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Para além da formação continuada em contexto: o portfólio e o registro da práxis docente

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Academic year: 2021

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UNIJUÍ – UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PROGRAMA DE MESTRADO E DOUTORADO EM EDUCAÇÃO NAS CIÊNCIAS

PARA ALÉM DA FORMAÇÃO CONTINUADA EM CONTEXTO: O PORTFÓLIO E O REGISTRO DA PRÁXIS DOCENTE

IJUÍ- RS 2017

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Bruna Barboza Trasel

PARA ALÉM DA FORMAÇÃO CONTINUADA EM CONTEXTO: O PORTFÓLIO E O REGISTRO DA PRÁXIS DOCENTE

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em Educação nas Ciências da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (UNIJUI), na linha de pesquisa Teorias Pedagógicas e Dimensões Éticas e Políticas da Educação, para a obtenção do Título de Mestre em Educação nas Ciências.

Orientador: Prof. Dr. Celso José Martinazzo

IJUÍ- RS 2017

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T775p Trasel, Bruna Barboza.

Para além da formação continuada em contexto: o portfólio e o registro da práxis docente. / Bruna Barboza Trasel. – Ijuí, 2017.

99 f. : il. ; 30 cm.

Dissertação (mestrado) – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (Campus Ijuí e Santa Rosa). Educação nas Ciências.

“Orientador: Celso José Martinazzo”.

1. Práxis Docente. 2. Formação Continuada em Contexto. 3. Portfólio. 4. Registro. I. Martinazzo, Celso José. II. Título.

CDU: 371.13

Catalogação na Publicação

Eunice Passos Flores Schwaste CRB10/2276

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Dedicatória

À minha joia mais preciosa: Mãe Na certeza do re-Encontro. Mãe: amor, gratidão e saudade eterna.

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Agradecimentos

Primeiramente, a minha mãe e meu pai, que fizeram a vontade de Deus e foram benevolentes e amáveis ao me dar a vida e me educar. Principalmente, a minha mãe Terezinha que cuidou sozinha de três crianças e fez dessas crianças grandes pessoas, pela sua forma de nos ensinar o que é correto e pela sua amorosidade ao amar um espírito tão imperfeito como eu. Mas não somente isso, pela sua forma de demonstrar que somente através dos estudos seríamos “alguém na vida”. Foi triste perde-la quando conquistei minha maior vitória que foi ingressar no Mestrado. Assim como escrevi no quadro de formatura que tão orgulhosa ela sempre mostrava às pessoas, redijo aqui aquelas palavras, para registrar que o caminho tem sido mais árduo sem as suas palavras de luz. “Mãe! Grandes foram as lutas, maiores as vitórias. O caminho foi difícil, no entanto, você sempre esteve presente. Presente na alegria e na tristeza, fazendo da derrota uma vitória, da fraqueza uma força. Com sua ajuda, venci. Não cheguei ao fim, mas ao início de uma nova caminhada em que, certamente, você continuará comigo! Muito obrigada!”. Cada lágrima derramada foi por ti!

Agradeço aos meus irmãos Jorge e Fernando que, com auxílio da nossa mãe, aprendemos juntos a compartilhar. Compartilhar a infância, partilhar a comida, compartilhar a família, o amor de nossa mãe e a partilhar os dias de ausência e presença. Hoje, só tenho eles e eles me enchem de orgulho, o Jorge pelo pai maravilhoso que se tornou mesmo sofrendo com ausência de um pai que foi morar

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com Deus muito cedo e, o Fernando; pelo homem inteligente que é, ao mesmo ponto, pelo homem ponderado que é. Vocês são “maninhos queridos do meu coração”.

Agradeço ao meu “namarido” Adriano, que encontrei depois do ingresso ao Mestrado, mas que sempre foi amoroso às minhas crises, nos momentos que mais precisei e, que embora desejasse sempre me ter ao seu lado, compreendeu meus momentos de interrupção, ausência e incoerência. Amo você hoje e sempre!

Agradeço às muitas pessoas que me incentivaram para que eu chegasse até aqui e me tornasse a primeira mulher da família a concluir Graduação, Especialização e o Mestrado, em gratidão a vocês é que incentivo outras pessoas, essa é a minha corrente do bem.

Agradeço ao meu orientador, Celso José Martinazzo, por ter sido um orientador, aquele que orienta, direciona; conduz e guia. Mas que deu liberdade para que eu trilhasse meu caminho com meus anseios e receios. Só isso já foi muito.

Agradeço aos membros da banca por dedicarem seu tempo a leitura desse escrito que ouso chamar de dissertação.

Agradeço a diretora da escola em que atuo, Fátima Simone, por compreender minhas ausências e por ter me dado a oportunidade única de ser Coordenadora Pedagógica por dois anos, quando os meus questionamentos se tornaram maiores e consistentes.

Agradeço às minhas colegas que fizeram parte do grupo de professores e funcionários no período de 2015 e 2016 com quem compartilhei saberes, intencionalidade pedagógica e vida. Grupo que possibilitou a criação do Portfólio, que se tornou meu instrumento de pesquisa.

Agradeço, também e especialmente, ao secretário de Educação do município de Ijuí, Eleandro Lizot, por conceder a Licença para Qualificação Profissional e as Coordenadoras Pedagógicas da Smed Debora Dorneles dos Santos e Leila Karlinski com quem sempre mantive “diálogos praxiológicos” na certeza de que compartilhamos dos mesmos ideais e que desejamos a práxis docente.

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Por fim, agradeço infinitamente ao ex-presidente Getúlio Vargas que em 11 de julho de 1951, pelo Decreto nº 29.741 cria a Campanha Nacional de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (atual Capes) e a Anísio Teixeira, primeiro secretário-geral da Comissão, que em 1953 concede as primeiras 79 bolsas para a formação de pessoal em nível superior. Em função desse movimento que pude usufruir da Bolsa/Taxa CAPES no período do Mestrado, o que possibilitou minha permanência no curso. Agradeço em mesma medida aos professores e coordenadores do Programa de Pós-graduação em Educação nas Ciências, assim como os mestrandos que vieram antes de mim, que desprenderam esforços para que o curso fosse reconhecido e tivesse a concessão dessas bolsas e taxas que possibilitam o aperfeiçoamento de muitos profissionais ao longo dos anos.

Por último, mas não menos importante, agradeço também ao ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva e as inúmeras forças mundiais que juntas proporcionaram a muitos estudantes pobres a oportunidade de ingressarem ao Ensino Superior através do Programa Universidade para Todos- PROUNI, que concedeu a esta mestranda que hoje escreve seus agradecimentos, a oportunidade de graduar-se Pedagoga e mudar a história de uma família, sendo, como já citei anteriormente, a primeira mulher a concluir um curso no Ensino Superior. Esta oportunidade de fazer parte da primeira turma de alunos ingressantes por esse programa social será sempre referência para que eu me esforce diariamente para ser uma educadora de qualidade. Este primeiro passo dado há quase dez anos é o marco do início de uma conquista que finalizar-se-á, somente, com o Doutorado!!! Ou o pós-doc!

