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Danos à saúde física e mental decorrentes da atividade laboral

Cabe salientar que, como consequência da voracidade com que a evolução tecnológica promovida pelo neoliberalismo assola a classe trabalhadora, que se submete ao regime por pura necessidade, a quantidade de horas anuais trabalhadas por indivíduo tem incorporado uma curva ascendente constante, de acordo com pesquisa elaborada pela OIT (Organização Internacional do Trabalho).

Lembram-se de quando era moda para economistas como Galbraith prever que no fim do século não saberíamos o que fazer com o tempo livre? Pois bem, estudo recente da Organização Internacional do Trabalho (OIT) acabam de revelar [no final do ano de 1999] que os americanos trabalham quase 2.000 horas por ano! O pior (ou melhor, a depender do ponto de vista) é que o número de horas de trabalho anuais por pessoa não cessa de aumentar, tendo saltado de 1.883, em 80, para 1.942, em 90, e 1.996, em 97. (RICUPERO apud GENRO, 2002, p. 122).

O excesso de horas trabalhadas, em detrimento da privação ao convívio em família, ao convívio no grupo social, ao desenvolvimento de novas habilidades e atividades culturais, ao lazer, ao descanso e ao ócio, torna o trabalhador um alienado, reduzido à apenas um mero e manipulável robô ou máquina, que exerce a mesma função, repetidamente, e (quase que)

incessantemente. Assim demonstra Charles Chaplin, no filme “Tempos Modernos”, quando o personagem principal segue realizando o mesmo movimento, tanto na sua função laboral, quando no caminho para sua casa, até mesmo em seu descanso, “sonhando” com o trabalho e realizando o movimento com as mãos, como se ainda estivesse em seu recinto de trabalho.

Nesse aspecto, Bertrand Russel, bem visto por Sérgio Prieb (2005), critica com veemência esse excesso de trabalho e esgotamento laboral, pregando a viabilidade da redução da jornada de trabalho. Segundo ele, a crença na virtude do trabalho seria o viés causador de um conjunto de malefícios vivenciados pela humanidade, cada vez com mais intensidade e, por conseguinte, mais danosos à saúde e a vida do trabalhador.

A partir da dedicação de apenas quatro horas diárias ao trabalho, Russel acredita que as pessoas poderiam dedicar mais tempo ao desenvolvimento de sua educação, de diversas habilidades, como a pintura e as artes em geral, alcançando a humanidade, enfim, a alegria de viver, ao invés de todo o desgaste físico e emocional à exaustão a que a população é submetida pela estressante faina que é obrigada a enfrentar diariamente, por quase toda a vida. (RUSSEL apud PRIEB, 2005, p. 93). (grifo do autor).

Neste sentido, pode-se vislumbrar a postura de Marx ( apud MÉSZÁROS, 1981), que defendia a redução da jornada de trabalho. É que, para ele, longas jornadas de trabalho significam uma absorção dos trabalhadores pelo capital e submete os mesmos a uma perversa lógica de acumulação capitalista. Paul Lafargue (apud PRIEB, 2005), consegue incitar a busca pela mudança nesse cenário, polemizando e também sendo alvo, consequentemente, de críticas, dirigidas pela classe sustentada pelo capitalismo.

Lafargue acusa o trabalho de ser a causa da degeneração intelectual dos trabalhadores, bem como de sua deformação orgânica [situação reproduzida com frequência desde os primórdios até a atualidade]. O trabalho, no modo de produção capitalista, representaria a negação do tempo livre aos operários, absorveria todos os seus demais instintos e desenvolveria o que Lafargue chama de “uma estranha loucura” que é o amor [?] pelo trabalho, imposto

pelas classes proprietárias dos meios de produção [...]. [Ele] desnuda o sentido mais perverso do trabalho que o discurso burguês insiste em ocultar: Trabalhem, trabalhem, proletários, para aumentar a riqueza social e suas misérias individuais, trabalhem, trabalhem para que, ficando mais pobres, tenham mais razões para trabalhar e tornarem-se miseráveis [ciclo vicioso]. Essa é a lei inexorável da produção capitalista. (apud PRIEB, 2005, p. 91). (grifo do autor).

Nesse prisma, o vislumbre dar-se-ia com uma jornada de trabalho uniformemente distribuída no decorrer do ano, onde se reduzindo a carga horária se poderia permitir a abertura de novas vagas de emprego, dividindo-se entre mais operários as tarefas a serem desempenhadas. A equalização da jornada de trabalho, aliada à melhor distribuição das funções, permitiria a participação de mais trabalhadores, ao mesmo tempo em que não se extirparia as suas energias, levando-os ao esgotamento físico e mental.

