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Modelo capitalista e a dignidade dos trabalhadores: o papel do descanso, do lazer e do ócio

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Academic year: 2021

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CARLOS EDUARDO KRÜGER

O MODELO CAPITALISTA E A DIGNIDADE DOS TRABALHADORES: O PAPEL DO DESCANSO, DO LAZER E DO ÓCIO

Ijuí (RS) 2015

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O MODELO CAPITALISTA E A DIGNIDADE DOS TRABALHADORES: O PAPEL DO DESCANSO, DO LAZER E DO ÓCIO

Trabalho de Conclusão do Curso de Graduação em Direito objetivando a aprovação no componente curricular Trabalho de Curso – TC.

UNIJUÍ – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul. DCJS – Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais.

Orientador: Dr. Gilmar Antonio Bedin

Ijuí (RS) 2015

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Dedico este trabalho à minha família e meus sinceros amigos, pelo incentivo, apoio e confiança em mim depositados durante toda a minha jornada, mas, de modo especial, à minha amada esposa, Jaqueline, pela sua fidelidade, parceria e companheirismo.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, em primeiro plano, por estar sempre comigo, me concedendo saúde, me iluminando e me encorajando para vencer os desafios da vida.

À minha querida esposa, Jaqueline, por toda compreensão e apoio no transcorrer deste trabalho, bem como pela parceria na vida.

Aos meus pais, José Carlos e Dóris Elisabeth (in memoriam), que sempre estão presentes, física ou mentalmente, e me incentivam com apoio e confiança, com quem aprendi que os desafios são necessários para o desenvolvimento, para a valorização da vida e para o viver a cada instante.

Ao meu orientador, Prof. Dr. Gilmar Antonio Bedin, com quem eu tive o privilégio de conviver e contar com sua dedicação e disponibilidade, me guiando pelos caminhos do conhecimento.

Aos meus colegas de trabalho do Cartório Eleitoral da 23ª Zona Eleitoral do TRE/RS, que colaboraram sempre que solicitados, com boa vontade e generosidade, enriquecendo o meu aprendizado.

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O trabalho produz maravilhas para os ricos, mas produz desnudez para o trabalhador. Produz palácios, mas cavernas para o trabalhador. Produz belezas, mas mutilação para o trabalhador. (Karl Marx)

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RESUMO

O presente trabalho de conclusão de curso faz uma análise das dificuldades enfrentadas pela classe trabalhadora na realidade capitalista, causadas pelos detentores do capital na corrida incessante ao lucro. Assim, busca resgatar as origens do capitalismo, bem como quer pontuar sobre a desproporcional valoração do capital em detrimento da mão de obra dos trabalhadores. Aborda o surgimento do neoliberalismo e suas avassaladoras consequências à existência e dignidade do trabalhador ser humano. Neste contexto, o trabalho estuda o princípio da dignidade da pessoa humana e o vincula com o mundo do trabalho, visando correlacioná-los. Investiga essa bipolaridade e busca e romper com a lógica capitalista de coisificação dos trabalhadores, fortalecendo e estimulando a humanização na relação laboral. Faz uma breve análise sobre a possibilidade de mudança nessa relação, que permite um novo horizonte, vislumbrando, mesmo que em longo prazo, uma valorização da saúde e do bem-estar dos trabalhadores. Nesse sentido, o trabalho encerra tecendo um conjunto de possibilidades que podem garantir a efetividade de uma melhor qualidade de vida aos trabalhadores e, diante dessa prioridade, a necessidade da valorização do lazer, do descanso e do ócio. Esta valorização exerce função reparadora ao esgotamento decorrente do excesso laboral e almeja uma maior qualidade de vida à classe trabalhadora.

Palavras-chave: Capitalismo; Neoliberalismo; Coisificação do trabalhador; Dignidade da pessoa humana; Esgotamento laboral; Alternativas reparadoras.

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ABSTRACT

This course conclusion work analyzes the difficulties faced by the working class in capitalist reality, caused by equity holders in the relentless pursuit of profit. So we look for the origins of capitalism and want to score on the disproportionate valuation of capital at the expense of the labor of workers. It addresses the rise of neoliberalism and its overwhelming consequences of the existence and dignity of the individual worker. In this context, the paper studies the principle of human dignity and the links with the world of work in order to correlate them. Investigates this bipolarity and search and break with the capitalist logic of commodification of workers, strengthening and stimulating the humanization of the employment relationship. A brief analysis of the possibility of change in this relationship, which allows a new horizon, shimmering, even in the long term, an appreciation of health and well-being of workers. In this sense, the work ends weaving a set of possibilities that can ensure the effectiveness of a better quality of life for workers and, before this priority, the need for enhancement of leisure, rest and leisure. This appreciation has restorative function due to the depletion of the excess labor and crave a higher quality of life for the working class.

Keywords: Capitalism; Neoliberalism; Worker objectification; Dignity of human person; Labor exhaustion; Remedial alternatives.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 09

1 O MODELO CAPITALISTA ... 12

1.1 As origens do capitalismo ... 14

1.2 A relação desigual entre capital e trabalho ... 19

1.3 O surgimento do neoliberalismo e suas consequências ... 21

2 O MUNDO DO TRABALHO E A DIGNIDADE HUMANA ... 27

2.1 O princípio da dignidade da pessoa humana ... 31

2.2 O salário e a (des)valorização do trabalho ... 36

2.3 A condição limitada de ser humano no mundo do trabalho ... 41

2.4 Danos à saúde física e mental decorrentes da atividade laboral ... 46

3 A SOCIEDADE CAPITALISTA E A LUTA PELA DIGNIDADE ... 50

3.1 O lazer como elemento de reconstrução da vida ... 52

3.2 O descanso e a sua função vital ... 55

3.3 O ócio e a dignidade ...57

CONCLUSÃO ... 65

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INTRODUÇÃO

A trajetória da exploração do capital sobre o trabalho vem contribuindo massivamente para o enriquecimento dos detentores dos meios de produção e fragilizando a vida dos trabalhadores. O presente estudo aborda esta relação desigual e as estratégias utilizadas pelo sistema capitalista para tornar dominante a busca do lucro, a todo preço, em detrimento dos trabalhadores e seu bem-estar.

Para tanto, o trabalho foi dividido em três capítulos. O primeiro apresenta o modelo capitalista e a traça desigual estabelecida entre capital e trabalho. A parte final deste primeiro capítulo destaca também o surgimento do neoliberalismo e suas consequências. Neste sentido, demonstra que a dinâmica exploratória do modelo capitalista aumento nos últimos anos e que tem fragilizado a saúde dos trabalhadores.

O segundo capítulo aborda o princípio da dignidade da pessoa humana e seu vínculo com o mundo do trabalho. O foco é verificar como os trabalhadores são desumanizados pelo capital nas relações de trabalho. O que fica evidente que o capital leva a um esgotamento dos trabalhadores e, com isso, abre espaço para um conjunto de acidentes que tornam muitos trabalhadores inválidos ou, então, produz um nível tão alto de estresse que afeta estruturalmente a saúde dos mesmos. Nos casos extremos, os trabalhadores são descartados e se tornam parte de um enorme grupo social excluído.

O terceiro capítulo aborda as possibilidades hoje disponíveis para amenizar o referido quadro e para produzir uma nova etapa da sociedade humana. Os elementos constituidores dessa luz no fim do túnel são descanso, o lazer e o ócio. O descanso, propriamente dito, já prevê a reposição energética do corpo e da mente, o desligamento do trabalho, do estresse, da vida corrida. O ato de se reconstituir, de dentro para fora, no intento de

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redescobrir-se, de se renovar, que tem função vital na vida de qualquer ser. Tanto é que o descanso, se não realizado diariamente, acarreta em desequilíbrio do indivíduo, afetando funções vitais e extracorpóreas.