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Escrever deixa marca, registra pensamento, sonho, desejo de morte e de vida. Escrever dá muito trabalho porque organiza e articula o

pensamento na busca de conhecer o outro, a si, o mundo. Madalena Freire (1996)

Escrever é um exercício de infinita bondade, ofertando aos demais a oportunidade de ler. Ao mesmo tempo em que é um ato de extrema coragem, pois é necessária muita audácia e bravura para permitir-se

expressar e, neste caso, dissertar, sobre o que o escritor pensa. Bruna Barboza Trasel (2017)

[...] acho que a gente escreve para se descobrir. Nossas maiores verdades são inventadas – alguém já disse. Escrevo para chegar mais

perto da minha fonte. Manoel de Barros (2008)

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RESUMO

Este escrito apresenta um conjunto de argumentos acerca do tema “Práxis Docente” tomando como referência de análise o Portfólio construído por professoras de Educação Infantil para o registro das formações continuadas em contexto realizadas no âmbito escolar de uma instituição de Educação Infantil do município de Ijuí-RS. Esta análise buscou encontrar vestígios de práxis nos registros das professoras, considerando a formação continuada em contexto como possibilidade de práxis docente. Isto se fez possível a partir de um estudo em profundidade sobre o conceito de práxis, perpassando autores como Karl Marx e Friederich Engels, Sanchéz Vazquez, Edgar Morin e Paulo Freire, e, de formação continuada em contexto, referenciando o desenvolvimento profissional praxiológico proposto por Júlia Oliveira-Formosinho, seguido da discussão sobre a importância do registro, enquanto memória das experiências vividas e problematizadas no cotidiano escolar, utilizando de pressupostos de Madalena Freire, Luciana Esmeralda Ostetto e Amanda C. T. Lopes. A metodologia utilizada é a Pesquisa-ação. O resultado da pesquisa demonstrou que as formações continuadas em contexto que discutem as ações pedagógicas realizadas pelos professores torna-se uma possibilidade de práxis docente, o que foi constatado com a análise dos registros constados no Portfólio.

Palavras-chave: Práxis Docente. Formação Continuada em Contexto. Portfólio. Registro.

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ABSTRACT

This paper presents a set of arguments about the topic "Teaching Praxis" taking as reference of the Portfolio constructed by teachers of Early Childhood Education for the registration of the continuing formations in context carried out in the school environment of an institution of Early Childhood Education of the municipality of Ijuí- LOL. This analysis sought to find traces of praxis in the teachers' registers, considering the continued formation in context as a possibility of teacher praxis. This was made possible by an in-depth study of the concept of praxis, ranging from authors such as Karl Marx and Friederich Engels, Sanchéz Vazquez, Edgar Morin and Paulo Freire, and continuing education in context, referring to the praxiological professional development proposed by Júlia Oliveira-Formosinho, followed by the discussion about the importance of registration as a memory of the experiences lived and problematized in the daily school life, using the assumptions of Madalena Freire, Luciana Esmeralda Ostetto and Amanda CT Lopes. The methodology used is Action Research. The research results showed that the continuous formations in context that discuss the pedagogical actions carried out by the teachers becomes a possibility of teaching praxis, which was verified with the analysis of the records included in the Portfolio.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Espiral da práxis docente...26

Figura 2 – Composição da práxis docente transformadora e complexa...37

Figura 3 – Composição do pensamento de Júlia Oliveira-Formosinho...40

Figura 4: Mapa conceitual criado a partir da leitura do artigo Registro reflexivo e autoformação de Maria Alice Proença publicado na Revista Pátio Educação Infantil...56

Figura 5: Foto da capa do Portfólio...59

Figura 6: Contracapa do Portfólio...60

Figura 7: Primeira página do Portfólio ...61

Figura 8: Sequência de páginas do Portfólio em que há o registro das concepções de avaliação das professoras ...62

Figura 9: Registro do texto discutindo na formação continuada em contexto...63

Figura 10: Registro de estudo de entrevista sobre a “Avaliação na Educação Infantil”...64

Figura 11: Registro do Questionário de Auto Avaliação...65

Figura 12: Registro de explosão de ideias a partir de vídeo sobre “Avaliação na Educação Infantil”...66

Figura 13: Registro individual de explosão de ideias a partir do estudo do livro “Avaliação na Educação Infantil” de Jussara Hoffmann...67

Figura 14: Convite para formação continuada em contexto...68

Figura 15: Culminância das formações continuadas em contexto sobre “Avaliação na Educação Infantil” com a escrita de um texto...69

Figura 16: Mapa conceitual criado a partir da leitura do livro Diálogos com Reggio Emilia de Carla Rinaldi...71

Figura17: Registro de ideias de algumas professoras...72

Figura 18: Registro de Formação continuada em contexto a partir de texto de revista...73

Figura 19: Registro de explosão de ideias das professoras ...74

Figura 20: Pesquisa realizada com as professoras da Escola...75

Figura 21: Registro de formação continuada em contexto sobre o tema “A Criança e o Movimento Humano”...76

Figura 22: Formação continuada em contexto com estudo das Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNEI)...77

Figura 23: Registro do Seminário Partilhando Vivências Pedagógicas...78

Figura 24: Registro do Seminário Partilhando Vivências Pedagógicas – O que aprendi com as Crianças?...80

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SUMÁRIO

LER, ESCREVER E SONHAR: PASSOS INICIAIS...14

Sobre ler... ...18

Sobre escrever... ...19

Sobre sonhar... ...20

“Ler, escrever e sonhar, ou seria o contrário?”: Um emaranhado de escritas e leituras...20

Do emaranhado às possibilidades: Criando caminhos metodológicos...21

1 A PRÁXIS DOCENTE: DISCUTINDO A RELAÇÃO ENTRE TEORIA E PRÁTICA...25

1.1 Discutindo o conceito de práxis...27

1.2 Educação escolar e a práxis na perspectiva da Educação Popular – uma possibilidade de pensar a práxis docente como transformadora...31

1.3 A práxis docente a partir de uma perspectiva do pensamento complexo – uma possibilidade de pensar a práxis docente como uma ação complexa...35

1.4 Transformadora e complexa: a práxis docente e a possibilidade de pensar na Formação Continuada em Contexto...37

2 O PROFESSOR/COORDENADOR PEDAGÓGICO E A FORMAÇÃO CONTINUADA EM CONTEXTO: A POSSIVEL PRÁXIS DOCENTE EM UMA ESCOLA DE EDUCAÇÃO INFANTIL...39

2.1 O professor/coordenador pedagógico e a formação continuada em contexto: apresentando concepções...40

2.2 A Formação Continuada em Contexto: considerações primordiais para uma práxis docente – o desenvolvimento profissional praxiológico...44

2.3 A Formação Continuada em Contexto: as concepções do Contexto pesquisado...48

3. PRÁXIS DOCENTE E DOCUMENTAÇÃO PEDAGÓGICA: A CONSTRUÇÃO DE PORTFÓLIO COMO REGISTRO DAS FORMAÇÕES CONTINUADAS EM CONTEXTO...51

3.1 O Portfólio da Escola: “qual a importância desse registro?”...53

3.2 O Portfólio da Escola: “onde está a práxis docente?”...57

3.2.1 Avaliação na Educação Infantil: um tema e muitas formações...62

3.2.2 Metodologia de Projetos: Uma Escola que Estuda como as Crianças Aprendem, ou, sobre o que interessa às Crianças e aos Adultos em uma Escola Infantil...72

3.2.3 Pesquisa realizada com as professoras da Escola: refletindo sobre o eixo “Movimento”...75

3.2.4 Estudo das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil...76

3.2.5 Seminário Partilhando Vivências Pedagógicas: o ápice da práxis docente...78

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3.3 Sobre registrar experiências de práxis docente...81 SOBRE O CAMINHO PERCORRIDO: BUSCANDO UMA CONCLUSÃO ACERCA DA PRÁXIS DOCENTE...86 REFERÊNCIAS...92 ANEXOS...99

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LER, ESCREVER E SONHAR: PASSOS INICIAIS

As primeiras palavras de uma dissertação, certamente são as mais importantes, pois, pretendem sequestrar a atenção do leitor e fazê-lo querer viajar nos caminhos percorridos durante a pesquisa. Eis que se tornam, portanto, as mais difíceis. Este convite à leitura deste escrito que significa não somente a trajetória de dois anos no Mestrado, mas sim, a constituição de uma professora, inicia com a lembrança de que quando da aprovação no curso de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação nas Ciências e da aquisição da Bolsa Taxa da CAPES, decidi que tatuaria em meu corpo essa conquista e de imediato surgiu em meus pensamentos, quase que como intuição, a frase “ler, escrever e sonhar”. A frase explicitava minhas paixões, ao mesmo tempo em que, explicitava meu desejo para com essa etapa.

