca conselhos

e

patrocihio. Ele redigiu

alguns belos

textos de

matemdtica

pura,

porém interessou-se mais pela

fÌlosofìa natural, não

sendo

o

rigor

dos matemdticos gregos sua

principal

preocupação. Suas novas idéias servem de aguilhão,

ou

de advertência, para os trabalhos que são praticados à sua volta.

Ele não

escreveu nenhuma exposição sobre os métodos de demonstração

infìnite-simais em matemdtica, mas

falou

da composição

do

contfnuo em vários textos no

fìm

de sr¡a carreira. Sua

última

obra, os Dlsanrsos sobre duas navas ciê¡tciøs (1638), contém discussões bastante longæ sobre os

indivisiîeis. O "primeiro

dia"

deses

Dircorsi

ex-põe uma hipotese fì'sica sobre a coesão da matéria; essa coesão seria devida a vazios

ìn-fìnitamente

pequenos e

infìnitamente

numerosos que uniriarn os átomos.

A

conjetura fi'sica

é

apoiada

e

ilustrada

por

vírias

analogias matemdticas

e

G¿lileo afìrma aí sua

convic@o de que

toda

grandeza contihua é constitui'da por ulna infìnidade de elemen-tos

infinitamente

pequenos.

O

segundo personagem,BonaventuraCavalieri, pertence

a

urna

outra

geração (ele

tem

44

anos

em.

1642, quando Galileo morre à

idade

de

78

anos). Professor

de

Bologna, fez-se conhecido publicar-do em 1632 O espelho

ircenditÍrio

ou

tratødo das seções cônícøs, onde mostrou antes de Galileo que a trajetória dos projéteis é para-bólica (ele pedirrí perdão a Galileo por havê-lo precedido).

Sua obra essencial é a Geometria dos ittdivisíveis, enorme obra com sete livros que escreveu,

fez

imprimir

e circular

por

etapas, de

162Oa

1635. Com esse

livro

nasce o

método

dos indivisi'veis

como teoria

desenvolvida e fundamentada em princiþios cla-ros. Nos decênios seguintes, o nome de Cavalieri será sinônimo de

'Înétodo

dos

indivi-si'veis".

Infelizmente,

a

própria obra, a

Geomet¡ia

indivisibílibus, é totalmente

indi-gesta

e

será

pouco

lida.

Contentar-se-ão

por

invocd-la

piamente, sem estudd-la.

A

primeira tradução completa em

idioma

'lulgar"

somente aparecerá em 1966 (tradução italiana de

L.

Lombardo-Radice).

Foi

nosso terceiro

herói,

Evangelista

Torricelli,

a quem coube a tarefa de vulgarizar o método e proyar sua

fecundidade.

Dez anos mais jovem do que Cavalieri,ele acab¿ra de dar assistência a Galileo durante seus

últimos

meses

(outubro

de 1641 a janeiro de

1642) e manteve-se desde então em est¡eita relação com Cavalieri. Ele

difundiu

e

colo-cou

em

pnítica

os novos procedimentos de Cavalieri. Em suas mãos a geometria dos indivisi'veis t ornou-se um instrumento maravilho samente po deroso.

O

único

liwo

publicado

por

Torricelli,

a Opera Geometrica

(1644),

expõe em ter-mos simples

e

claros

o

novo método

de Cavalieri. Na verdade

Torricelli

ultrapassou seus mestres,

transformou

profundamente

a teoria de

Cavalieri

e

obteve resultados

(4)

ï

30

Flønçois de Gandt

para

os

quais

os

procedimentos de Cavalieri eram

impróprios.

Mas

a

doença levou

Torricelli

bruscamente

em

1647 e as mais geniais de suas descobertas pemìaneceram encerradas em seus manuscritos até o século

XX

(as Opere de

Torricelli

foram editadas

entre

l9l9

e

1944). Algumæ

amostras desses tesouros provavelmente se

difundiram

pelo ensino e pela transmissão oral, até a Inglaterra.

2 O

CONIIIIUO

FISICOCEOMÉTRICO

DE

GALILEO

Galileo expôs suas concep@es sobre os indivisiîeis em um

texto

de Fi'sica, unicamente para estabelecer e

ilustra¡

uma

conjetrua

fì'sica: tratava-se da resistência dos corpos à

ruptura,

também chamada de coesão da matéria, aquilo que atualmente é chamado de resistência dos materiais.

2.1 O

poblerru

d¿

coeúo

e ø a@o do

fop

Eis como os

indivisiîeis

são introduzidos

no

decurso

do primeiro

dia

dos

Diæoni.

A

questão é a seguinte: qual a causa que mantém

juntas

as partesdoscorpossólidos? Galileo distingue divenos casos diferentes. Em primeiro lugar, certos

corpoi

devem sua coesão ao entrelaçamento das

fibras

que os compõem; pode-se da mesma forma supor

que um

bloco

de

madeira deve sua coesão ao entrelaçamento de suas fìbras. Em

se-gundo

partes de um mesmo material

-

por exemplo, duas

placas

lidas

-

sejam mantidas juntas apenas pela força do

vácuo,

tenta, separáJas. Para Galileo, a repugrância da na-tureza com

rela$o

ao vácuo é

portanto

urn¿ car¡sa de coesäo e ele indica como se pode medir sua intensidade.

Mas essas duas razões não são suficientes para explicar a coesão da matéria. Como

Uma

primeira

justifìcativa

dessa hipótese será encontrada ob o

fogo.

Quando

o

fogo

liquefaz

o

metal liberando as moléculas que

as

"partibulas

muito

sutis"

do

fogo

penetram em

todos

os

ículas do

fogo

t

outras. Pode-se os vazios

'htrae

2.2 O pamdoxo da roda de Aristôteles

Mas quantos desses vazios existem? Se

fosem

necessários

infìnitos,

como conceber que esse

infìnito

esteja

contido

em uma porção

fìnita

de matéria? É aqui que se insere uma tese de alcance mais geral: em umá extensão

finita

pode existir uma infinidade de vaaos.

Pa¡a

mostrá-lo, Galileo recorre

a

um

exemplo

geométrico

tirado

das Mecânicas at¡ibui'das a Aristóteles. Trata-se do paradoxo denominado

toda

de Aristóteles', cuja

(5)

-Nascimqto

e

Metamorþse

de uma Teoria

MatemÍtica

3l

essência é a seguinte: se um grande ci?culo

rola

sem deslizar ao longo de uma base

ho-rizontal,

o

ponto

B retomard à base

horizontal

após uma

volta

completa. Se

conside-Figurø

I

rarmos

um

círculo menor traçado

no interior

dessa

roda, com

o

mesmo

centro

e

girando à mesma velocidade angular,

o

ponto

C

dese

segundo

ciîculo

tanrbém

retor-nará a sua posição

inicial

apos uma volta completa. No entanto, o comprimento desses

dois

ci'rculos é diferente:

o

grande

ciîculo,

que sempre fìca apoiado sobre a base BF,

percoreu um

comprimento

exatamente igual a sua

circunferência;o

que dizer então

sobre

o

movimento

do

pequeno

ciîculo?

Como

é

possi'vel

que

ele tenha também percorrido um comprimento CE igual a BF?

Para ¡esolver

ese

paradoxo, Galileo

toma

urn desvio e considera inicialmente he-xágonos ao invés

de ciîculos.

O

grande hexágono não gira realmente, ele apoia seus

Figurø 2

lados sobre

a

base

por

uma seqüência de rotações. Durante esse tempo

o

hexágono pequeno também

apoia

sucessivamente seus lados sobre urna reta

horizontal

paralela

à base, mas deixando regiões desocupadas em intervalos regulares.