O lazer também se apresenta como elemento reconstituidor da condição essencialmente humana, sobre o qual o trabalhador sorri, se alegra, alimente o seu bem-estar e sua autoestima. As buscas por descobrir a importância do lazer na atividade humana, e a sua condição libertadora, também norteiam a pesquisa em tela.

Ainda no terceiro capítulo será abordada a temática do “ócio”, na sua relação com o trabalho. Pretende-se desmistificar o termo, racionalizá-lo e disseminá-lo no meio social, com o objetivo de colocar a classe trabalhadora a par de sua existência. É desejo esclarecer a sua real importância quanto à manutenção da saúde e o equilíbrio na vida laboral da pessoa humana.

O problema em tela se traduz pelas desigualdades enfrentadas pelo trabalhador que atingem a sua dignidade, e tem se intensificado e tornado cada vez mais complexas as relações trabalhistas. A função desempenhada pelo trabalhador tem sido alvo de constante desrespeito, sobremaneira no tocante à desconsideração de sua elementar condição humana.

As consequências do trabalho, muitas vezes irreversíveis ao trabalhador, o colocam como algo descartável, o qual acaba amargando as mazelas sofridas em consequência de seu desempenho laboral durante a vida. O próprio capitalismo tem sido o pilar sustentador das desigualdades nas relações de trabalho, incentivando a busca pelo lucro a qualquer preço, o que muitas vezes custa até a vida de trabalhadores. Assim, o presente estudo almeja verificar se o trabalhador está sendo alvo de uma dignidade plena.

O objetivo geral da pesquisa é estudar a prática dos direitos trabalhistas sob a égide do princípio da dignidade da pessoa humana, especialmente no tocante à realidade atual, através de elementos que considerem a condição

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essencialmente humana do trabalhador, submergido na realidade capitalista.

Quanto aos objetivos específicos, tem-se definidos a seguir: a) verificar a influência segregadora do capitalismo sobre o trabalho humano nas suas principais características; b) Atentar para as constantes ameaças de precarização da atividade do trabalhador, que renegam a condição essencialmente humana do trabalhador; c) Estabelecer uma reflexão com paralelos que constituem alternativas remediadoras desse esgotamento laboral.

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1 O MODELO CAPITALISTA

O modelo capitalista pode ser analisado de diversos pontos de vista. O presente trabalho analisa o mesmo do ângulo dos trabalhadores e da fragilização de sua dignidade. O ponto de partida é a constatação que os trabalhadores estão atualmente reduzidos a uma condição subalterna e que seus direitos são constantemente violados devido a sua condição de mera força de trabalho.

A referida condição fica ainda mais evidente quando é abordada a partir da teoria critica do capital. Esta teoria, desenvolvida por Karl Marx, não alerta apenas para uma teoria da exploração (explica os mecanismos da produção de mais-valia através da exploração da força de trabalho), mas também para uma teoria do estranhamento, que expressa a própria natureza anti-humana do capital.

O capital é o próprio sistema do estranhamento social. A categoria de estranhamento é uma das mais significativas categorias sociológicas. É ela que constitui o conteúdo material da categoria capital. Aliás, a última se confunde com a primeira. Através da categoria de estranhamento (ou alienação) podemos dar uma inteligibilidade critica a fenomenologia da reprodução social na sociedade burguesa.(ALVES, 2007, p.19).

A exteriorização ou objetivação da atividade humana, genericamente, possui um sentido de positividade, “de acordo com os traços ontológicos da atividade do trabalho humano-genérico. O homem é um animal que produz objetos, isto é, se objetiva em produtos.” (ALVES, 2007, p.19).

Um exemplo claramente aplicável à necessidade do trabalho, inclusiva para a manutenção da vida, pode-se ouvir na música composta por Miro Saldanha (letra e música), cantada em conjunto com seu primo, Jean Kirchoff. Nela, os cantores traduzem a vida do cidadão comum, que precisa enfrentar os “ossos do ofício” na busca do alimento e do sustento, como um todo, para a vida do trabalhador.

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Só quem batalha, nesta vida bruta / Nessa labuta de ganhar o pão / Acorda cedo, pula e vai à luta / Pr’a que a batuta não caia no chão / Sabe que cedo aprende quem escuta / Nasceu biruta quem pensa que é leão! [...] (SALDANHA, 2004).

O conceito de luta ou disputa de classes, que há tempos se representou como protagonista dos modos de produção de bens da sociedade, compreende uma oposição entre os grupos que detêm e os que não detêm os meios de produção ou o capital. Marx contribuiu massivamente para que esse conceito fosse mais bem assimilado no intuito de que, a partir do conhecimento dessa dualidade, se pudesse traçar meios para combatê-la. A análise dessa situação serviu de base para possíveis explicações relativas ao fenômeno da desigualdade.

Através de suas reflexões criticas, Marx conseguiu apreender o sistema categorial essencial dos mecanismos fundantes e fundamentais da sociedade burguesa. Um dos mais perspicazes leitores de Marx, István Mészáros, atribuiu em sua obra, algumas características essenciais ao capital, isto é, o capital é expansionista, incontrolável, incorrigível e insustentável. São tais características essenciais do capital que explicam a voracidade dos processos de reestruturação capitalista, com destaque para o processo de reestruturação produtiva que atinge, de forma contínua, o modo de produção capitalista. (ALVES, 2007, p. 15).

O trabalho consiste em uma atividade essencial para a vida, no qual o homem se humaniza, se desenvolve, se sociabiliza e adquire autonomia intervindo na natureza por meio de sua ação propositiva, transformadora, por meio da produção de materiais que tem sua especificidade funcional no grupo social. No capitalismo, por sua vez, o trabalho pode se tornar uma atividade alienada e degradante, atingindo a saúde física e mental do trabalhador. Um dos fatores que impulsionam essa situação é a separação propositada entre o trabalhador e o resultado do seu trabalho, o que acarreta a alienação do homem como ser social e como trabalhador, no sentido literal da palavra.

Marx, um dos pioneiros a levantar a bandeira em prol do hipossuficiente, trilhou sua trajetória na busca incessante por melhores (dignas, diga-se de

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passagem) condições de trabalho, visto que os homens (trabalhadores e patrões) precisam inter-relacionar-se para chegar ao resultado, ao produto final. István Mészáros relata essa visão de Marx. A interação entre eles é essencial, desde a Criação do Mundo, para um bom convívio em sociedade.

1.1 As origens do capitalismo

A desigualdade tem se multiplicado em vários (para não se dizer todos) os momentos da história da humanidade. O capitalismo, visto como um elemento integrador dessa prática, dá alças para que os trabalhadores sejam transformados em sujeitos abstratos e alheios à uma cidadania pregada teoricamente, inclusive com embasamentos legais. Assim, a própria inconstitucionalidade os faz “vista-grossa”, ocasionando numa exclusão social onde seu gargalo não é findado.

Se, por um lado, evidencia a diferença entre grupos ou, ainda, a coexistência de disparidades entre grupos privilegiados e despossuídos, por outro não sinaliza um antagonismo de interesses, alicerçado, sobretudo, na propriedade privada – a posse dos meios de produção –, tal qual nas teorias marxistas ou decorrentes do próprio marxismo. E, desse modo, a questão passa a centrar-se na análise sobre o que torna um grupo privilegiado em relação a outro, e se o elemento que faculta o privilégio pode ser compreendido como objeto de contradição entre tais grupos, evidenciando, assim, uma disputa de classes. (FERNANDES apud COPELLI, 2015, p.67).

A desigualdade, que historicamente compôs o campo das relações sociais, apoiou-se na exclusão pela diferença, como se pode constatar em fragmentos que fazem referência desde períodos da antiguidade, como se apresenta o épico modelo social ateniense ou o romano. Na Idade Média, o Cristianismo, através do Catolicismo Romano, buscou com veemência a defesa da igualdade perante Deus, o que não substanciou, necessariamente, a relação igual entre homens.