A frase que carrego no braço direito, cuja mão assegura o lápis ao escrever, tornou-se objetivo de vida e elemento reflexivo em minha profissão. Ler, escrever e sonhar, também se tornam eixos dessa pesquisa, tornando-se possibilidades de pensar sobre o papel do coordenador pedagógico enquanto articulador das formações continuadas em contexto nas escolas de educação infantil de um município da região noroeste do estado do Rio Grande do Sul. Os quais comunicam esses momentos a partir da documentação pedagógica construída/constituída em um Portfólio1, no qual pretende-se informar a (im)possibilidade de práxis docente dos

professores envolvidos no processo.

Assumo essa frase para explicitar esse processo de pesquisa que possibilitou a escrita desta dissertação. Enfatizando cada palavra como elemento constitutivo de um caminho percorrido não somente e após o ingresso no Mestrado em Educação nas Ciências, mas nos últimos cinco anos; enquanto professora e coordenadora pedagógica de escola infantil na rede municipal. Mas que vem se constituindo numa trajetória formativa que iniciou há muitos anos atrás e que me interessa contar neste escrito.

1 Segundo Marie Jane Soares Carvalho no livro intitulado Portfólio Educacional: proposta alternativa

de Avaliação (2005, p. 15), “o nome portfólio não é acidental” e, propõem que pensemos no portfólio tal qual os artistas o fazem, “como uma coleção do seu melhor trabalho.” Estes autores evidenciam que “o conceito de portfólio educacional busca refletir a fusão entre processo e produto. É um artefato que mostra as realizações em processo”. Desta maneira, “o portfólio pode ser visto como um memorial, um registro qualificado, diferentemente de um currículo em que simplesmente nomeamos o que fizemos e o que foi certificado”.

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E por onde iniciar? Talvez o melhor seria pelo começo, mas prefiro iniciar pelo fim. Pelo hoje. A fim de explicitar como cheguei até aqui. Depois de muito tempo de reflexão, percebi que, sou o que sou, a partir de entrelaçamentos que vivi. Um deles, certamente o mais importante foi o da minha Família, interessante sob certo ponto de vista: um pai (que ausentou-se muito cedo dessa vida em função do câncer), uma mãe (que foi pai, mãe, amiga) e dois irmãos (totalmente diferentes, podendo considerar que são até opostos, nem parecem ter o mesmo sangue). E eu, a do meio e única menina da família.

Minha família sempre desejou que eu me “formasse” professora desde o meu nascimento, uma vez que era o desejo que foi frustrado de minha mãe e, sonho incontestável de meu pai. Não haveria possibilidades de fugir dessa demanda familiar. Uma influência que se marcou desde os meus quatro anos de idade, quando ingressei no Jardim de Infância, hoje Educação Infantil, mais precisamente, Pré-Escola, depois de muita insistência minha.

Memórias se apresentam. Lembro-me que morava em um apartamento e que atrás era o pátio de uma escola de ensino Fundamental, na época denominada Escola de Primeiro Grau, ou seja, Escola Estadual de Primeiro Grau Dr. Augusto Nascimento e Silva. De uma janela no quarto de minha casa eu “espiava” as crianças e adolescentes nos momentos de Educação Física. Eu sempre tive certeza que ali era o lugar que eu queria estar: a escola.

Quando iniciei minha escolarização, minhas professoras já sabiam que eu desejava ser professora e durante todo o meu Ensino Fundamental, em diversos momentos, elas me incentivaram, ora pedindo para que eu escrevesse no quadro as atividades, ora solicitando que eu confeccionasse as “matrizes” (fichas didáticas de atividades para os alunos, em mimeografo, instrumento que praticamente não existe mais na escola, uma vez que foi substituído pelas copiadoras).

Mas existiam outras influências também. Minha mãe sempre foi espírita e embora em dados momentos de sua história de vida não praticasse sua religião, ou seja, não frequentasse assiduamente uma casa espírita, sempre ao final da tarde, fazia um chimarrão, sentava-se na área e lia o “Livro dos Espíritos” ou “O Evangelho segundo o Espiritismo” enquanto nós brincávamos. Minha mãe estudou até a segunda série, mas se me tornei uma boa leitora foi em função desse incentivo silencioso, uma vez que ela nunca evidenciou que devíamos ler, mas pela felicidade

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que demonstrava sentir após ler alguns trechos dos livros citados anteriormente. Aprendi pelo exemplo.

Em dado momento, passamos por dificuldades financeiras sérias e acabamos nos mudando para um bairro e tivemos que trocar de escola. Naquele momento passei a temer o futuro e inclusive passei por longo período assustada, pois haviam comentários que depois do ano de 2007 nenhuma professora poderia dar aulas se não tivesse curso superior em licenciatura.

Quando estava para iniciar o Magistério, me inscrevi em uma Escola Estadual que oferecia o curso, mas havia uma prova de seleção. Prestei a prova e fiquei como suplente, nunca fui tão mal em uma avaliação. Mas neste período, em uma quinta-feira pela manhã, um dia ensolarado, dia que jamais esquecerei, minha mãe ouvindo rádio escutou uma notícia que mudaria minha vida para todo o sempre: uma escola particular ofertaria bolsas de estudos no curso do Normal Médio. Mas havia apenas naquele dia as inscrições. De imediato minha mãe trocou de roupa e foi ao local me inscrever. Em poucos dias estava matriculada em uma das mais importantes escolas do município.

Acho que não faz necessário dizer que caminhava 17 quadras todos os dias durante quatro viagens para ir estudar. Confesso que não gosto de contar esses detalhes, porque não quero que as pessoas olhem para mim com pena, ou que me elogiem, porque, sofri para conquistar as coisas. O ponto fundamental deste momento foi o fato de que passei a acreditar que eu poderia sim, fazer faculdade e, o sonho se tornou objetivo.

Em dezembro de 2004 inscrevi-me no vestibular para o curso de Pedagogia, vale grifar que o vestibular foi oferecido sem custos, pois éramos bolsistas e a rede cenecista pretendia que nós continuássemos os estudos. Para meu total desespero, passei em terceiro lugar e todos os meus colegas passaram a me ligar para me dar os parabéns, pois eu havia sido a melhor colocada de todos do curso do Magistério. Digo desespero, porque a vontade de cursar tomou conta do meu ser, mas eu entendia que não teria condições. Minha mãe na época estava trabalhando e fez um empréstimo de duzentos reais para que eu pudesse pagar a matrícula.

Na época haviam notícias de que o Governo Federal passaria a dar bolsas de estudos nas Universidades privadas, o PROUNI-Programa Universidade para Todos. Me inscrevi três vezes para receber bolsa e, na terceira vez fui contemplada. Ali

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iniciou, efetivamente, a constituição de uma profissional que busca incessantemente uma postura competente.

Um diferencial do curso de Pedagogia do Instituto Cenecista de Ensino Superior de Santo Ângelo era o atravessamento da Psicanálise. Ao se aproximar da Educação, a Psicanálise influenciou muito na constituição da Profissional que sou hoje, principalmente, por evidenciar o lugar do “Mestre” enquanto sujeito que tem um saber a “oferecer” aos seus alunos e pelo encantamento pelo conhecimento. Em função disso, considero importante estar sempre em formação continuada, até porque, como afirma Áttico Chassot, as verdades são transitórias e constituídas num momento histórico. Portanto, sempre haverá novos conhecimentos à serem aprendidos.