Aquilo

que se passa com os hexágonos indica o caminho para entender o que ocor-re

no

ciÌso dos ci'rculos: basta

mutiplicar

o número de lados e corniderar não mais he-xdgonos, mas polígonos com

vinte ou

mil

lados. Então o pequeno poliþono se apoiará

E

(6)

32

François de

Gødt

mil

vezes sobre a base e de cada vez deixar¡í um pequcno scgmcnto horizontal não

to-c¿do.

A

linha

reta será constitui'da

por

mil

pequenos scgmcntos separados por

mil

pe-quenos vazios. Ora,

o

ciîculo

pode ser considerado

como unì

poli'gono de

infinitos

la-dos

(Galileo,

Dirconi, in

Opøe, vol. 8,

p.

7l).

Podc-sc

portanto

considerar que o

cü'-culo

pequeno-percorre a

linha

CE fazendo um número

infinito

tle saltos infìnitamente frequenos.

A

linha horizontal

CE sení constitui'da

por infinitos

pontos vazios e pontos cheios

(infiniti ptntí

prte

piení e

prte

vacai).

2.3

Fisica e geometria

Esta

soluSo

surpreendente

do

paradoxo da roda

dc

fuistótcles

serve a Galileo

co-mo

analogia para

explicar

diversos fenômenos

fßicos: cm primeiro

lugar, a presença dos inúmeros pequenos vazios que car¡sam a coesão; o crn scgundo lugar os casos de expansão ou de condensação

ilimitada

da matéria.

Se a linha é decomposta em urna infinidade de elemcntos, cla pode então ser recom-posta de modo a obter-se um

comprimento maior.

Basta

introduzir

sufìcientes vazios infinitesimais

(Discorsi,p.72).Inversamente,

é concebivel quc a linha, decomposta em seus pontos, se contraia em uma

linha

menor, sem quc as partes se penetrem

mutua-mente (D'scorsi,

p. 96)6.

Galileo

indica

mais precisamente que isso seria imposslvel se as partes elementares tivessem

um

certo tamanho. Scus raciocínios apenas são váli-dos para partes "sem gtandeza"T

Muitoi

leitores,

hoje

como

no

século

XVII!,

suspcitarão

ter

havido uma confusão

no

raciocínio de Galileo.

Essa passagerq

tÍÍo

desenvolta

do

sólido fì3ico

à

grandezz geométrica produz perplexidade:então

o

derretimento

dc

um metal e a resolqção de uma

linha em

'todos"

os seus pontos são a mesma coisa? A compreensão da natr¡reza

do

continuo'

geométrico

é

realmente

facilitada

pela analogia

com

a

ação

do

fogo e

as mudanças de volume dos corpos? Inversamente,

a naturcia

da água e dos fluidos é

realmente esclarecida

para

o

ffsico

se

lhe

afìrmamos

quc os

elementos

últimos

da ¿ígua

(i

minimi dellhcqtn)

são indivisíveis sem grandeza, sem

forma

e

escapando a

toda enumera$o (Discorsi, p. 85-6)?

óBasta raciocínar de modo inve¡so sobre os mesmos polígonos acima. Se tomarmos por

referên-cia a rotaçío do pequeno polígono, cujo perímetro é então cxatamcntc igual à linha horizont¿l, enta-o o grande polígono percorrerá uma linha de mesmo comprimcnto, embora seu perímetro

seja maior, hoduziu+e um tipo de contração (uma "condensação", como diz Gatleo) do compri mento do grande polígono.

7A

cxpressão italiana ó "parti non quente". Umá traduçâo oxata ó impossível, pois Galileo a uti-liza em dois sentidos dife¡entes (pelo menos a nossos olhos). IÌm ccrtos lugares,

hon

quanti' significa 'que escapa a toda numeração',

Infinito'(p.

7l:

"i

lati non son quanti, ma bene

infiriiti').

Em troca, na maior parte dos casos, hon quanti'significa 'scm tamanho', 'sem grandeza asinalá-vel', lndivisr'vel'(assim, na página 80: "l'esse¡ le parti infrnitc si tira in consequenza I'esser non

quante...midiciateselepartiquantenelcontinuonelvostroc¡cdcrcsonfiniteoinlinite...").

tVer:

COSTABEL, P.

¡oue d'A¡istote et les critiques françaiscs à I'argument de Galilée, Revue d'Histoire des Sciences,1964. Reimpresso cm: Galílëa. Aspects de sa vie et dè son oetlvte.

(7)

Nascimmto

e

Metamorþse

de umø Teoria

Matemdtiu

33 O esclarecimento

do

paradoxo da roda de A¡istóteles exigiria uma distinção abso-lutamente

intransponiÎel

entre

o

ponto

de vista fì'sico e

o

pontodevistamatemdtico.

Fisicamente

é

claro

que

os dois cüculos

concêntricos não podem ambos

rolar

sem deslizar sobre retas paralelas,

à

mesma velocidade angular. Se

o

círculo exterior

rola sem deslizar, é necessário que o cr"rculointerno deslize, e vice-versa. Matematicamente,

por outro

lado, é necessdrio

admitir

que os dois ciículos

contêm

"o

mesmo

número"

de pontos,

ou,

dizendo de outra forma, podem ser colocados em

uÍta

correspondência

bijetora, ponto por ponto,

e que de modo mais geral um intervalo da reta real

tem

"o

mesmo

número"

de pontos que qualquer

outro

intervalo, por menor que seja.

Mas poder-se-ia dizer que Galileo decidiu não

distinguir

os pontos de vista fi'sico e

matemdtico

.

A

partir

da terceira pá,gna dos D¡'sco¡si (p. 51 ), o raciocinio se desenvolve

sob

a sombra de um certo postulado, é afetado

por

certa suposição: supor-se-á que a

matéria

é

inalterável

e

que poderão ser fomecidas demonstrações exatas sobro ela, como a propósito de entidades cujos atributos são eternos e necess.áriose.

2.4

A

tese de Galileo sobre o contínuo

O

desenrolar

do

diálogo

ficticio

dos

Disco¡si

é

muitas

vezes sinuoso e

rico

em digessões.

O exemplo

matemdtico das duas rodas concêntricas, invocado como

ana-logia

com uma fìnalidade fì'sica, levanta

por

sua vez dificuldades de ordem geométrica e fìlosofìca, às quais o porta-voz de Galileo deve responder.

Em

primeiro

lugar,

o

que dizer sobre

o

ponto

central dos dois ciîculos? Ele parece percorrer

toda

a

linln

e no entanto seu comprimento se reduz a nada. Um único ponto

pode

portanto

ser igual a uma linha? Galileo responde a essa objeção com um

outro

paradoxo, onde se vê uma coroa constantemente igual a um disco e finalmente um

clr-culo igual a um ponto

(Disconí,p.73-6).

Em

segundo

lugar

(Discorsi,

p.76-9),

se apresenta

todo

o

dos paradoxos

aso-ciados

à

composição

do

contfrtuo.

Se admitirmos a dissolução da

linln

em todos os seus pontos e sua recomposição

(com

vazios a mais ou a menos), como expõe Galileo, devemos

admitir

uma tese geral a respeito do

contihuo:a linha

ê compostø

pr

Wntos,

o dtvisível ê composto porindivísíveis

(Disconi,p.72).

A

velha questão

da

composição

dir

contihuo

{

assim colocada de forma franca e

recebe uma resposta clara durante a argumentação desse primeiro dia.

Galileo demonstra que se

o

contínuo

é

formado por

partes que sempre se dividem novamente, ele deve ser

formado

por

partes sem tamanho em número

infinito.

Em resumo, se

o

contínuo

é sempre

divisiîel,

então ele deve ser

formado

por indivisiîeis!