As tidas maravilhas do mundo antigo, por exemplo, foram construídas através desta insana lógica em que homens se julgavam no direito de subjugar outros homens. Castelos,

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territórios, feudos e outras fortalezas eram construídas e mantidas através da coisificação da pessoa humana. Nesta mesma lógica insana, a escravidão pela cor se perpetuou séculos depois, tornando-se, inclusive, um direito plenamente aceitável, até mesmo para as instituições religiosas, especialmente a Igreja Católica, que também se faziam proprietárias de seres humanos. Certamente por isso se excluía do conceito de crime ou pecado a coisificação do trabalho humano, mesmo porque, segundo se pregava à época, os índios, as mulheres e os negros não foram aquinhoados com o sacro atributo da alma (BRITTO, jan./mar. 2012, p. 48).

A crítica do capital encabeçada por Karl Marx (apud MÉSZÁROS, 1981) consiste, na sua essência, na critica da modernidade. Nesse sentido, Marx atenta contra a modernidade do capital, deste viés histórico de controle e dominação do metabolismo social que se formou a partir do modo de produção capitalista, cujas origens históricas têm registros a partir do século XVI.

É Inegável a influência do pensamento marxista nos postulados que fazem referência à relação de trabalho e promoção da igualdade e da dignidade laboral (MARX; ENGELS, apud COPELLI, 2015). Marx assevera que, além de outros fatores, os meios de produção tem a função segregadora da sociedade, na raiz de sua aplicação. Esse objeto tem significativo desempenho no que Marx chama de primeiro ato histórico da humanidade, isto é, a elaboração dos meios através dos quais é garantida a satisfação das necessidades da raça humana, especialmente no que tange às necessidades primárias ou básicas de sobrevivência. Assim Marx subscreve no seu texto A Ideologia Alemã:

O primeiro pressuposto de toda a existência humana e, portanto, de toda a história, é que os homens devem estar em condições de viver para poder fazer história. Mas, para viver, é preciso antes de tudo comer, beber, ter habitação, vestir-se e algumas coisas mais. O primeiro ato histórico é, portanto, a produção dos meios que permitam a satisfação destas necessidades, a produção da própria vida material, e de fato este é um ato histórico, uma condição fundamental de toda a história, que ainda hoje, como há milhares de anos, deve ser cumprido todos os dias e todas as horas, simplesmente para manter os homens vivos (MARX; ENGELS, apud COPELLI, 2015, p. 64-65).

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Não obstante, Marx observa que, para que o homem obtenha meios para acessar a satisfação das necessidades básicas, é necessário o encontro de trabalho. Neste caso encontra-se o homem operário ou proletário, que se materializa naquele que não tem meios de produção, integrando o polo fragilizado da relação de trabalho. Especialmente no modo de produção capitalista, onde a sociedade global encontra-se inserida na atualidade. Nesse sentido, segue o entendimento:

E só encontram trabalho à medida que seu trabalho aumenta o capital1. Esses operários, compelidos a venderem-se a retalho,

são uma mercadoria como qualquer outro artigo no comércio e, portanto, estão igualmente sujeitos a todas as vicissitudes da concorrência, a todas as flutuações do mercado. (MARX; ENGELS apud COPELLI, 2015, p. 65).

O Protestantismo, figurado também pelo Cristianismo, entre outras adequações à conduta ética e moral da sociedade, também intensificou severas críticas á postura denominada de suprema hipocrisia, onde se presenciava que o trabalho dos inferiores era realizado para manter a ociosidade da classe hierarquicamente superior e dominante, o que ocorria na sociedade com um todo, abrangendo os interiores da Igreja.

A transformação histórica em mercadoria é que iria inaugurar não apenas o modo de produção capitalista, mas a própria tendência de mercantilização universal. [...] O ato primordial de constituição da sociedade mercantil complexa é a transformação da própria força de trabalho em mercadoria. (ALVES, 2007, p. 18).

A problemática do direito do trabalho seja enquanto conceito, virtude ou função, é (e sempre) foi um dos temas mais complexos da humanidade. Incisivamente os homens elaboraram teorias para elucidar as questões que se

1Conforme Casagrande e Amorim (apud COPELLI, 2015, p. 65), “a força de trabalho é a única

mercadoria capaz de produzir valor. Para Marx, uma parte deste valor, apropriada sob a forma de trabalho excedente, é trabalho não-pago, e passa a integrar o capital, transformando-se em riqueza. No capitalismo, esse trabalho excedente assume a forma de mais-valia, expressão do grau de exploração da força de trabalho pelo capital”.

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apresentavam acerca da relação de trabalho. A pluralidade de intervenções positivas na discussão sempre trouxe consigo um viés de humanização e valorização da situação humana do trabalhador, seja nos conceitos elaborados por sociólogos do século XIX, seja nos preceitos teóricos e embasamentos legais construídos contemporaneamente.

Nessa conjuntura, (CHAUÍ apud COPELLI, 2015), qualquer formulação que tenha a pretensão de legitimidade, no que diz respeito à defesa do hipossuficiente, logicamente deve remontar ao pensamento daquela época, abarcando os primórdios da era capitalista, inclusive no que tange aos postulados filosóficos de Karl Marx e outros pensadores e sociólogos que agregaram, consideravelmente, para a análise criteriosa desse sistema e de possíveis alternativas para sanar a diferença social alimentada por esse modelo socioeconômico vigente deste então.

A sociedade civil é o processo de constituição e reposição das condições materiais da produção econômica pelas quais são engendradas as classes sociais: os proprietários privados dos meios de produção e os trabalhadores ou não proprietários, que vendem sua força de trabalho como mercadoria submetida à lei da oferta e da procura no mercado de mão de obra. Essas classes sociais são antagônicas e seus conflitos revelam uma contradição profunda entre os interesses irreconciliáveis de cada uma delas. (CHAUÍ apud COPELLI, 2015, p. 64).

Os termos classe e desigualdade social referem-se à concepção clássica da Sociologia, a qual foi constante até meados da década de 70 do século XX. Neste sentido, segundo Balsa (et. al., 2006, p. 63), “[...] o cerne da questão social é o conflito que opõe grupos sociais homogêneos em luta pela repartição dos benefícios do crescimento.” Atinente à classe social está o contrato social. Uma de suas teses é a igualdade formal, que se tornou rígida por meio de seu embasamento legal, constante na Declaração Universal dos Direitos do Homem. Nesse espectro, o crescimento das riquezas produzidas deve legitimar e dar condições para a redistribuição, igualmente, dessas riquezas.

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A segunda ideia formadora do contrato social seria de equidade, atinente ao empenho que deve ser empregado pelo indivíduo para evoluir, ascender socialmente. Balsa (2006, p. 93) assevera que o trabalhador precisa “[...] mostrar sua vontade de autonomia, seu sentido das responsabilidades, seu desejo de assumir-se, de ser ator, individual ou coletivamente.” Essa postura o coloca numa condição de evoluir, progredir, sair o mais rapidamente de sua condição de pobre.

Outro grande pensador, que desenvolve sua opinião por meio da música, é Jorge Guedes e sua Família. Em sua composição “Nas Trilhas do Mato Grande”, de coautoria com Gilmar Martinelli e Luiz Alberto Simões, Jorge aborda a temática do avanço cruel e sagaz do capitalismo, destruindo desde as edificações utilizadas em tempos passados, hoje em ruínas, até a condição humana na essência do trabalhador, perpassando pela afronta do capital em avanço sobre a natureza.

A imponência missioneira / Ficou gravada na história / E as trilhas do mato grande / Bem vivas em nossa memória / A ideia de progresso / Aos poucos tudo consome / A natureza sucumbe / Frente à ganância do homem.