Por que não distribuí-lo [o tempo de trabalho] uniformemente pelos doze meses […] com seis ou cinco horas diárias, durante o ano, em vez de terem uma indigestão de doze horas durante seis meses? Tendo assegurada sua porção cotidiana de trabalho, os operários já não terão inveja uns dos outros, já não brigarão para tirar o trabalho das mãos e o pão das bocas, um do outro; e, então, não estando esgotados do corpo e da mente, começarão a praticar […] [habilidades e virtudes que até então poderiam desconhecer, como também curtir o lazer, descansar e valorizar a vida]. (apud PRIEB, 2005, p. 92).

A saúde, a paz interior e o bem-estar tem limites para o remediar pelo capital. Nesse sentido, o valorizar da vida humana, a latu sensu, coloca o trabalhador numa condição menos vulnerável às ameaças do capitalismo voraz e a um conjunto de doenças muito significativas2. E esse é um grande desafio.

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Os dez principais grupos de doenças e acidentes relacionados ao mundo do trabalho. 1. Doenças pulmonares: asbestose, bissinose, silicose, pneumoconiose dos trabalhadores do carvão, câncer de pulmão, asma ocupacional. 2. Lesões músculo-esqueléticas: distúrbios da coluna lombar, do tronco, extremidades superiores, pescoço, extremidades inferiores, fenômeno de Raynaud traumaticamente induzido. 3. Cânceres ocupacionais (outros que não de pulmão): leucemia, mesotelioma, câncer de bexiga, de nariz e de fígado. 4. Amputações, fraturas, traumas oculares e politraumatismos. 5. Doenças cardiovasculares: hipertensão, coronariopatias e infarto agudo do miocárdio. 6. Distúrbios da reprodução: infertilidade, abortamento espontâneo, teratogênese. 7. Distúrbios neurotóxicos: neuropatias periféricas, encefalites tóxicas, psicoses, alterações de personalidade (relacionadas a exposições ocupacionais). 8. Perdas auditivas

Observa-se, a partir desses dados, que é constante a presença da máxima de Thomas Hobbes, que consiste “o homem é lobo do homem”. O homem destrói-se a si mesmo, a própria espécie.

Nesse espectro, é plenamente cabível uma explanação acerca de possibilidades de refúgio do trabalhador, que possam permiti-lo se reconstruir após o exaustivo e desgastante período laboral, bem como fazê-lo olhar para dentro de si, na busca de considerar e valorizar a sua natureza sumamente humana. Como alternativas reparadoras, portanto, insurgem-se o lazer, o descanso e o ócio. Esses vieses serão motivo de abordagem no capítulo que segue.

relacionadas com exposição a barulho excessivo. 9. Afecções dermatológicas: dermatoses, queimaduras térmicas e químicas, contusões (abrasões). 10. Distúrbios da esfera psíquica: neuroses, distúrbios de personalidade, alcoolismo, dependência de drogas. (MENDES apud LACAZ, 2003, p. 415).

3 A SOCIEDADE CAPITALISTA E A LUTA PELA DIGNIDADE

A sociedade do tempo livre, a qual está atrelada ao pensamento do fim da centralidade do trabalho, não se apresenta como uma utopia, ao contrário, é vislumbrada num horizonte, talvez longínquo, mas passível de ser atingido. É evidente que ainda existam barreiras a serem rompidas, entretanto, o benefício ao ser humano trabalhador alcançaria uma magnitude consideravelmente superior, levando-se em conta a condição primária de ser, de ter personalidade, ter vontades, de buscar alegrias, e não de apenas sofrer conotação de trabalhador, com o viés de elemento meio, conforme as pregações de índole capitalista.

Prieb (2005) se manifesta com o interrégio de esclarecer os benefícios e as possibilidades de transformar a sociedade movida p elo capital em sociedade alternativa, onde a busca pelo bem comum e, especialmente, o bem-estar social, sejam os ápices motivadores da sociedade ora consagrada.

[A] sociedade do tempo livre […] resultaria na possibilidade de os indivíduos dedicarem boa parte do seu tempo e de sua vida a atividades que lhes dessem verdadeiro prazer e satisfação, ao invés de terem sua energia e sua saúde deterioradas em função do trabalho alienado, imposto pelo capital. (PRIEB, 2005, p. 94). (grifo do autor)

Uma vertente que tem se mantido vigorosa nessa busca incessante é presidida pelo pensamento de André Gorz, trabalhado por Prieb. Em meio à sua tese, o que lhe preocupa é que, como é nato ao trabalhador imerso no sistema capitalista trabalhar normalmente no horário de trabalho, é comum que sejam transformados os períodos de lazer em uma extensão do tempo de trabalho.