É

de

¡ristóteles

que provém a

defìni$o

do

contihuo

que serve como põnto de partida:

aquilo

cujas partes são sempre novamente

divisiîeis (Aristóteles,

Fîsica,livro

VI.l).

gquanto

tempo dura esa "suposiçíÍo'? Até onde, nos Dricorsi, se estende a sobradesse

postu-lado de perfeiçâo? É

difícil

dizêlo. Poder*e-ia até mesmo ler essa passagem como um simples argumento a

þrtiori

em resposta a uma objeção: mesmo se a matéria suposta fosse inalter:ível, æstaria

o

problema das diferenças de resistência. Inversamente, pode-se ver nessÍuì linhas uma declaração de princípio abrangente da filosofia natu¡al de Galileo, cujo ato fundador seria a

identi

(8)

34

François de Gandt

Eis

o

raciocihio pelo qual

Galileo

tira

desa

definição conseqüências

muito

distantes de Aristóteles:

.

.

. sendo dado que a linha e todo contínuo são divisíveis em (partes) sempre divisíveis, não vejo como se possa evitar que sejam compostos por uma infinidade de indivisíveis, pois uma divisa-o e uma subdivisão que possam ser prosseguidæ perpetuamente supõem que as

partes seþm infinitæ, pois de outra ficrma a divisão terminaria;e como as partes são em nú-mero infinito, daí se deduz que elas sâo sem grandeza (non qwnte),pois partes dotadas de

gnndeza, se forem em números infinito, formam uma extensão infinita; c assim concluímos que o continuo é composto por uma infinidade de indivisíveis (Gatileo, Discorsi,inOpere, rol. 8, p. 80),

Encontra-se

um texto

paralelo, mais

explibito, em um

manuscrito

de

Galileo

(as

Anotações sobre o hivro de

A.

Rocco):

. .

. digo que é muito verdadei¡o e muito necessário que a linha seja composta por pontos

e o contínuo por indivisíveis . . .

Ab¡i os olhos .

.

. a esta luz que permanecia oculta talvez atéagon, e ¡econheci claramente que o contínuo é divisível em pa¡tes sempre divisíveis somente porque é constituído por indiúsíveis. Pois se a divisão e subdivisão devem poder continuar semprc, é necessário que

a multidão de partes seja

tal

que jamais possa ser ultrapassada, e portanto as partes são

infinitas (em número), de outra forma a divisa-o terminaria. Se elas são infinitas, é preciso que sejam sem grandeza (non sieno quante), pois uma quantidade infinita de partes dotadas

de grandeza compõem uma grandeza infinita (infiniti quøtti comryngono un quanto infi-nito) e falarnos sobre grandezas limitadas; e portanto as mais elevades e últimas

comg)nen-tes do contínuo, suas componentes primeiras, são indivisíveis em número infurito. (Postille

di

Galileo Galilei

al libro intitolato

'Esercitazioni fiIosofiche dAntonio

Rocco",I633.

Opere,wl.T

,p.745)

A

exigência de que as partes sejam "sem grarldeza" aparece aqui sob sua luz própria: é

preciso que sempre existam partes disponiÎeis, indefinidamente, e, entretanto, que essa

infinidade de

partes petmaneça

nos

limites de uma

grandezâ,

finita.

Os elementos componentes devem

pois

ser um

tipo

diferente daquele das partes atingidas etn uma etapa

qualquer

da

subdivisão.

Enquanto que

as divisões sucessivas atingem sempre

partes

de

um certo

tamanho,

partes dotadas

de

grandeza

(quante),

os

elementos últimos devem ser sem tamanho, sem grandeza

(rnn

quanti).

A

argumentação

dos

Discorsi, se prolonga em

torno

desse

tema

do

contihuo:

jd

que Galileo

compõe

a linha

com pontos,

deve fazer face âs objeções

tradicionaislo.

Em

primeiro

lugar, é impossiîel

constituir

urn

grandezå com elementos sem grandeza

-

em outras palavras,

por

maiS que se adicione um elemento ao lado do outro, jamais

l0Adistinçãoentre

hto'eþotência'nãotemalcanceverdadei¡oaosolhosdeGalileo:elese

esquiva habilmente dela (pp. 81 e 92) onde se vê os pontos do círculo passarem ao ato quarido o

(9)

Nascimento e

Metantorþse

de uma Teoria

MaterruÍtiu

35

se obterá uma grandeza

por

menor que seja

(Divoni,p.77).

Aresposta

de Galileoé que são necessárias

não

cem

ou mil

dessas partes sem grandeza, mas ulna infinidade

(Dísconí),p.77).

Por

outro

lado,

luí

o risco de chegar+e ao absurdo de que um

infinito

serd maior

do

que

outfo:

um

segmento pequeno conteria uma

infìnidade "menor".de

pontos.do.

que

um

segmento grande.

0

põrta-voz

de

Galileo responde gue os

atributos 'maior'

e lnenor'perdem

seu sentido

no domihio

do

infïnito

(Discorsi,

p.78)

e mostra que por exemplo existem

'tantos"

números inteiros quanto quadrados.

-

Gatleo

insiste em vários pontos nessas p:Íginæ sobre a impotência de nosso

intelec'

to

para

compreende

eno. O c¿ráter estranho e

in'

compreensiîel

do

in

plos

de 'lnetámorfoses",

nas

quais a passagem

do

a natureza das relações entre

os elementos de uma

2.5

Um¿ teoria

putonente

espæulativø?

Que uso

faz

Galileo de seus indivisiîeis?

A

teoria

detalhaila e concreta da resistên'

cia

dos

materiais, exposta

no

segundo

dia dos

Discorsí,

fìca

devendo algo

a

esas especulações sobre o

infìnito

e os vazios intcrcalados? Ou pode-se citar algum resultado geométrico que Galileo tenha

obtido

g¡açaç a seus indivisíveis?

Quanto

à

ciência da coesão,

a

resposta é negativa: Galileo simplesmente deixa de

lado todas as discussões sobre a causa da coesão, no momento de entrar em um

racio-(Díscotti,p.1824)

é desenvolvido sem nenltum apelo aos indivisiÎeis.

da proposição

23).

Se o movimento é

uniforme,

"desses graus será

constituiôo um

a' gregado semelhante a um paralelogramo"

("cx

talibus gradibus

conflabitur

aggregatum

llsobr"

a discussão da coesão por Galileo c os limites que a noçÍio de

infi¡ilo

impõe à

inteli-*ifi¿ãã"

tot¡ìo

i"ut, o último cipítulo de Clavalrr, I^a philoso híe naturelle de Gølilëe

(10)

36

Flançoisde

Gandt

consimile parallelogrammo

ADBC

..." -

Discorsi,p.243).

Galileo admite

aqui

que a superfibie é composta,

"montada"

com as linhas,

tal

como havia sustentado no pri-meiro dia que a linha é composta por pontos.

Mas essa

idéia não

leva

à

demonstração geométrica propriamente

dita.

O mesmo ocorre na demonstração mais importante do

livro,

a que determina o espaço percorrido

por

um

movimento acelerado em função

do

tempo (Discorsi, terceiro dia, teorema 1

do

movimento acelerado;

Opøe,

vol.7, p.208).

Os graus de velocidadesãorepresen-tados

por

linl,as e Galileo estuda a superfìtie que encerra todas as

linïas.

Dessa vez ele

A o B F E

Figwa

3

não

diz

que as linhas constituem a superfìbie. E a igualdade das superficies é demons-trada sem recoffer aos segmentos contidos nessas superfìbiesl 2.

124 ptimeita parte da demonstração ("Divisa deinde BE

..

.

