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Política externa russa: caminhos para a guerra da Geórgia

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA POLÍTICA

MESTRADO EM CIÊNCIA POLÍTICA

Política externa russa: caminhos para a Guerra da Geórgia.

DAVI ALBERTO LUZ DA SILVA

Recife 2012

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA POLÍTICA

MESTRADO EM CIÊNCIA POLÍTICA

Política externa russa: caminhos para a Guerra da Geórgia.

DAVI ALBERTO LUZ DA SILVA

Dissertação de Mestrado apresentada como requisito obrigatório para obtenção do título de Mestre em Ciência Política pelo Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da Universidade Federal de Pernambuco. Orientador: Prof. Dr. Ricardo Borges.

Recife 2012

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S586p Silva, Davi Alberto Luz da

Política externa russa: caminhos para a guerra da Geórgia / Davi Alberto Luz da Silva. – Recife: O autor, 2012.

100 f. : il. ; 30 cm.

Orientador: Prof. Dr. Ricardo Borges.

Dissertação (mestrado) – Universidade Federal de Pernambuco, CFCH. Programa de Pós-Graduação em Ciência Política, 2012.

Inclui bibliografia.

1. Ciência Política. 2. Política internacional. 3. Economia. 4. Regionalismo. I. Borges, Ricardo. (Orientador). II. Titulo.

320 CDD (22.ed.) UFPE

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Ata da reunião da Comissão Examinadora para julgar a Dissertação do aluno Davi Alberto

Luz da Silva intitulada: Política Externa Russa: caminhos para a Guerra da Geórgia, para

obtenção do grau de mestre em Ciência Política pela Universidade Federal de Pernambuco.

Às 11hs do dia 10 de agosto de 2012, no Auditório do Programa de Pós-graduação em Ciência Política da Universidade Federal de Pernambuco, reuniram-se os membros da Comissão Examinadora da Dissertação intitulada: Política Externa Russa: caminhos para a Guerra da Geórgia, composta pelos professores doutores: Ricardo Borges Gama Neto (Orientador) UFPE, Marcelo de Almeida Medeiros (Examinador Interno) UFPE, e Thales Cavalcanti Castro (Examinador Externo) UFPE. Sob a presidência do primeiro, realizou-se a argüição do candidato Davi Alberto Luz da Silva. Cumpridas todas as disposições regulamentares, a Comissão Examinadora considerou o candidato aprovado por unanimidade. Nada mais havendo a tratar, eu, Quezia Cristina Cavalcanti de Morais, secretária da Pós-graduação em Ciência Política, lavrei a presente Ata que dato e assino com os membros da Comissão Examinadora. Recife, 10 de agosto de 2012.

_____________________________________________ Quezia Cristina Cavalcanti de Morais (Secretária)

_____________________________________________ Prof° Dr. Ricardo Gama Borges Neto (Orientador) UFPE

_____________________________________________

Prof° Dr. Marcelo de Almeida Medeiros (Examinador Interno) UFPE

_____________________________________________

Prof° Dr. Thales Cavalcanti Castro (Examinador Externo) UFPE

_____________________________________________ Davi Alberto Luz da Silva (Mestre)

(5)

Resumo

A Rússia empreendeu um processo de modernização das suas relações internacionais após o fim do período soviético. A transição democrática e econômica do país para maior inserção no sistema internacional do pós-Guerra Fria condicionou o processo de reformulação da posição russa no seu entorno e nas áreas consideradas estratégicas por Moscou. Na política externa, o entrave decorrente do condicionamento estrutural desfavorável levou à modificação na política externa, especialmente no governo Putin. Houve, por conseguinte, a transição de um momento de concessões e adequação à hegemonia estratégica americana, permeado por concepções liberais; para haver, posteriormente, um condicionamento reativo, com amadurecimento da postura perante a esfera internacional, após a constatação de um ambiente negativo, no qual o retraimento da assertividade na política externa, uma vez intensificado, constituiria ameaça aos interesses russos, principalmente no Cáucaso. A Geórgia tornou-se essencial nesse caminho russo de restabelecimento da esfera de influência no entorno. O posicionamento geográfico estratégico desse país transforma-o em ponto de transição e de conflito entre os interesses russos e de outros países. A efetivação da dependência econômica e política na Geórgia consubstanciaram a tentativa russa para o restabelecimento de zona de influência próxima àquela que outrora fora soviética. Os padrões utilizados pela política externa, contudo, revelam inovação no conteúdo e na forma de conduta externa, ao utilizar incisivamente instrumentos de poder duro e brando, ao retomar gradualmente a posição russa de grande potência no sistema internacional.

Palavras-chave: sistema internacional; política externa; economia; regionalismo; estratégia.

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Abstract

Russia undertook a process of modernization of its foreign affairs after the Soviet period. The democratic and economic transition of the country to achieve greater economic integration in the international system of post-Cold War conditioned the process of recasting the Russian position and its surroundings areas considered strategic by Moscow. In foreign policy, the barrier created due to structural conditions led to an unfavorable change in foreign policy, especially in the Putin administration. There was, therefore, the transition from a time of compromise and adaptation to American strategic hegemony, permeated by liberal views; to be, then, a condition reaction, with the maturing of attitudes towards the international arena, after the confirmation of a negative environment, in which the withdrawal of assertiveness in foreign policy, since intensified, would constitute a threat to Russian interests, especially in the Caucasus. Georgia has become essential in the way of restoring the Russian sphere of influence in the environment. The strategic geographical position of that country becomes the point of transition and conflict between the interests of Russia and abroad. The realization of economic and political dependence in Georgia substantiates the attempt to restore Russian influence zone next to what was once the Soviet Union. The standards used for foreign policy, however, reveal innovation in content and form in its outward conduct, pointedly using the instrument of hard and soft power, which intends to gradually resume the Russian position of a great power in the international system.

Key words: international system; foreign policy; economy; regionalism;

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Lista de siglas

CEI – Comunidade de Estados Independentes OCX – Organização de Cooperação de Xangai

OSCE – Organização para Segurança e Cooperação na Europa OTAN – Organização do Tratado do Atlântico Norte

SI – Sistema Internacional

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Lista de gráficos e tabelas

Gráficos:

Gráfico 1 Índice de Gini na Rússia entre 1990 e 2000 p. 40 Gráfico 2 Evolução do PIB real russo entre 1990 e 1998 p. 48

Tabelas:

Tabela 1 Investimentos da Rússia em países da CEI entre 2000 e 2010 p. 45 Tabela 2 Exportações russas de commodities entre 1995 e 2010 p. 51

(9)

SUMÁRIO

1. INTRODUÇAO ... 9

2. ALTERAÇÃO SISTÊMICA PÓS-GUERRA FRIA: PILARES TEÓRICOS NORMATIVOS ... 16

2.1 INTRODUÇÃO ... 16

2.2 TEORIAS SISTÊMICAS E REDUCIONISTAS ... 19

2.3 MUDANÇA SISTÊMICA NO FINAL DO SÉCULO XX ... 22

3. GOVERNO E DINÂMICAS TERRITORIAIS: DETERMINANTES DE POLÍTICA EXTERNA ... 29

3.1 DEFICIÊNCIAS INSTITUCIONAIS NA ESTRUTURA DOMÉSTICA RUSSA 29 3.2 POLÍTICA EXTERNA E REGIONALISMO ... 33

3.3 RETORNO DE INSTRUMENTOS DE PRESSÃO POLÍTICA: A “FUSÃO” NOS PAÍSES FRONTEIRIÇOS ... 38

4. ECONOMIA E DEPENDÊNCIA ENERGÉTICA ... 46

4.1 TRANSFORMAÇÕES ECONÔMICAS NA RÚSSIA: BASES DE UMA POLÍTICA EXTERNA ENERGÉTICA ... 46

4.2 SUPERPOTÊNCIA ENERGÉTICA ... 51

4.3 POLÍTICA EXTERNA ECONÔMICA RUSSA NA GEÓRGIA ... 56

5. GEOPOLÍTICA NO CÁUCASO: RELEVÂNCIA ESTRATÉGICA DA GEÓRGIA ... 63

(10)

5.2 EVOLUÇÃO NA COMPREENSÃO PÓS-SOVIÉTICA DAS RELAÇÕES

INTERNACIONAIS ... 70

5.3 AÇÕES RUSSAS NA GEÓRGIA ... 76

5.4 DINÂMICA ENTRE A GEÓRGIA E O OCIDENTE: PONTOS DE ATRITO COM MOSCOU ... 79

6. CONCLUSÃO ... 85

7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ... 93

(11)

1.