Um dos principais efeitos deste currículo que entrelaçava Educação e Psicanálise exerceu na constituição da profissional que sou é a forma de olhar para o aluno. Quando olho para as crianças vejo sujeitos de potencialidades, criaturas que podem se desenvolver, que podem aprender. Acredito que todos podem sim aprender, se assim desejarem.

Sou fascinada pelo conhecimento. Acredito que professores (ou pelo menos, bons professores) deveriam ser assim. Me indigno fortemente com os colegas que não gostam de ler, menos ainda escrever. Como pode um professor não gostar de ler? Como podem professores aposentados nunca terem publicado um artigo científico? Suas práticas em momento algum lhe trouxeram questionamentos? As reflexões sobre suas práticas nunca foram registradas? Por que os professores odeiam escrever sobre o que vivenciam nos espaços escolares? São minhas indignações pessoais.

Penso estar aí uma possível resposta do porquê da decadência da profissão de professor. Acredito que o novo cenário na educação mundial, destaca cada vez mais e com mais propriedade, a importância e a necessidade do profissional que encontra-se preocupado com a (re) significação do conhecimento. E esse movimento de produção e (re) significação do conhecimento só pode se dar em espaços de formação continuada, que é meu tema de pesquisa desde 2008, ano em que finalizava a graduação. Na época pouco se falava e menos ainda se efetivava esses momentos destinados a formação continuada de professores. Lembro que encontrei nas pesquisas bibliográficas informações dos contextos de formação continuada argentino e português, indicando o gestor escolar como articulador da

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formação continuada, o que hoje parece ser óbvio, na época propiciou importante discussão. E se tornou uma publicação no livro “Interlocução de Saberes IX” no ano de 2013.

O tema me acompanhou em outra pós-graduação, em Atendimento Educacional Especializado, que cursei, quando propus que o professor de AEE articulasse momentos de formação continuada afim de desmistificar alguns (pré) conceitos acerca das deficiências e de apresentar possíveis potencialidades, e, depois na pós-graduação em Gestão Escolar, articulando a formação continuada à possibilidade de pensá-la a partir do Paradigma da Complexidade.

Penso muito sobre as formações porque acredito que elas proporcionam ao professor um momento real de embricamento entre a teoria e prática e, é sob esse olhar que planejava as formações na escola, uma vez que tive a possibilidade de pensar neste espaço de interlocução de saberes enquanto ocupava o cargo de coordenadora pedagógica.

Penso, com mais afinco ainda, pelo fato de que esses espaços não se efetivaram desde que iniciei minha trajetória nesta escola, ou seja, esses momentos não tinham espaço nas reuniões dos profissionais da escola, o que torna mais urgente a concretização de um espaço real de formação. E penso que estes espaços devem se dar dentro das escolas e pelos sujeitos dela.

Essa vivência do fazer pedagógico aliado ao processo de reflexão da prática vem se traduzindo em possibilidade de pensar o trabalho do professor desde a graduação, posteriormente, na pós-graduação, como descrevi anteriormente, momentos em que discuto fortemente o lugar da formação continuada como espaço qualificado para ação-reflexão-ação. Para além disso, considero que o trabalho do professor exige isso. Ação – Reflexão - Nova Ação. E exige isso no cotidiano, no dia a dia, a cada momento, em cada possibilidade.

E por pensar desta forma, sou tomada novamente pela frase: Ler, escrever e sonhar - que me trouxe até aqui. Que pode ser metáfora para muitas leituras. Dentre as quais elejo as mais relevantes neste momento.

Sobre ler...

O conceito do verbo ler é amplo. É verbo porque diz da ação da leitura. Do hábito de ler. Leitura deriva do latim "lectura", originalmente com o significado de

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"eleição, escolha, leitura". É considerada como o ato de decodificação/compreensão de algo que é informado ou armazenado em um algum tipo de suporte, como um texto, uma partitura ou uma obra de arte, dentre tantos outros exemplos que podemos citar.

Esses códigos possíveis de decifrar podem ser visuais, auditivos e táteis. É possível ler Braille e Libras, assim como é possível que um brasileiro leia em japonês, desde que os sujeitos entrem em contato com a linguagem e aprendam-na.

Mas desejamos compreender o verbo “ler” como as diferentes formas de perceber o mundo, a escola, os espaços de educação coletiva, assim como, entrar em contato com a tradição de uma área, lendo seus clássicos. Queremos considerar, também e principalmente, como entrar em contato com a teoria a partir da leitura da prática, pensando nas possibilidades que esta postura nos confere.

Além disso, a leitura aqui sugestiona que é a partir dela que a pesquisa se constituirá. Isto, porque, é na leitura dos portfólios que pretendemos encontrar as concepções dos sujeitos/professores/coordenadores pedagógicos que o construíram.

Sobre escrever...

Escrever é representar. Seja com letras, desenhos, riscos, rabiscos. É representar algo. Tornar público um pensamento, uma ideia, uma teoria. É expressar o novo e também o antigo. Escrever é lançar para a posteridade. É lançar adiante. É propagar. É dar ao outro a possibilidade de saber/compreender o que você anuncia com a sua escrita.

Escrever é um exercício de infinita bondade, ofertando aos demais a oportunidade de ler. Ao mesmo tempo em que é um ato de extrema coragem, pois é necessária muita audácia e bravura para permitir-se expressar e, neste caso, dissertar, sobre o que o escritor pensa. O escritor não deve ser egoísta, guardando suas ideias/saberes/concepções somente para si, porque escrever é repartir. E nem sempre ao repartir ficamos com o que consideramos “a melhor parte”. Escrever também é colocar-se em xeque. É conviver com o enfrentamento dos pensamentos contrários. É suportar saber que receberá críticas.

Da escrita não podemos fugir. Não importa se é uma singela garatuja de quando tínhamos três anos, ou se é um estudo em profundidade como este. A

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escrita é do sujeito e, portanto, o sujeito deve se responsabilizar-se por cada marca deixada no papel.

Diante dessas premissas, a escrita com símbolos gráficos denominada “alfabética”, utilizada por humanos como forma de comunicação, é a forma de registro do que será pensado neste caminhos que vem sendo trilhado no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Educação nas Ciências e que se configura pela presente dissertação.

Sobre sonhar...

Eis o excerto mais difícil de escrever, de registrar com palavras, pois sonhar envolve sentimentos que constituem um baú de desejos. Falar de um sonho, ou do desejo de sonhar, em uma dissertação não deve ser algo comum. Não de maneira explícita, certamente. Porque dissertar diz de contar um sonho e de como ele se realizou. E um sonho, em grande maioria, não se torna realidade de maneira serena. Realizar um sonho é sempre uma luta.

Em cada lágrima derramada e em cada escolha feita, a certeza de ter deixado para traz muitas outras coisas, mas também a certeza de ter aprendido muito, não somente sobre práxis e formação continuada em contexto. Mas aprendi muito sobre a vida. O Mestrado me mostrou que o melhor são as pessoas, as relações estabelecidas entre sujeitos diferentes, únicos.

Eis que nesse momento me pergunto sobre essa sequência de palavras de grande sentido e significado na minha trajetória formativa e me questiono se essa é a sequência, ou se seria ao contrário; e me permito pensar nesse emaranhado de perguntas, leituras e escritas, os quais compartilho nas próximas linhas.

“Ler, escrever e sonhar, ou seria o contrário?”: Um emaranhado de escritas e leituras

Escolher com ponderação a metodologia a ser utilizada em uma pesquisa, que se configura como o próprio tencionamento do fazer-pedagógico cotidiano do pesquisador, consiste em criar um caminho no qual poderei encontrar as possibilidades de (re)visitar as concepções que construo e reconstruo nos últimos

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anos dedicados à Educação Infantil e, em especial à Coordenação Pedagógica de uma instituição escolar.

No qual, também, tenho buscado discutir a formação continuada, tema que me dediquei a pensar nos últimos oito anos, através de outras pesquisas vinculadas a outros espaços de formação, como na graduação e, em dois (dos três) cursos de pós-graduação em nível de Especialização.