Gorz (apud PRIEB, 2005) pontua que o sistema de funcionamento da sociedade deveria alicerçar a oportunidade de vida fora do ambiente laboral. Precisaria haver uma estrutura pujante e garantidora, sob a égide estatal, onde poder-se-ia permitir o desenvolvimento de habilidades extra laborais, a busca

por talentos implícitos, até então presos no ser do trabalhador. O próprio lazer, propriamente dito, o descanso, o “curtir a vida”, assim teriam pressupostos para existirem e mais, serem largamente estimulados.

Na visão “gorziana”, a sociedade do tempo livre seria praticável, noutras palavras, na medida em que

o desenvolvimento das forças produtivas permitisse que a atividade de tempo livre fosse considerada como atividade social principal e o trabalho diretamente produtivo como atividade acessória (acessória tanto por sua pouca duração quanto com relação à potência dos processos automáticos), isto é, como um dado marginal do trabalho social pessoal. (GORZ apud PRIEB, 2005, p. 95). (grifo do autor).

Prieb (2005) estabelece que, como condição para que se atinja o livre desenvolvimento das faculdades humanas, é requisito a evolução do sistema vigente, onde se parta desse modelo alienado de trabalho, onde o indivíduo não consegue separar e destinar o tempo livre para si, desentranhando-o daquele que é submetido ao sistema capitalista-exploratório. É condição para uma mudança nesse sentido que se propicie ao trabalhador chegar em casa, com disposição, fôlego e vigor, (não sugado pelo pacto laboral, como de uma laranja em bagaços) combinado com uma considerável luz solar, que anima o ser desde o seu foro íntimo, permitindo o desenvolvimento de sua iniciativa pessoal, destinando o tempo para si, ao seu bel-prazer.

É por isso, finalmente, que a redução da semana de “trabalho” permanece uma reivindicação fundamental da mesma forma que a multiplicação dos equipamentos culturais e sua autogestão por parte dos trabalhadores. O tempo necessário para a reprodução da força de trabalho não é o mesmo em 1964 que em 1904 [nem é o mesmo que em 2014] para nenhum tipo de trabalhador, da mesma forma que nunca foi o mesmo para um pianista de concertos que para um afinador de pianos. [A sociedade como um todo, em especial aos outorgados pelo povo ao poder público precisam se conscientizar de que] o aumento do tempo livre não é o aumento do tempo

vazio, mas o aumento do tempo (socialmente produtivo) que é objetivamente e subjetivamente necessário à produção de indivíduos humanos e de um mundo humano. (GORZ apud PRIEB, 2005, p. 98). (grifo do autor).

Nesse sentido, observa-se que o padrão de riqueza da sociedade deveria migrar de tempo de trabalho incorporado às mercadorias, para tempo livre, o que resultaria numa mudança considerável no conceito ora praticado. Além disso, a redução ou anulação do período de lazer do trabalhador é resultado da degradação no espaço laboral à que são submetidos.

Nas últimas décadas temos vivido submetidos a determinismos expandidos por uma globalização capitalista neoliberal e marcadamente belicista que, em diversos planos, coloca a maioria dos seres humanos debaixo de múltiplas instabilidades e inseguranças. [...] A quebra da autoestima como pessoa humana e a “administração pelo medo” estilhaçam a “personalidade autônoma” do trabalho vivo,

“reconstruindo-se” uma individualidade pessoal mais

susceptível às demandas sistêmicas do capital. A corrosão da

“personalidade pessoal” leva à construção de

“personalidades-simulacro”, tipos de personalidades mais particulares, imersas no particularismo estranhado de mercado. (VIZZACCARO; MOTA; ALVES, 2011, p. 26 e 41). (grifo do autor).

Nesse viés, vislumbra-se, claramente, a manipulação proporcionada pelo poderio do sistema capitalista, na sua mais natural prática de cooptar a sociedade em prol da busca e do acúmulo de suas riquezas (materiais). Infelizmente, obsta-se, quase que ininterruptamente, a possibilidade do trabalhador alcançar a sua duramente almejada situação de dignidade. Essa corrosão que o plano capitalista impõe ao trabalhador acaba por tirá-lo de sua essência, de si mesmo, retardando ou anulando a possibilidade do desenvolvimento de habilidades e dons, ou mesmo do “curtir” a vida, propriamente dito.

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