I

NTRODUÇÃO

A adequação aos novos aspectos do sistema internacional, provocados principalmente pela derrocada da bipolaridade do período soviético, permite analisar a política externa russa em decorrência das mudanças estruturais no sistema internacional, especificamente no caso da Geórgia.

A transmutação da política externa russa apresenta características específicas. Ela é determinada pela autonomia e a concomitante alteração estrutural geopolítica presente após o fim da Guerra Fria (Sakwa; 2008; p. 241). O governo Putin exemplifica essa tentativa. Putin buscou desenvolver uma nova abordagem para as relações internacionais, ao combinar a tendência russa a uma política de poder com o reconhecimento de certo nível de interdependência entre os países e a prioridade de integração ao sistema financeiro e econômico internacional. Segundo Sakwa (2008, p. 242), procurou-se cunhar uma política internacional que reafirmasse os interesses nacionais, enquanto a Rússia se integrava à sociedade internacional.

A compreensão da Rússia como uma grande potência, em um mundo em transformação, significaria reforçar a autonomia, com concessões a conjuntura externa. Desse modo, o país estaria numa condição bem diferente dos demais ex-países comunistas da Europa e, portanto, rejeitaria a tutela por instituições internacionais que reduzissem a capacidade de ação em suas relações internacionais. Putin procurou recolocar a Rússia no centro da política internacional, sem perder o poder decisório perante outras grandes potências. Haveria, assim, uma integração à comunidade internacional, porém que atendesse aos desígnios e às premissas russos.

A tipologia de Ambrósio (2005) pode ajudar a compreender o “novo realismo” – termo cunhado por Sakwa – utilizado pela Rússia do século XXI. Para aquele, há três parâmetros de percepções de política internacional desenvolvidos por Moscou: os atlanticistas, que pretendem maior alinhamento com os Estados Unidos e o Ocidente (bandwagoning); os imperialistas, que defendem a reconstrução ou reafirmação do poder imperial russo em contraponto ao poder do

(12)

Ocidente (uma política de equilíbrio de poder); e os neo-eslavistas, que compartilham as pretensões imperiais, mas prezam primordialmente o desenvolvimento da identidade do país (dificuldade enfrentada desde cedo, vide as reformas empreendidas por Pedro, o Grande, no século XVII). A política de Putin, expoente do novo realismo, enquadrar-se-ia como neo-eslavista, mas com elementos de concordância com os atlanticistas, como a adesão a normas e a alguns regimes internacionais. A configuração de parâmetros da política russa é condicionada pela nova realidade internacional, adequando-se às novas interações e, dessa forma, tornando-se também transicional.

Para Trenin (2001; p. 260), o futuro russo reside no Ocidente. A instabilidade do sul do território, consubstanciado pela fragilidade dos países islâmicos fronteiriços, aproximaria os interesses geopolíticos russos aos interesses do ocidente. A Rússia, conseqüentemente, atuaria como agente do status quo, cooperando com os países europeus e com os Estados Unidos ao invés de colocar-se como competidor na região. Sakwa (2008, p. 246), no entanto, afirma que traços do imperialismo russo não desapareceram completamente quando a busca de autonomia dos estados do entorno russo recrudescem, especialmente quando os Estados Unidos se arvoram de protetores do “pluralismo geopolítico” de países na área de influência russa.

Esse óbice decorre da incompatibilidade de elementos assimétricos na elaboração da política internacional russa. As dificuldades de lograr integração com os valores do ocidente sem obter uma condição de membro pleno nas instituições internacionais, degradam as relações com os países ocidentais. Por um lado, houve melhora nas relações com a União Européia e com a OTAN – Organização do Tratado do Atlântico Norte –, contudo, sem obter vantagens significativas em troca1

. Assim, tais relações provaram-se incapazes de atender às pretensões russas de segurança coletiva. Por outro lado, o crescimento da economia demonstrado pela Rússia nos últimos anos – especialmente durante o governo Putin – e da autoconfiança, fizeram ressurgir temores de imperialismo e oposição por parte dos países ocidentais.

1

Em 1996, o Fundo Monetário Internacional emprestou USS 10,2 bilhões de dólares com a finalidade de incentivar reformas fiscais, monetárias e bancárias no país durante a transição para a economia de mercado. O repasse desses recursos financeiros, apesar do interesse em motivar o desenvolvimento do capitalismo russo, foi retardado por duas vezes – em 1997 e em 1999 -, devido a alegações do FMI relativas à fragilidade macroeconômica e à falta de agilidade nas reformas empreendidas.

(13)

Na política externa, o entrave decorrente do condicionamento estrutural desfavorável levou à modificação da percepção de política externa de Putin. Passou-se de um momento de concessões e de adequação à unipolaridade estratégica americana para, posteriormente, um momento de amadurecimento, no qual o comportamento hegemônico, uma vez intensificado, constituiria ameaça aos interesses russos, principalmente na Ásia central.

A compreensão da situação russa na Geórgia permitir-nos-ia um quadro relevante para prognósticos futuros acerca da Ásia Central. A política externa russa, presa entre o dualismo da integração ao ocidente e da autonomia de reafirmação de grande potência encontra-se presente nas ex-repúblicas soviéticas, apesar de não apresentar a mesma magnitude.

Para algumas das ex-repúblicas, como a Geórgia, a adesão aos valores de instituições internacionais ocidentais associa-se à manutenção da integridade territorial e à liberação do passado de dependência da Rússia, enquanto que para a Rússia significa exatamente o oposto. No campo econômico, o fluxo de investimentos russos determinaria a retomada de capitais perdidos durante a queda da União Soviética, enquanto que para esses países, haveria receio de que esses investimentos impliquem dificuldades na transição para uma economia de mercado internacionalmente competitiva, uma vez que haveria reforço da dependência econômica com o mercado russo.

A teoria realista sistêmica2, empregada nos capítulos subseqüentes, implica que a Rússia em virtude da incerteza acerca das ações condicionantes dos demais atores buscou procurar maximizar a sua segurança. O sistema apresenta-se, portanto, com uma estrutura competitiva. O destino de cada Estado depende das respostas às ações dos outros Estados, segundo preconiza Waltz, (1979; p. 127). Contudo, as respostas às contingências externas não estão limitadas ao âmbito militar. Há outros mecanismos para atuar na defesa do interesse nacional, ainda que limitados pelas restrições estruturais.

Nesse sentido, a teoria elaborada por Mearsheimer, como descreve Jervis (2003; p. 288), que divide o realismo na forma ofensiva provê um adendo teórico importante explorado nos capítulos vindouros. O realismo ofensivo caracteriza-se

2

O neorrealismo, nos termos desta dissertação, é considerado no contexto do realismo estrutural, bem como dos desenvolvimentos recentes do realismo ofensivo e realismo defensivo – conseqüências do desenvolvimento teórico das relações internacionais sob o paradigma de Waltz.