Foi a golpe de machado / Que tombaram o mato inteiro / Virou cinza nas coivaras / Nosso mato missioneiro.

A velha estrada de ferro / Construída a aço e fogo / Hoje esta abandonada / Seguindo as regras do jogo / Nesta triste realidade / O mato grande sumiu / Hoje não resta mais nada / Nem nas barrancas dos rios. (GUEDES, 2013). (grifo do autor).

Guedes aponta que o consumismo, alimentado pelo poderio do capital, é a chave-mestra do egocentrismo humano, que ultrapassa qualquer barreira em busca do “ouro”. Sua letra aborda, também, que a evolução na indústria e na tecnologia outrora considerada evoluída, promissora, útil e de grande valia, por permitir o progresso, hoje está abandonada, ultrapassada, defasada, e sem serventia. Noutras palavras, já não tem mais utilidade aquilo que em outros tempos era a principal ferramenta para o desenvolvimento. Na música em tela trata-se do trem e de sua estrutura ferroviária.

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Cabe ressaltar, também, que na música “Nas Trilhas do Mato Grande”, a natureza aparece como algo ignorado, desprovido de dignidade. Nesse sentido, a natureza é destruída, em prol do progresso (leia-se capitalismo) que, aos poucos, tudo consome. A ganância do homem se sobrepõe ao elemento que o permite subsistir, que é a natureza. Nesse sentido, o homem pode servir-se à vontade, usar e abusar, exterminando-a. A consciência de conservação ambiental e reposição dos danos causados à natureza é algo até hoje não muito bem disseminado (ou aceito/reconhecido) pela sociedade.

1.2 A relação desigual entre capital e trabalho

A relação existente entre o capitalista, aquele detentor do capital e dos meios de produção, e o trabalhador, que se vê não tendo outra saída senão de vender o seu único e mais valioso bem, qual seja a sua força de trabalho, abarca, também o tempo de vida da pessoa humana. Essa única saída por parte do trabalhador, em vender a sua força de trabalho, deve-se ao fato da elementar manutenção da vida, fazendo-se necessário alimentar-se, vestir-se e garantir o custeio de fatores intrínsecos à vida regular, como ao acesso à água, à energia elétrica, à moradia, ao transporte, à saúde, entre outros fatores.

O capitalismo, em sua base intrinsecamente produtiva, é movido pela relação de produção mais-valia. É a partir desse mecanismo que o ciclo social é regido, submetendo-se às limitações e imposições do sistema capitalista para manter-se numa condição de acessibilidade perante os elementos de manutenção de uma vida essencialmente digna.

A natureza é, cada vez mais, natureza social ou socializada, no sentido de ser constituída, em si e para si, por determinações sociais. Cada vez mais o ser social imprime a sua marca na paisagem natural. E ainda: a natureza tende a sofrer, deste modo, as determinações de uma ordem de metabolismo social voltada para a acumulação ampliada de mais-valia. (ALVES, 2007, p. 16).

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O Direito do Trabalho e sua função inerente ao meio social desenvolve-se, desde os primeiros estudos sobre o assunto, acerca da relação entre o trabalhador e seu patrão, envolvendo as questões atinentes à essa troca. O capitalismo, por sua vez, admite um sistema onde a troca evidencia-se de sobremaneira em um desequilíbrio valorativo. A dignidade humana é colocada em segundo plano (quando é lembrada), o que dá causa à escancarada exploração daqueles que detêm o poderio econômico em face do hipossuficiente, quando este vende a sua força de trabalho e dispõe o seu tempo de vida em troca de um pecúnio irrisório.

O dinheiro como riqueza abstrata, em si e por si, como “sujeito automático”, como diria Marx, busca a autovalorização infindável. É a representação simbólica de um termo reiterativo perpétuo. Dinheiro só se satisfaz com mais dinheiro. Isto ocorre, no caso da acumulação capitalista, porque dinheiro é, em si e para si, valor em expansão [...] (ALVES, 2007, p. 18).

O capitalismo, em sua ordem social, mostra-se incontrolável devido ao seu sistema estar enraizado em um fator denominado fetiche, o qual comporta a negação da subjetividade humana. Nesse sentido, o objeto do socialismo, opostamente, é de instaurar uma sociedade onde ela mesma detenha o controle social, configurando o grupo social controlando-se a si mesmo.

Além de ser expansionista e incontrolável, a ordem sócio-metabólica do capital é incorrigível e insustentável. Na medida em que ela é um sistema social fetichizado, constituído por determinações sistêmicas, não admite reformas parciais; o que demonstra a estupidez do reformismo social-democrata cujo fracasso em reformar, de modo essencial, o capitalismo mundial no século XX é flagrante. (ALVES, 2007, p. 22).

A Organização Internacional do Trabalho (OIT) realizou um estudo envolvendo 50 países, o qual foi alvo de relatório divulgado em 2007, e constata que 22% dos trabalhadores estão empenhados em sua função laboral por mais de 48 horas semanais no trabalho. A pesquisa aponta que 01 (uma) em cada 05 (cinco) pessoas tem jornadas excessivas no trabalho, o que configura uma situação inadmissível, tanto pelos preceitos legalmente estabelecidos, seja pela CLT, ou até mesmo pela OIT, quanto por limites

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fisiológicos atinentes à saúde, ao descanso e à reposição das forças para uma manutenção adequada da vida humana.

Outra pesquisa mundial, desta vez elaborada pelo instituto de pesquisa Market Analysis, aponta que a carga horária de trabalho tornou-se um entrave para que 66% dos trabalhadores consigam manter certa relação de equilíbrio entre os polos da vida profissional e pessoal. A apresentação do resultado dessas pesquisas coloca os brasileiros numa “saia-justa”, pela complexidade atribuída na relação entre a jornada de trabalho e a vida pessoal e o seu consequente desequilíbrio.

O excesso de horas trabalhadas está ligado às condições de informalidade nas relações de emprego, situação que atinge metade de toda a população ocupada nos países em desenvolvimento (OIT apud CORRÊA, 2012, p. 230).

Essa situação desencadeia em um ponto gerador de fragilidades e dificuldades de relacionamento, o que está intrinsecamente ligado à saúde do corpo e, em especial, da mente. Esta por sua vez, demanda a existência de relações interpessoais salutares, constantes e positivas, elemento este que precisa auxiliar na racionalização do tempo do trabalhador, afim de que possa haver uma distribuição equânime do tempo entre o trabalho e o lazer.

1.3 O surgimento do neoliberalismo e suas consequências

Um dos efeitos que se pode definir como “trágico” da vida contemporânea é o neoliberalismo. A sua capacidade destruidora da vida, em especial humana, também afeta, indiretamente, a flora e a fauna, elementos da natureza que são espreitados pela ganância do homem, este que se mantêm inatingível, conduzido pela “máxima” da busca pelo lucro a qualquer preço. Assim, não só a vida individual é prejudicada, mas também a vida coletiva, destruindo o “sentido” do público e anulando a crença na vida democrática.

Tarso Genro (2002, p. 40-41) se manifesta com visão idêntica, ao definir esse elemento que está radicalizando com a vida. Assim:

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[...] a própria maquinaria da terceira revolução científico-tecnológica instiga o individualismo e a solidão [...] ajudam a desvincular os homens das formas de solidariedade mínima que emprestam uma certa coerência aos atuais padrões civilizatórios e ao próprio Estado Moderno.

E Genro (2002) segue na sua crítica:

As velhas fontes de regulação, que antes eram identificadas com o Estado, alienaram-se de forma radical da vida prática e passaram a ser pautadas, não mais pela produção da legalidade através de instituições visíveis, mas pela “mão invisível do mercado”, subordinado diretamente ao capital financeiro volatizado. (GENRO, 2002, p. 41). (grifo do autor).