O caminho delineado para esta pesquisa perpassa a construção de um conceito de formação continuada a partir da contribuição, especialmente, de uma autora central: Julia Oliveira-Formosinho2, cujas as suas pesquisas abordam a

formação em contexto como desenvolvimento profissional.

Esses conceitos construídos durante a trajetória da graduação e dos cursos de pós-graduação, instigou-me a pensar sobre a união da teoria vinculada nos momentos de formação continuada com a postura dos professores em sua prática. Pensando assim, nas questões pedagógicas que envolvem a teoria e a prática no trabalho do professor.

Já asseguro, neste primeiro momento, como hipótese inicial que a teoria e prática são indissociáveis e que embora seja possível falar de uma teoria, ou de pressupostos teóricos e não lhes utilizar na prática, ao contrário, a prática pedagógica revela, em sua sutiliza, as concepções do educador.

Estas constatações se deram neste período como professora/coordenadora pedagógica ao observar o cotidiano da escola. As relações entre os saberes dos professores e suas posturas na prática vivenciada cotidianamente no espaço educativo de crianças de zero a seis anos.

Assim, munida de todas essas concepções que me constituem a educadora que me tornei, pretendo nesta pesquisa abordar, com a profundidade possível neste período, questões relacionadas à Práxis, conceito que vêm tomando forma ao longo dos anos, entendida por eu, enquanto pesquisadora, como a conduta ou ação do educador.

Inauguro minha discussão, colocando como questão primordial no primeiro capítulo o resgate histórico, de maneira breve, do termo “práxis” pelos gregos, avançando historicamente e abordando as referências deixadas por Karl Marx, ousando discutir a práxis docente resgatando pressupostos do Paradigma da

2 É professora associada da Universidade do Minho, Vice-presidente da Associação Criança, membro

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Complexidade, apoiando-se em Edgar Morin e, da Educação Popular, apoiando-se em Paulo Freire, cujo título é “A práxis docente: Discutindo a relação da teoria e prática”.

No segundo capítulo pretende-se apresentar o conceito de formação continuada em contexto enfatizando o lugar de “formador” do coordenador pedagógico no município de Ijuí na tentativa de tencionar/apoiar-se nesta perspectiva e, para tal intitulou-se de “O Professor/Coordenador Pedagógico e a formação continuada em contexto: a possível práxis docente de uma Escola de Educação Infantil”.

O terceiro capítulo objetiva analisar a documentação pedagógica construída por coordenadores pedagógicos e professores através da utilização de portfólios e os próprios portfólios a partir de categorias pré-determinadas, para o qual denominou-se de “Práxis Docente e Documentação pedagógica: a construção de Portfólio como registros das formações continuadas em contexto”, quando enseja resgatar o professor de educação infantil e o professor/coordenador pedagógico como pesquisadores, como sujeitos que construíram o conhecimento a partir da documentação pedagógica das formações continuadas em contexto, utilizando-se somente da análise documental desses registros que compõem o Portfólio.

Este caminho investigativo se constitui na eminência de uma discussão que me custa caro. Uma vez que se coloca no tencionamento da minha prática diária enquanto professora de educação infantil e professora/coordenadora pedagógica.

Do emaranhado às possibilidades: A construção dos caminhos metodológicos

Paulo Freire afirma em seu livro intitulado Educação como prática da Liberdade (2014, p.104) que "a educação é um ato de amor, por isso, um ato de coragem. Não pode temer o debate. A análise da realidade. Não pode fugir à discussão criadora, sob pena de ser uma farsa." Esse excerto expõe meu posicionamento diante da possibilidade de ousar pensar sobre a relação da práxis docente com a formação continuada em contexto, a fim de trilhar o caminho em busca do objetivo desta dissertação.

A metodologia utilizada é a pesquisa-ação na qual o pesquisador ocupa-se com uma ação ou problema, que neste caso é a ação de construção do Portfólio como registro das formações continuadas em contexto ocorridas em uma escola de

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educação infantil pública, realizando a análise dos registros contidos nesse documento.

A pesquisa-ação conforme afirma Michel Thiollent (2011, p. 20) “é um tipo de pesquisa social com base empírica que é concebida e realizada em estreita associação com uma ação ou com a resolução de um problema”, desta maneira, o papel dos pesquisadores é importantíssimo, pois, os mesmos “ [...] estão envolvidos de modo cooperativo e participativo” com a ação ou problema a ser pesquisado.

A escolha dessa metodologia deve-se ao fato de que participei como professora/coordenadora pedagógica no momento da construção dos registros que formam o Portfólio e que se deram no ano de 2015, os quais revisito na ânsia de encontrar vestígios ou indícios de práxis docente.

Olhar para algo que foi criado neste contexto, mas por muitas mãos, se coloca como desafio, pois, como nos afirma Madalena Freire Weffort (1996, p. 14-15):

O olhar-pensante de um autor, qualquer que seja ele, registrado pelo desenho, assim como por qualquer outra linguagem artística, provoca um novo olhar naquele que olha esta produção, seja também quem for. Retomando as palavras de Merleau-Ponty, este registro suscita qualquer outro olhar a reencontrar “os motivos que sustentaram a inspeção de mundo”. Olhar o olhar do outro, registrado sobre uma obra qualquer, requer, como disse o professor João Augusto Frayse Pereira, um olhar sensível. Além de a obra refletir como espelho o olhar de quem a criou, ela também reflete, como novo espelho, o olhar de quem a vê. Só posso ver na obra o que encontra eco em mim.

Assim, a proposta é olhar o olhar do outro, mas que também é meu olhar, cujos sentidos e significados dos registros diziam de um movimento de um grupo de professores e funcionários em um outro tempo, um tempo passado, vivido e experienciado, mas que deixou memória ao ser registrado no Portfólio.

“Olhar o olhar do outro é refazer o caminho do pensamento entre o real e a sua representação. Caminho que está sempre em processo, envolvendo o cognitivo, o afetivo, o social. Percurso que se mostra através das linguagens”, como afirma Weffort (1996, p. 15).

A intenção está no ato de realizar a leitura do Portfólio, não somente decodificando os sinais gráficos, mas interpretando seus sentidos e buscando seus significados, relembrando o processo, trazendo memórias à tona. “Olhar o olhar do outro é ato de leitura”. E é ato de leitura interpretativa, analítica. “O olhar do homem

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sobre o passado fornece bases mais seguras para avaliação” (WEFFORT, 1996, p. 15) do que já vivemos e do que estamos vivendo. Por isso, a importância do registro, pois somente por ele, podemos e poderemos realizar leituras interpretativas sobre as experiências vividas e dessas ampliar compreensões.

O objetivo é este, ler interpretativamente os registros que compõem o Portfólio e buscar vestígios, indícios, rastros, resquícios de práxis docente. Convém assinalar que fiz parte deste processo e que certamente minhas memórias sobre os mesmos serão maiores do que as marcas registradas, por que o registro é sempre uma parte, nunca o todo do pensamento do sujeito que o registra.

E esta leitura e busca pela práxis docente só se fez possível após um estudo em profundidade no conceito de práxis e de formação continuada em contexto, que se constituem e se articulam no primeiro e segundo capítulos.