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pelo pensamento de que poucas situações são consideradas como “dilemas do prisioneiro”, a maioria consistindo em jogos de soma zero. A competição estabeleceria, portanto, o paradigma da maioria das relações entre países. Isto ocorreria em situações em que ganhos para um lado constituem prejuízo para o outro. Dessa forma, quando o Estado encontra-se em um jogo de soma zero, o objetivo primordial de segurança prevalece e, conseqüentemente, não há possibilidade de cooperação efetiva entre os países3.

Um equilíbrio próximo ao ótimo de Pareto, assim, seria impossível de se obter mesmo com a participação dentro de instrumentos de governança global ou regimes internacionais. Ainda que houvesse determinado nível de integração institucional, os interesses divergentes entre os Estados impedem uma interação satisfatória (sub-ótima), uma vez que se afetam elementos estruturais que influenciam na segurança ou nos benefícios associados ao status de país dominante.

A perspectiva do realismo defensivo completaria uma análise prudente das interações sistêmicas russas. Ao considerar que, em apenas algumas situações, o Estado se encontra constrangido pela ameaça imediata da segurança, os teóricos dessa vertente consideram que há grandes possibilidades de cooperação quando interesses essenciais não estão em jogo. Tal concepção prevalece na configuração de determinados fenômenos. Assim, a percepção estrutural e as causas das interações entre as unidades permitiriam distinguir as situações e qual conduta deve ser adotada pelo Estado no caso específico, ou seja, busca de status quo ou reformismo. As posições de conflito ficariam restritas a apenas alguns elementos da política internacional.

O tema da dissertação consiste na comparação entre as duas propostas de pacificação, tanto a política tradicional4 quanto a verificada na Geórgia, enquanto dificuldade geopolítica russa de inserção no sistema internacional contemporâneo. E

3

O realismo ofensivo consiste no desenvolvimento teórico do realismo estrutural de Kenneth Waltz realizada por John Mearsheimer, no livro The tragedy of great power politics. Esse realismo coaduna as ações do Estado ao interesse de obter hegemonia, sendo esta a melhor conduta diante do sistema anárquico decorrente da própria estrutura do sistema internacional. Desse modo, a cooperação entre Estados é considerada falha, uma vez que o interesse em obter vantagens sobre outras unidades do sistema tende a minar a confiança mútua, ao reduzir a capacidade de obter acordos benéficos para ambos. Isso leva à retomada do padrão de competição e de desconfiança entre os países, renovando a insegurança nas relações estatais.

4

A tradicional política externa russa – ou, ao se falar no período da União Soviética, um programa interno - para as repúblicas soviéticas baseava-se no controle por intermédio de mecanismos de poder duro para a região, associado com algumas formas de manutenção de símbolos identitários – bandeiras e assembléias locais, língua nacional etc.

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que produz incoerências nas perspectivas de política externa que delimitam as relações com países de proximidade geográfica. Os conflitos russos, portanto, tendem a demonstrar singularidades em relação aos de outras nações. Assim, a estrutura da região caucasiana condiciona os interesses nacionais russos a medidas que, defensivas em sua origem, imperceptíveis e sem intenção, por parte dos políticos moscovitas, se tornam guerras de agressão, como descreve Kissinger acerca da política externa russa (1994); e como ocorreu, por exemplo, em 2008, na Ossétia do Sul.

A expressividade do poderio geopolítico russo, no pós-Guerra Fria, sugere alteração nos desígnios da política externa do governo moscovita. Há, em função do enfraquecimento militar e econômico da década de 1990, incorporação de elementos da perspectiva estrutural e liberal do sistema internacional na atuação regional e mundial da Rússia. Agregam-se, então, aos instrumentos tradicionais do poder bruto (hard power) a capacidade de persuasão mediante inversões econômicas, bem como mediante a promoção de idéias e de valores ocidentais, denominado poder brando (soft power). A definição de poder adotada, portanto, torna-se mais ampla, englobando elementos como poder econômico, influência cultural.

O paradoxo que regula a diplomacia russa com os seus vizinhos determina diretamente as últimas intervenções moscovitas no Cáucaso. A instabilidade na condução da política externa, fato recorrente na história russa, decorre da incapacidade das fronteiras territoriais se ajustarem aos limites da fronteira geopolíticas do país. A extensão transcontinental da Rússia tende a obstar a efetivação da soberania em algumas regiões que, diante da presença de minorias étnicas, resulta na formação de atritos entre populações locais, de etnias diversas, e as de origem russa. Desse modo, surgem elementos que justificam uma incorporação mais assertiva nas unidades federativas e na fronteira do país, como é observado no terceiro capítulo. Verifica-se a transferência parcial da política de “ukrupnenie” (fusão) - que busca aumentar o controle do Kremlin na periferia do país por intermédio do aumento na qualidade de vida e desburocratização da administração – para áreas fora das fronteiras territoriais russas. A política de fusão e a troca de favores políticos estabelecem, portanto, vínculos diretos entre o Kremlin e as diversas pessoas jurídicas da federação russa.

(16)

Os conflitos na Geórgia demonstram essa nova abordagem que busca lograr equilíbrio entre intervenções militares e programas econômicos. Por um lado, o conflito nas regiões da Ossétia do Sul e Abecásia representa o receio russo de perda da influência no Exterior Próximo em virtude da ampliação da OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) no Cáucaso, analisado no quinto capítulo. Desse modo, a guerra insere-se nos paradigmas geopolíticos russos de manutenção da esfera de influência nos países fronteiriços. Por outro lado, o apoio aos países fronteiriços, como é perscrutado no quarto capítulo, foi seguido por grandes fluxos financeiros providos por bancos e empresas russas, com fim de prover recursos para projetos de infraestrutura, designados a manter o predomínio de empresas russas na distribuição de fontes energéticas, ao aumentar a dependência crônica da região – especialmente durante o inverno.

A dissertação busca compreender essa atuação da política externa russa no pós-Guerra Fria, especificamente do caso georgiano, e suas modificações no Cáucaso. Logo, a pergunta que estimularia a pesquisa seria “Em que ponto as intervenções mais recentes da Rússia na Geórgia são diferentes das demais?”. Cria-se, então, um ponto de partida para decidir o que e como comparar a situação posta em análise.

Neste sentido, o tema, isto é, a proposição que vai ser tratada na dissertação, concerne à política externa russa pós-Guerra Fria. E o fenômeno adstringe-se à política moscovita pós-soviética – de 2000 a 2008 para a região -, concentrando-se, contudo, nas causas para o conflito russo-georgiano de 2008.

Assim, a hipótese consiste em comprovar que “a guerra na Geórgia indica adequação da política externa russa ao condicionamento estrutural do sistema internacional do pós-Guerra Fria”. É uma hipótese que estabelece relações entre as variáveis. Assume-se, portanto, a existência de duas variáveis: a política externa russa, que pode se delinear mediante adequação a ordem ocidental ou coadunar-se com princípios das nações ocidentais; e estrutura, termo relativo à ordem das partes de um sistema que, ao interagir, podem produzir resultados diversos, conforme prescreve Waltz (1979, p. 81).

A relação de causalidade definida pela hipótese permite uma classificação das duas variáveis. A primeira variável – política externa -, por delimitar a esfera de atuação do Estado russo na seara internacional é uma variável dependente,

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enquanto que a estrutura, por condicionar o comportamento da política externa russa, é variável independente da primeira. Há, portanto, relação de dependência entre as variáveis elencadas, em que a primeira variável é explicada pela segunda variável. Procura-se, então, verificar os efeitos das alterações na estrutura do sistema internacional para melhor análise da origem da reformulação da política russa contemporânea na região. O estudo possibilita, portanto, utilizar diversas variáveis para identificar possíveis causas para o fenômeno estudado.