')

é estritamente geométrica. Galileo demonstra a igualdade das áreas de duas figuras AEB e AGFB. Pa¡a isso nâo há necesidade de indivisíveist Depois, ele se interessa pelæ paralelas contid¿s em cada uma das frguras ("Quod si parallelae

.

. . "). Essas paralelas representâm os gÉus de velocidade. Galileo decla¡a que, como a

soma desses graus (ou melhor, a soma desses "momentos"

-

'totidem momenta"

-

pois não po-dem se¡ somados graus) ê idêntica dos dois lados, a distância percorrida é a mesma. A presença

dos segrnentos paralelos cortados sobre a superfície não possui portanto importância nenhuma quando se tmta de provar que æ duæ superfícies são iguais. A igualdade dos agregados de

para-lelas é a conseqüência da igualdade das á¡eas e não o inve¡so (isso é mais claramente visível quando os tradutores corretamente traduzem o "quod si", que encadeia as duæ partes da demonstração, que nâ'o sþnifica "porque se", e sim "se, por outro lado"). O único elemento realmente interes-sante para nós nesse raciocúrio é que Galileo trata cada um dos dois agregados de paralelas corno

um todo ("habebimus aggegatum parallelarum omnium

in

quadrilatero contentârum aequalem aggregatui comprehensarum in triangulo ").

(11)

Nascimqto

e

Metamorþse

de uma Teoria

Matemdtica

37

Não

nenhum

texto,

que eu conheça, onde Galileo

utilize

os indivisi'veis para

ob'

geométricor3. Ele

não

indivisiîeis;

a

teoria

ria.

Talvez ele se tenha

com

relação ao

infìni

humano não pode captar esses

tipos

de realidades, para que serviria procurar estabele'

cer r¡m método sobre elas?

3

ATEORIA

RIGOROSA DE

CAVALIERI

3.1 CcvøIieri e

Galilø

Após haver recebido os

D'sconi,

Cavalieri

felicitae

agradece a Galileo:

indivisíveis. (Cavalieri a Galileo, carta de 21 de junho de 1639

-

GALILEI' Opere,vol' XVIII, p.67)

É, preciso separar

a

gentilezz e

o

respeito nesses elogios e agradecimentos. Certamente

a

discussão

de

Galileo nos Discortd poderia dar

brilho ('Ilustrar")

aos indivisíveis de Cavalieri

e

preparar

os

espi'ritos

("aplainar

a

estrada") para

a doutri¡a

exposta pela Geometría indivisíbílibus. Mas os indivisíveis de Cavalieri são

muito

diferentes e o

Ina-terruítico

de

Bologrra

toma

imediatamente

cuidado

em precisar as coisas.

As

linhas seguintes, logo após esse elogio a seu velho mestre, contêm uma colocação

muito nitida

e explibita sobre as diferenças entre as duas concep@es:

lieri a Galileo

-

Opere,vol.

XMII,

p. 67)

de infînitamente pequenos. Galileo parece não haver notado que podem ser estabelecidas distinções

(12)

F

38

François de Gandt

Frente a Galileo, Cavalieri indica a originalidade de sua própria teoria:

a)

ele não toma posição sobre a composição do

contihuo;

b)

ele se contenta com urna ligação indireta entre o contínuo e os átomos de grandeza; essa ligação é um identidade da relação de proporção: a

propor$o

entre o conjunto de

indivisi'veis pode se

transmiti¡

âs grandezas contihuas que encerram esses indivisiîeis.

A

estratégia

de

Cavalieri consiste

portanto em

fugir à

questão

filosofica

e deixar indeterminada a liga@o entre os indivisiîeis e as grandezas. A teoria é válida, indica

Ca-valieri

em vários

pontos,

"tanto

se

o

contihuo

for

composto por indivisiîeis quanto se

existirem

no contihuo

coisas

diferentes

dos

indivisíveis".

Essa ligação

indireta

será

suficiente para as necessidades dos geômetras (na mesma época, Descartes escrevia que

os

geômetras se ocupam das relações entre os objetos e não da natureza desses

obje-tos). As

demonstrações exigem apenas esse

tipo de

'Tsomorfismo"l 4

:

as grandezas contihuas se comportam entre si como os agregados de

indivisiîeis

em que podem ser cortadas.

Essa transmissão da proporcionalidade é o que impulsiona

tödo

o método. Uma

fór-mula

latina

empregada por Cavalieri

(no inibio

do

liwo

VII

da Geometria) ¡esume mui-to bem esse modo de proceder:

"Continua

sequi

indivisibilium proportionem",

quer

dizer:

"as grandezas contihuas seguem a mesma propor@o que seus

indivisiîeis".

Deve-se

portanto

começar estabelecendo a proporção entre os conjuntos de

indivi-siÎeis, depois ser-se-á autorizado a transferir essa proporção às próprias grandezas. 3.2 O que é

umindtvisível

segtndo

&valieri?

Já sabemos, pela carta acima, que os indivisi'veis de que se ocupa Cavalieri são ape-nas linhas e planos (e não os pontos que são a questão principal em Galileo e dòs quais falaremos novamente com relação a

Torricelli).

Sabemos também que esses indivisiîeis serão sempre tomados paralelos entre si

("equidistanti").

Cavalieri

conta que

ele havia

inicialmente

tentado comparar os sólidos de ¡evolu-ção comparando as superfibies que

os

geravam, comparando

portanto indivisiîeis

de

volume

que seriam não paralelos, mas irradiando em

torno

de

um centro.

Os iesulta-dos absuriesulta-dos aos quais chegou o desviaram desse caminho e ele censura Kepler por ha-ver recorrido a tais

indivisiîeis

na

Astronomia

nova (Prefácio de Cavalieri em sua Gea. metrio indívisib ílib us).

O

uso dos

indivisiîeis é

regulamentado de

modo

muito

estrito

na

teoria

de

Cava-lieri.

Em primeiro lugar,

impôe-se uma observação terminológica: nas demonstrações

não

se

fala

propriamente

sobrc 'lndivisíveis".

Cavalieri jamais emprega essa palawa

l4Serd realmente adequado o

termo lsomorfismo? Os matemdticos pedantes ou humoristas preferirão fala¡ sobre um "functor", ligando a categoria das grandezas contínuas de 2 ou 3

dimen-sões e a dos agregados de indivisíveis. Existe ¡ealmente uma coÍespondência estabelecida entre dois domínios de objetos essencialmente diferentes e tal que as relações intemas de um domínio se

(13)

Nascimento e

Metamorþse

de

umt

Teoria

Møtettuitica

39 nos raciocihios, mas apenas nos comentdrios e glosas exteriores à trama demonstrati-va. O

termo

"indivisilel"

pertence, se

asim

pudermos dizer, à metalinguagem da

teo-ria.

O

que a ele corresponde nos raciocihios é

[o

conjunto

de]

"todas

æ linhas da

su-perficie" ou 'todos

os planos de um

sólido".

Como determinar

'todas

as linhas de uma superfibie"?

lomemos

por simplicidade apenas

o

caso das fìguras planas. Realiza+e sobre a figura dada um

tipo

de corte segun-do condições

muito

precisas. A fìgura deve

inicialnente

ser enquadrada entre duas tan-gentes paralelas e opostas

AB

e CD.

Por

essas duas tangentes passam dois planos para-lelos que cortam

o

plano da fìgura. Faz-se um desses planos deslizar em direção ao

ou-c

o B

. iigra4

tro,

que permanece

fixo.

São consideradas as posições sucessivas do plano móvel: em cada instante ele corta

no

plano da fìgura urna certa linha reta e seu traço sobre a

pró-pria

fìgura é

um certo

segmento

MN

variável segundo as

posi$es.