É oportuno salientar que, tamanha é a submissão atual ao poderio do capital, seja por parte do Estado, na qualidade de instituição reguladora do status social, seja diretamente pela sociedade, como objeto meio para o capital se locupletar, o capital financeiro transnacional é o instrumento (de)formador do direito interno, relativizando-o segundo seus preceitos, moldando-o conforme seus interesses. Essa situação é considerada “normal”, sob pena de asfixia política e econômica tanto da nação in casu, quanto do globo terrestre como um todo, levando-se em consideração que no capital transnacional contemporâneo os países se colocam em relação de interdependência, visto que todos precisam se manter vivos e ativos.

Ao pensar o Direito e a sua filosofia na ordem “globalitária”, “moderna e excludente” – como bem diz Arruda Jr. com quem compartilho a sedução de unir Marx a Bobbio – devemos pensar na democratização radical do Estado, única forma de retirá-lo da submissão e da cogência da “externalidade” do capital volátil. Nosso projeto deve ser submeter o Estado à sociedade [diferentemente do que sê observa na constância dos dias atuais], através de formas diretas de participação voluntária [...]. Desenhar outras novas formas institucionais, para um Estado que, substancialmente, não muda há duzentos anos [...], nos dias trágicos que o neoliberalismo nos impõe, até agora impunemente. (GENRO, 2002, p. 46). (grifo do autor)

Genro nos conclama a revestir-nos de um olhar mais crítico, rígido, que almeje e, concomitantemente, busque um modelo social que tenha respeito para

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com a sociedade, permitindo a ela o natural desenvolver-se, aprimorar-se e evoluir. O mundo do Direito democrático se apresenta, conforme essa visão ofensiva, como um universo ficto, irreal, onde as leis imperam num “mato sem cachorro”, onde não conseguem se impor competitivamente ao modelo neoliberal de domínio do capital, claramente identificável na realidade da conjuntura atual.

Decorre dessa linha de pensamento uma nota de rodapé alimentada por Genro (2002), a qual referencia Paulo Bonavides. Este, por sua vez, também se posiciona na busca pela construção de um Direito que sirva à sociedade, propiciando o seu correto, saudável e adequado desenvolvimento. A vertente emanada do autor se apresenta nesse sentido:

‘Quanto mais largo o hiato entre a Constituição e a realidade, o Estado e a sociedade, a norma e a sua eficácia, os governantes e os governados, a lei e a justiça, a legalidade e a legitimidade, a constitucionalidade formal e a constitucionalidade material, mais exposto e vulnerável à crise constituinte fica o arcabouço do ordenamento estatal, por cujas juntas e articulações estalam todas as estruturas do poder e da organização social.’ Em momentos agudos de falta de efetividade, ocorre o que o mestre citado designa como “crise constituinte”, ou seja, a exacerbação da distância entre o sistema normativo e a realidade social, com possibilidade de total deslegitimação da ordem jurídica. (BONAVIDES apud GENRO, 2002, p. 70).

Miraglia (2010), por sua vez, também se posiciona auferindo grave negatividade à utilidade do homem na produção capitalista. É indignante a postura assumida pelo poder do capital, personificado pelos seus grandes nomes que promovem o crescimento do bem material, quando simplesmente desconsideram a condição essencialmente humana do trabalhador. O seu pronunciamento abarcou as palavras do renomado Ingo Wolfgang Sarlet: “Dessa forma, é o Estado que existe em função da pessoa humana, e não o contrário, já que o ser humano constitui a finalidade precípua, e não meio da atividade estatal.” (SARLET apud MIRAGLIA, 2010, p. 9039-9040).

Essa competição, evidentemente injusta, tamanho o poderio do capital, acelera o processo de degradação cada vez mais evidente da lei, na única

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alternativa de hipótese (leia-se como um segundo plano, mui longínquo), em face da garra imperativa do capital financeiro. O difícil na conjuntura atual é executar um plano de golpe ao neoliberalismo, tendo em mente o grau de dificuldade em lutar contra esse modelo, “patrocinado” pelo capital, o qual apresenta-se autofágico, numa medida em que a sociedade deve estar calçada de uma superestrutura, enraizada num planejamento eficaz.

Assim, seria pertinente a análise postulada pelo autor em tela, onde o todo em volta deveria convergir para o grupo social, beneficiando-o, e não estigmatizando-o, fortalecendo-o, e não o explorando e permitindo (propositando) a sua total deterioração. Genro (2002, p. 70-71) questiona se acaso seria possível “propor que a vida real seja observada a partir do discurso do Direito, e não somente que se veja o Direito a partir da base material da sociedade.” E seu ideal persegue a referida linha: “não é possível, com a experiência já vivida, começar a inventar um direito que aproxime vida e conceito?” (grifo do autor citado).

É oportuno sublinhar um paralelo entre conceitos muito semelhantes, relativos à essência de modelos sociais praticáveis. O patriarca Karl Marx, altivo defensor da dignidade do trabalhador frente á exploração pelo capital, em meio aos seus excertos e publicações, apresentou-se veemente afim do modelo social apartado de classes sociais, abarcando o grupo social sem distinções, onde não se configurava uma classificação de acordo com as posses ou com a falta delas. A esse sonho de “consumo” intitulou-se liberdade plena.

Como contraponto se apresentou a versão sumamente construída pelo liberalismo, qual seja, a liberdade política. A essência dessa linha seria a submissão e a resignação, o conformismo com o sistema, sem, sequer, vislumbrar a possibilidade da melhora. Nesse sentido, plena seria a liberdade política caso cada classe aceitasse e se colocasse no seu “devido” lugar, bem como buscasse a aquisição de bens por meio de suas próprias condições econômicas, ou seja, não extrapolasse os limites de sua liberdade real, esta que se traduziria pela plenitude da liberdade, a qual estaria perfeitamente subordinada à liberdade mercantil.

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Nesse sintoma social insurge-se Lenio Luiz Streck, citado por Genro, o qual postula a respeito dessa estratificação social, promovida pelo capital e a sua “classificação”:

[...] existe uma ordem de verdade, na qual cada um tem o seu ‘lugar (de) marcado’. Cada um ‘assume’ o ‘seu’ lugar. [A maioria da sociedade], porém, não se dá conta que essa ‘ordem’, esse ‘cada-um-tem-o-seu-lugar’, engendra a verdadeira violência simbólica da ordem social. [...] O sistema cultural engendra, exatamente, um imaginário no qual, principalmente através dos meios de comunicação de massa, se faz uma amálgama do que não é amalgamável. (STRECK apud GENRO, 2002, p. 76). (grifo do autor).

Genro (2002) faz um breve apontamento no sentido de atentar para a agilidade e velocidade de manipulação e envolvimento do capital. Por suas próprias palavras:

[...] a força histérica do capital-dinheiro zomba de qualquer pacto econômico ou político, pois pode impor a sua reprodução sem vínculos estruturais com a produção da riqueza social (esta força tornou-se a força normativa global que se impõe, não só sobre a democracia como contrato político, mas também sobre as políticas distributivas social-democratas). (GENRO, 2002, p. 73).

Com a globalização está se concretizando, de maneira crescente, o movimento do caráter privatista do Direito do Trabalho, alicerçado no viés do garantismo jurídico tradicional, e não do garantismo protetivo do Direito do Trabalho tradicional. Assim, esse privatismo vem com o fôlego “desregulamentador” do Direito do Trabalho, com vistas à prioridade egocêntrica de assegurar taxas máximas de reprodução do capital, imerso na sociedade capitalista em crise hoje.

Essa tutela “sofre o assédio do conservadorismo neoliberal e do privatismo garantista, aqui garantidor dos interesses do hipossuficiente.” (GENRO, 2002, p. 111). Apresenta-se, assim, propício o clima para a ascensão do neoliberalismo, o que busca romper, definitivamente, com as elementares categorias de proteção e de tutela do polo mais frágil da relação de trabalho.

