• Nenhum resultado encontrado

A crítica como metodologia e análise da recepção na dança = Criticism as methodology and analysis of dance spectatorship

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "A crítica como metodologia e análise da recepção na dança = Criticism as methodology and analysis of dance spectatorship"

Copied!
417
0
0

Texto

(1)

Instituto de Artes

HENRIQUE ROCHELLE MENEGHINI

A CRÍTICA COMO METODOLOGIA E ANÁLISE

DA RECEPÇÃO NA DANÇA

CRITICISM AS METHODOLOGY AND ANALYSIS

OF DANCE SPECTATORSHIP

CAMPINAS 2017


(2)

A CRÍTICA COMO METODOLOGIA E ANÁLISE

DA RECEPÇÃO NA DANÇA

Tese apresentada ao Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas para obtenção do título de Doutor em Artes da Cena, na Área de Concentração Teatro, Dança e Performance

Orientadora: Profª. Drª. Cássia Navas Alves de Castro

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA TESE DEFENDIDA PELO ALUNO H E N R I Q U E R O C H E L L E M E N E G H I N I , E ORIENTADA PELA PROFª. DRª CÁSSIA NAVAS ALVES DE CASTRO

CAMPINAS 2017


(3)
(4)

HENRIQUE ROCHELLE MENEGHINI

ORIENTADORA: PROFª. DRª. CÁSSIA NAVAS ALVES DE CASTRO

MEMBROS:

1. PROFª. DRª. CÁSSIA NAVAS ALVES DE CASTRO 2. PROFª. DRª. ANA BEATRIZ FERNANDES CERBINO

3. PROFª. DRª. JULIANA MARTINS RODRIGUES DE MORAES 4. PROFª. DRª. HOLLY ELIZABETH CAVRELL

5. PROFª. DRª. ANA MARIA RODRIGUES COSTAS

Programa de Pós-Graduação em Artes da Cena do Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas.

A ata de defesa com as respectivas assinaturas dos membros da Banca Examinadora encontra-se no processo de vida acadêmica do aluno.

(5)

A Cássia Navas, que me recebeu em uma de suas aulas, e me deu o grande prazer de lhe acompanhar, por muitos anos e muitos caminhos. Grande reconhecimento por tudo que me ensinou, e enorme agradecimento por tudo que temos feito juntos. À FAPESP, que financiou esta pesquisa através de uma Bolsa de Doutorado e de uma Bolsa de Estágio de Pesquisa no Exterior, sem as quais este trabalho não teria sido possível.

A Isabelle Launay e à Université Paris 8, que me receberam durante meu Estágio de Pesquisa na França, bem como ao Centre National de la Danse, e sua equipe, que me acolheram e partilharam fontes preciosas de informação.

Às professoras Lúcia Santaella, Beatriz Cerbino e Holly Cavrell, que muito contribuíram para o avanço dessa pesquisa em seu momento de Qualificação, e mesmo antes dele.

A minha família e meus amigos, que partilharam desse momento, e que, mesmo que nem sempre entendessem o que eu faço, ou por que eu faço isso, o tempo todo me apoiaram e encorajaram.

Às equipes dos teatros que me abriram suas portas, e me receberam continuamente.

Aos artistas que fazem a dança, essa coisa que me encanta e me provoca e me pede respostas.

Aos críticos de dança — espécie insistente, que acredita na relevância de se escrever sobre essa arte, e que me serviram de amparo, de guia, de inspiração, e de companhia ao longo de tanto tempo.

(6)

O estudo aqui desenvolvido discorre acerca de aspectos do fenômeno da recepção na dança e sua presença e construção em textos de crítica. Inicialmente, uma investigação teórica permite situar as possibilidades de metodologia de discussão da crítica, através de seus paralelos com outras formas de produção textual sobre as obras de dança, mas também a partir de investigações que emprestam conceitos dos estudos da linguagem e da semiótica para identificar as estruturas que operam a associação promovida entre a dança e seu público como uma associação similar àquela causada pela crítica entre seus leitores e as obras que ela discute. Assim, localizando a atividade crítica enquanto uma das etapas dos processos de recepção na dança, esse tipo de produção pode ser entendido através de uma característica funcional primordial de mediação, que se estabelece, através do autor do texto, entre seus leitores e a dança, a partir da apresentação e discussão de alguns dos elementos e das operações envolvidas no processo de produção e de compreensão da crítica — notadamente suas formas de Descrição, Contextualização, Interpretação e Avaliação das obras, que determinam os meios pelos quais a crítica pode criar os efeitos de Prolongamento e de Distanciamento da experiência estética do seu leitor. Para ilustrar a discussão teórica, são desenvolvidas duas análises distintas, que se pautam em um corpus de exemplos de textos de crítica de dança para neles identificar como se apresentam, como se organizam, como funcionam e como interagem os processos teoricamente evidenciados pela pesquisa, de forma a demonstrar a presença e o funcionamento desses dados processos em três instâncias: na produção da crítica, na recepção da crítica, e na construção da recepção das obras de dança através dos textos de crítica. Evidencia-se, então, que o fenômeno de mediação operado pela crítica é retroalimentado: sendo construído pela recepção das obras, ao mesmo tempo em que ele próprio atua como agente na construção da recepção.

(7)

This study discusses aspects of dance spectatorship as a phenomenon present in texts of dance criticism. Firstly, a theoretical investigation allows the exploration of different methodological possibilities for the characterisation of criticism, making comparisons to other forms of texts written about dance pieces, but also being informed by concepts borrowed from language studies and semiotics, thus identifying the structures that operate the association between dance and its audiences as similar to those in the association criticism develops between its readers and the pieces being critiqued. By identifying criticism as one of the stages of dance spectatorship, this type of writing can be characterised by its primordial function as mediation established by the critic between readers and dance works, through the presentation and discussion of some of the elements and operations involved in the processes of creating and understanding criticism — notably its aspects of Description, Contextualisation, Interpretation and Evaluation of the works, that determine the means used by the critiques to create the effects of Prolonging and Displacing the reader’s aesthetic experience. To illustrate the theoretical discussion, in a second moment two different analises are proposed, guided by a corpus of examples of dance critiques, identifying how these processes are presented, how they are organised, and how they work inside these examples, in three different levels: the production of critiques, que reception of the critiques and the shaping of dance spectatorship by the critiques. Thus, the phenomenon of mediation operated by criticism is demonstrated as a feedback system: one that is built by aspects of spectatorship at the same time as it acts as an agent in the creation of dance spectatorship.

(8)

INTRODUÇÃO ……… p. 10

CAPÍTULO 1: A CRÍTICA E OURAS ESCRITAS SOBRE A DANÇA

1.1. Múltiplas Escritas sobre a Dança ………. p. 18 1.2. Os Manuais de Dança: informação para a formação ……… p. 21 1.3. A Teoria da Dança: discussão e sistematização ……… p. 24 1.4. A História da Dança: os eventos e sua relevância ……… p. 26 1.5. A Crítica de Dança: apreciação, divulgação e reflexão ……… p. 28 1.6. Comparativo dos Sistemas de Comunicação dos Textos sobre Dança …… p. 30

CAPÍTULO 2: A DANÇA COMO LINGUAGEM

2.1. A Teoria de Dança e a Noção de que a Dança seja Linguagem ………. p. 34 2.2. A Linguística e o Entendimento da Dança como Linguagem ……….. p. 38 2.3. Estrutura e Representação nas Linguagens e na Semiótica ………. p. 42 2.4. Micro-Estruturas da Recepção na Dança ……….. p. 47 2.5. Elencando Elementos da Dança como Linguagem ………. p. 54

CAPÍTULO 3: A RECEPÇAO NA DANÇA, A PARTIR DA TERCEIRIDADE

3.1. Estudo da Recepção através das Categorias Peirceanas ……….. p. 59 3.2. A Tríade em Dança a Partir das Categorias ……….. p. 60 3.3. Primeiridade e Secundidade no Nível da Apresentação ……….. p. 62 3.4. Um Exemplo: Estilo e Obra Quanto à Coreografia ……… p. 63 3.5. A Experiência Estética Como Terceiridade ………. p. 67 3.6. O Lugar da Crítica nas Categorias ……….. p. 70