O agregado

("con-geries", "aggregatum") de todas as linhas como MN forma aquilo que Cavalieri chama

de 'todas

as linhas da figura QMPN, tomadas segundo a reta

AB"

(CAVALIERI,

Geo-metrit,

defìnição

I

do

liwo II).

Deve-se

notar

a precisão

final:

'tom¿das de acordo com a reta

AB".

O agregado de

linhâs é determinado a crdzvez pela direção escolhida. Será necesúrio um teorema

pa-ra

¿u¡segurar um

tipo

de inva¡iância: os agregados de linhas são equivalentes para umÍt

figura

dada, se

for

mudada a

direSo

do corte

-

e mesmo, para Cavalieri, se as áreas

forem iguais embora as figuras sejam diferentes. O que sigrifica exatamente essa equi-valência entre agregados de

linhas

(Cavalieri

fala

sobre uma igualdade

-cf.prop.2

do

liwo II)

não é fácil indicar com precisão.

3.3

A

compamção de øgregødos

infinitos

A

etapa seguinte, uma vez determinado

aquilo

que se entende

por 'todas

as linhas"

de uma

figura,

consiste em fazer esse agregado de linhas entrar em relações de propor-cionalidade. Esse

é

um

elemento particularmente delicado da

teoria

e Cavalieri havia pedido conselho a Galileo sobre

tal

ponto, desde 1621 :

D P

(14)

40

François de Gandt

Não possuimos a resposta de Galileo. Mas pode-se supor que

o

texto

muito

poste-rior

dos Dsc orsi

sua opinião sobre ese ponto: no

dominio

dos

infìnitos,

as palawas

e

está essencialmente

contida

em seu pedido

re

ulna figura estão encerradas

no contorno

da

entre dois agregados infìnitos?

A

o

L

ì

3

E o

Fígura 5

Cavalieri raciocina sobre duas {ìguras nas quais se supõe que foram cortadas "todas as

linhas",

segundo uma

reta

comum EQ. Considera-se inicialmente

o

caso no qual as

figuras possuem uma

altura idêntica

(caso

contrário,

corta-se

o

excesso da mais alta em

rehçao

à menor e transporta-se essa parte para o prolongamento, retornando assim ao caso de figuras de mesma altura).

As linhas que são chamadas

"todas

as

s de GOQ"

são segmentos tais

como LM

e NS,

corta

h¿s tais

co-mo

LS, sempre paralelamente à base

ou

do racioci:

(15)

Nascimento e Metamorfose de uma Teoriø

Matemdtica

4l

Se a reta [o segmentol NS é menor do que a rcta LM, ela poderá, se for prolongada idenfini

damente, to¡na¡+e em um momento maior do que essa última; se supusermos que isso é

fei

to para todes as outras linhas que estlio a uma mesma distância das retas EG e CQ, é claro que cada uma das linhæ que estäo na figura GOQ tornamse, sendo ¡rolongadas, maiores do

ou

..)

Ë

ttas da flgura AEG serão uma parte de todas as linhas da

da

; essas últimas serão portanto o todo, já que as primeiras estão incluídas dentro das últimæ. (. . . )

Ora, o todo é maior do que a parte;portanto todas as linhas da

figuraGOQforamprolon-gadas de tal modo que se tomaram maiorcs tlo que to.los as linhas da figura EAG. [E

inver-samente, trocando os papéis das figuras GOQ c EAG.I (. . . )

O¡a, diz+e que duas grandezas possuem uma razão ent¡e si quando, sendo multiplicadas,

elas podem ultmpassar uma à outra; portanto é claro que [os conjuntos de] todas as linhas das figuræ EAG e GOQ, no caso em que as alturas são iguais, possuem uma razão ent¡e si.

(CAVALIERI, Geometrla lndlvisibilibus,liwo

II,

demonstraçâo da proposição

I,

p. 108-9)

Assim é satisfeito

o critério imposto

por

Euclides:duas grandezas possuem ulr¡a ra-zão

(ou

uma proporção) se são capazes de ultrapassar-se mutuamente, sendo

multipli-cadas

(EUCLDES,

Elemenfos,

livro

V,

definição

4;

tomada

de

modo diferente por Arquimedes,

De

spluøa,

postulado

5).

Os antigos,

por

exemplo, sabiam que o ângulo

de contato [entre

uma circunferência e sua tangente em

um

ponto]

e

o

ângulo retili'-neo não são compardveis, pois não podem se ultrapassar mutuamente e

portanto

não

podem

ter

uma razão

entre

si (cf.

PROCLUS,

/n

Euclidem, ed. Friedlein,

p.234).

O

que

aqui

não é de

forma

nenhuma euclidiano, é.supor que se efetuou a operação de prolongamento urna

infìnidade

de vczes ("se supusermos que isso é

feito

para todas as outras linhas . . .

").

Vê+e também o perigo que existe em

utilizar

o axioma

"o todo

é maior

do

que

a parte"

(Axioma

,8

dos Elementos

de

Euclides, ac€ito pela grande rnaioria das tradições)

no

caso de agegados

infìnitos.

Se consideramos intervalos qqe se

incluem, é claro

que

um é

maior do

que

o outro

e que

o

agregado de pontos do maior

cont&n

os ponios do pequeno. Mas pode-se dizer que'esse agregado é

tnaior'?ls

O impulso

essencial dessa

demonstraSo

é esa

idéia

que lemos anteriormente na carta

de

162l:a

infinidade

das linhas está encerrada nos

limites

das figuras. Cavalieri expõe a mesma tese em resposta âs objeções de

Guldin (CAVALIERI,

Exqcitøtbnes

geornetricse,liwo

III,

cap.

8):

o

agregado das linhas de uma figura não é

infìnito

de

modo absoluto, mas apenas

infinito

sob

um

certo aspecto (secundum

quid).

De

fato,

essa

infinidade

está encerrada no

interior

do

contorno

de uma figrua limitada; como as

figuras são compar:íveis, os agregados de linhas que ai'estão contidos devem também ser comparáveis.

Se, por exemplo,justapomos a um quadrado um

outro

quadrado

idêntico, 'todas

as

linhas" do primeiro

quadrado se encontrarão

no

segundo, e pois as linhas do primeiro e as

do

segundo, tomadas em

conjunto,

serão

o

dobro

de todas as linhas do primeiro

l sA partir de Dedekind (nlas cind und wøs sollen die Zahtmt 1887, $64), um conjunto infinito

(16)

42

François de Gandt

essas linhas, elas podem assim ser compara'

ula suas incógnitas e seus radicais' sem

pro-entido

à

proporcionalidade entre indivisi: eu método com dois teoremas:

is, [os conjwrtos de] todas as linhas desas

a

mesma que

entre

os agregados de linhas

(liwo II,

teorema 3).

Esse

último

teorema apenas percolre

no

sentido inverso

o

caminho seguido (mais

o-.n,¿Ë^onstra@odoprimeiroteor-e1a.:a.comparabilidade

d

ornada possiÎei graçaJâ comparabilidade das figuras' Não é

p

no

teorema 3 que a proporção das figuras será a mesma que

a

Assirn é colocado

o

"fundamento

suplemo"

da nova geometria: se quisermos conhe-cer arazão entre suas figuras planas

ou

entre dois sólidos, será suficiente encontrar a

razão que possuem or

uË.æ¿åt

de todas as linhas dessas fìguras, ou de todos os planos desses solidos.

3.4 Exemplos de øplicação do metodo

Um

exemPlo simPles

Permitirá

co demonstrar que

todo

paralelogramo é

áreas iguais, basta comparar todas as

respectìvamente do

lado

de C e

do

la A Figura 6 F B c 0 8, pp. 202-3).

