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A separação de poderes do Estado e o Sistema de Freios e Contrapesos: uma análise histórico-doutrinária

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FACULDADE DE DIREITO

A SEPARAÇÃO DE PODERES DO ESTADO E O SISTEMA DE

FREIOS E CONTRAPESOS: UMA ANÁLISE

HISTÓRICO-DOUTRINÁRIA

LORENA CARVALHO LINCK

RIO DE JANEIRO

2008

(2)

A SEPARAÇÃO DE PODERES DO ESTADO E O SISTEMA DE

FREIOS E CONTRAPESOS: UMA ANÁLISE

HISTÓRICO-DOUTRINÁRIA

Trabalho de conclusão de curso apresentado à Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito.

Orientadora: Profª. Dra. Vanessa Oliveira Batista

RIO DE JANEIRO 2008

(3)

83 f.

Orientadora: Vanessa Oliveira Batista.

Monografia (graduação em Direito) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Centro de Ciências Jurídicas e Econômicas, Faculdade de Direito. Bibliografia: f. 81-83.

1. Direito Constitucional - Monografias. 2. Teoria Geral do Estado. I.

Batista, Vanessa Oliveira. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Centro de Ciências Jurídicas e Econômicas. Faculdade de Direito. III. A Separação de Poderes do Estado e o Sistema de Freios e Contrapesos: Uma Análise Histórico-Doutrinária.

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A SEPARAÇÃO DE PODERES DO ESTADO E O SISTEMA DE FREIOS E CONTRAPESOS: UMA ANÁLISE HISTÓRICO-DOUTRINÁRIA

Trabalho de conclusão de curso apresentado à Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito.

Data de aprovação: ____/ ____/ _____ Banca Examinadora:

________________________________________________

Nome completo do 1º Examinador – Presidente da Banca Examinadora Prof. + titulação (caso tenha) + instituição a que pertence – Orientador(a) ________________________________________________

Nome completo do 2º Examinador

Prof. + titulação (caso tenha) + instituição a que pertence ________________________________________________ Nome completo do 3º Examinador

(5)

À minha orientadora, Profª Ms. Vanessa Oliveira Batista, pelos conselhos sempre úteis e precisos com que, sabiamente, orientou este trabalho.

A meus pais e irmã pelo apoio incondicional em todas as horas.

Às minhas amigas e colegas de turma Vanessa e Nathália, por estarem sempre presentes em minha vida, partilhando alegrias e tristezas, sempre dispostas a ajudar no que for preciso, e sempre com palavras de incentivo.

Aos meus colegas de estágio na Procuradoria Regional da JUCERJA, com quem partilho grande desenvolvimento e crescimento profissional.

(6)

À mercê dos dias, do tempo.

(7)

LINCK, L. C. A Separação de Poderes do Estado e o Sistema de Freios e Contrapesos: Uma Análise Histórico-Doutrinária. 2008. 83 f. Monografia (Graduação em Direito) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2008.

O trabalho analisa as questões relevantes acerca da teoria da Separação de Poderes do Estado e o Sistema de Freios e Contrapesos, da sua construção doutrinária à sua evolução histórica no mundo e no Estado brasileiro. Para melhor compreensão do tema, a primeira parte do trabalho volta-se à análise dos aspectos conceituais e históricos do Estado, dos seus elementos e suas funções básicas. Na segunda parte é estudada a construção histórica da doutrina da Separação de Poderes do Estado e o Sistema de Freios e Contrapesos, das suas raízes históricas remotas à doutrina contemporânea, analisando-se pormenorizadamente o tratamento que os principais pensadores e doutrinadores deram a esta teoria, dentro do contexto de cada período histórico e social específico e modelo de Estado vigente. A terceira parte dedica-se ao tratamento dado à Separação de Poderes do Estado e o Sistema de Freios e Contrapesos no âmbito brasileiro, sob o enfoque de cada uma das Constituições deste Estado, até o tratamento que a doutrina recebe na atual Constituição Federal.

Palavras-Chave: Separação de Poderes; Freios e Contrapesos; Organização de Poderes do Estado.

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LINCK, L. C. A Separação de Poderes do Estado e o Sistema de Freios e Contrapesos: Uma Análise Histórico-Doutrinária. 2008. 83 f. Monographie (Graduation dans Droit) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2008.

Le travail analyse les plus importantes questions concernant sur la théorie de la Séparation des Pouvoirs de l'État et le Système des Freins et des Contrepoids, de sa construction doctrinale à son évolution historique dans le monde et dans l'État brésilien. Pour la meilleure compréhension du thème, la première partie du travail se tourne à l'analyse des aspects conceptuels et historiques de l'État, de leurs éléments et leurs fonctions basiques. Dans la seconde partie c´est étudiée la construction historique de la doctrine de la Séparation des Pouvoirs de l'État et le Système des Freins et des Contrepoids, de leurs racines historiques éloignées jusqu’à la doctrine contemporaine, en s'analysant en détail le traitement que les principaux penseurs et juristes ont donné à cette théorie, dans le contexte de chaque période historique et sociale spécifique et le modèle d'État dominant. La troisième partie se consacre au traitement donnée à la Séparation des Pouvoirs de l'État et le Système des Freins et des Contrepoids dans le contexte brésilien, sous l'approche de chacune des Constitutions de cet État, jusqu'au traitement que la doctrine reçoit dans l'actuelle Constitution Fédérale.