CAPÍTULO 4: DEFINIÇÕES DA CRÍTICA DE DANÇA

4.1. Panorama Crítico da Crítica ………. p. 72 4.2. A Crítica Definida como Gênero Textual ………. p. 76
 4.3. A Crítica Definida a partir da Figura do Crítico ……….. p. 77 4.4. A Crítica Definida a partir de suas Funções ……… p. 80 4.5. Alteridade, Crítica, Público e Mediação ……….. p. 82


(9)

5.2. Os Objetos de Análise ……… p. 89 5.3. A Descrição como Forma de Acesso ……….. p. 91 5.4. A Relevância da Interpretação ………. p. 93 5.5. A Avaliação: Demanda e Efeito ……… p. 95 5.6. Contextualização e Informação Colateral ……….. p. 97 5.7. A Dominância entre as Operações e a Recepção da Crítica ..……… p. 99

CAPÍTULO 6: EXERCÍCIO DA CRÍTICA EM DIREÇÃO À TERCEIRIDADE

6.1. Três Graus da Crítica em uma Proposta de Exercício ……….. p. 103 6.2. Da Quarta Parede, Histórico e Estratégia de Abordagem ………. p. 104 6.3. A Crítica Reporta o Fenômeno da Dança ………. p. 110 6.4. A Crítica Determina Entendimentos ……….. p. 117 6.5. A Crítica Discute a Recepção ………. p. 126 6.6. Primeiridade, Secundidade e Terceiridade na Crítica ………. p. 132

CONCLUSÕES ………. p. 135

REFERÊNCIAS ………..……….. p. 139

APÊNDICES

1. Da Quarta Parede ……….. p. 153 2. Lista das Publicações do Da Quarta Parede, por data ……… p. 154 3. Textos Completos das Críticas do Da Quarta Parede (2013 - 2017) ……. p. 157


(10)

INTRODUÇÃO

Esta pesquisa é proposta como uma forma de estudo do fenômeno da recepção na dança. Vindo daquilo que foi anteriormente trabalhado no mestrado

Elementos da Dança como Linguagem (Unicamp, 2013), inicialmente, a investigação

se propunha discutir quais as metodologias que dariam conta de abarcar esse fenômeno e de apresentá-lo dentro de sistemas lógicos, que pudessem ser debatidos, evidenciados e ilustrados com exemplos práticos. Muito cedo, durante os trabalhos de pesquisa, a produção crítica se mostrou uma forma potencial de desenvolver esses conteúdos abordados pela pesquisa, motivo pelo qual o projeto passou a se debruçar especificamente sobre a crítica de dança, compreendida como uma forma coerente e metodológica da discussão e da análise da recepção na dança, bem como uma forma de produção de recepção — o que será demonstrado nos capítulos desta tese.

Para organizar os processos discutidos, foi proposta uma investigação teórica e reflexiva, acompanhada de uma produção crítica constante, cujos resultados são debatidos, sobretudo, nos dois últimos capítulos da tese, dentro de verificações práticas a partir de exemplos concretos de textos de crítica. Assim, se por um lado são exploradas as potências dos textos de crítica, suas características, e as formas de seu entendimento, simultaneamente colocadas em um exercício criador experimental, por outro lado esses elementos também podem ser descritos, evidenciados e discutidos a partir de existentes concretos.

Ao longo dos seis capítulos que compõem o todo da tese, são apresentadas as referências da revisão bibliográfica que formou cada etapa dos estudos. Tendo sido desenvolvidos, em sua maioria, separadamente, e ao longo do tempo de trabalho da tese, cada um dos capítulos possui certa independência relativa do todo da tese. Versões de alguns desses textos, como se indica em notas de rodapé, foram, inclusive, apresentados à comunidade acadêmica através da participação constante em eventos científicos e através da publicação desses conteúdos em artigos elaborados para revistas e livros.

Transformar os textos individuais em um todo conexo e progressivo foi um desafio que replica o caráter experimental da produção de textos de crítica que

(11)

acompanhou a realização deste doutorado. Um plano de trabalho traçado ao início da pesquisa e reajustado regularmente organizou os tópicos que se desejavam apresentar e discutir, a aproximação das referências específicas de cada assunto e área contemplados pelo trabalho, e determinou os meios de produção de cada capítulo — alguns deles desde o princípio pensados para serem apresentados na ordem em que aqui se colocam, outros tendo sido realocados ao longo do processo de pesquisa. Esse desenvolvimento independente, ainda que diretamente associado, de cada um dos capítulos responde pela estrutura de artigo em cada um deles, e, também, pela conclusão bastante curta desta tese, que se ocupa de retomar todos os fios traçados, e apresentar a figura que eles formam, enquanto progressão do pensamento e conhecimento que articulam.

Ainda que sejam razoavelmente independentes, a sequência da leitura dos capítulos foi planejada para alimentar progressivamente o entendimento do leitor, assim criando-se um caminho que começa com a atividade crítica sendo apresentada e evidenciada entre seus pares textuais, para depois elaborar as questões da metodologia de abordagem da crítica enquanto fenômeno pertencente à recepção na dança. Na sequência, a atividade crítica é descrita a partir de seus elementos formadores, que permitirão, nos dois últimos capítulos, a apresentação de análises comparativas de exemplos de textos de crítica para ilustrar os elementos e características elaborados a partir da investigação e revisão bibliográfica que fundamentam esta pesquisa. Uma escolha metodológica de não incluir imagens na tese pode parecer, à primeira vista, estranha, posto que aqui se discutem diversas obras de dança. No entanto, essa escolha é apoiada pelo desejo de fazer destacar a potência da palavra escrita, que, através dos textos de crítica de dança, funciona como um guia para a pesquisa aqui apresentada.

As referências que são chamadas à discussão abarcam diversas ordens de pensamento, tratando de exemplos da produção textual acerca da dança, exemplos específicos da produção crítica, reflexões acerca da produção crítica, mas também se orientam através dos estudos da linguística e da semiótica, assim apresentando-se os modos como as referências se articulam com outras linhagens de pensamento que sejam informativas para aquilo que aqui é proposto. Essas outras áreas aparecem, sobretudo, nas propostas dos Capítulos 2 e 3, em que são referenciadas como potências para alimentar o estudo da recepção nas obras de

(12)

dança enquanto fenômeno de comunicação, de transmissão de conteúdos, de proposição e de compreensão de pensamento.

Os materiais usados para a análise, para a verificação e para a demonstração dos processos evidenciados são textos de críticas de obras de dança, que podem ser entendidos como pertencentes a duas ordens distintas: alguns deles são formas de produção espontânea (assim chamados porque não atendem a necessidades da pesquisa, tendo sido produzidos e publicados a partir dos interesses de seus autores, editores, e mídias) realizada por autores diversos para tratar de espetáculos diversos, e vêm sendo acompanhados — tanto as obras como as críticas — paulatinamente, desde antes do início formal desta pesquisa; a segunda ordem dos exemplos trata de uma produção que é diretamente associada a este doutorado, por serem textos produzidos pelo próprio pesquisador, ao longo do tempo do desenvolvimento da tese, e que foram publicados dentro do site Da Quarta Parede (www.daquartaparede.wordpress.com), criado para este propósito, e cujos conteúdos produzidos durante tempo da pesquisa se encontram detalhados nos Apêndices desta tese, e disponíveis (atualizados para além do momento da finalização da tese) no ambiente virtual do mencionado site.

O percurso desenvolvido pela pesquisa se ilustra nos capítulos a partir de uma divisão básica: os capítulos iniciais se direcionam à discussão das possibilidades de abordagem metodológica da crítica, enquanto os capítulos finais organizam a análise dos procedimentos desenvolvidos nos textos de crítica para a produção de sentido a que se propõem.

No Capítulo 1, a crítica é situada a partir de comparação e contraste com outras formas de produção escrita sobre dança — os Manuais, a Teoria, e a História — de forma a localizar, dentro de um universo de possibilidades do tratamento textual da dança, aquelas que sejam as formas particulares à crítica, e aquelas em que a crítica pode se assemelhar a outras construções. Nessas diversas formas é observado o potencial de comunicação e os meios de apresentação de proposições, pertinentes a cada forma, dos modos como os textos lidam com os sistemas de comunicação que são colocados em funcionamento por determinada forma.