(18)

2.

P

ARADIGMA SISTÊMICO NO PÓS

-G

UERRA

F

RIA

:

PILARES TEÓRICO

-

NORMATIVOS

2.1

I

NTRODUÇÃO

As interações entre os Estados constituem reflexo da estrutura do sistema internacional. Ao explicar resultados e expectativas da seara internacional é necessário examinar as condições relativas dos Estados, bem como as suas características internas, em função dos constrangimentos oferecidos pelo sistema no qual se inserem.

O equilíbrio de poder, neste sentido, resulta da condição na qual os Estados existem dento do sistema. Ainda que um Estado deseje permanecer em paz, deve considerar a necessidade de guerrear, uma vez que a correlação de forças se altere essencialmente, ele pode decidir reverter uma vantagem subjacente a seu favor, enquanto há tempo. Segundo Waltz (2001; p. 7) essa é a base analítica para as percepções das relações internacionais centradas no equilíbrio de poder. O conflito, portanto, decorre da competição e da atividade social dos países em relação aos demais agentes das relações internacionais.

Na anarquia presente nas relações internacionais, não há harmonia natural de interesses. Um Estado pode buscar lograr resultados favoráveis mediante sua própria capacidade seja militar, econômica ou política, aumentando a eficiência das políticas que adota para obter seus objetivos. As desavenças entre liberais e realistas clássicos nesse ponto concernem não às características do sistema internacional, segundo Jervis (2003; p. 279), mas se os conflitos são necessários à obtenção dos objetivos dos Estados. Para os realistas, quando cada Estado é capaz de definir políticas próprias, independentemente da submissão aos demais, qualquer ator pode utilizar a força para atingir suas metas. Assim, quando os benefícios superarem os custos de uma ação militar, surgiria o conflito. Já os neoliberais, adotando posição diversa, acreditam que há grande potencial para

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cooperação na interação entre Estados e, que enquanto esse conjunto de vertentes para negociação e benefício mútuo existir, os conflitos serão evitados.

O otimismo dos liberais não corresponde a algumas dificuldades presentes no sistema internacional. As análises tendem a focar na possibilidade de uma melhora ética interna dos Estados, ou na possibilidade da regulação por meio de normas internacionais. Esses dois elementos seriam complementares, a execução da lei estaria submetida à adequação voluntária dos Estados em busca de compreender valores morais às ações estatais. Por conseguinte, as variações de capacidade entre as nações não apresentariam maior grau de conflitos, se concebidas dentro dos paradigmas liberais. Os Estados buscariam atingir seus interesses dentro do conjunto de limitações impostos por esses dois elementos.

A perspectiva liberal apresenta, por outro lado, seu valor sob a condição de racionalidade do sistema internacional. Se a cooperação é definida como análise racional de perdas e ganhos, havendo grande potencial de ajuda mútua entre os países não explorada, os conflitos devem ser considerados como irracionais, argumenta Waltz (2001; p. 169). No entanto, uma ação completamente racional implicaria reconhecer que o bem estar individual depende do sucesso dos demais atores, bem como decorre do reconhecimento suficiente das ações dos outros atores dentro de um sistema.

As dificuldades não concernem exclusivamente à ação dos atores individuais, mas também da capacidade de avaliar as perspectivas da estrutura do sistema e as possibilidades derivadas da interação entre Estados. O paradigma liberal, portanto, adéqua-se a uma condição de benefícios recíprocos, ainda que algum agente receba mais que os demais. Entretanto, num jogo de soma zero, a perspectiva liberal torna-se precária ao tentar delimitar as expectativas estruturais dos atores.

Na anarquia, não há harmonia de interesses automática. A ausência de uma autoridade para prevenir e ajustar os problemas decorrentes de choques de interesses significa que a guerra é, em algumas conjecturas, instrumento inevitável para a ação estatal. A conduta do Estado pauta-se pelo aumento do seu bem-estar. As ações racionais de um Estado buscam, portanto, legitimar os objetivos perseguidos, o que levaria a uma diminuição dos níveis sócio-econômicos dos

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demais países. Uma vez que a competição tenha início, as partes vincular-se-iam aos seus interesses, reduzindo as possibilidades de cooperação.

Neste sentido, um tipo de ato estatal racional, portanto, segundo Waltz (2001; p. 192) pode ser considerado de duas formas: 1) um ato é racional quando produz um resultado satisfatório no longo prazo; 2) um ato que é baseado no cálculo de fatores, incluindo as ações dos demais atores, é racional. Assim, um ato que possa ser previsto nas suas possibilidades erroneamente, mas que acarrete benefícios ao estado pode ser considerado equivocado, mas racional. A recíproca também é verdadeira. Uma conduta estatal, apreciada como racional, pode implicar resultados deletérios à nação, quando a estrutura do sistema influenciar em conjecturas diversas das previstas pelo agente.

Uma solução imperfeita pode surgir, ainda que represente valor abaixo do ótimo possível de ser obtido pelos atores internacionais. Numa situação de anarquia, ganhos relativos são mais importantes que ganhos absolutos. O dilema da segurança, em conjunto com as condições sob as quais os estados se inserem no sistema internacional, impõe constrangimentos a uma política externa considerada racional. A sanção para aqueles que olvidam as restrições estruturais, conforme Waltz (2001; p. 201), é a própria sobrevivência do Estado.

Logo, a liberdade de ação de um Estado é delimitada pela conduta de outros Estados. Os fatores que distinguem a política internacional de outras espécies de jogos são: os riscos dos Estados considerados de importância primeva; a anarquia do sistema internacional; os recursos militares e econômicos disponíveis aos Estados; e a condição de que o uso da força política não exclui outros meios de obter os resultados. A regra principal seria, segundo Waltz (2001; p. 205): faça o necessário para vencer. Quando Estados agem segundo essa política, outros Estados podem ajustar sua conduta conforme as interações dos demais. As oportunidades e vantagens da estrutura delimitam o âmbito de ação dos Estados no sistema internacional.

A existência de um comportamento moral dos Estados queda, portanto, condicionada pela previsibilidade de conduta e segurança transmitida pelo sistema. Em um sistema anárquico, onde tal segurança é ameaçada, a moralidade torna-se submetida à necessidade de assegurar a sobrevivência do Estado. As circunstâncias impostas pela realidade alteram os caminhos possíveis à obtenção da

(21)

melhora de bem-estar desejado. Assim, o equilíbrio de poder é resultado da condição de anarquia e, subseqüentemente, das relações empreendidas entre Estados com esse objetivo como constrangimento às suas ações.

2.2

T

EORIAS SISTÊMICAS E REDUCIONISTAS

Uma teoria organiza fenômenos para que eles sejam vistos como mutuamente dependentes. Segundo Waltz (1979; p. 10), a dificuldade de relacionar fatos em perspectivas isoladas para produzir formulações teóricas envolve observar um padrão até então não visto. Nesse sentido, as teorias são um exercício de criatividade associada à realidade. Uma vez que se compreenda a dinâmica subjacente aos fenômenos, definem-se as operações verificadas no elemento empírico para produzir axiomas. Destaca-se, portanto, os princípios causais que influenciam ou formam a matéria estudada.

Para facilitar tal empresa, segundo Waltz, seriam necessários alguns requisitos de ação: isolar, ou seja, observar as ações e interações de um pequeno número de fatores e forças; abstrair, deixando de lado coisas para focar em outras de maior relevância; agregar, juntar elementos díspares de acordo com um critério derivado do propósito teórico; idealizar, agir como se fosse possível atingir um nível de perfeição ainda que tal seja impossível. Dessa forma, construir-se-ia um arcabouço lógico capaz de evitar incertezas e impressões distantes do rigor científico.