Mots-clef: Séparation de Pouvoirs; Freins et Contrepoids; Organisation du Pouvoir de l'État.

(9)

1 INTRODUÇÃO...9

2 O ESTADO E A DOUTRINA DA SEPARAÇÃO DOS PODERES: ORIGENS E CONCEITOS...11

2.1 Origens históricas e noções fundamentais do Estado...11

2.2 O conceito de Estado na doutrina contemporânea...16

2.3 Elementos do Estado...17

2.4 Funções estatais básicas...19

2.5 A doutrina da separação de poderes do Estado: conceito e objetivos...20

2.6 Críticas à doutrina da separação de poderes do Estado...23

3 A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA DOUTRINA DA SEPARAÇÃO DOS PODERES DO ESTADO...28

3.1 A separação de poderes na antiguidade: a teoria da constituição mista do Estado...28

3.2 A separação de poderes nos Estados Absolutistas...30

3.2.1 A concepção ideológico-doutrinária de Maquiavel...31

3.3 A concepção doutrinária de John Locke de separação de poderes...32

3.3.1 Separação entre poder legislativo e executivo...34

3.3.2 Poder executivo, poder federativo e poder de prerrogativa...35

3.4 A separação de poderes idealizada por Montesquieu...36

3.4.1 Contexto histórico, político e ideológico...36

3.4.2 A tripartição de poderes entre executivo, legislativo e judicial...39

3.4.3 Sistema de freios e contrapesos ou balança de poderes para Montesquieu...40

3.5 A separação de poderes para Rousseau e o Contrato Social...42

3.5.1 Contexto histórico e ideológico...42

3.5.2 O Contrato Social...43

3.5.3 Separação de Poderes do Estado...44

3.6 A separação de poderes nos Estados Liberais...46

3.6.1 Contexto histórico, político e ideológico...46

3.6.2 Soberania da lei e separação de poderes: supremacia do Legislativo...47

(10)

3.7.1 Funções do Estado de Direito contemporâneo...53

3.7.2 Paradigmas do Estado de Direito...54

3.7.3 Jurisdicização da Política e Politização do Jurídico...57

4 A SEPARAÇÃO DE PODERES NO BRASIL...60

4.1 Histórico da separação de poderes nas Constituições brasileiras...60

4.1.1 Constituição de 1824 – Constituição do Império...60

4.1.2 Constituição de 1891 – Primeira Constituição Republicana...62

4.1.3 Constituição de 1934...64

4.1.4 Constituição de 1937 – Constituição do Estado Novo...65

4.1.5 Constituição de 1946...67

4.1.6 Constituição de 1967 – Ditadura Militar...68

4.1.7 Constituição de 1969...70

4.2 A organização dos poderes na Constituição Federal de 1988...71

4.3 Freios e Contrapesos na Constituição Federal de 1988...73

4.3.1 Controle do Poder Executivo sobre o Poder Legislativo...73

4.3.2 Controle do Poder Executivo sobre o Poder Judiciário...74

4.3.3 Controle do Poder Judiciário sobre o Poder Legislativo...75

4.3.4 Controle do Poder Judiciário sobre o Poder Executivo...75

4.3.5 Controle do Poder Legislativo sobre o Poder Executivo...76

4.3.6 Controle do Poder Legislativo sobre o Poder Judiciário...77

5 CONCLUSÃO...79

(11)

Desde as mais clássicas concepções e formas de organização do Estado, até as mais modernas teorias político-filosóficas acerca do assunto, o cerne das discussões sempre foi estabelecer e definir a maneira pela qual o Estado reparte suas funções. Em outras palavras, a forma como o Estado divide e organiza os poderes que lhe foram concedidos pela sociedade, em sua vontade de formar um órgão central capaz de monopolizar as atividades de fazer, dizer e executar as regras que comandam a vida em sociedade.

Igualmente, sempre foi foco de inúmeros estudos e doutrinas políticas a formulação de um sistema capaz de evitar que estes mesmos poderes ficassem concentrados, de forma absoluta, nas mãos de um só ente, formando Estados de caráter autoritário e centralizado, onde a vontade do Estado é a vontade do monarca. Buscaram os estudiosos, assim, a formulação de um mecanismo capaz de evitar esta concentração de poderes, onde cada uma das funções do Estado seria de responsabilidade de um órgão ou de um grupo de órgãos, não soberanos ou independentes, mas autônomos e harmônicos entre si, onde não haveria a supremacia de uns sobre os outros.