(13)

Ao observar o potencial e o propósito comunicativo da produção textual, somos levados a um paralelo comumente construído, discursivamente, entre a dança e o conceito de linguagem. Neste sentido, a possibilidade de entendimento da dança enquanto linguagem a partir da análise estrutural dos componentes da linguagem — esclarecida com o apoio da linguística e da semiótica — é o objeto do Capítulo 2. Nele se avança não apenas nos paralelos da dança e das linguagens verbais, mas também nas especificidades da comunicação da dança enquanto forma de linguagem, organizando e apresentando seus elementos e alguns de seus sistemas de produção e de compreensão.

A semiótica, que se mostra como ferramenta de análise no Capítulo 2 continua presente enquanto fonte teórica do Capítulo 3, o qual se debruça sobre o fundamento semiótico da teoria das categorias de Peirce para apresentar a recepção na dança enquanto um fenômeno associado à categoria da terceiridade. Essa identificação da relevância da terceiridade — enquanto compreensão e mediação — leva à proposta de se analisar mais detalhadamente os eventos de terceiridade que aparecem na semiose da recepção na dança, o que encaminha uma construção que localiza a crítica dentro da recepção, com a proposição de um organograma das terceiridades para localizar a Crítica como fenômeno pertencente ao domínio da Recepção, e ilustra suas relações com outros fenômenos desse processo.

Caracterizado o seu espaço de ação, o onde a crítica opera — e, portanto, quais as lógicas de pensamento que são acionadas por ela — o Capítulo 4 procede com a discussão da definição da crítica de dança enquanto fenômeno histórico e mutável. Três possibilidades são desenvolvidas nesse capítulo, que tratam do estudo formal, estrutural e funcional da crítica de dança, pontuando os destaques de cada um desses procedimentos ao longo da história da produção crítica, e evidenciam, mais uma vez, a relevância do entendimento da crítica enquanto comunicação e enquanto mediação.

É a partir desse entendimento que se elabora o Capítulo 5, no qual são discriminadas mais detalhadamente e em funcionamento — a partir de exemplos textuais que, num estudo de caso, discutem oito obras criadas e apresentadas como versões de O Quebra Nozes — as quatro operações que podem ser observadas na realização do texto crítico: Descrição, Interpretação, Avaliação e Contextualização.

(14)

Nesse capítulo, essas operações são ilustradas a partir de sua realização e dos efeitos que causam, determinando duas estruturas principais de realização da crítica e de seu impacto sobre a experiência estética do leitor, apresentadas como Prolongamento e Deslocamento — estes, os principais conceitos elaborados por esta tese.

Essa análise das quatro operações em realizações textuais permite a evidenciação da Descrição como uma forma de acesso ao evento artístico que é discutido pela crítica, pautada pela separação inevitável entre o espetáculo e o texto que o discute. Operação basal da crítica, ela leva a outras operações, como a Interpretação, que se apoia nessas referências da Descrição para estabelecer relações e entendimentos que sejam perceptíveis pelo público. Aqui entra em jogo o aspecto da recepção como um fenômeno coletivo, que permite o compartilhamento dessas interpretações e que justifica a presença da Avaliação nos textos críticos. Cobrada pela estrutura de produção e leitura da crítica, a Avaliação depende de sua realização para ser algo relacionável para o leitor, que se baseia não apenas no discurso do crítico, mas nos elementos que ele oferece para a construção da avaliação, tanto através da Descrição, quanto da Contextualização dessa obra em seu tempo e espaço. Ao abordar os sistemas da dança, a Contextualização informa o leitor sobre seus processos, construindo entendimentos de forma cumulativa: não apenas para a obra discutida pelo texto em questão, mas para o seu leitor, enquanto um receptor da dança como linguagem.

As quatro operações se articulam entre elas para a realização dessas duas formas distintas de impacto — Prolongamento e Distanciamento —, e para discutir essas articulações, o Capítulo 5 se encerra com uma reflexão acerca da dominância que pode acontecer entre as operações que partilham do mesmo momento textual, e as possibilidades variadas que essa dominância pode causar na experiência que o leitor tem dos textos de crítica.

Finalmente, o Capítulo 6 retoma a discussão da crítica dentro o edifício teórico proposto pela teoria das categorias para declinar a crítica de dança em três novos graus de primeiridade, secundidade e terceiridade, nos quais será possível observar como são construídos e quais os efeitos que operam na apresentação do fenômeno da dança, na determinação de entendimentos daquilo que é reportado, e na discussão da recepção.

(15)

Para tanto, o capítulo se apoia em exemplos de 27 textos de crítica publicados no Da Quarta Parede. Selecionados a partir do extenso corpus desenvolvido ao longo do tempo da tese, esses textos vêm ilustrar os três graus desse novo nível de análise, evidenciando (1) a necessidade da crítica de reportar o evento que discute, investigar as intenções da proposta artística desenvolvida e as formas de realização dessas intenções; (2) a proposição pela crítica de formas de recepção, ao oferecer ao leitor chaves de leitura para a obra que discute, as quais, não raro, podem se tornar determinantes registros da recepção das obras, assim revelando o papel imediato mas também futuro da crítica, que registra historicamente a produção artística; e (3) a discussão que a crítica faz da própria recepção, apresentando-a como um aspecto determinante da experiência da dança, ao apresentar leituras pontuais que existam ou possam existir para dada obra, assim direcionando o leitor para os efeitos que a obra deixa como rastros, algo que está além dos elementos que causam esses efeitos.

Ao final, as conclusões amarram os diversos fios tecidos pelos múltiplos capítulos, esclarecendo a trama que eles constroem. Com todo o apresentado, espera-se cumprir os propósitos dos objetivos desta tese: a identificação dos meios pelos quais a crítica pode ser proposta metodologicamente, de forma a discutir o fenômeno da recepção na dança, elencando-se as características da apresentação e do funcionamento dessa realização, através da investigação teórica, da produção de textos de crítica, e da verificação dos conceitos discutidos em exemplos diversos.

(16)

CAPÍTULO 1

1

A CRÍTICA E OURAS ESCRITAS SOBRE A DANÇA

A crítica de dança é uma forma de produção textual que se articula com a obra com que está em contato e que se propõe a discutir. São muitos os pontos de vista que podem organizar uma abordagem da produção crítica, e alguns deles são expressos nos itens que se seguem nesta tese. Porém, um importante lugar de partida é o de situar a crítica dentro de um contexto comparativo frente a outras estratégias de produção textual que surgem a partir da dança.

As reflexões textuais sobre a dança remontam à origem remota da dança cênica, englobando os tratados e as formas de registro do movimento, a sistematização do seu ensino, e, posteriormente, a apreciação da produção artística, e a reflexão teórica acerca desse domínio do conhecimento. Seus propósitos não se limitam a transcrever a dança: não se tratam de discursos que intentam uma substituição, e sim um alargamento, permitindo ao campo da dança uma expansão, nesse caso, para o formato textual.

O que aqui se propõe é que a escrita pode ser uma forma de discussão da recepção da dança, através de múltiplas e específicas formas de trabalho, que serão discutidas neste capítulo, com o objetivo de estabelecer uma distinção qualitativa entre a crítica, objeto principal dessa tese, e as outras formas de escrita que a ela se associam.

A necessidade de localizar a crítica dentro de um espectro de produção textual em dança vem de uma observação de prática pedagógica que nota que o trabalho prático da formação do intérprete de dança raramente se encontra acompanhado de reflexões teóricas, ou mesmo históricas, acerca dessa prática. Considera-se aqui, um efeito do contexto brasileiro de ensino da dança, que permite que um indivíduo abra uma escola e ensine a dança que quiser, da maneira que considerar apropriada, para aqueles que se dispuserem a pagar por isso. Isso aumenta não apenas a inconstância, mas sobretudo as possibilidades de

O texto deste capítulo foi desenvolvido a partir de um artigo entitulado “Communication through

1

Dance Writings: Criticism, History, Manuals, and Theory”, convidado para publicação pela University of Malta, dentro de um livro entitulado “Performance and Interdisciplinarity”, resultante de um congresso homônimo, realizado em Valetta em 2015, atualmente no prelo.