As teorias indicam os conectores, o que é conectado; e, como esse vínculo é realizado. Para Waltz, como afirma Schweller (2003; p. 319), teorias que combinam variáveis causais sub-sistêmicas tendem a ser reducionistas, pois dependem de atributos nacionais ou subnacionais para explicar resultados na esfera internacional. Ainda que tal percepção fosse afim com a realidade, seria inconcebível explicar fenômenos internacionais apenas com fatores internos dos Estados. Haveria, portanto, um determinismo miniminalista das interações internacionais.

Com uma abordagem reducionista, declara Waltz (1979; p. 18), o todo é compreendido mediante o conhecimento dos atributos e interações de suas partes.

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No campo internacional, seria buscar compreender a política internacional por intermédio dos processos decisivos e da burocracia nacional. Definir a estrutura do sistema internacional, portanto, consistiria em identificar características nacionais com os atributos que a teoria busca explicar. Assim, as teorias podem pecar por transmitir uma percepção demasiado simplista e parcial da seara internacional.

Uma teoria sistêmica, por outro lado, demonstra como dois níveis operam e interagem, diferenciando-os. Esse tipo de abordagem separa a estrutura dos aspectos internos das unidades do sistema. A delimitação da estrutura necessariamente omite as características e os atributos das unidades, preservando os princípios que regem o centro do sistema. Desse modo, é possível distinguir mudanças de estrutura que transformam o espaço dentro das unidades que compõem o sistema.

Logo, as preocupações primordiais da política internacional, e possíveis ganhos com uma teoria sistêmica são dois, como expressa Waltz (1979; p. 40): primeiro, traçar os caminhos de sistemas internacionais diferentes, por exemplo, ao indicar provável durabilidade e possibilidade de conflito; segundo, demonstrar como a estrutura do sistema afeta as unidades que interagem e como essas afetam a própria estrutura do sistema. Estruturalmente, uma teoria sistêmica descreve e compreende as pressões a que os Estados estão submetidos (1979; p. 71) e como reagem aos constrangimentos dentro das idiossincrasias de cada Estado, isto é, como reagem aos incentivos recebidos da estrutura do sistema.

O conceito de estrutura do sistema age como constrangimento aos atores, uma restrição que pode produzir diversos efeitos nos Estados conforme as características singulares de cada sistema. A estrutura conduz os atores a agirem de certas formas, não de outras, produzindo possibilidades de ação que serão escolhidas pelas burocracias dos países. Criam-se, assim, padrões de comportamento dos Estados, que serão alterados conforme as características dos países e a busca de obtenção de resultados mais eficientes.

Teorias sistêmicas, portanto, como argumenta Schweller (2003; p. 320), explicam por que unidades diferentes se comportam e, apesar das variações, produzem resultados que recaem dentro de expectativas prováveis. Causas no nível das unidades e do sistema interagem, e porque assim o fazem, explicações ao nível das unidades apenas são errôneas. Então, se a teoria permite o manuseio desses

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dois níveis, a explicação adotada assegura a compreensão de mudanças e de continuidades num sistema.

A incorporação das restrições impostas pela estrutura do sistema permite demonstrar que mudanças no nível das unidades têm menor tendência de mudar a obtenção de resultados do que uma alteração nas características essenciais do próprio sistema. Assim, o conceito de estrutura apresenta-se não estático, porém afim às mudanças durante o tempo. As estruturas são dinâmicas em virtude do efeito de cambiar o comportamento dos atores e afetar o resultado das interações entre eles. Dessa forma, dada circunstâncias similares pode haver comportamento consoante a estrutura entre diversas unidades que, portanto, demonstrarão ações similares no sistema internacional.

No entanto, não é possível prever como as unidades irão reagir às pressões do sistema sem conhecimento prévio das suas disposições internas. As teorias sistêmicas explicam o entorno no qual os países se inserem e as condições sob as quais as unidades interagem entre si para obter maior bem estar, ou maior eficiência das suas políticas. Tampouco uma teoria com esses predicativos torna-se mera repetição de paradigmas, uma vez que descontinuidades podem ocorrer devido a mudanças na estrutura ou na disposição internas dos estados.

Teorias sistêmicas, por conseguinte, explicam como a organização de um campo age como constrangimento e distribuição de forças nas unidades que interagem entre si. Há uma descrição das forças as quais as unidades se submetem. Dessas inferências é possível especular acerca das ações e o destino das unidades, isto é, como elas competem e se ajustam ao convívio uma das outras, se sobrevivem ou perecem no sistema internacional. Logo, segundo Waltz (1979; p. 72), as dinâmicas de um sistema limitam a liberdade das unidades, seu comportamento e os resultados do seu comportamento tornam-se mais previsíveis.

Ainda que as interações mais freqüentemente ocorram ao nível das unidades, as implicações das interações não podem ser compreendidas sem o conhecimento da situação na qual tais relações ocorrem. O destino dos Estados é estritamente vinculado à conjectura estrutural sobreposta. A análise dos Estados no seu entorno, portanto, deve abranger a percepção dos princípios que regem o sistema, bem como das expectativas de alteração das estruturas em que se inserem.

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Assim, grande parcela da eficácia explicativa da teoria encontra-se na capacidade do sistema de delimitar as oportunidades e riscos da conduta estatal diante dos constrangimentos emanados da estrutura internacional. A estrutura age, por conseguinte, como seletor das ações proferidas pelos Estados. As intenções e comportamentos adéquam-se as premissas definidas pelos parâmetros do sistema. Por si própria, a estrutura não provoca nenhum resultado específico, como afirma Waltz (1979; p. 74), mas afeta os Estados indiretamente, mediante alteração das políticas adotadas na seara internacional. Os efeitos podem ser de dois tipos: socialização dos atores ou competição entre eles. Apesar disso, a estrutura do sistema afeta diretamente a relevância desses efeitos na sociedade internacional.

2.3

M

UDANÇA SISTÊMICA NO FINAL DO SÉCULO

XX

Para definir uma estrutura é necessário desconsiderar como as unidades interagem umas com as outras e concentrar em como elas se diferenciam em relações às demais. Waltz (1979; p. 80) descreve que a forma como as unidades estão posicionadas ou circunscritas é essencial à definição das características de um sistema. A disposição da estrutura é, portanto, uma propriedade do sistema. Assim, apenas mudanças no concerto do sistema causam alterações sistêmicas.

Dessa forma, surgem três aspectos de uma perspectiva sistêmica da sociedade internacional. Primeiro, as estruturas persistem enquanto que a personalidade, comportamento dos governantes, bem como as interações entre os Estados podem variar amplamente. Uma estrutura logra, por conseguinte, separar-se das ações e das interações dos Estados. Assim, demonstra maior estabilidade de previsibilidade, uma vez que se distingue de alterações aleatórias e irracionais dos Estados e dos indivíduos.

Segundo, uma definição de estrutura aplica-se a âmbitos de diferentes áreas, se o arranjo entre as partes é similar. A efetividade de um sistema, quando os elementos se conjugam de forma similar, pode ser transferida para fenômenos diferentes. Dessa forma, uma análise sistêmica de um fato social pode ser utilizada

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em outra matéria empírica quando a disposição entre as relações das unidades é congênere ao fato principal. Uma análise sistêmica, portanto, apresenta maior abrangência analítica do que outras perspectivas teóricas.

Terceiro, as teorias sistêmicas podem, com alguma alteração, serem aplicadas a outras áreas da ciência. A análise de um fato, não obstante poder apresentar similaridades com outros fenômenos, não apresenta congruência perfeita. Assim, é imprescindível adequar o fato à teoria aplicada. Os parâmetros sistêmicos, ainda que expliquem satisfatoriamente as questões levantadas, devido a sua organicidade preservam as características essenciais do fenômeno na explicação epistemológica.