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Nesse aspecto, pode-se enumerar as normas que resguardam o salário e as proibitivas de renúncia de direitos, como exemplo. Deve-se atentar para as normas garantistas da autonomia da vontade do trabalhador na objeção à alteração do contrato, de forma lesiva ao trabalhador.

Perfeitamente entrelaçado nesta lide está a dignidade humana, a qual é o elemento que resguarda o trabalhador, bem como o permite voltar à sua natureza, considerando-a e realimentando-a, na medida em que o sistema capitalista rouba o homem de si. No capítulo que segue buscar-se-á a planificação do tema, o status no meio laboral e reflexões nesse sentido.

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2 O MUNDO DO TRABALHO E A DIGNIDADE HUMANA

Conforme petrificado na Carta Magna vigente, do ano de 1988, a dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito, vigente na República Federativa do Brasil. Nesse sentido, se manifesta o art. 1º, caput e inciso III, da Constituição Federal de 1988:

Art. 1.º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

[…]

III – a dignidade da pessoa humana; [...]

Percebe-se, encalacrado nas raízes da nossa Pátria Amada, o fundamento que estabelece a dignidade da pessoa humana como condição elementar para a estruturação da nação, representado pela Constituição Federal. Esta condição, inerente a todo e qualquer cidadão brasileiro, merece especial reflexão, tendo em vista a sua constante resistência à aplicação, em especial nos dias de hoje.

Nesse sentido, é pertinente salientar a afirmação de Miraglia (2010, p. 9038):

Pode-se afirmar que a dignidade da pessoa humana é princípio cujo conteúdo é mais facilmente definido pela enumeração das formas de sua violação. Em outras palavras, seria mais fácil distinguir as situações que implicam ofensa à dignidade da pessoa humana do que atribuir-lhe conceito preciso.

Sarlet (2015), quando analisa o princípio da dignidade da pessoa humana previsto na Carta Magna em vigor, o faz na medida justa para asseverar no tocante ao supremo direito em tela, bem como o seu consequente respeito. Seu posicionamento adstringe-se no sentido de reforçar sobre as funções ética e moral, fatores estes componentes da lei supra. No entanto, apesar de corresponder à um segmento de conduta imputado na cultura da sociedade, a referida preceituação também constitui-se uma ferramenta legal

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jurídico-positiva.

O embasamento legal, conforme se observa na Constituição, perfaz um valor jurídico fundamental, integrando a sociedade brasileira como um todo. Conforme renomados doutrinadores orientam, é cabível a análise do que segue:

Importa considerar, nesse contexto, que a dignidade da pessoa humana constitui - de acordo com a preciosa lição de Judith Martins-Costa, inspirada em Miguel Reale – autêntico “valor fonte que anima e justifica a própria existência de um ordenamento jurídico”. Assim, antes de assumir a forma (jurídico-normativa) de princípio e/ou regra, a dignidade da pessoa humana assume a condição de valor superior (e fundamental) da ordem jurídica brasileira. (SARLET, 2015, p. 82). (grifo do autor).

Klaus Stern, em sua publicação “Das Staatsrecht der Bundesrepublik Deutschland”, também é referenciado por Sarlet (2015), tendo em vista seu posicionamento de acordo com o pronunciamento supra.

Aliás, já por tal razão se justifica plenamente sua caracterização [da dignidade da pessoa humana] como princípio constitucional de maior hierarquia axiológico-valorativa (höchstes

wersetzendes Verfassungsprinzip). (apud SARLET, 2015, p. 83).

Por conseguinte, pode-se constatar que, na sequência do artigo 1º, referido na vigente Carta Suprema Nacional, o inciso IV trata “dos valores sociais do trabalho [...]”, vertente esta que é ratificada nos artigos 6º á 11º, também da mesma fonte. No entanto, dentre eles, é cabível destacar, levando-se em conta a congruência com o tema mestre deste trabalho, que o art. 7º, caput e seus incisos IV, VII, XIII, XV e XVII fazem referência direta à dignidade humana do trabalhador:

Art. 7.º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

[…]

IV – salário-mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo,

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sendo vedada sua vinculação para qualquer fim;

[…]

VII – garantia de salário, nunca inferior ao mínimo, para os que percebem remuneração variável;

[…]

XIII – duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho;

[…]

XV – repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos;

[…]

XVII – gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal;

[…].

Miraglia (2010, p. 9038) se posiciona favoravelmente, tendo em vista a hipossuficiência do trabalhador e a dificuldade em praticar a dignidade humana. Neste sentido, destaca que,

Não obstante, entendemos ser necessária a tentativa de construção do conceito de trabalho digno, a fim de afirmá-lo como direito fundamental inerente a todos os seres humanos. O objetivo desse estudo é estabelecer parâmetros para a definição do mínimo existencial trabalhista que a todos deve ser assegurado. Não se procura determinar um conceito fechado e excludente. O intuito é colaborar na efetivação e concretização do princípio da dignidade da pessoa humana no capitalismo atual, garantindo a todas as pessoas acesso a uma vivência, e não mera sobrevivência, digna.

Nesse espectro, pode-se verificar da condição mínima do ser humano na sua essência, qual seja, da dignidade da pessoa humana, a qual precede toda e qualquer relação atinente aos seres humanos. O véu da dignidade humana perpassa pelo respeito ao outro, em suma, elemento este que propicia um ambiente saudável onde se pode desenvolver e propagar a condição deveras digna do ser humano. Essas referências extraídas da Carta Constitucional atual do Brasil se permitem aguçar o espírito de busca pela continuidade no trato do tema, o que será mais delineado nas entranhas a seguir.

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poder do capital, em referência ao tema do presente estudo, surge a busca pela defesa do hipossuficiente, galgada na sua essência de ser: a dignidade humana. Diferentemente das pregações do mundo capitalista, essa condição coloca o homem num patamar consideravelmente superior, se comparado com o poder econômico. O mercado absorvido pelo capital nem sempre (ou poucas vezes) é reparado ao humanismo do ser.

Servindo de base para a construção e manutenção da vida, têm-se o princípio da dignidade humana. A sua magnitude se expressa na derivação de existência jusnaturalista, antes de qualquer reprodução fiel em matéria formal, escrita, “legalizada”, juspositivada. A dignidade da pessoa humana elenca as garantias e direitos fundamentais, sobre as quais deve se espraiar o modo de vida. Assim, antes de assumir a posição de trabalhador, o indivíduo enquadra-se e deve assim ser visualizado na condição essencialmente humana, sendo inegavelmente abarcado pelo princípio em tela.

O princípio da solidariedade conflita no espaço geométrico da mentalidade com o da individualidade. A lei estabelece o princípio, mas mudança efetiva só se consegue de dentro para fora. O indivíduo que assimila o princípio se transforma; é agente da mudança pelo comportamento ético que assume no dia a dia. O indivíduo solidário consegue enxergar além do horizonte estreito do egoísmo. Não se isola, sabe que é transitório no mundo, que é hóspede, e não dono, portanto, é solidário e fraterno. (VIZZACCARO; MOTA; ALVES, 2011, p. 206).

Nesse sentido complementa Fábio Konder Comparato:

É um erro considerar que no mundo da natureza, sobretudo no mundo animal, não exista solidariedade, e que ela seja uma criação política. Muito pelo contrário, pode-se dizer que a biosfera forma naturalmente um sistema solidário, e que o rompimento desse sistema é sempre obra do homem. (COMPARATO apud VIZZACCARO; MOTA; ALVES, 2011, p. 206).