(17)

Nøscimuto

e Metamorfose de uma Teoria

Matenuitica

43

tanto,

todas as linhas de um

triângulo

são iguais a tod¿s as linhas

do outro,

tomando CD como reta comum. Por conseguinte (em virtude do teorema fundamental

-

teore-ma 3) as figruas são iguais entre si [em rírea].

Qr¡ase todas as demonstrações são

muito

mais indiretas e bastante difibies de seguir. Algumas reservam surpresas sobre a utilização

muito

audaciosa dos indivisiÎeis.

Para

ilustrar a

liberdade

com

que

Cavalieri

manipula

seus agregados

de

linhas, vejamos como ele demonstra

(livro

II,

teorema 15)

um

resultado simples e

findamen-tal,

mas inacesi'vel aos métodos euclideAnos: que a drea de duas figuras semelhantes

é

proporcional ao

quadrado

de

comprimentos homólogos tomados

como

referência

(por

exemplo, os hexágonos possuem uma área que varia

com

o

quadrado

do

lado

e os ciïculos urna área que

mria

com o quadrado do raio, etc.).

r'

x A A L ú B F e' I F o

r

Figwa

7

As

duas figuras sernelhantes

(de

uma

forma

bastante bizarra, para que a demons'

tra$o

seja relativamente geral)

säo

enquadradas

entre

tangentes opostas

em

posi'

Ses

homólogas.

A

tangente

inferior

serve de reta de referência para o cofte de

'todas

as

linhas".

A

demonstração consiste essencialmente

em

um

reananjo, um

deslocamento dos

dois agregdos

de

linhas horizontais ao longo d9

um

reta vertical

ou

obliQua que serve de referência. Cada reta como

BD

corta na fìgura um ou vários segmentos como

BE

e ID

(vrírios segmentos se

a

fìgura é

côncava nessa região). Esses segmentos são

transportados

à

mesma

altrua, contra a reta

MK.

Aos dois

segmentos BE e

ID,

por

exemplo,

corresponde

o

segmento

único

QL,

que

tem

sua extremidade na reta

MK.

Cavalieri chama essa

opera$o

de "translação de todas æ linhas da fìgrua FAG segundo a

direSo

da tangente

FG".

Fazendo-se

æsim para

'todas"

as

linhæ

da fìgura FAG,

são

obtidos

segmentos apoiados sobre a reta

MK

e cujas outras ext¡emidades formam urna certa curva MQK.

(18)

44

François de Gandt

duas figuras são iguais e

portanto

a igualdade das próprias figwas resulta

do

teorema fundamental.

Suprimiu-se assim

a

concavidade

da figura

segundo

uma

direção e obteve-se uma nouu

fìguru

apoiada sobre uma

reta

onde

poderão ser determinados os comprimen-tos de referência.

Supõe-se que

a

mesma "translação de todas as

linhas"

é

feita

para a

outra

fìgura

trar

que

a

razã.o

entre

as duas figuras obtidas ao

fìm

das duas translações sucessivas

é

o

quadrado da razão e¡tre ZP e Z'P'

,o

que é menos interessante para nossÍt discussão presente. K A

il

F, A K M. P

z

FI

o'

I I l I

z'

P.

Figttø

I

(19)

-Nascimento e Metamorþse cle ums Teoria

Matemitica

45

Como

ultimo

exemplo,

eis

um

resultado para

o

qual

Cavalieri

utiliza

indivisi'veis circularesl E ,

no

livro

Yl

da Geometría

(ptop.9).

Trata-se de demonstrar quc a

super-fìcie

contida entre a

espiral

[de

Arquimedes]

AIE,

apos um

giro

completo, c

o

raio do

ciîculo

associado AE, é um terço do ciîculo correspondente de

raio

AE.

s

r

Figrïa

9

Cavalieri

utiliza

uma parábola

auxiliar:

cada uma das ordenadas

tais como XG

é

igual

a um

arco

de ciîculo

tal

como

VTI

(sendo

XO

sempre igual

a

AV).

Portanto

todas

æ

linhas

da

superfìbie

exterior â

parábola

(a

superfìtie

OGRQ) são

igtuis

a

todas as

por@es

de cí¡culo

contidas

na

superfìbie

exterior

à

espiral

(a

superficie

AEMSEIA). Por

conseguinte as próprias superfibies são iguais entre si e a quadratura

o

Figura

10

I ETo¡ricelli reinúndica originalidade no

uso de indivisweis cu¡vos. Ele tenr l:lzão cm que

Ca-v¿lieri só introduz indiretamente seus indivisíveis ci¡cula¡es. A estrategia do liv¡o YI da Geometia

é a segninte: a proposição

I

da Medida do clrculo de Arquimedes permite associar à superfície do cí¡culo a superfície de um certo triângulo; é entäo possível passar do conjunto de 'todas as linhas"

desse triângulo a 'todos os círculos" do disco (Teorcma 4 do livro VI).

Ë

R

x o o

(20)

F

46

François de Gandt

da

parzíbola (anteriormente demonstrada)

permite

obter

a área

do

espaço encerrado na espirall e .

4

EM

DrREçÃO

n UUI

NOVA

TEORJA: TORRTCELLI

l9N"d"

digo sob¡e

o

"segundo método dos indivisíveis", apresentado mais b¡evemente no

li-vro VII da Geometria. Consiste em comparar não mais todas ás ù"n"r ¿"

J*r

itg"ras, mas

segmen-tos tomados a¡bitrariamente. Menos ouiado, menos ingênuo c ta¡dio

"u

otã¿ì-àoüeri,

esse mé-todo me pareceu menos interessante para nosso proEísiio.

(21)

Nascimento e Metamorfose de uma Teoria

X[øtemdticø

47

to

estritas de

corte,

sobre æ proporções entre agegados

infinitos

e sobre a passagem

de

agregados

infìnitos

a figuras planæ

ou

sólidas.

Torricelli,

com

humor,

contenta-se em aconselhar a seu

leitor

a navegação através do oceano dos indivisiîeis, ao longo das

píginas da Geometria de Cavalieri, mas anuncia que ele próprio se contentará modesta-mente em seguir pela praia.

4.2 Os pømdoxos dos ìndivisíveis

Entretanto,

Torricelli é muito

mais

4o

que

um

vulgarizador

e

um

simplifìcador.

Ele

refletiu

com

muita

penetração sobre os fundamentos do método, descobriu toda uma série de paradoxos que nutriram sua meditação e finalmente construiu uma teoria dos

indivisiîeis

muito

diferente,

muito

mais ousada e fecunda

do

que a de Cavalieri. Fssas etapas são atestadas unicamente pelos manuscritos que perÍraneceram inéditos até a edição em 1919, mas é

muito

provável que essas idéias novas tenham sido difun-didas até o meio inglês dos anos 1660.

O paradoxo fundamental sobre o qual

refletiu Tonicelli

é o seguinte:

Fìgwa

11

as duas partes

do

retángulo, de cada

lado

da diagonal, são iguais em área; no entanto, se considerarmos todas as linhas como

FE

e todas as linhas

como

GE, dever-se-ia ter

esse resultado absurdo de que

o

triângulo ABD

está para o triângulo DBC como todas as linhas de

um

para todas as linhas do

outro,

ou seja, como FE para EG, ou como AB para BC.

Cavalieri evitava esse

tipo

de absurdo

impondo

uma direção de corte (ver mais aci-ma a demonstração correta sobre as duas partes do paralelogramo, por Cavalieri). Mas

Torricelli, ao

invés

de

impor

restri@es

ao

uso dos

indivisiîeis, tenta

penetrar mais adiante

no mistério.