Ainda que um sistema seja formado por uma estrutura e unidade que interagem, não há completa relação, ou melhor, identidade com os verdadeiros agentes e unidades. Aqueles são conceitos abstratos, enquanto que esses são concretos. Uma estrutura não pode, quando se busca maior verossimilhança, circunscrever-se apenas aos elementos materiais do sistema, mas também deve ser concebida como o arranjo das unidades dentro da estrutura do próprio sistema e dos constrangimentos impostos aos atores/agentes.

O conceito de estrutura, portanto, é baseado no fato de que unidades diversamente justapostas e combinadas comportam-se diferentemente e, ao interagir, produzem resultados dispares. A estrutura, nesse contexto, define-se conforme a ordenação das partes do sistema ocorre. Não obstante, atores políticos agem e comportam-se peculiarmente conforme as suas funções no sistema encontram-se pré-determinadas. As suas ações, portanto, decorrem de constrangimentos enfrentados consoante as interações dentro da estrutura do sistema.

A política doméstica permitiria elucidar alguns pontos dessa definição e transição entre estruturas do sistema. Segundo Waltz (1979, p. 81), no âmbito interno, as unidades – instituições e agências – colocam-se em relações de superordenação e subordinação. Os atores políticos diferenciam-se consoante os níveis de autoridade e as competências que exercem dentro da unidade governamental. Portanto, a especificidade de funções e papéis dentro de um sistema ressalta o desenvolvimento de um Estado, aferindo conteúdo diferente a cada elemento da estrutura conforme as informações designadas pelo sistema.

(26)

Estruturas políticas modelam os processos políticos. Em resumo, uma estrutura doméstica, por exemplo, define-se consoante três fatores: inicialmente, pelos princípios pelo qual é ordenada; segundo, pela especificação de funções de unidade formalmente diferentes; e, terceiro, pela distribuição de capacidade entre as unidades.

Assim, uma estrutura política produz similaridades no processo e no desempenho da ação do Estado, enquanto tal estrutura permaneça ativa. Similaridade, contudo, não é uniformidade. A estrutura atua como uma causa das ações e condutas futuras dos Estados, mas não é o único fator relevante nos resultados vindouros. As partes de um governo apresentam comportamentos bem diferentes devido ao efeito da estrutura política sobre suas ações. A autoridade soberana interna reduz essa diversidade de perspectivas sobre a capacidade de conduta estatal na sociedade internacional. Assim, o sistema estatal interno é ordenado, diferenciando-se da sociedade internacional caracterizada pela anarquia.

O sistema político internacional é formado pela coação de unidades em um sistema de auto-ajuda. A estrutura internacional é formada pela conjuntura política (Carr; 1981) de um período histórico determinado, sejam sistemas de cidades-estados, Estados-nacionais ou impérios. Esse tipo de estrutura origina-se da coexistência entre as unidades políticas. O sistema internacional, por conseguinte, constrói-se naturalmente, uma vez que as unidades atuam buscando satisfazer seus interesses. Dessa forma, a interação dessas condutas constrangidas pela estrutura implica a formação subseqüente do sistema internacional.

Nesse sentido, a inexistência de um sistema internacional organizado seria vantajosa para a maioria dos países, pois evitaria resistências a pretensões decorrentes das ações de outros atores. A coação das unidades, portanto, produz um cenário dinâmico abaixo do equilíbrio de Pareto, derivado da atuação dos estados na obtenção de seus desígnios.

Os Estados têm a intenção precípua de submeter suas perspectivas de ganhos e vantagens a outros atores. A formação do sistema, contudo, é resultado da interação necessária entre condutas de unidades que agem egoisticamente. Assim, a estrutura sistêmica constrói-se pelos constrangimentos causados pelas relações mútuas entre as nações.

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Os objetivos buscados pelas unidades são diversos, variando da intenção de reforma da estrutura à manutenção do status quo, conforme a análise feita pelos países dos aspectos do sistema internacional. Não obstante isso, a sobrevivência é um pré-requisito para qualquer caminho tomado pelos Estados. A necessidade de manter a sobrevivência no sistema é o campo de ação, dentro de um mundo no qual a segurança não é devidamente assegurada, do jogo na esfera internacional. Todavia, o sistema não se resume a essas condutas. Estados podem preferir agir consoante a proteção de outros Estados ou preferir demonstrações de poder brando ao cooptar parceiros potenciais dentro da estrutura.

A estrutura, porém, possibilita selecionar os comportamentos que devem ser determinantes para os Estados. Dentre as interações entre as partes, desenvolvem-se estruturas que recompensam ou punem certas condutas que aceitam ou não as condições contidas nas premissas do sistema. Isso ocorreu, por exemplo, com a Rússia logo após o fim da Guerra Fria, como será visto mais adiante. Assim, diz Waltz (1979; p. 92), a estrutura condiciona os meios para que aqueles que agem conforme ou contra os constrangimentos da estrutura ascendam ou pereçam na tentativa de atingir o topo do sistema e permaneçam nessa condição por muito tempo. Os jogos criados pelo sistema constituem-se pela estrutura que define qual unidade tem mais possibilidade de prosperar, ou qual a conduta é necessária para tal êxito.

Vale ressaltar que os Estados não são os únicos atores internacionais, porém são aqueles que alteram, mais freqüentemente, a ordem internacional. As estruturas, portanto, não são delimitadas por todos os atores igualmente. Alguns têm maior relevância na construção dessa dinâmica, principalmente aqueles com maior capacidade ou habilidade para atuar dentro do enquadramento sistêmico. Assim, apenas algumas unidades apresentam-se com relevância maior nas interações decorrentes da estrutura do sistema.

Tal referência não exclui a assertiva de que os Estados são unidades dentro de um sistema. A acepção dos Estados na estrutura sistêmica significa dizer que eles são unidades políticas autônomas. Os Estados, portanto, constroem a dinâmica de interação a partir das estruturas domésticas e das expectativas internacionais dos demais Estados. Esse cenário deve continuar no longo prazo,

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uma vez que as organizações internacionais ainda carecem de supranacionalidade, bem como os Estados ainda apresentam uma taxa de mortalidade pequena.

Não obstante isso, o conceito de soberania adquire conteúdo diverso numa teoria sistêmica. A soberania revela uma dualidade entre independência e dependência. Ser soberano não implica estar alheio a qualquer tipo de limitações ou constrangimentos em suas ações, especialmente no sistema internacional. Isto conduz à acepção do Estado como unidade racional que pode escolher, verificados os constrangimentos, como enfrentar os seus problemas externos e internos. Há, dessa forma, dependência da disposição da estrutura imposta pelo sistema, sem haver estrita ligação entre os constrangimentos e os resultados. Já que o Estado pode escolher os meios, considerados mais eficazes, para a obtenção de seus interesses.

A possibilidade de escolha de ação é determinada, a partir de então, pela distribuição de capacidades entre as unidades do sistema. Como o aspecto funcional, delimitado pela noção de soberania é formalmente similar a todos os Estados, a disparidade de poderio restringe a conduta dos Estados mais fracos, além de reforçar a atuação das nações maiores. As grandes potências, por exemplo, circunscrevem as nações maiores em estruturas, amiúde, por elas elaboradas. A capacidade de realizar ações relevantes, portanto, é essencial à consolidação dos aspectos do sistema internacional.