(17)

background de formação dos bailarinos, que, frequentemente ultrapassando apenas um tipo de aula técnica, costumam experimentar diversos estilos e técnicas, criando um repertório misturado a partir das ofertas de suas academias. Esse repertório, que passa pelo ballet, pela dança moderna e pelo contemporâneo (em suas muitas possibilidades de abordagem e referências), e também pelas danças de rua, hip hop, sapateado, danças de salão, dança do ventre, entre outras, chega inclusive a outras áreas, não exatamente da dança, mas que naquelas mesmas instituições se apresentam, às vezes em paridade, como exercícios de circo, acrobacias, ginástica artística e rítmica, além das possibilidades de contato e experiência em danças sociais e populares.

Todo esse vasto catálogo de experiência prévia, como mencionado, não costuma incluir relações com os escritos sobre a dança, que parecem legados a um segundo plano. A percepção desse segundo plano sugere questionamentos maiores, mesmo acerca da existência de tais fontes, nem sempre conhecidas daqueles que trabalham e produzem dança. Vem aqui, uma pergunta em dois tempos, que origina o questionamento deste capítulo: O que se escreveria sobre a dança? E por quê se escreveria sobre a dança?.

Para discutir esse questionamento, segue-se uma breve abordagem histórica aos escritos sobre a dança, numa proposta de passar em vistoria sobre alguns dos diferentes tipos de texto que se produzem sobre essa arte, num objetivo de situar a crítica de dança entre outros de seus pares textuais. Analisando as suas similaridades e diferenças, e sua articulação, apresenta-se, não apenas um relato acerca do que foi escrito sobre a dança, mas também sobre o por quê esses escritos são relevantes, e o como essas formas de escrita, cada uma a sua maneira específica, têm acompanhado o desenvolvimento da dança e alargado o entendimento que têm pesquisadores e acadêmicos acerca daquela arte.

Esse panorama funciona de maneira a apresentar a proposta desta pesquisa que se constrói a partir da crítica de dança. Enquanto nos próximos capítulos a crítica vai ser trabalhada dentro de outros edifícios do conhecimento, como a linguística e a semiótica, aqui ela é discutida a partir de um lugar de origem seu enquanto uma forma de texto sobre a dança. Assim, a ideia deste texto é chegar à crítica enquanto atividade de interesse para a dança a partir de seu estudo com relação a outras formas de reflexão acerca das obras de dança. Para discutir as

(18)

características que formam a crítica enquanto campo de conhecimento, será necessário recorrer a outras formas de comparação, exercício sobre o qual se debruçam outros trechos desta tese, aqui restando o tópico da crítica em meio a outras produções escritas da dança cênica.

1.1. Múltiplas Escritas sobre a Dança

Abordagens escritas da dança cênica podem ser encontradas desde o século XVI. Em 1589, o clérigo francês Jehan Tabourot publicou Orchésographie et

Traicté en forme de dialogue, par lequel toutes personnes peuvent facilement apprendre & practiquer l'honneste exercice des dances (Orquesografia e Tratado em

forma de diálogo, pelo qual todas as pessoas podem facilmente aprender e praticar o exercício honesto da dança), sob o pseudônimo de Thoinot Arbeau. Esse livro apresenta uma reflexão acerca das danças de corte de seu tempo, incluindo informações detalhadas dos passos de dança e entalhes dos posicionamentos, indicando como deveriam ser executados pelos bailarinos.

Essas danças de corte foram predecessoras dos ballets de corte, e o interesse em registrá-las em forma de livro — em um momento em que a criação e produção de livros não era uma atividade nem simples nem barata — é por si só uma indicação da relevância dos escritos de dança para aquela sociedade. A obra de Arbeau mostra um interesse em se preservar danças em formas que sejam mais acessíveis e que viajem mais facilmente, como os livros. É pela reflexão sobre essa possibilidade, bem como sobre outros possíveis interesses em se escrever sobre a dança, que essa pesquisa iniciou uma categorização das diversas formas de escrito que foram encontradas, quatro delas sendo apresentadas ao longo deste item (sobre o interesse e os processos de refletir acerca da dança em escritos, ver Croce, 1978).

Claramente, essa categorização não responde por todas as possibilidades de escrita sobre a dança, e revela o interesse acadêmico pontual dessa pesquisa. Por exemplo, de início, materiais promocionais foram excluídos da análise, tais como os sites de companhias de dança, e propagandas de turnês e apresentações. Também, por questões de fiabilidade, relatos e testemunhos focados

(19)

em experiências pessoais, como cartas e diários, que podem o não foram considerados.

Ainda que esses relatos pessoais ofereçam informações acerca das práticas da dança, eles dificilmente podem ser considerados de um ponto de vista factual, como reportando algo além das próprias experiências de seus autores. Mesmo que eles sejam fundamentais para diversas formas de estudo da dança (cf. LAUNAY, 2011; LAYSON, 1998), eles precisam ser considerados com cuidado e distanciamento crítico, uma vez que eles raramente carregam o interesse de registrar algo para além da percepção do próprio autor, tendo muito dificilmente sido considerados para a disponibilização ao público geral, e facilmente podendo operar como o que Pavis (2008) chama de filtros deformantes na análise e discussão das obras.

Essa suspeita de relatos pessoais pelo ponto de vista acadêmico e historiador pode ser exemplificada pela análise que Modris Eksteins apresenta em seu livro Rites of Spring: The Great War and the Birth of Modern Age (2000), quando, ao tratar de eventos da temporada de estreia da Sagração da Primavera (Paris, 1913) de Nijinsky, ele apresenta alguns relatos da primeira apresentação pública da obra, como o de Gertrude Stein. Eksteins propõe que os eventos daquela noite foram tão relevantes, que muitas pessoas se sentiram incluídas neles, mesmo que não estivessem de fato presentes na apresentação. Comparando as observações de distintos indivíduos, o historiador aponta que diversos dos relatos, que são frequentemente tidos como descrições de primeira-mão da primeira apresentação da Sagração, registrados em diários e cartas, nas verdade eram ficções. Foram registrados em texto, mas por pessoas que não estavam de fato presentes na tumultuosa estreia.

A memória, enquanto “processo de ressignificação elaborado a partir de percepções e questionamentos feitos no presente” (Cerbino, 2009, p.33), nem sempre é uma fonte de precisão histórica (ver Navas, 2015, sobre os usos de fontes primárias na pesquisa em dança). Isso não é um problema em si, é uma característica desses materiais, que intencionavam registrar a experiência para os próprios autores e para as pessoas a quem eles estivessem escrevendo, não se destinando inicialmente a reflexões acadêmicas. Essa reflexão acerca da aplicação possível das fontes em estudos de história da dança se tornou um critério principal

(20)

para o crivo da coleção de exemplos que aqui se discutem, e sua consequente organização em diferentes categorias.

A partir da consideração dos exemplos tidos como pertinentes, as categorias que aqui se discutem são quatro: Manuais de Dança, Crítica de Dança, História da Dança, e Teoria da Dança. Manuais é a categoria das formas de escrita que focam na instrução de como dançar; a Crítica inclui textos focados na apreciação e na avaliação de obras de arte; História apresenta os relatos sobre eventos e indivíduos, e suas relevâncias para a continuidade e transformação dessa forma de arte; e Teoria, a mais larga das categorias, inclui estudos e análises de dança (dança, como em ‘esta forma artística’, e não ‘danças' como em ‘as coreografias ou os estilos de dança’).