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A visão ora trabalhada mira um ápice alimentador da vida humana, qual seja do retroalimento do homem, que se completa com a necessária existência da natureza. O ciclo biológico, de acordo com a manifestação dos autores supra, é completo da maneira como se conhece, em seu estado original, antes do “evoluído” método de desenvolvimento humano que se utiliza, irracionalmente, da natureza e expulsa muitos animais de seu habitat (e da própria vida), na já destacada tecla do capitalismo. É imprescindível que a postura humana, na busca pela sua dignidade, também saiba buscar a dignidade da natureza, com todos os seus componentes originais, e mudar de atitude, visando um correlacionamento adequado e respeitoso entre homem e natureza, afim de que se possa pensar num futuro atingível, permitindo vida a todo o ciclo.

2.1 O princípio da dignidade da pessoa humana

Essa intensa afronta aos elementos garantidores de condições dignas ao trabalhador acarretam consequências graves e danosas a este, o que se dá desde prejuízos físicos, como mutilação, até questões psicológicas, como o desenvolvimento de crises psíquicas, convulsões e inclusive a depressão. Assim, o investimento e a prática de políticas públicas que protejam, valorizem e prospectem a profissão de trabalhador enseja um equilíbrio entra a exigência da produtividade e a necessidade do descanso, do seu tempo livre, do lazer, do ócio.

O Decreto nº 3.048, de 6 de maio de 1999 (Regimento da Previdência Social), alterado pelo Decreto nº 6.042, de 12 de fevereiro de 2007, no anexo II, que trata dos Transtornos Mentais e do Comportamento relacionados ao trabalho, enumera diversas patologias psíquicas, como o stress grave, transtornos de adaptação, stress pós-traumático, a neurose profissional, o transtorno do ciclo vigília-sono, a síndrome de “burn out” (sensação de estar acabado) e síndrome do esgotamento profissional, todas possuindo como agentes etiológicos determinadas condições de trabalho, como reação após acidente do trabalho grave, problemas relacionados com o emprego e desemprego, ameaça de perda de emprego, desacordo com o patrão e colegas de trabalho, outras

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dificuldades físicas e mentais relacionadas com o trabalho, má adaptação à organização do trabalho e ritmo de trabalho penoso. (VIDAL, 2012, p. 148).

Neste sentido, o Direito do Trabalho age na forma de proteger o hipossuficiente dos famintos interesses mercantis, em sua busca a qualquer preço pelo desenvolvimento econômico. A bandeira do Direito do Trabalho, a latu sensu, busca, portanto, assegurar a dignidade da pessoa humana ao trabalhador. O que o mundo globalizado precisa analisar é a viabilidade do capitalismo praticado sob um espectro socialmente responsável, que por sua vez incorpora o rol de direitos sociais.

Vivemos, neste início de século e de milênio, um tempo de profundas contradições e, sobretudo, de uma inaceitável situação onde o avanço científico e tecnológico é ordenado e apropriado pelos detentores do capital em detrimento das mínimas condições de vida de mais de dois terço dos seres humanos. As reformas neoliberais, cujo escopo é de liberar o capital à sua natureza violenta e destrutiva, abortam as imensas possibilidades do avanço científico de qualificar a vida humana em todas as suas dimensões, inclusive diminuído exponencialmente o tempo de trabalho necessário à reprodução da vida biológica e social e dilatando o tempo livre – tempo de liberdade, fruição, gozo. (FRIGOTTO, 2001, p. 72).

O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, aderido na Carta Magna vigente em seu artigo 1º, inciso III, definido como valor supremo e como instrumento basilar da República, contribui positivamente ao repúdio do tratamento de coisificação do trabalhador, condenando a evidente prática de mera engrenagem substituível no mundo do trabalho.

O trabalho, como valor social, foi e deve ser preservado como meio de se alcançar a liberdade, dignidade e de sociabilizar o indivíduo perante a sociedade que integra.

Logo, ao se remover do trabalhador o valor social do trabalho, retira-se também a possibilidade de se auto afirmar por meio do acesso à educação, à saúde, ao lazer e retiramos automaticamente sua liberdade e sua dignidade. [...]

A condição, o estado de pobreza da pessoa, fomenta uma ausência de opção, o que acaba submetendo-o à condição de

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“coisa”, vendo-se forçado a assumir uma posição cada vez mais usurpadora de sua capacidade de raciocínio, sua vontade e seu poder de se autodeterminar. (KUMAGAI; et. al., s.d, s.l., p. 2).

A pobreza, como consequência da exclusão social que, por sua vez, é alimentada pelo capitalismo, abre, a priori, uma única porta de saída para o ser humano honesto que precisa sobreviver, alimentar-se a si e em grande parte também a sua prole: a submissão à condição de “peça”, extirpando-o de sua capacidade de raciocínio, sua vontade e seu poder de se manifestar, se posicionar, decidir e se autodeterminar.

Assim, o Direito do Trabalho emerge de uma sociedade escravocrata para proteger o indivíduo em sua dignidade e liberdade, o que requer que se faça “necessário ampliar o conceito desses valores e promover a emancipação da sociedade, mais um passo da raça humana no sentido de distribuir de forma equânime o que, pelo trabalho de todos, foi e é conquistado.”.

Um dos consideráveis delineadores do princípio em tela é Sarlet (2007). Sua visão é expressa da forma como segue:

[...] a qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos. (SARLET, 2007, p. 62).

É, notavelmente, destacável o posicionamento atribuído por Sarlet, tendo em vista seu preceituamento completamente delineado pela estrutura da condição humana do ser. Sua postura em asseverar que, antes de se falar em qualquer relação que envolva o ser humano, se defina sua condição essencialmente humana, é digna de relevante comentário, visto que é um âmbar de se inserir no tema de maneira paulatina. Wolfgang, inclusive, faz uma ligação

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com a história, trazendo elementos da cultura cristã, elencados na Bíblia Sagrada, o que, diga-se de passagem, constitui-se numa referência plausível e inabalável. Quanto ao significado da dignidade da pessoa humana, cumpre destacar,

de início, que a ideia de um valor intrínseco do humano, e posteriormente da pessoa humana, radica no pensamento filosófico clássico e no ideário (doutrina) judaico-cristão. [...] para a religião cristã [pode-se afirmar] a exclusividade e originalidade quanto à elaboração de uma concepção de dignidade da pessoa, o fato é que tanto no Antigo quanto no Novo Testamento podemos encontrar referências no sentido de que o ser humano foi criado à imagem e semelhança de Deus, premissa da qual o cristianismo extraiu a consequência [...] de que o ser humano – e não apenas os cristãos – é dotado de um valor próprio, não podendo, por tal razão, ser transformado em mero objeto ou instrumento da ação alheia. (SARLET, 2015, p. 32). (grifo do autor).

Bonner Grundgesetz, referenciado por Sarlet (2015), também opina que o conceito de dignidade humana não está sumamente definido ou especificado em seu sentido literal na Carta Bíblica, entretanto, não raro localiza-se a concepção do ser humano e da sua dignificação no transcorrer do conjunto de livros que compõem a Bíblia Sagrada, fonte esta que é raiz para a elaboração do conceito em tela, desde aquele momento até os tempos “supersônicos” da atualidade. Esta concepção do ser humano é vital não somente para a construção de um conceito, mas concomitantemente de uma garantia jurídico-constitucional da dignidade humana, fator este que passou por um processo de secularização, integrando a tese defendida por Kant.

Aproveitando-se do resgate do referencial histórico-judaico-cristão, Sarlet também estabelece um contraponto com a antiguidade clássica, da qual apresenta que a dignidade (dignitas, em grego) teria um forte elo com a posição social ocupada pelo indivíduo aliado ao seu reconhecimento perante a sociedade, o que comporia uma quantificação e modulação da dignidade, transpondo a estabilidade do conceito biblicamente preestabelecido em flexível, manipulável de acordo com os interesses dos grupos sociais dominantes. Nesse sentido, é pertinente instigar que, nessas condições, o conceito deve ser posto á

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prova constantemente, e jamais sendo elevado à uma categoria de elemento antropologicamente estabelecido, o que turbaria a própria condição humana do ser.