A estrutura, como afirma Waltz (1979; p.97), muda com as alterações na distribuição de capacidades por intermédio das condições distribuídas no sistema; bem como as mudanças na estrutura influenciam as expectativas de todos os atores no sistema internacional e a forma com a qual os resultados serão obtidos. O conteúdo da noção de estrutura é, assim, constituído pelas relações entre unidades decorrentes de suas capacidades diferentes. As relações entre Estados são definidas pelo poder que exercem entre si. Assim, a noção de poder é um atributo relacional, uma vez que deve ser aferido em função do conjunto de unidades de um sistema, apenas conforme a distribuição de suas capacidades.

Da mesma forma que as relações unicamente baseadas na expectativa de interação com outras unidades, conforme Waltz (1979; p. 98), não devem ser consideradas para conceitos estruturais; as relações entre um grupo de países em âmbito regional pode revelar algo acerca da disposição de poder entre os países

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devido a sua relevância estrutural. Assim, podem-se definir as características da estrutura e do poder do país dominante perante a área de influência e os demais países do sistema, como um todo.

Uma estrutura de política internacional é definida conforme agrupamentos de nações. Logo, um mundo multipolar em que poucas potências se separam em duas alianças, não deixa de ter uma estrutura de compartilhamento de poder por vários países. Contudo, o fim de uma estrutura bipolar, pela decadência de uma das potências tem efeito na remodelação que ocorrerá na estrutura do sistema, porque a distribuição de poder não corresponde à estrutura anterior do sistema internacional, como ocorreu no final do século XX.

Ao definir as características e moldura do sistema, torna-se imprescindível compreender a distribuição de capacidades internas e externas que possibilitem a tomada de ações quando houver interação com as outras unidades do sistema na seara internacional. No entanto, apesar de Waltz desconsiderar a unicidade entre mudanças na seara interior dos Estados com mudanças no interior das nações, a transição verificada com a queda da União Soviética revela um fenômeno híbrido. Uma alteração nas características domésticas de um dos países (desmantelamento do vínculo federativo entre os países soviéticos) provocou alteração na distribuição de poder no nível internacional. A desfragmentação da estrutura de poder interno implicou alterações significativas em uma das potências relevantes do sistema internacional. Dessa forma, o sistema internacional teve alterada a correlação de capacidades entre os países, acarretando renovação da estrutura do sistema.

A queda do poder econômico e do poder político do gigante soviético ocasionou mudança significativa no equilíbrio de poder mundial, resultando em nova configuração das relações internacionais. Nas últimas duas décadas, a Federação Russa empreendeu um processo de modernização das suas relações internacionais. A transição democrática e econômica do país soviético para a inserção na sociedade internacional do pós-Guerra Fria condicionou o processo de reformulação da perspectiva dos interesses russos no seu entorno e nas áreas consideradas estratégicas. Uma nova relação com os países ocidentais e com os países do Exterior Próximo tornava-se, portanto, essencial para adequar a política externa às transformações do sistema internacional.

(30)

Assim, pode-se compreender a política externa russa conforme a teoria de Waltz, especificando-se na perspectiva ofensiva ou defensiva conforme a aferição pragmática dos constrangimentos estabelecidos pelo sistema internacional. Construindo uma perspectiva de adequação ao ambiente internacional consoante as perspectivas, interesses e tipos de jogos enfrentados pelo país durante a transição da política externa, que levariam a alterações pragmáticas, culminando na guerra da Geórgia. A política externa russa encontrava-se, portanto, em um período de redefinição do seu lugar no mundo das relações internacionais.

O realismo estrutural de Waltz implica que os países em virtude da incerteza acerca das ações condicionantes dos demais atores devem procurar maximizar a sua segurança. O sistema apresenta-se, portanto, com uma estrutura competitiva. O destino de cada Estado depende das respostas as ações dos outros Estados, segundo Waltz (1979; p. 127). Contudo, as respostas às contingências externas não estão limitadas ao âmbito militar. Há outros mecanismos para atuar na defesa do interesse nacional, ainda que sejam limitados pelas restrições estruturais.

A perspectiva de Waltz, portanto, permite compreender o fenômeno russo dentro de uma sociedade internacional modificada após o fim da Guerra Fria, em função do condicionamento externo e da adoção de políticas, hoje denominadas como poder brando, na região do Cáucaso. A teoria realista permite analisar o comportamento da política externa russa sem alijar alterações perceptíveis na realidade contemporânea, reforçando a validade interna e externa da análise acadêmica.

Assim, a discrepância entre as ambições russas e a capacidade efetiva do país de inserir-se dentro de um sistema internacional transicional do pós-Guerra Fria consubstanciam os limites e expectativas de política externa no período recente. A atuação na Geórgia é significativa em virtude das características do país como região de transição tanto entre Europa e Ásia, mas também como delimitador do modus operandi para os demais países do Cáucaso.

(31)

3.

G

OVERNO E DINÂMICAS TERRITORIAIS

:

DETERMINANTES DE POLÍTICA EXTERNA

3.1

D

EFICIÊNCIAS INSTITUCIONAIS NA

ESTRUTURA DOMÉSTICA RUSSA

A Federação Russa, nos anos 2000, era composta por uma estrutura política peculiar próxima ao modelo democrático. Em grande monta, tal distribuição remonta ao legado deixado pela União Soviética. A transformação das características do Estado soviético para a formação de um país vinculado aos parâmetros do federalismo ocidental realizou-se insatisfatoriamente. Progressivamente, o aparato governamental não logrou estabelecer instituições representativas da soberania estatal nas diversas regiões do país. Fato que, por si, influenciará a conduta russa no seu entorno, bem como revela uma das causas para a desagregação da nação soviética e as modificações do sistema internacional.

A estrutura e problemas enfrentados com a integração do país indicam elementos empíricos essenciais para compreender a interação da Rússia ao sistema e a delimitação imposta pelos constrangimentos às escolhas realizadas pelo centro de poder moscovita.

A composição das unidades de federação do Estado russo, após o fim da União Soviética, incluía 89 unidades da federação. Tais organizações políticas não apresentam homogeneidade na aferição de competências e direitos, sendo divididos entre: (21) repúblicas; (6) territórios; (49) regiões; (1) região autônoma; (10) distritos autônomos; e cidades de importância federal (Moscou e São Petersburgo), que são administradas pela Federação (art. 5 da Constituição da Federação Russa)5. A legislação confere às repúblicas maior autonomia do que os demais entes, pois lhes é facultado ter sua própria constituição e assembléia. Enquanto que as demais entidades podem ter apenas uma legislação destinada a elementos locais.

5

Em russo, as unidades são denominadas como: krais (territórios); oblasts (regiões); e okrugs (distritos autônomos).

(32)

Essa idéia de hierarquia das unidades constituintes do Estado remonta, como afirma Matthew Derrick (2009; p. 318), à Revolução Comunista de 1919, que consagrava a separação entre nação e nacionalidade. A primeira compreendida como uma entidade cultural mais desenvolvida do que a percepção de nacionalidade e subjacente aos vínculos culturais e sociais à terra pátria. Já a nacionalidade, seria alheia à idéia de subsumir-se a uma localidade e, conseqüentemente, afeita à internacionalidade comunista, ao implicar um exercício maior de autogoverno de um território. Dessa forma, permitiu-se uma função dual na esfera de organização estrutural russa entre liberdade de cultura e integração nacional. Por exemplo, ainda conforme Derrick (2009), as Repúblicas étnicas russas, durante o período Yeltsin, tinham a faculdade de manter seus próprios presidentes e símbolos nacionais, bem como a possibilidade de manter o idioma local – ou seja, características peculiares de identidade. Assim, preservavam-se os aspectos locais, ainda que as unidades formalmente pertencessem à Federação Russa.