Essas diferente categorias têm um elemento fundamental em comum: a ideia de que a dança funciona como uma linguagem — dentro do entendimento desse termo elaborado mais adiante nesta tese (e também em Rochelle, 2013 e Rochelle, 2015), a partir, sobretudo, dos pontos expressos por Roland Barthes (1964, 1995, 2004) e Roman Jakobson (1971), que apresentam aplicações e funções da linguagem para além de suas características formais. Assim apresentando o entendimento expandido do termo que, centrado na possibilidade comunicativa das linguagens, propõe que a dança seja uma linguagem por ser sistematicamente organizada para comunicação. Desses aspectos, que serão detalhados mais à frente, para o momento basta a compreensão e o foco no elemento funcional mais importante desse entendimento da dança como linguagem: a sua possibilidade comunicativa.

Esse conceito de que existe uma associação direta entre a dança e a comunicação foi validado pelos exemplos considerados nas quatro formas de texto aqui pontuadas, e nenhum exemplo de crítica, teoria, história ou manual que desconsiderasse o aspecto comunicativo da dança pode ser pontuado. Os textos de crítica se mostram principalmente dedicados a tratar de quão bem uma obra / ou um bailarino / ou um coreógrafo é capaz de comunicar algo ao público, através da dança. Todas as alterações históricas nos estilos de dança podem ser observadas como ligadas à necessidade de mudança das formas criadas para que elas melhor se relacionem a um contexto ou ideia — assim, elas acontecem em um propósito comunicativo. Se não houvesse comunicação pela dança, se ela não fosse capaz de

(21)

significar algo para alguém, não seria possível analisar, discutir, teorizar sobre ela — posto que esses também são processos orientados para o outro, e não unicamente auto-referenciais. Finalmente, se não houvesse comunicação de uma pessoa a outra na dança, não seria pertinente se preocupar com os modos como ela deve ser executada, o que responde pelos manuais de dança.

Com essa consideração, investigar as escritas sobre a dança se torna uma forma de investigar como esses escritos apresentam aspectos da comunicação da dança enquanto linguagem, o que eles fazem em modos e intenções diferentes. Em cada seção que segue deste capítulo, uma das formas de escritas sobre a dança propostas é considerada com relação a como ela organiza sistemas e comunicação entre artistas e públicos. Ao final, uma conclusão reflete acerca dessas quatro formas de escrita comparativamente, indicando características que são observadas individualmente em cada forma de texto, podendo ser identificadas como elementos característicos, isolados de uma forma específica, e quais aspectos podem ser vistos como mais gerais, elementos interdisciplinares do todo considerado de escritas sobre a dança.

1.2. Os Manuais de Dança: informação para a formação

Oferecendo informação técnica sobre o treinamento, a preparação, a educação e a formação dos bailarinos, os manuais de dança normalmente focam na apresentação de sistemas fechados de comunicação através da dança, se direcionando ao desenvolvimento e aperfeiçoamento das habilidades e capacidades dos bailarinos, dentro desses sistemas. Os trabalhos mais antigos dessa natureza frequentemente apresentam ideias rígidas de como seria a execução apropriada de um movimento, sua colocação otimizada em coreografias, e os métodos para sua realização. Assim, os sistemas apresentados podem ser considerados como fechados: os manuais oferecem opiniões nas melhores formas (e nas formas adequadas) de se realizar e usar a dança.

Isso responde pela grande variedade e distinção entre esses sistemas. Movimentos são descritos diferentemente, executados diferentemente e com intenções diferentes, que refletem os objetivos, as propostas e opiniões dos indivíduos responsáveis tanto pelos manuais como pelas tradições em dança que

(22)

eles representam. Em Orchésographie, por exemplo, Arbeau (1589) ensina aos dançarinos como eles devem posicionar seus corpos e executar os movimentos, de acordo com os princípios de moralidade e decoro daquele tempo, bem como considerando as roupas da época, posto que, naquele momento, ele escrevia sobre as danças sociais realizadas na corte, em sua maioria dentro de ocasiões de festividades e eventos.

Tradições clássicas também foram registradas em manuais, como o Basic

Principles of Classical Ballet, de Agrippina Vaganova (1969, original de 1946), até

hoje usado pelo mundo como uma possibilidade de método para a edução em dança, mas que foi concebido bastante especificamente para seu momento, e dentro da tradição da dança russa. Ainda que alguns manuais venham de semelhantes propostas ligadas à ideia de dança clássica, seus diferentes backgrounds criam mudanças mesmo em elementos comuns da técnica — por exemplo, o posicionamento dos pés no passé, o quanto as pernas se cruzam quando em terceira posição, o como o corpo deve se organizar e quais músculos devem ser dominantes durante piruetas, e assim por diante.

As sistematizações e a preocupação com detalhes mostram uma consideração pela necessidade de padronização de alguns processos de treinamento e realização, garantindo a continuidade de uma tradição e de um estilo específicos, bem como das formas como eles são recebidos por seus públicos. É desse modo que a relação com os públicos aparece nessa forma de escrita. Essa ideia de determinar uma execução apropriada para a dança está presente no todo dos exemplos de Manuais. O Elementary, Theoretical and Practical Treatise of the

Art of Dance, de Carlo Blasis (1968, original de 1820), por exemplo, se aventura

profundamente na prescrição de como o bailarino deve realizar a dança, se comportar, e mesmo, em alguns aspectos, viver.

Isso revela que, com relação ao entendimento da comunicação da dança por essa forma de escrita, o que se encontra é de natureza prescritiva. Os autores estão, de certa forma, dizendo o que os públicos desejam e esperam da dança, o que deve ser realizado, e a maneira apropriada de fazê-lo. Assim, as possibilidades de comunicação são ao mesmo tempo limitadas, posto que pré-determinadas, mas também garantidas e estabelecidas, posto que os autores partem de uma experiência de trabalho dentro das tradições que discutem, e, considerando o

(23)

entendimento que têm das reações do público àquela tradição específica, eles organizam e apresentam a quem estuda e a quem ensina dança através daquele manual (já que os manuais servem sobretudo a propósitos educacionais) as habilidades necessárias para aquela específica comunicação e entendimento.

Essas considerações não são limitadas aos manuais de técnicas de dança clássica. Muitos dos pioneiros da dança moderna também trabalharam dentro desse tipo de sistemas fechados, tendo os seus sistemas sido apresentados em textos por eles próprios, por colaboradores seus, ou por especialistas que tenham estudado seus trabalhos. Doris Humphrey, Martha Graham, José Limón — nomeando alguns poucos — possuem materiais que almejam ensinar suas técnicas — e seus sistemas — mesmo depois da morte desses artistas. Também, diversos criadores contemporâneos sentiram a necessidade de refletir sobre seus meios de trabalho, ensino e criação de danças, tendo produzido materiais escritos com essas considerações. Mais recentemente, no entanto, tais textos tentem a outras formas de abordagem: não mais a reflexão de fórmulas e ideias acerca do que seria a maneira apropriada de um movimento, como indicava-se nos manuais clássicos, mas também incluindo abordagens mais amplas, chegando mesmo a aventurarem-se pelo que aqui aventurarem-se chama de teoria da dança.

Dentro dessa abordagem mais atual, pode-se considerar, por exemplo, a série de livros e dvds da coreógrafa Anne Teresa de Keersmaeker em parceria com a pesquisadora de dança Bojana Cvejic (Keersmaeker, 2012), entitulada A

Choreographer’s Score. No meio do caminho entre os manuais e a teoria, esses

livros apresentam os arquivos dos processos criativos de algumas coreografias da companhia Rosas, fundada e dirigida por Keersmaeker, incluindo também entrevistas e comentários, além de instruções em video que mostram como as obras devem ser dançadas. Os livros também incluem reflexões acerca da arte e do estilo da companhia belga, explicando suas intenções e as razões que guiaram seus processos. Por essa característica, ainda que haja instrução acerca de como se realizam as danças, esses não se tratam de manuais de um estilo específico, já que não intencionam servir como um guia para um bailarino qualquer, numa situação qualquer, e servem mais como manuais daquelas coreografias de que tratam especificamente.

(24)

Isso destaca o aspecto interdisciplinar dos manuais: sua integração com a educação. Como eles são construídos a partir das ideias de transmissão e aprendizado, eles podem ser vistos como ferramentas pedagógicas. Eles se amparam na forma escrita para que a informação do como dançar seja transmitida em uma forma facilmente multiplicável e reproduzível — e portanto bastante diferente da transmissão corpórea e verbal tradicional da dança. No entanto, seus conteúdos ainda podem variar bastante, desde a determinação do que e como deve ser feito, até as reflexões do porquê as coisas precisam ser das formas como são propostas — um tópico que se associa mais à teoria da dança.