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1 A PRÁXIS DOCENTE: DISCUTINDO A RELAÇÃO ENTRE TEORIA E PRÁTICA

Manoel de Barros (2008), escritor brasileiro que expressa sua infância através de poemas que se tornam sentido e significado de muitas minúcias da Educação Infantil, escreve a seguinte descrição de uma vivência não cotidiana em sua trajetória enquanto infante, intitulado “Escova” e presente no livro Memórias Inventadas:

Eu tinha vontade de fazer como os dois homens que vi sentados na terra escovando osso. No começo achei que aqueles homens não batiam bem. Porque ficavam ali sentados na terra o dia inteiro escovando osso. Depois aprendi que aqueles homens eram arqueólogos. E que eles faziam o serviço de escovar osso por amor. E que eles queriam encontrar nos ossos vestígios de antigas civilizações que estariam enterrados por séculos naquele chão. Logo pensei de escovar palavras. Porque eu havia lido em algum lugar que as palavras eram conchas de clamores antigos. Eu queria ir atrás dos clamores antigos que estariam guardados dentro das palavras. Eu já sabia também que as palavras possuem no corpo muitas oralidades remontadas e muitas significâncias remontadas. Eu queria então escovar as palavras para escutar o primeiro esgar de cada uma. Para escutar os primeiros sons, mesmo que ainda bígrafos. Comecei a fazer isso sentado em minha escrivaninha. Passava horas inteiras, dias inteiros fechado no quarto, trancado, a escovar palavras (2008, p.26).

A possibilidade de debruçar-se sobre um conceito e buscá-lo no cotidiano tornou-se o caminho inicial para esta pesquisa. Pretendo, portanto, “escovar” como nos sugere o poema, o conceito de práxis, seguindo na direção de sua dimensão no campo educacional.

Como nos diz o poeta brincante com as palavras, “eu já sabia também que as palavras possuem no corpo muitas oralidades remontadas e muitas significâncias remontadas” (2008, p. 26). Remontadas no sentido de trazer à memória suas oralidades e seu significado.

Remontaremos, então, a significância do conceito práxis pela sua potencialidade no discurso dos professores e, efetivamente no meu discurso, mas que, embora potente, seja muitas vezes utilizado de maneira não-competente. Afirmo isso, pois a expressão de práxis é utilizada sem a profundidade que o conceito carrega. Ao ponto de que, faz-se necessário realizar uma observação, a princípio óbvia, mas imprescindível. A de que argumento desde o início da pesquisa, um conceito de que a práxis diz de um movimento do educador no sentido de compreender suas ações práticas com os alunos, debruçando-se sobre os saberes construídos e ampliados pela Tradição, possibilitando um novo agir.

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Seria, numa hipótese primária, mas que se busca sustentar nesta pesquisa no seguinte espiral, considerando a práxis pedagógica:

Figura 1: Espiral da práxis docente FONTE: Elaboração da Autora, 2017

Observando a figura podemos pensar que a práxis é um processo contínuo, incansável de significação da prática docente, que se ampara no exercício da reflexão como método, como forma, via ou possibilidade de fazer-se docente, considerando, o conhecimento do professor, sua forma de pensar a educação e a educação escolar, sua relação com as teorias do conhecimento, com a forma de criação das situações de aprendizagens para seus alunos e, em como se constroem essas práticas reflexivas.

Essas concepções, que estamos a apresentar como hipóteses iniciais do conceito de práxis, formaram-se nas confabulações possíveis a partir das primeiras leituras sobre o tema, apoiado em alguns autores que depois se ampliaram ao mesmo modo como o conceito se ampliou.

É este deslocamento que pretendo apresentar neste primeiro capítulo, discutindo o conceito de práxis, ampliando esse conceito na via educacional, ou seja, desvelando a práxis docente. Pensando esse percurso como possibilidade de discussão de um conceito pensado em diversas áreas científicas, mas que nos

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interessa, prioritariamente, pensar na práxis docente pautada pelo Pensamento Complexo e na Educação Popular.

1.1 Discutindo o conceito de práxis

Para iniciar a discussão deste conceito, torna-se importante considerar que “práxis” é uma palavra que tem sua origem no termo grego “práxis”, que significa conduta ou ação. Este termo é abordado por vários campos de conhecimento, como Filosofia, Educação e Psicologia. É importante ressaltar que, por vezes, o termo é utilizado com oposição à teoria. Mas essa é uma forma limitada de conceber práxis.

Segundo o Dicionário Online de Português (2017), Práxis é considerada a “atividade ou situação concreta que se opõe à teórica; prática”. Ou ainda, a “utilização de uma teoria ou conhecimento de maneira prática”. Sendo relacionada a “tipo de conhecimento que se volta para as relações sociais, para a sociedade, para o âmbito político, econômico e moral”. Já no Dicionário Online de Sinônimos (2017) podemos encontrar “prática, realização, atividade, ação, costume, hábito, rotina, praxe”.

Em uma busca rápida em sites de pesquisa da internet3 podemos constatar

que vários pensadores mencionaram o conceito de práxis nas suas obras, como: Aristóteles, Karl Marx, Jean Paul Sartre, Adolfo Sanches Vázquez, Mario Osório Marques, dentre outros. Elencamos para esta dissertação considerar as perspectivas de Aristóteles, Marx e Vázquez, buscando sua interlocução com a Educação, alargando o olhar através da leitura de Edgar Morin sobre textos marxistas e a leitura de Paulo Freire sobre a práxis docente.

Aristóteles, então, distingue dois tipos de saberes: o contemplativo e o prático. O saber prático pode ser de dois tipos: práxis ou técnica. Interessa-nos pensar o primeiro: práxis, que nada mais é do que o agente e a ação do agir serem idênticas, assim, se o agente que é o humano ainda possui características selvagens, sua ação de agir será selvagem. O contrário também é valido, portanto, se o agente é ético, a ação de agir será ética.

3 O primeiro descritor utilizado na pesquisa foi “práxis”, com o qual foram encontrados 1.130.000

resultados. O segundo descritor utilizado foi “conceito de práxis”, sendo encontrados 535.000 resultados. Dediquei-me a leitura dos 20 primeiros sites e artigos apresentados em ambos os descritores.

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O verbete “práxis” apresentado por Gajo Petrovic (1983, p. 192) no Dicionário do Pensamento Marxista organizado por Tom Bottomore indica que:

A expressão práxis refere-se, em geral, a ação, a atividade, e, no sentido que lhe atribui Marx, à atividade livre, universal, criativa e auto-criativa, por meio da qual o homem cria (faz, produz), e transforma (conforma) seu mundo humano e histórico e a si mesmo; atividade específica ao homem, que o torna basicamente diferente de todos os outros seres. Nesse sentido, o homem pode ser considerado como um ser da práxis, entendida a a expressão como o conceito central do marxismo, e este como a “filosofia” (ou melhor, o “pensamento”) da “práxis”. […] A palavra é de origem grega e, de acordo com Lobkowicz, “refere-se a quase todos os tipos de atividade que o homem livre tem possibilidade de realizar; em particular, a todos os tipos de empreendimentos e de atividades políticas” […](1983, p. 192).

Para Marx, o conceito da práxis é um conceito central que permite o pensamento de uma nova filosofia, “que não quer permanecer como filosofia, mas transcender-se tanto em um novo pensamento metafilosófico como na transformação revolucionária do mundo” (PETROVIC, 1983, p. 192).

É importante considerar que “Marx desenvolveu seu conceito de maneira mais completa nos Manuscritos econômicos e filosóficos e o expressou de maneira mais vigorosa nas Teses sobre Feuerbach, embora já o tivesse antecipado em seus escritos anteriores.” E que, posteriormente, é ampliado por leitores de Marx.

Nos Manuscritos econômicos e filosóficos, Marx desenvolveu sua concepção do homem como um criativo e livre ser da práxis de forma tanto “positiva” como “negativa”, essa última por meio da crítica da auto-alienação humana. No que diz respeito à […] forma positiva, Marx afirma que “a atividade consciente, livre, é o caráter da espécie do ser humano” e que “a construção prática de um mundo objetivo, o trabalho, que se exerce sobre a natureza inorgânica, é a confirmação do homem como um ser de espécie consciente” (Primeiro manuscrito, “Trabalho alienado”). O significado de produção prática do homem encontra sua explicação no confronto entre a produção humana e a produção dos animais (PETROVIC, 1983, p. 193).