Ele coleciona paradoxos

dese

tipo,

quase sempre variantes desse

paradoxo

fundamental,

deles fazendo várias listas

(TORRICELLI,

Opere,

vol.

I,

pp'

2O-3,47-8 e 417-26).

Eis

por

exernplo

o

que se passa com

rela$o

à

superfitie

da esfera e a do

cilindro

circnnscrito:

se considerarmos

'todos

os

cüculos" do

cilindro

e

"todos

os ci'rculos"

horizontais

da

esfera,

é claro

que

os

do cilindro

possuem

um

tamanho constante, enquanto que os da esfera variam entre um

nuíximo único (no

meio, onde

o cilindro

toca

a esfera) e dois ciîculos reduzidos a nada, acima e em baixo. Dever-se-ia

portanto

A F

c

o D E

(22)

48

Frønçoß de Gandt

Figøa

12

admitir

que

a

superficie

da

esfera

é menor do

que a do

ciündro,

o

que é falso (elas são

iguais;cf.

Arquimedes,De splmera,

livro

I, p.351).

Outros

exemplos sâ'o mais refinados

e ricos em

surpresas.

Torricelli

sente. prazer em acumular racioclnios absurdos nos quais um

corte

perverso conduz a uma conclu-são manifestamente falsa.

Um

desses

eiemplos

permiti

entrever a audaciosa iolução que serd sugerida por

Torricelli:

c

H

I.J

K8

A o

(23)

Nascimmto e Metamorþse de utna Teoria

Matemática

49

Paralelogramos

que

possuem uma

mesÍut

base e uma mesÍìa altura são iguais em área. Isso é verdadeiro, por exemplo, para AEBH e AECI, compreendidos entre as

dus

paralelas horizontais e que possuem

AE

como base comum. Isso continua verdadeiro se a base

for

reduzida à metade: DEBJ é ainda igual em área a DECK. Mas o que ocor-re se continuarmos a

diminuir

indefinidamente as bases? Os "resi'duos

últimos",

como

os

denomina

Torricelli,

são

retas:por

um

lado

EB e

por

outro

EC.

É

claro que esses

segmentos são desiguais. No entanto, eles são vestígios de superfibies iguais.

A

solu$o

de

Torricelli

consiste em dar urna espessura às linhas: se a

linha

EC e a

linha

EB passam ambas pelo

ponto

E

("ocupam

adequadamente o

ponto E",

segundo

c

Figwa

14

os termos

de Torricelli) e

se

estão inclinadas

de

modos diferentes, será necessário

admitir

que CE é menos espessa do que BE.

4.3 Os verdadeiros infinitømente pequenos, resíduos últimos de fîgwøs

finitas

Estamos

æsim

na

presença de verdadeiros

infìnitamente

pequenos que Possuem tantas dimensões quanto as fìguras nos quais se

encontram:o

segmento de reta é um retângulo

infinitamente

fìno,

o

disco é

um cilindro

de altura

infinitamente

pequena. O indivisi'vel não é mais

o

resultado de

um

corte da figura contihua, ele é atingido co-mo vestigio, resilduo

ultimo

da fìgura.

O ponto

decisivo para

Torricelli

é que existem diferenças, relações de

maior

e de

menor,

no

reino

dos

infìnitamente

pequenos. O

texto no

qual ele expõe mais

nitida-mente sua

concepfo (intitulado "As

tangentes às parábolas

infìnitas")

abre-se com

essa afìrmação de que os indivisi'veis não são iguais entre si: um ponto pode ser maior

do

que

um outro ponto,

uma

linha

mais larga

do

que

outra,

uma superfície mais alta

ou

mais espessa

do

que

outra (TORRICELLI, Opere,vol.

I,2,p.320;Opere

scelte, p. 505).

Como

é

possiîel determinar assim relações

no

domihio

dos

infinitamente

peque-nos? Vimos

um

exemplo com os paralelogramos acima: entre os infinitamente peque-nos, quer dizer, entre os segmentos de reta que são os resi'duos dos paralelogramos, a

proporção deve ser

a

mesma

que

aquela que existia entre os paralelogramos

finitos.

I

(24)

50

François de Gandt

O princiþio

é que a proporção entre as figuras se mantém quando se atinge os resi'duos últimos dessas figuras2 o .

Que

utilidade

podem

ter

tais especulações sobre

o

tamanho dos pontos e a

espes-sura das linhas?

A

fecundidade dessas entidades bizarras é revelada de

modo particular

nos proble-mas

que

permaneciam inacessiîeis

ao

método de Cavalieri. O traçado de tangentes é

impossiÎel com os

instrumentos

da

Ceometria

de

Cavalieri:

os

únicos

indivisi'veis são as linhas e os planos, enquanto que

[no

traçado das tangentes] seria preciso racio-cinar sobre os pontos e considerar nas curvas os segmentos retiliheos

muito

pequenos

que

os

compõem.

Pelo

contrário, Torricelli torna

possi'vel esse

tipo

de raciocihio: graças à comparaSo de seus pontos de tamanhos diferentes, eIe é capaz de determinar tangentes e também de comparar comprimentos de arco. Sua engenhosidade é maravi-lhosa nesses novos domihios.

4.4 O trøçødo de tangentes

Deve-se em

primeiro

lugar

admitir

que a espessura das linhas é variável segundo sua

inclina@o com relação a uma

linha

de referência: se

um ponto

B sobre uma linha BD

é

"ocupado

adequadamente"

por

duas

linhas

AB

e BC e se a inclinação dessas duas

últimas

com relação à primeira é a mesma, suas espessuras infinitesimais serão iguais. Os lados de

um

qu,adrado,

por

exemplo, possuem a mesma espessua se ocupam ade-qrudamente

o

ponto-fronteira

da

diagonal. Mas se

a

obliqi.üdade

não

for a

mesma,

Figwa

15

a

espessura das linhas será

diferente, como no

caso dos dois lados de um retângulo

.

2oE

r"

princípio é afi¡mado de passagem por Galileo no himeiro dia dos Discorsi a respeito do paradoxo do cesto e da igualdade ent¡e um ponto e um círculo

("Li

quali perchè non si debbon chiamare eguali, se sono le ultimereliquie, e vestigielasciate da gratdezze eguali?"

-

p-75). No

en-tanto, C'alileo parece sustentar a tese oposta quando insiste sobre as desnaturações produzidas na

passagem ao infinito ("metamorfosi nel passar dal finito all'infrnito", p, 85). A idéia de que as

relações das figuræ devem ser preservadas até em seu estado último é muito importante nos ¡acio-cínios dos Pr¡'n cipia de Newton.

A

c

D

(25)

A

Nascimento e

Metamorþse

de ums Teoria

Matemtitica

5l

I

B c D Figura 16 A E c F o Figurø

17

as retas

AB

e BC serão também iguais em área e

portanto

suas espessuras serÍ[o inversa-ment-e proporcionais a seus comprimentos.

29) É

pdssi'vel generalizar esses iesultados a curvas algébricas simples cuja equação seja do

tipo

ym

:

k

.

xn

(que

Torricelli

denomina "parãbohs

infiniias,,).

ïit. -orìru

qú,

dessa vez os semi-gnomons não são iguais

*ut

poisu.rn

a relação

igl,,t

a

m/n

e supïe naturalmente que essa razão se mantenha várida para os reslduos

ilti.no,

que são os segmentos de reta "suplementares" AB e BC.

(26)

52 François de Gandt

c

A

Figura 18

Torricelli

daí

tira

um método

muito

engenhoso para

luapr

a tangente a essas

cur-vas2 1

.

A

essência

do

raciocihio

consiste

em

superpor as duas situações geométricas que

foram

evocadas acima

(19 e

29): considera-se ao mesmo tempo os semi-gnomons relativos à curva

AB

e os semi-gnomons relativos ao retângulo cuja diagonal é EB, tan-gente à curva

AB no ponto B.