1.3. A Teoria da Dança: discussão, análise e síntese de sistemas

Nos textos de Teoria da dança, o foco está na discussão, com a apresentação de múltiplos pontos de vista dos assuntos que se discutem, mesmo que, a certo ponto, também tenha existido nesse tipo de texto um tanto de prescrição. O livro de 1579 de Lambert Daneau, Treatise on Dances considera teoricamente questões do cristianismo, oferecendo o que o autor apresenta como respostas definitivas para certas questões de moralidade religiosa e sua interação com a dança. Outro texto desse período do início da formação da dança clássica como a conhecemos são as Cartas sobre a Dança, publicadas em 1760 por Jean-Georges Noverre. O coreógrafo e maître suíço pode ser considerado um dos primeiros a discutir como a dança comunica, e ainda que haja elementos prescritivos em suas cartas — sobretudo quando ele defende as reformas que considera necessárias ao ballet — suas ideias são apresentadas em uma linha de pensamento e reflexão que é característica da teoria.

Se no trabalho de Blasis encontram-se sugestões pontualmente baseadas em preferências do público, Noverre discute a importância de que o bailarino entenda o trabalho — assim como de que o público entenda o bailarino — advogando formas de interpretação que, ele considera, deveriam ser pesquisadas e criadas por artistas, baseadas não nas formas rígidas do ballet de corte mas nas necessidades cênicas da comunicação daquela arte.

A teoria da dança também é muito útil quando coreógrafos e pesquisadores desejam explicar o como eles acreditam que as danças devam ser

(25)

criadas. Foi esse o caso de Théophile Gaulthier, no início dos anos 1840, com seus artigos que explicavam algumas das razões do ballet romântico. Também foi o caso de Michel Fokine, que publicou em 1914 no jornal The New York Times uma carta na qual explica os princípios do que ele chama de o novo ballet, assim como as regras que ele acredita serem organizadoras da criação de danças.

Trabalhos mais recentes, como Dance Analysis: Theory and Practice, de Janet Adshead (1988) e Le Corps (1972) e De la Création Chorégraphique (2001), estes dois do francês Michel Bernard, se aventuram na nomeação dos sistemas de comunicação que se apresentam num evento de dança. Esses sistemas discretos organizam as possibilidades de criação e entendimento de obras de dança, e ao os discutirem, os autores estão tentando se aproximar do entendimento da comunicação da dança enquanto linguagem.

Next Week Swan Lake: Reflections on Dance And Dances, de Selma

Jeanne Cohen (1982), também articula comentários acerca de sistemas de dança, questionando o que o público pode entender a partir de uma obra de dança. A relação entre artistas e públicos é constantemente debatida, enquanto se avança acerca do entendimento da comunicação da dança, tanto enquanto possibilidade (teoricamente) como através de exemplos. É remarcável o exemplo de Cohen tratando da Fada Açucarada, do ballet O Quebra Nozes. Quando ela questiona o que é uma Fada Açucarada e como ela seria reconhecida por alguém na rua, a autora inicia uma discussão acerca da comunicação do ballet como dependente do libreto, entre outros temas. Nesse ponto, Cohen coloca em perspectiva alguns dos sistemas próprios ao ballet clássico, referindo-se à sua tradição de background narrativo e intenção de contação de histórias.

Isso cria uma associação interdisciplinar entre a dança e a literatura. Historiadores, como Paul Bourcier (1978) e Jack Anderson (1981), consideram a narratividade como a principal separação entre as danças sociais que eram apresentadas nas cortes européias e as primeiras formas de ballet, como o Ballet

Comique de la Reine (1581, de Balthasar de Beaujoyeux). As danças de corte eram

apresentadas em situações sociais, que, portanto, pressupunham participação, enquanto os ballets de corte, mesmo que ainda apresentados como parte do entretenimento de festas, supunham uma distinção clara entre aqueles que dançavam e aqueles que assistiam à dança. Essa separação foi forçada pela ideia

(26)

de se tratar a dança como uma forma de narrativa, que requeria uma preparação específica e ensaios, assim dando à dança o seu elemento cênico, se mostrando como uma referência maior para o entendimento de como a dança pode articular com outras formas artísticas. No entanto, deve-se manter em mente que esses elementos e relações são produtos diretos de seus tempos e estética, devendo, portanto, ser considerados também pela perspectiva histórica.

1.4. A História da Dança: os eventos e sua relevância

Ainda que os primeiros manuais de dança tenham servido como uma forma de registro da história da dança — e de algumas danças em específico — eventualmente os autores demonstram uma necessidade de se dirigirem mais especificamente à história. Desde a publicação do General History of Sacred and

Profane Dances de Jacques Bonnet em 1723, as metodologias dos historiadores de

dança têm variado bastante. A principal mudança, provavelmente, é que as primeiras Histórias se apresentavam basicamente como recontos pessoais dos acontecimentos, baseados na memória e na transmissão entre indivíduos. Paralelamente à pertinência desses registros pessoais, a consideração da importância do uso de outras fontes primárias e documentais vai aparecendo, sendo hoje um dos aspectos mais relevantes na discussão dos trabalhos de história.

As histórias da dança trabalham intimamente com essa relação da tradição da transmissão oral, assim como com o arquivamento e a documentação. Enquanto a documentação se foca em fontes históricas, no momento da investigação histórica — assim como no momento da escrita dos resultados dessa investigação — entra em jogo a autoria e a pessoalidade do autor. Aparece então a noção da história como entidade fictiva, que se constrói a partir de determinados acessos e apresentações (RANCIÈRE, 2000), ou seja: não há neutralidade absoluta ou imparcialidade possíveis, e o autor está presente nas decisões da metodologia da pesquisa, e na forma como os materiais encontrados são usados, discutidos, e apresentados, já que as múltiplas fontes geram múltiplas possibilidades de abordagem e apresentação.

Não é fácil encontrar, nem analisar, as múltiplas fontes que existem acerca de um dado período, de uma companhia, de uma escola, de um bailarino, de

(27)

um coreógrafo, de um teatro, e assim por diante; e por esse motivo, existe um grande número de textos de história que preferem limitar seu escopo. Fixando a pesquisa em um único indivíduo, companhia ou período, o pesquisador passa a dispor de mais tempo de pesquisa, e mais espaço de desenvolvimento, para um texto mais aprofundado em seu assunto. Também, isso responde pelo menor número de livros de História Geral, entre os quais podemos citar o já mencionado

Histoire de la Danse en Occident, de Paul Bourcier (1978), também Dance, de Jack

Anderson (1981), e Ballet and Modern Dance, de Susan Au (1998) — todos estes sendo exemplos da abordagem sucessiva dos estilos e formas de dança no tempo, com a discussão de sua relevância no contexto em que apareceram, assim destacando a continuidade e as mudanças dessa forma artística.

O livro de Jennifer Homans (2010), Apollo’s Angels: A History of Ballet, exemplifica muito do que pode ser visto em outros exemplos de textos de história da dança. Como a principal proposta desse tipo de obra é a transmissão de informação, a maior parte daquilo que poderia ser tomado como opinião pessoal é apresentado por sua relação com fatos e eventos. Em relação aos sistemas de comunicação, esse tipo de material se preocupa com mostrar as formas como os sistemas se alteram ao longo do tempo, mais do que com analisar os sistemas em questão. Há um foco notável na relação entre artistas e públicos, e, ainda mais, entre artistas e seus contextos (sejam sociais, políticos, econômicos ou artísticos). Usualmente, o objetivo é de expandir o conhecimento acerca da dança em seu tempo, e apresentar o que se entendia através daquela forma de comunicação naquele contexto.