Em Manuscritos econômicos e filosóficos, há o indicativo de Marx que sugere que a teoria deva ser vista como uma das formas da práxis. O que será também discutido por seus leitores. E devemos considerar que Karl Marx aborda este conceito na prática do mesmo, ao cercar-se com suas questões teóricas no envolver-se com os movimentos sociais da época.

Marx (1984, p. 107-108) escreve na 3ª Tese sobre Feuerbach que “a doutrina materialista da transformação das circunstâncias e da educação esquece que as

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circunstâncias têm de ser transformadas pelos homens e que o próprio educador tem de ser educado”, indicando a importância do que irei discutir nas próximas páginas, principalmente as que constituem o segundo capítulo.

Esse autor acrescenta que “a coincidência da mudança das circunstâncias e da atividade humana só pode ser tomada e racionalmente entendida como práxis revolucionária” (MARX, 1984, p. 108). Algumas de suas obras apresentam essas questões que se colocam na atividade da vida humana. Sendo que é Adolfo Sánches Vázquez, filosofo, professor e escritor espanhol, que doutorou-se em Filosofia em 1961 na Universidade Autônoma do México, cuja tese, em 1967 foi editada e lançada sob o título de Filosofia da Práxis na qual apresenta uma busca pelo verdadeiro sentido marxista da práxis. É este autor que nos auxilia na compreensão desse conceito ampliado por Marx.

Vázquez considera como uma condição necessária à elevação de “nossa consciência da práxis como atividade material do homem que transforma o mundo natural e social para fazer dele um mundo humano” (VAZQUEZ, 1977, p. 3). Essa consciência da práxis somente é “alcançada historicamente – isto é, numa fase histórica determinada”, que é “reclamada pela própria história da práxis real ao chegar a certo estágio de desenvolvimento” e “quando já amadureceram, ao longo da história das ideias, as premissas teóricas necessárias” (VAZQUEZ, 1977, p. 16). A consciência da práxis se torna possível e necessária em determinadas condições objetivas e subjetivas.

Na tentativa de alargar a compreensão desse conceito na forma com que é proposto por Vázquez (1977) encontramos em seu livro, uma sequência de fragmentos que expressam que Práxis é: a) “atividade material do homem social” (p. 6); b) “atividade real, objetiva, material do homem, que só é homem – socialmente – em e pela práxis” (como ser social prático) (p. 7); c) “atividade prática material (p.16)”; d) “atividade humana transformadora da realidade natural e humana” (p. 32); e) “atividade humana transformadora da natureza e sociedade” (p.117); f) “atividade humana real, efetiva transformadora que, em sua forma radical, é justamente a revolução” (p. 131).

Devemos ponderar que há nessas preposições a finalidade de um caráter humano dotado da possibilidade de transformação ou produção da realidade/mundo, da atividade humana como capaz de assumir o papel social prático.

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Vázquez também pondera que a separação entre teoria e prática, “ou entre a ciência e suas aplicações prático-mecânicas, que é característica da Grécia clássica e que serve de base para a atitude depreciativa em relação ao trabalho e às artes mecânicas, não se manifesta em tempos anteriores na Jônia” (1977, p. 24).

Maria Luisa Santos Ribeiro (1991, p. 22) leitora de Vázquez (1977) considera que “a reflexão filosófica de Marx nos leva a atentar para o fato de que a ação humana e seus produtos respondem, fundamentalmente, à necessidade do ser humano de se produzir enquanto humano”. Ao que acrescenta que é “uma necessidade que se realiza, é certo na cotidianidade da vida, mas não de uma maneira imediata, direta”. Essa autora inicia a discussão de uma aproximação da práxis com a Educação em seu livro Educação Escolar e Práxis, quando afirma que:

Quando tomamos a atividade humana de natureza educacional como tema de preocupação, isto não pode deixar de ser compreendido. Ela, a educação, como as demais formas de atividade humana, está condicionada por esta finalidade; finalidade que não é algo acabado, posto em abstrato, e sim uma finalidade que se põe e se resolve infinitamente na história; finalidade de construção/constituição de um ser humano cada vez mais humano (RIBEIRO, 1991, p. 22-23).

Buscamos Leandro Konder (1992, p. 116) para respaldar as reflexões, que no livro O futuro da Filosofia da Práxis: O Pensamento de Marx no século XXI, o mesmo afirma que “Práxis e teoria são interligadas, interdependentes. A teoria é um momento necessário da práxis; e essa necessidade não é um luxo: é uma característica que distingue a práxis das atividades meramente repetitivas, cegas, mecânicas, ‘abstratas’”. Assim, “[...] a práxis é a atividade que, para se tornar mais humana, precisa ser realizada por um sujeito mais livre e mais consciente.”

Konder (1992, p. 115) afirma que “a práxis é a atividade concreta pela qual os sujeitos humanos se afirmam no mundo, modificando a realidade objetiva e, para poderem alterá-la, transformando-se a si mesmos”. Assim, “e a ação que, para se aprofundar de maneira mais consequente, precisa da reflexão, do autoquestionamento da teoria; e é a teoria que remete à ação, que enfrenta o desafio de verificar seus acertos e desacertos, cotejando-os com a prática.”

Esse sujeito da ação deve buscar sempre a transformação, ou seja,

teria de ser a atividade de um sujeito que, ao enfrentar o desafio de mudar o mundo, enfrentaria também o desafio de promover sua própria transformação. Por isso Marx escreveu: “A coincidência da modificação das circunstâncias com a mudança da própria atividade humana, ou a

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autotransformação, só pode ser compreendida e racionalmente entendida como práxis revolucionária” (KONDER, 1992, p. 117).

Levando em conta essas premissas que buscam delinear o conceito de práxis, pretendo a partir de agora, compreender essas questões com auxílio de dois autores que formulam perspectivas acerca do sujeito no mundo e na educação apoiados em referenciais marxistas, sendo eles, Paulo Freire, sendo que apresento brevemente pressupostos da Educação Popular e, Edgar Morin, com pressupostos do Pensamento Complexo.

1.2 Educação Escolar e a Práxis na perspectiva da Educação Popular – uma possibilidade de pensar a práxis docente como transformadora

Para aprofundar a questão da Educação Escolar e a práxis docente nos interessa pensar a partir dos pressupostos da Educação Popular, apoiando-se em Paulo Freire (1980, 2013, 2016). Um educador brasileiro com grande contribuição às discussões da Educação Brasileira que defendia o rompimento da “educação bancária” e o alargamento da visão da educação como possibilidade transformadora da realidade de sujeitos oprimidos pelo sistema, apostando na dialogicidade como metodologia potente, essência da educação e prática de liberdade.

Compreender essas questões relacionadas à educação escolar, educação popular e práxis docente; só se fez possível a partir da leitura aprofundada de quatro obras do autor: Conscientização: teoria e prática da liberdade – uma introdução ao pensamento de Paulo Freire (1980); Que fazer: teoria e prática em Educação Popular (1989); Pedagogia do Oprimido (2013) e, Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa (2016).

Freire (2016, p. 24) considera que a teoria pela teoria pode se transformar num mero “blábláblá”, num discurso estéril, pouco produtivo entre professores. E que a prática somente pela prática, se transforma em ativismo, que não se torna prática efetiva de transformação. Propõe então a reflexão sobre a prática na sua relação teoria/prática. Este autor pondera que é necessária a “reflexão crítica sobre a prática”, considerando que “a prática docente crítica, implicante do pensar certo, envolve o movimento dinâmico, dialético, entre o fazer e o pensar sobre o fazer (FREIRE, 2016, p. 39). Isto está de acordo com minha hipótese inicial apresentada

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nas primeiras páginas desse escrito, uma vez que considero a práxis o movimento de ação e reflexão sobre a ação do educador.