Convém salientar sobre a relação da dignidade da pessoa humana com o próprio Estado Democrático de Direito, ora trazido à tona no princípio do capítulo corrente. Sendo assim, de que adianta haver a titulação do Estado, conforme supra, se não for levado à risca o reconhecimento do direito à dignidade do ser humano? Nesse sentido, confere veracidade o consenso que trabalha sobre a relação intimamente atrelada entre o modelo de Estado em tela e o princípio ora esmiuçado.

Apresenta-se, nesse aspecto, o requisito que compõe o modelo de Estado em vigor, qual seja, a dignidade da pessoa humana. De acordo com a Carta Constitucional atual, tal princípio elenca o rol de elementos que a compõe, o que traduz a necessidade da presença desse conceito, sendo vivenciado a cada instante, e em todos os lugares. A apreciação da dignidade da pessoa humana necessita incutir na cultura, no senso comum, o que não prescinde de uma preceituação legal para, somente então, vigorar. O preceito, como deve ser inerente à vida humana, também deve ser vislumbrado em cada indivíduo, compondo o grupo social integralmente, e perfectibilizando um universo que coloca, todo e qualquer ser humano, em um patamar de respeito e de tratamento igualitário.

[...] a dignidade, como qualidade (atributo) do humano, não poderá ser ela própria concedida pelo ordenamento jurídico. Tal aspecto, embora seguindo sentido inverso, chegou a ser objeto de lúcida referência feita pelo Tribunal Federal Constitucional da Alemanha, ao considerar que a dignidade da pessoa não poderá ser retirada de nenhum ser humano, muito embora seja violável a pretensão de respeito e proteção de que dela (da dignidade) decorre. (SARLET, 2015, p. 82).

É interessante estabelecer uma relação, em breve análise, tendo em vista o espraiamento demasiado do tema tratado, que tem relação lógica com a dignidade humana, a respeito da dignidade no entorno do humano, que envolve

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a existência do humano e sua dignidade. Perfaz-se, portanto, um elo com a dignidade da natureza, que abrange, inclusive, o ser humano. Não há como pensar em dignidade humana sem atrelar a dignidade da natureza, que a mantém, e com a primeira se inter-relaciona.

2.2 O salário e a (des)valorização do trabalho

O salário apresenta-se como um elemento atinente à relação laboral. É imprescindível a sua participação, em decorrência do trabalho prestado ou do tempo onde o trabalhador está à disposição do empregador. Observa-se, de modo inicial que, tanto o reconhecimento do direito fundamental a um salário mínimo digno, quanto à aplicabilidade prática desse viés estruturador da relação de trabalho nos remetem ao ponto-cruz do presente capítulo: a dignidade da pessoa humana.

Conforme referenciado na Carta Magna de 1988, a qual é motivo de abordagem no início do capítulo em tela, o princípio basilar do Estado Democrático de Direito abarca, dentre outras, a dignidade do trabalhador em ter a sua justa retribuição pelo trabalho aplicado em prol do seu empregador, bem como do tempo de sua disposição para tal. Nesse prisma, é cabível o aprofundamento da temática, no entorno não só da necessidade vital de fixação de um salário-mínimo digno (leia-se um salário que cubra as despesas elementares para a manutenção a vida do trabalhador e de sua família), como também em fazer cumprir essa necessidade básica.

O salário tem sua existência arraigada por sobre alguns fatores. Estes são a contraprestatividade do trabalho prestado, a contraprestatividade da disponibilidade do trabalhador e a contraprestatividade com o contrato de trabalho em si, propriamente dito, que perfaz o elo entre o trabalhador e seu patrão, na relação laboral que os liga. Os elementos supracitados não tem um

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viés de contraposição, mas sim de complementação, integrando-se, visto que tratam do mesmo evento mas trabalham vieses distintos.

Em relação a matéria, destaca Amauri Mascaro do Nascimento que a reciprocidade

entre salário e trabalho prestado nos termos da expressão – sem trabalho não há salário – é verdadeira no sentido de mostrar que, em princípio, o pressuposto do salário é a prestação do serviço e não há como separar ou fracionar as duas noções.

Ambas compõem uma relação jurídica como polos que necessariamente se atraem e interatuam de modo que é o trabalho a causa geradora da obrigação de pagar salário. Não há dúvida de que muito contribuiu para isso a concepção econômica do trabalho como um dos fatores da produção e do salário como o preço pago por esse trabalho. A economia liberal e o conceito do trabalho como mercadoria e o salário como preço dessa mercadoria forneceram um campo próprio para essa visão. É uma concepção objetivista do salário. (NASCIMENTO apud MUNIZ, 2009, p. 52). (grifo do autor).

Ainda sobre o tema, ressalta Sergio Pinto Martins (apud MUNIZ, 2009, p. 54) que, hoje, a natureza salarial do pagamento

não ocorre apenas quando haja prestação de serviços, mas nos períodos em que o empregado está à disposição do empregador, durante os períodos de interrupção do contrato de trabalho ou outros que a lei indicar. Inexiste, portanto, rígida correlação entre o trabalho prestado e o salário pago. Por isso, salário é a prestação fornecida diretamente ao trabalhador pelo empregador em decorrência do contrato de trabalho, seja em razão da contraprestação do trabalho, da disponibilidade do trabalhador, das interrupções contratuais ou demais hipóteses previstas em lei.

Contudo, quem melhor aborda o tema Arnaldo Lopes Süssekind. Em suas palavras:

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O salário não é preço do trabalho, porque trabalho não é mercadoria. Não é indenização dada ao operário em compensação do dispêndio de energia dedicada à produção, porque a natureza e o escopo da indenização são essencialmente diversos do da retribuição. Não é, tampouco, um crédito alimentar, porque, além dessa, possui outras finalidades, como sejam educação, vestuário, transporte, higiene, etc. O salário é, ao nosso ver, a retribuição devida pela empresa ao trabalhador, em equivalência subjetiva ao valor da contribuição deste na consecução dos fins objetivados pelo respectivo empreendimento. E a natureza jurídica dessa prestação há de corresponder à natureza jurídica da própria relação de emprego. (SÜSSEKIND et. al. apud MUNIZ, 2009, p. 54). (grifo do autor).

A essência do salário encontra-se na sua relação íntima com o trabalho, e em especial, na condição de elemento que mantém vivo o trabalhador, bem como a sua família. A luta da classe trabalhadora tem sido árdua e constante, no sentido de efetivar as garantias que o tornem “intocável”, do ponto de vista de não ser permissível sua mudança, aleatória e arbitrária, sem a devida recomposição/retribuição. A imutabilidade e a petrificação da qualidade de salário ainda são questões a serem avançadas em face da classe patronal e dos seus abusos constantemente praticados ou, ao menos, intentados, na defesa hipócrita do lucro em face da vida humana.

Uma das raízes, historicamente mais profundas do Direito do Trabalho, robusteceu-se na luta dos trabalhadores para subtrair o salário da lei de oferta e procura causadora, no alvorecer da Revolução Industrial, da retirada da máxima energia do empregado pelo mínimo de retribuição.

A consciência coletiva das massas trabalhadoras urbanizadas em função das concentrações fabris e as solicitações cada vez mais intensas da sociedade industrial consumista tornaram-se um eficiente instrumento de pressão para revogar, parcialmente, em pleno século XX, essa lei de oferta e procura.

As modernas legislações procuram inibir os efeitos dessa fórmula perversa, estabelecendo níveis mínimos de retribuição do trabalho, capazes de assegurar condições dignas de sobrevivência ao trabalhador e à sua família. Foi criado, assim, o salário mínimo, que corresponde à menor expressão econômica admitida para o salário, ajustado, em tese, com o mínimo necessário ao atendimento das necessidades básicas do trabalhador e de sua família. (MUNIZ, 2009, p. 63). (grifo do autor).

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