Apollo’s Angels foi especialmente discutido não pela extensa pesquisa de

Homans fez (abrangendo, e em riqueza de detalhes, períodos que foram, inclusive, frequentemente deixados de lado em outras das obras já mencionadas), mas sobretudo por seu epílogo, que, conforme o título apresenta, propõe que ‘The masters are dead and gone’. Esse epílogo incitou uma onda de respostas e mesmo edição de novos livros para questionar essa asserção e a consideração que ali é apresentada de um possível fim do ballet. Sobre esse aspecto específico, enquanto a parte histórica de seu livro, ao oferecer dados e referências, tenta expandir o conhecimento que o leitor tem dos eventos do passado, no epílogo o foco passa para um nível de interpretação dos dados coletados, que, de certa forma, pode

(28)

sugestionar o leitor a um entendimento (ao tentar convencê-lo), um procedimento que também é frequentemente associado à crítica de dança.

1.5. A Crítica de Dança: apreciação, divulgação e reflexão

São muitos os exemplos de críticas de dança, frequentemente compilados em obras antológicas de um autor ou de um grupo de autores (BEAUMONT, 1950; DENBY, 1968; SIEGEL, 1972; ANDERSON, 1987; PERRON, 2013). Também há uma quantidade considerável de textos acerca do trabalho e da função da crítica — textos de opiniões bastante divergentes, é importante mencionar. O papel do crítico de dança tem sido questionado, investigado, exaltado, e rejeitado (cf. GUEST, 1962; SORELL ,1965; DENBY, 1979; FARNDALE, 1990; BURNSIDE, 1991; ACOACELLA, 1992; FERREIRA, 1995; COPELAND, 1993; e BERNARD 2011 — nomeando apenas algumas das muitas referências possíveis). A crítica de dança foi entendida como forma educativa, como informação geral, como opinião pessoal de gosto e preferência, e múltiplas outras possibilidades entre essas.

Uma separação fundamental nos textos de crítica pode ser proposta entre a crítica jornalística e a crítica acadêmica (HAN, 2015, Creuser). A crítica jornalística ocupa atualmente um papel fundamentalmente econômico com relação à dança, despertando interesse do público em produções, eventualmente levando-os a se interessar e considerar assistir às apresentações, assim fazendo com que as obras discutidas sejam conhecidas. Quando há a intenção da publicidade, normalmente os textos vão apresentar informações fundamentais de serviço, o como, onde e os preços das apresentações, e, também dentro desse propósito, os textos desse tipo de crítica costumam ser feitos antes das apresentações (ou tão cedo quanto possível), assim se baseando também em ensaios, entrevistas e pré-estreias, para que a publicação possa chegar ao público com tempo hábil de atender sua função de divulgação. Esse formato da crítica reflete usos contemporâneos da mídia, sobretudo impressa, e não pode ser pontuado como uma constante na história desse tipo de texto, que já encontrou, inclusive dentro do jornalismo opinativo, amplo espaço para a reflexão e o debate acerca da arte.

Quando existente, essa intersecção entre o campo econômico e publicitário, aplicada às artes da cena, pode refletir uma importância do feedback

(29)

editorial como maior do que o texto escrito, e, portanto, maior do que a própria obra discutida, e o espaço do jornal pode ser vendido como commodity que capta possíveis públicos. Se há múltiplas opções de apresentações de dança a assistir, a opinião do crítico pode se tornar influencial na decisão de qual será a escolhida, e também em como essa obra será entendida.

De um outro lado, temos a crítica acadêmica, presente nas universidades, nas revistas e periódicos especializados, e focada num mais estudo aprofundado e estruturado das obras, portanto sendo necessariamente posterior a elas. Esse tipo de crítica é criado como forma de consideração da obra, podendo se propor a elucidar a obra para o público ou para a comunidade acadêmica, discutindo seus aspectos, qualidades da performance, a relevância daquela dança e assim por diante (CARROLL, 1987), propondo outras formas de debate e discussão sobre a arte da dança. Ainda que os nomes aqui propostos como separação possam sugerir que a divisão proposta se baseia na mídia e no formato de publicação do texto, ela considera muito mais as intenções dos autores como seu elemento determinante — ainda que essas intenções sejam de fato frequentemente ligadas em muitas maneiras a suas mídias específicas.

Sally Banes (1994) considera quatro diferentes operações que um crítico pode realizar em seu trabalho: descrição, contextualização, avaliação e interpretação. Essas operações podem se relacionar em múltiplas formas aos aspectos que aqui são discutidos. A descrição é o método que o crítico usa para apresentar os sistemas empregados naquela comunicação. Mesmo que não sejam discutidos, eles são descritos, assim dando ao leitor uma forma de acesso à obra. Se o leitor assistiu à obra, ele pode ser capaz de lembrar, através da descrição, pontos principais que o crítico considera relevantes para a análise proposta. Se o leitor não assistiu à obra, a descrição pode ajudá-lo a ter uma ideia, mesmo que parcial, dela. Ao contextualizar e avaliar uma obra, o crítico coloca esses sistemas em relação com seu tempo, estabelecendo a aproximação entre os artistas e os públicos — e ele mesmo, enquanto membro do público — e apresentando uma experiência de recepção que pode diferir da experiência de outra pessoa, mas continua sendo uma experiência, real, e, na crítica, tornada pública, partilhada.

No entanto, ao interpretar uma obra, o crítico está sempre em uma situação difícil. De um lado, sua opinião pode ser exigida (por alguns editores) e

(30)

desejada (por alguns leitores); por outro lado, ao oferecer uma opinião interpretativa, o crítico pode interferir com as opiniões dos leitores, limitando-as, pre-determinando-as (ver em DENBY, 1969, a discussão dos muitos pontos de vista acerca da relação entre o crítico e o entendimento do público). Esse risco foi explorado profundamente em formas de crítica que focam na avaliação da obra e que oferecem opiniões e preferências pessoais como forma de validação ou questionamento das obras que consideram. A crítica avaliativa, extremamente popular desde o ballet romântico, e principalmente voltada para a apreciação, sofreu, a certo momento, uma grande resistência por parte do público leitor, e, historicamente, observam-se muitas alterações no foco dessas quatro operações.

De acordo com Banes (1994) cada texto de crítica pode misturar as dosagens dessas quatro operações, mas observamos que alguns autores mostram preferências em suas escolhas, por exemplo, nas críticas interpretativas da New

York School of Criticism (THEODORES, 1996), que apresenta a experiência

individual da dança como forma valiosa e interessante de crítica. O aspecto mais relevante desse sistema de quatro operações é sua múltipla possibilidade de dosagens, no sentido de criar combinações únicas, ao mesmo tempo que, paradoxalmente, essas combinações podem ser capazes de emular características das outras categorias de textos aqui discutidas, criando críticas de orientação histórica, ou que destacam a assertividade dos manuais, ou a característica investigativa da teoria. Talvez por essa possibilidade de emprestar das outras formas de escrita a crítica tenha sido pontuada por Carter (1976) como o nível primeiro da escrita acerca da dança, expressão que a autora traduz a partir de um entendimento de que dentre as múltiplas possibilidades de se escrever sobre dança, como as aqui apresentadas, a crítica é aquela que mais se aproxima de fato da apresentação da dança.

1.6. Comparativo dos Sistemas de Comunicação dos Textos sobre Dança

A ideia de que o texto e o estudo da dança possam invadir o espaço pessoal da relação entre artistas e públicos não é rara nem novidade, tampouco é ela uma ideia simples, e pode ser considerada a partir da perspectiva de cada uma das categorias aqui apresentadas. Enquanto manuais frequentemente têm uma

(31)

característica assertiva que lida com a dança através de sistemas fechados de comunicação, isso se faz, como mencionado, na intenção de preservar e disseminar os sistemas específicos de um criador, de uma escola, de uma tradição em dança. Essa ideia de preservação considera as visões particulares das relações que estes indivíduos ou instituições desejam criar com seus públicos, e ainda que assim se limitem essas relações, esse procedimento intenciona garantir sua manutenção e preservação enquanto possibilidade comunicativa.

Esse processo não se apresenta nas ideias da teoria da dança, que tem um caráter investigativo ao pesquisar os sistemas que organizam a comunicação da dança. Essa intenção se percebe na discussão das relações entre artistas e públicos, e na necessidade de questionamentos estéticos baseados nessas relações. As possibilidades de comunicação da dança são tidas por essa forma como múltiplas e amplas, e consideradas enquanto potenciais, sendo analisadas por exemplos de situações de criação e apresentação de obras de dança.