Nessa indicação da relação entre teoria e prática, Paulo Freire (2016, p. 47) expõe sobre sua própria experiência: “Como professor num curso de formação docente não posso esgotar minha prática discursando sobre a Teoria da não extensão do conhecimento. Não posso apenas falar bonito sobre as razões ontológicas, epistemológicas e políticas da Teoria”. Dessa maneira, “o meu discurso sobre a Teoria deve ser o exemplo concreto, prático, da teoria. Sua encarnação. Ao falar da construção do conhecimento, criticando a sua extensão, já devo estar envolvido nela, e nela, a construção, estar envolvendo os alunos”.

Nessa discussão sobre o ensinar apresentada por Freire (2016, p. 39-40), outra questão se apresenta e amplia horizontes. O educador afirma que é a evolução da curiosidade ingênua que torna o sujeito crítico:

O saber que a prática docente espontânea ou quase espontânea, "desarmada", indiscutivelmente produz é um saber ingênuo, um saber de experiência feito, a que falta a rigorosidade metódica que caracteriza a curiosidade epistemológica do sujeito. Este não é o saber que a rigorosidade do pensar certo procura. Por isso, é fundamental que, na prática da formação docente, o aprendiz de educador assuma que o indispensável pensar certo não é presente dos deuses nem se acha nos guias de professores que iluminados intelectuais escrevem desde o centro do poder, mas, pelo contrário, o pensar certo que supera o ingênuo tem que ser produzido pelo próprio aprendiz em comunhão com o professor formador. É preciso, por outro lado, reinsistir em que a matriz do pensar ingênuo como a do crítico é a curiosidade mesma, característica do fenômeno vital. Neste sentido, indubitavelmente, é tão curioso o professor chamado leigo no interior de Pernambuco quanto o professor de Filosofia da Educação na Universidade A ou B. O de que se precisa é possibilitar, que, voltando-se sobre si mesma, através da reflexão sobre a prática, a curiosidade ingênua, percebendo-se como tal, se vá tornando crítica.

Esse excerto nos permite considerar muitas questões. Dentre as quais, além da já citada, pondero as seguintes: a) a prática espontânea produz uma experiência não pensada, portanto, não refletida; b) o pensar certo, possível pela reflexão da prática intencional educativa, supera o pensar ingênuo; c) através da reflexão da prática realizada com rigor se torna crítica.

É pensando dessa maneira que me aproprio, pouco a pouco, de pontos para a discussão que farei a seguir acerca da formação continuada de professores em contexto. Freire justifica que “[...] na formação permanente dos professores, o

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momento fundamental é o da reflexão crítica sobre a prática. É pensando criticamente a prática de hoje ou de ontem que se pode melhorar a próxima prática”. Esse autor ainda alarga a questão, admitindo que “o próprio discurso teórico, necessário à reflexão crítica, tem de ser de tal modo concreto que quase se confunde com a prática”. Ou seja, o discurso do professor ao dialogar com seus pares deve estar inundado de vivências e experiências práticas vividas com seus alunos. “O seu ‘distanciamento epistemológico’ da prática enquanto objeto de sua análise deve dela ‘aproximá-lo’ ao máximo” (FREIRE, 2016, p. 40).

Colocando o educador em sua autoformação, uma vez que “quanto mais me assumo como estou assim, mais me torno capaz de mudar, de promover-me, no caso, do estado de curiosidade ingênua para o de curiosidade epistemológica”. Evidenciando que “não é possível a assunção que o sujeito faz de si numa certa forma de estar sendo sem a disponibilidade para mudar. Para mudar e de cujo processo se faz necessariamente sujeito também”.

A práxis é vista por Freire (2016) como transformação, assim como Marx (1984) sugere. Nesse prisma, o educador brasileiro defende que “O mundo não é. O mundo está sendo”. Desta maneira, nos propõe a pensar que podemos interferir nesse curso do mundo. Assim, “como subjetividade curiosa, inteligente, interferidora na objetividade com que dialeticamente me relaciono, meu papel no mundo não é só o de quem constata o que ocorre, mas também o de quem intervém como sujeito de ocorrências”. Pois, “não sou apenas objeto da História mas seu sujeito igualmente” (FREIRE, 2016, p. 74). Dessa maneira, a tese desse autor é que a práxis retira o oprimido da não-liberdade. Uma vez que o sujeito é criador e transformador de seu mundo.

Podemos considerar então, a questão do diálogo nas formações continuadas em contexto, que abordaremos com maior profundidade no próximo capítulo. Freire (2013) pondera que o diálogo é uma forma de pronunciar o mundo e desejamos que a formação continuada seja o espaço/tempo de pronunciar o mundo vivido na escola, articulando com o mundo social, avaliando as constâncias do cotidiano no sentido de ampliar as ações pedagógicas qualificando a escola.

Assumimos como premissa o diálogo como elemento fundante da práxis docente, que permite o pensar e repensar na forma de pronunciar o mundo. E “não é no silêncio que os homens se fazem, mas na palavra, no trabalho e na ação-reflexão” (FREIRE, 2013, p. 108).

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Desta maneira, incorporo as palavras de Freire (2013, p. 108) quando pontua que “a existência, porque humana, não pode ser muda, silenciosa, nem tão pouco pode nutrir-se de falsas palavras, mas de palavras verdadeiras, com que os homens transformam o mundo”. Assim, “existir, humanamente, é pronunciar o mundo, é modificá-lo. O mundo pronunciado, por sua vez se volta problematizado aos sujeitos pronunciantes, a exigir deles novo pronunciar”.

Pronunciar é opor-se ao silêncio e aos atos prescritivos, por consequência:

[...] se dizer a palavra verdadeira, que é trabalho, que é práxis, é transformar o mundo, dizer a palavra não é privilégio de alguns homens, mas direito de todos os homens. Precisamente por isto, ninguém pode dizer a palavra verdadeira sozinho, ou dizê-la para os outros, num ato de prescrição, com o qual rouba a palavra dos demais. (FREIRE, 2013, p. 109)

O diálogo é considerado por Freire (2013, p. 109) como “encontro dos homens, mediatizados pelo mundo, para pronunciá-lo, não se esgotando, portanto na relação eu-tu”. Destarte, “esta é a razão porque não é possível o diálogo entre os que querem a pronúncia do mundo e os que não a querem; entre os que negam aos demais o direito de dizer a palavra e os que se acham negados desse direito”. Sendo importante considerar que “se é dizendo a palavra com que, pronunciando o mundo, os homens o transformam, o diálogo que se impõe como caminho pelo qual os homens ganham significação enquanto homens”.

Com tais características, o diálogo possibilita expressar em palavras os sentimentos, angústias e receios dos professores com relação as ações pedagógicas desenvolvidas na escola, suas inquietações, anseios por superar os empecilhos do cotidiano. É nesse diálogo entre os atores principais – professores e coordenadores pedagógicos – que se ensaiam reflexões, apontamentos e sugestões para a qualificação do que é rotineiro4 na escola.

Apresentadas tais questões, podemos considerar a importância de professores que buscam uma a práxis docente, pronunciar o mundo, criando novos mundos, ampliando sua capacidade interpretativa e dialógica no contato com os pares, que apresentaremos mais adiante como possibilidade de formação, a

4 Quando pensamos nas questões rotineiras da escola, principalmente as da Educação Infantil,

precisamos romper com “rotinas rotineiras”, em que as situações são cronometradas por um tempo kronós, finito, controlado, metódico e linear. Precisamos romper com o que se assemelha aos versos de Chico Buarque na música Cotidiano quando afirma que “todo dia ela faz tudo sempre igual”. E precisamos trazer isso para pensarmos as formações continuadas em contexto, que não podem se tornar rotineiras e que devem estar abertas ao diálogo, que nunca será rotineiro, e que permitirá muitos caminhos de reflexão.

Referências

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