Essa estrutura federal permeada por diferenças étnicas constitui o legado soviético para a nação russa, ao assegurar amiúde aos entes regionais poderes superiores aos da Federação. Os bolcheviques garantiam às minorias nacionais mais relevantes unidades federativas consideradas como repúblicas autônomas, distinguindo-se das demais 15 repúblicas soviéticas, com a intenção de delegar às minorias papéis de competência do Estado. Assim, na maioria do período de existência da União Soviética, os governos locais poderiam realizar ingerências no âmbito político, econômico e social de sua jurisdição, sem requisitar anuência do poder central.

Uma análise da estrutura político-territorial russa revela as inconsistências na efetividade da soberania russa na amplitude do país. A Federação Russa é composta, segundo Derrick (2009; p.318), por uma hierarquia entre unidades divididas em duas categorias básicas: unidades étnicas e não-étnicas. As primeiras designam as áreas de ocupação histórica de populações não russas, compreendendo importantes minorias étnicas com determinados privilégios, tais como a preservação de símbolos nacionais. As últimas, habitadas quase

(33)

exclusivamente por russos étnicos, têm uma tradição de não apresentar privilégios, ou status federativo especial.6

Esse sistema, não obstante o desmantelamento da capacidade física e política do Estado russo pós-União Soviética, provocou a utilização dos privilégios concedidos às unidades étnicas como instrumento para alcançar maior autonomia das regiões autônomas, inclusive à busca de secessão pelos Estados independentes. Introduziu-se, portanto, de forma mais aguda a dualidade ínsita ao federalismo russo, entre a unidade do país (resultado da acomodação de diversas etnias no seu território) e a autonomia (garantindo determinada independência, porém criando os incentivos para pretensões separativas das repúblicas étnicas mais importantes). A regionalização, portanto, segundo Sergunin (2000; p. 73), constitui um elemento contraditório da Rússia, uma vez que é essencial para o Estado e, ao mesmo tempo, constitui um desafio constante à preservação da unidade territorial, ao designar alguma autonomia às regiões enquanto deve preservar a soberania do Estado russo.

Tal dilema, conforme Soderlund (2006; p. 61), é concebido em dois paradigmas teóricos pelo governo russo: a escola primordialista e a escola instrumentalista. A vertente primordialista (também conhecida como essencialismo) coloca ênfase na consciência étnica e na prevalência do sentimento de identidade nacional. A identidade étnica é vista como dado da existência social modelado pela memória histórica, lingüística, religiosa e geográfica de um povo. A politização do contingente populacional, dessa forma, compreende-se no exercício de autodescobrimento e reafirmação das características identitárias do povo russo.

A escola instrumentalista (ou estruturalista), por outro lado, reforça a mobilização política dos grupos étnicos como parte do processo de barganha, no qual as elites políticas buscam extrair benefícios (recursos econômicos e autonomia política do poder central). A politização da etnicidade compreende-se como decorrente dos papéis contingentes e de auto-afirmação com finalidades instrumentais específicas. Assim, a identidade étnica apenas torna-se uma base para a ação coletiva quando há vantagens comparativas a serem ganhas pelo grupo étnico.

6

As dificuldades de gerenciamento do extenso território russo remontam ao período de expansão do Império, principalmente nos períodos de Pedro, o grande, e Catarina, nos séculos XVII e XVIII.

(34)

Nesse sentido, a escola instrumentalista coaduna-se efetivamente aos fenômenos verificados no período pós-União Soviética. As elites regionais da Rússia, durante a década de 1990, adotaram diversas posições de barganha utilizando o argumento do separatismo ou uma postura mais pró Federalismo para obter ganhos econômicos ou sociais. O emprego desses fatores ocorria consoante a credibilidade da ameaça. Segundo Soderlund (2006; p.62), líderes com recursos, poder e habilidades adequadas possuem maior poder de barganha para exigir maior autonomia do centro. A variação entre autonomia e unidade dependeria essencialmente do nível de poder de barganha das unidades regionais dentro do complexo sistema federativo russo. As capacidades respectivas de cada uma das unidades auxiliariam, portanto, na barganha política para obter maior independência de Moscou.

No período de 1991-1993, as repúblicas empregaram seus esforços para conseguir concessões de poder do poder central. Tal estratégia aproveitava o cenário de virtual ausência de poder político e militar decorrente do desmantelamento do Estado soviético. A onda de declarações de independência pelas repúblicas soviéticas inseria-se nessa perspectiva de obter mecanismos de barganha com o poder central. Dessa forma, as regiões autônomas lograram diminuir a influência do poder central nos seus territórios, induzindo ameaças ou expectativas de liberação do controle russo, até mesmo quando não existiam condições materiais de independência do poder central.

As reformas do período 1993-1994, segundo Libman (2009; p. 5), marcaram uma nova etapa no desenvolvimento do federalismo russo. A nova constituição russa tinha por objetivo igualar os poderes das regiões da Rússia (étnicas e não-étnicas), bem como a legislação central determinava uma hierarquia na distribuição de competências entre a União e as demais unidades da federação. Assim, a descentralização política foi substituída pela concentração e transferência de renda da União para as unidades, com o auxílio econômico buscava-se reduzir a autonomia e o poder de barganha das unidades.

No âmbito jurídico, houve concentração de competências em favor da União. A nova constituição buscou delimitar o Poder Judiciário como instituição central do Estado russo, uma vez que até então havia dispersão do poder jurídico vinculado economicamente e politicamente às repúblicas e regiões autônomas.

(35)

Mediante delegação do orçamento do Poder Judiciário à União, aumentava-se o poder das regiões. A concentração dessa atribuição buscava adensar a independência do judiciário perante as autoridades locais, ao concentrar o poder econômico em apenas um agente – o governo central. Procurava-se, portanto, reduzir intervenções contrárias ao poder russo nas unidades da federação decorrentes da influência ocasionada pelo financiamento regional das atividades das cortes jurisdicionais.

A reestruturação da integração regional russa ganhou maior vigor com o governo Putin. O governo, a partir de então, passou a limitar a autonomia de regiões e a restringir a descentralização regional, bem como a influência das regiões no governo central. Diversos elementos do pacto federal foram modificados com a intenção de reforçar o poder de Moscou sobre as diversas unidades da federação. Conforme Libman (2009; p. 6) descreve, houve a criação de distritos federais, reforma da Duma (Câmara baixa do Parlamento) – pois havia grande poder dos líderes regionais no destino das votações – e uma revisão da legislação acerca das competências das unidades regionais.

Logo, segundo Libman (2009; p. 6), a dinâmica do federalismo russo passou a constituir-se em um ciclo de descentralização-recentralização. No período imediatamente após o fim da União Soviética, instaurou-se um sistema de barganha e autonomia crescente das regiões, enquanto que durante o governo Putin houve uma maior convergência bilateral e retomada do controle federal sob diversas regiões. Tal padrão de relações entre centro e periferia foi expandido para a política externa de Moscou, não apenas para as ex-repúblicas soviéticas, principalmente na Ásia Central e no Cáucaso, mas também para restringir a autonomia expressa pela paradiplomacia exercida por diversas regiões, à revelia de Moscou7.

3.2

P

OLÍTICA EXTERNA E REGIONALISMO

7

Há diversos exemplos de restrições russas à paradiplomacia. Um dos casos mais relevantes consiste nos acordos assinados entre Rússia e Polônia acerca do trânsito de bens e pessoas em Kaliningrado, com a finalidade de diminuir a perspectiva de adesão do enclave à União Européia. A integração do único porto que permanece descongelado durante todo o ano ao projeto europeu consistiria perda geopolítica relevante para Moscou. As tratativas com a Polônia para obtenção de trânsito livre e a ausência da necessidade de visto conformam-se à recentralização da política externa promovida pelo governo Putin.

Referências

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