Quando esses exemplos são considerados, sobremaneira, por sua inserção em seu tempo, vemos a característica contextual das histórias. A escrita da história da dança pode apresentar relações estruturadas de entendimento, mas unicamente tanto quanto elas venham da análise de dados específicos que revelem informações específicas dos momentos discutidos. Como o acesso à informação histórica é normalmente determinado pelo poder institucional do arquivo (DERRIDA, 1995) e pelo esquecimento e pelo aspecto performativo da memória, as análises que resultam desses dados são indicativas de muito mais do que apenas fatos e eventos. Não obstante, pelo uso de múltiplas fontes frente a seus objetos, historiadores tentam contextualizar as possibilidades de comunicação da dança, enfatizando suas mudanças e continuidades, assim permitindo um entendimento dos múltiplos aspectos das relações entre artistas e públicos.

Focando na experiência da obra de dança, o caráter fenomenológico da crítica mostra uma recepção pontual — a do crítico — em relação aos trabalhos que ele discute. Assim, é criada uma forma de pessoalidade, informada pelo trabalho e suas escolhas artísticas, que é contextualizada pelo conhecimento do crítico acerca dessa forma artística. Enquanto essa experiência pessoal é publicizada e partilhada, o background que organiza aquela experiência específica é colocado em evidência,

(32)

da mesmo forma que o background de cada obra organiza seus sistemas de comunicação, parcialmente apresentados e descritos pelo crítico em seus textos.

Vê-se que as múltiplas possibilidades de escritas sobre a dança são frequentemente interligadas interdisciplinarmente aos campos que as alimentam, quanto a seus objetivos, mídia, públicos e afiliações autorais. Mais, ainda, observa-se que o elemento que conecta essas múltiplas fontes, quando elas são aplicadas à dança, é a relevância da comunicação da dança: o entendimento das criações de dança, e a transmissão e discussão desse entendimento, que se reflete tanto nas formas de escrita quanto nos campos do saber que ajudam alimentá-las, conforme previamente discutido.

Ainda que articulem a comunicação da dança em modos diferentes, todos esses diferentes tipos de escrita discutem esse processo, intimamente relacionado à possibilidade de entendimento de eventos de dança. Tem-se a dança enquanto forma artística que se completa no momento da apresentação, ao contato com o público, e a ideia de um sistema, intencionado para a apresentação, estabelecido para criar entendimento — que é a mesma ideia que leva ao entendimento do conceito de linguagem como uma noção expandida que será abordado mais à frente. Ao discutir a comunicação da dança, os escritos de dança oferecem percepções acerca das possibilidades de estruturação dos sistemas que organizam essa comunicação. Eles apresentam, em seus múltiplos modos, formas de entendimento daquilo que acontece no momento da apresentação e que permite que a dança comunique algo a alguém.

Considerando o que se escreveria sobre a dança, e por quê isso seria feito, assim como não há apenas uma forma de escrita sobre a dança, não há apenas uma resposta a essas questões. Poderia-se sugerir que se escreve sobre a dança pelo mesmo motivo que se assiste à dança: porque ela interessa, move, porque ela se comunica com alguém e esse alguém deseja se comunicar de volta (com ela) e adiante (passando-a em frente, para outros). Pode-se apresentar os tipos de textos sobre a dança, suas particularidades, e sua relevância histórica. Pode-se apresentar a relação íntima entre a palavra escrita e o registro da história. Todas essas, possibilidades comunicativas, que reforçam a prerrogativa da dança enquanto sistema de comunicação.

(33)

Para aprofundar a discussão da crítica, dentro de suas caraterísticas sistemáticas (e sintomáticas), passa a ser necessário desenvolver a reflexão no sentido de justificar, teoricamente, a constituição desse aspecto comunicativo e de linguagem que a crítica compartilha com a dança. É a partir da associação entre uma e outra forma, e da identificação dos sistemas que organizam as linguagens (para além das línguas e do verbo), que é possível identificar a matéria que estrutura tanto a dança como a crítica da dança, assim esclarecendo sua parceria.

Esse é o assunto dos dois próximos capítulos, que servem para organizar o pensamento da dança enquanto linguagem, e mostrar como a crítica de dança se apresenta dentro desse edifício de saber e de conhecimento da dança.


(34)

CAPÍTULO 2

2

A DANÇA COMO LINGUAGEM

2.1. A Teoria de Dança e a Noção de que a Dança seja Linguagem

Há um princípio fundador por trás dessa pesquisa, que vem alimentando-a deste sualimentando-a pré-configuralimentando-ação: tralimentando-atalimentando-a-se dalimentando-a compreensão dalimentando-a dalimentando-ançalimentando-a como umalimentando-a formalimentando-a de linguagem. Esse paralelismo não trata de justificar um uso específico do termo linguagem, mas de demonstrar, através dessa relação, que a mesma estrutura de pensamento que leva ao entendimento de que a dança é uma linguagem, é a estrutura que leva à possibilidade de articular a comunicação da qual a crítica de dança é capaz.

Essa associação é fundamental para a proposta que aqui se desenvolve, de apresentar a crítica como uma produção que pode ser metodologicamente pensada para discutir a crítica de dança, e o caminho que agora começa a se traçar, situa a dança dentro desse domínio da linguagem, para, na sequência, oferecer a organização do pensamento que situa a crítica dentro da experiência da dança. Nesse sentido, o que aqui se contrói, com relação ao capítulo anterior, é um exercício de teoria da dança, que desembocará num estudo de teoria da crítica de dança.

Os avanços da teoria de dança frequentemente estiveram ligados a sua associação com outros campos do conhecimento. A discussão da dança enquanto linguagem é um dos grandes interesses da teoria de dança, e, dessa forma, campos que se relacionam aos estudos das linguagens têm apresentado diversas possibilidades de pesquisa para a teoria da dança. Aqui, apresenta-se uma consideração que passa pela linguística e a possibilidade que esse campo abre para o entendimento do conceito de linguagem no fenômeno de dança. Esta possibilidade é alargada pela abordagem sistemática que a semiótica peirceana dá ao entendimento de suas estruturas de representação. Através dos estudos de Peirce acerca do funcionamento, apresentação e articulação dos signos, é possível

O texto deste capítulo foi desenvolvido a partir de um artigo publicado originalmente em inglês, sob

2

o título de “Rethinking Dance Theory Through Semiotics”, na revista Studies About Languages (Lituânia), No 26, 2015, que, por sua vez, provém de um paper apresentado no International Congress on Numanities, na cidade de Kaunas em 2014.

Referências

Documentos relacionados

La asociación público-privada regida por la Ley n ° 11.079 / 2004 es una modalidad contractual revestida de reglas propias y que puede adoptar dos ropajes de

Como já foi dito neste trabalho, a Lei de Improbidade Administrativa passa por uma releitura doutrinária e jurisprudencial, visando delimitar de forma precisa os tipos ímprobos,

In Chapter 1, Pesquisa qualitativa, crítica social e Análise de Discurso Crítica [ Qualitative research, social criticism, and Critical Discourse Analysis ], they provide

A partir da junção da proposta teórica de Frank Esser (ESSER apud ZIPSER, 2002) e Christiane Nord (1991), passamos, então, a considerar o texto jornalístico como

A democratização do acesso às tecnologias digitais permitiu uma significativa expansão na educação no Brasil, acontecimento decisivo no percurso de uma nação em

Revogado pelo/a Artigo 8.º do/a Lei n.º 98/2015 - Diário da República n.º 160/2015, Série I de 2015-08-18, em vigor a partir de 2015-11-16 Alterado pelo/a Artigo 1.º do/a

O presente texto, baseado em revisão da literatura, objetiva relacionar diversos estudos que enfatizam a utilização do dinamômetro Jamar para avaliar a variação da

Estudos sobre privação de sono sugerem que neurônios da área pré-óptica lateral e do núcleo pré-óptico lateral se- jam também responsáveis pelos mecanismos que regulam o