Ignora-se onde está o ponto E, ou seja, ignora-se qual é

a inclinação de BE, pois procura-se precisamente a direção da tangente em B.

(r

I F

E

A

(v)

D

Figwa

19

2lApoio-me sobre um texto muito curto e denso, onde se deve distinguir cuidadosamente a "lunghezza" de uma linha e sua "quantitâ", que é sua drea infinitesimal:

".

. . sia una delle infinite parabole ABC et al punto B devasi dare la tangente. Sia tangente BE, applicata BD et fmiscasi la figura DF; et intendasi che per quel medesimo punto B per

il

quale passa la tangente passino anco

adesuatamente la BD et la BF. Sara¡rno dunque BD et BF linee supplementa¡i; e la lunghezza ED alla-DA sa¡à come Ia lunghezza FB alla BG, overc) come la quantità FB alla BG, overo come la quantità DB atla BG (per esser FB

et

BD supplementari) cioè come I'esponente all'esponente".

(27)

Nuscimento e Metamorfose de uma Teoria

Matemtitica

53 sabe-se

que DB

e

BG

possuem

ulna

espessura

infinitesimal

dada pela razão rn/n de suas áreas e

t

razão de seus comprimentos. Por

outro

lado a tangente EB deve ser o prolongamento

do ponto

B

'bcupado

adequadamente" pelas tinhas

GB

e

DB.

Essa

Ftgwa

20

tangente serd a diagonal de uma

certo

retângulo e nesse retângulo as linhas FB

e

BD são "suplementares" (elas são iguais em área, pois são semi-gnomons de um

retângu-lo).

Sabe-se

qual é

a

espessura

infinitesimal de GB.

Basta encontrar

a linha FB

que, dotada da mesma espessura

infìnitesimal

que GB, tenha uma área igual à rla tinha DB.

Se

quisermos representar esse

raciocihio sob uma

forma

abreviada, poderemos escrever, desigrrando por e e por e'as espessuras respectivas das linhas BD e BG:

BD.e

-

m

BG.e'

n

onde

m/n é a

proporção constante

entre

os semi-gnomons relativos

à

curva.

Daí se

tira:e/e':m.BG/(n

tal

que:BF.

e':

BD.

e(igualdadedos semi-gnomons

relativos

se segue:

gp

:

(e/e')

BD.

Basta agora

introduzir

anzão

ele'o

-se a:

sp

:

(e/e')

sp

:

nL.PS

BD

:

(m/n)

BG

conseqùentemente

a

subtangente

ED

deve estar para

a

abcissa

BG

(ou AD)

na razão d.e

m

Para

n.

Vê+e

que as espessuras infinitesimais apenas setvem de interme-diários de

qílculo

e desaparecem naturalmente na etapa fìnal.

F

o

(28)

54

François de Canclt

4.5 O comprimento das linhas: aruilise do movimento acelerado e

compraçõo

entre espiral e

pníbola

A

idéia de

um

tamanho atribui'do aos pontos permite uma análise bastante fecunda do movimento acelerado.

Associa-se

um ponto a

cada

instante

do

tempo,

mas esse

ponto

é mais

ou

menos

comprido

conforme

a

velocidade

do

móvel

nesse insta¡rte. Os

pontos

são portanto

proporcionais às

velocidades. O

tamanho

do ponto N, por

exemplo, depende do

(vl

E N F

I

(

tl

Fipra

21

comprimento

do

segmento

IE

que

representa

a

velocidade.

O

comprimento

total

do

segmento percorrido é, logo, proporcional à totalidade dos segmentos tais como

IE,

quer

dizer,-proporcional

à área sob

a

curva das velocidades

(TORRICELLI,

Opere,

1.2, p.259).

Que eu saiba esta é a primeira vez que esse resultado é realmente

ôemons-trado

e não estabelecido

do modo

como

o

faz

Galileo. Para este

último

é claro que as

superfi'cies

de igual

área

conterão

um

mesmo

número de

graus

ou

de momentos de

velocidade e que

portanto

os movimentos correspondentes terão uma certa equivalên-cia; mas Galileo não

tem

meios

de

"compreender" realmente que o espaço percorrido é proporcional à área sob a curva das velocidades.

Eis

um último

exemplo,

no

qual

Torricelli exibiu

uma verdadeira genialidade de

analista

intuitivo e sutil:

trata-se

da

igualdade

de

comprimento entre

duas curvas

-

uma espiral de Arquimedes e

urn

certa parábola.

A

grande originalidade consiste

no

estabelecimento de correspondência entre duas referências:

a

espiral

é

encaixada em uma rede de cüculos concêntricos e a parábola

em

um

quadriculado ortogonal.

É,

preciso mostar

que existe

o

mesmo

número

de pontos sobre as duas curvas e que esses pontos possuem ao mesmo tempo o mesmo ta-manho. O estabelecimento da conespondência entre as duas curvas, ponto por ponto,

é

assegurado graças à dependência de ambas as referências em relação

a

uma variável de base:

o

deslocamento

horizontal do ponto

D sobre o segmento AP, que atua simul-taneamente como

raio

para os ciîculos

concêntricos

e como abcissa para a parábola.

A

cada posição

do ponto D

é associado

um círculo

concêntrico

(29)

eumavertical;deter-Nascimmto

e Metamatfose de unta Teoria

MatenuÍtica

55

P

o

Fïgura 22

mina-se assim um

ponto

B sobre a espiral e um

ponto

sob¡e a parábola. Haverá então

um ponto

da parábola para cada

ponto

da espiral. Mas serão eles de mesmo tamanho? Para demonstrar que os

pontos

são iguais doís a dois,

Torricelli

mostra que esses

pontos são os traços de linhas de mesma espessura que estão igualmente inclinadas em relação à curva. Parte-se de um elemento comum de referência: o tam¿nho do

ponto

D, tomado sobre a

reta AP.

Todo

o

restante é determinado emrelação a ele: desse ponto

partem

em ângulo

reto

a reta DO e

o

ci'rculo

DB;a

linha

OD

tem portanto

a mesma espessura que

o

ponto

D, æsim como também o cäculo DB, ou pelo menos a tangente que substitui

o

ciîculo

na vizin-hança

do ponto B.

Será suficiente mostrar que DO e a tangente ao ci'rculo em B encontram as cutvas com a mestna inclinação.

I

o

o

(30)

56

François de Gørult

tangente à esPiral e à Parábola.

B

P

o

FiPra

24

Assim,

o

arco de

espiral

e

o

afco de

parábola são compostos

por

"pontos

iguais em

númeio

e em grandãza'

(TORRICELLI,

Opere,I.

2,

p.388).

O comprimento dos dois a¡cos é, portanto, o mesmo.

5 CONCLUSÕES

Acabamos

de

ver

com

esse exemplo a que resultados surpreendentes os novos rnéto-dos de

Torricelli

dão acesso. Descartes,

por

exemplo, havia sustentado que a

propor'

ditava ele, não Pode ser

340)

- mas eis que nos-Os pontos

mais

ou me-objetos matemáticos de

pleno

direito,

tornados

legilimos por

sr¡a fecundidade.

A

doutrina dos indivisíveis näo

é mais uma especulação ou uma curiosidade. Tornou-se uma teoria matemática. 1

H

22Torricelli também retificou a espiral, ou seja, mediu em relação a um segmento de Éta o

comprimento de um a¡co de espiral; rnas seu raciocínio é mais indireto e nÍio possuímos nenhum textô no qual ele aplique suas noções de tamanho dos pontos, etc., à retificação da espiral.

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