Neste diapasão surgiu a teoria ou doutrina da separação de poderes do Estado, que hoje é um dos pilares fundamentais de qualquer sociedade constituída sob a forma de um Estado de Direito, democrático e constitucionalmente organizado. Dentro desta concepção, o Estado organiza-se, basicamente, em três grandes poderes: o Legislativo, ao qual cabe a função de elaborar as normas gerais e abstratas a serem observadas pela coletividade, sem um alvo específico ou um tempo determinado; o Executivo, que se incumbe de fazer cumprir, executar ou aplicar estas normas em concreto, dentro dos limites legais estabelecidos pelo legislador; e o Judiciário, detentor da atividade jurisdicional do Estado, fiscalizando o cumprimento das normas, impondo sanções aos seus infratores e ainda dirimindo as controvérsias ou litígios surgidos neste ínterim.

Todavia, mesmo diante da autonomia destes poderes, chegou-se a conclusão de que não era concebível sua total independência, uma vez que, diante de atividades ilegais, ou que extrapolassem suas atribuições, fez-se necessário outro mecanismo, agora de controle destes poderes. Nasceu, assim, a chamada teoria ou sistema dos freios e contrapesos, também hoje um princípio fundamental de qualquer democracia constitucional, pelo qual cada um dos poderes do Estado exerce controle recíproco sobre os outros, fiscalizando-se mutuamente no correto cumprimento de suas atribuições ou funções constitucionais típicas.

(12)

A doutrina ou teoria da Separação de Poderes do Estado sofreu, ao longo da própria história político-social da humanidade, diversos contornos filosóficos, por vezes buscando os seus pensadores encaixá-la no modelo histórico de Estado então vigente, ou, ainda, usá-la como justificativa ou embasamento para o sistema de governo pretendido.

Mas o certo é que, no caminho percorrido nessa evolução histórica, a doutrina foi ganhando, pouco a pouco, todas as características e conceitos próprios que hodiernamente a elevaram à categoria de princípio constitucional fundamental. Assim, da Antiguidade Clássica, onde encontra sua raiz histórica remota, à contemporânea doutrina constitucional, a teoria da separação de poderes do Estado e o sistema de freios e contrapesos foram assumindo características ora semelhantes, ora divergentes, sendo certo, contudo, que se pode atribuir ao momento histórico do iluminismo, na célebre doutrina de Montesquieu, o seu marco inicial como doutrina coerente e sistemática.

Também na evolução da história constitucional do Estado brasileiro, a doutrina da separação de poderes do Estado, bem como o sistema de freios e contrapesos, ora eram alçados à categoria de princípios fundamentais, ora eram renegados e mesmo postos à margem do texto da Carta Magna, conforme o momento político vivido, sofrendo, assim, constantes descontinuidades, até serem definitivamente firmados na atual Constituição Federal como cláusula pétrea e dispostos sistemática e organizadamente ao longo dos seus diversos dispositivos.

Outra questão relevante, também analisada neste trabalho, é íntima correlação entre a evolução dos paradigmas do Estado de Direito e a separação de poderes, uma vez que a cada mudança no modelo ideológico e principiológico de uma sociedade, corresponderá, necessariamente, a uma mudança na forma de organização de seus poderes e instituições constitucionais.

Por fim, para a melhor compreensão da evolução histórica da doutrina da separação de poderes, que é o foco deste trabalho, será analisada, ainda que de forma resumida e sem pretensão de esgotá-la, a questão que hoje é o epicentro das discussões acerca do papel e funções atribuídas a cada um dos Poderes do Estado, frente à crescente influência de uns sobre os outros e ao fenômeno chamado politização do judiciário e jurisdicização da política.

De toda sorte, vislumbra-se evidente a íntima correlação entre a história político-social moderna da humanidade com a doutrina ora estudada, uma vez que esta não deixa de ser, por certo, decorrente daquela. É neste sentido que esse estudo colabora, de forma modesta, para a compreensão dessa evolução histórica, política e social humana e, quiçá, para os rumos por ela pretendidos.

(13)

2 O ESTADO E A DOUTRINA DA SEPARAÇÃO DOS PODERES: ORIGENS E CONCEITOS

Não há como iniciar um trabalho sobre separação de poderes do Estado sem antes apresentar, ainda que de forma bastante resumida, os conceitos doutrinários fundamentais sobre o Estado, compreendidos o próprio significado da palavra Estado, suas origens históricas, elementos e funções básicas.

Igualmente fundamental para a compreensão do tema deste trabalho é discorrer acerca da origem da doutrina da separação de poderes do Estado, bem como seu significado, que hoje constitui a base fundamental da formação e organização dos Estados de Direito contemporâneos, constitucionalmente organizados e cuja relação entre suas instituições políticas originaram o que hoje é denominado como “Separação de Poderes do Estado e Sistema de Freios e Contrapesos”.

Assim, nas seções subseqüentes, serão apresentadas tais noções, para, após, entrar-se propriamente no tema objeto desta monografia.

2.1 Origens históricas e noções fundamentais do Estado

O ser humano, por sua natureza social, nunca viveu só. Ao longo da história da humanidade, o homem sempre se organizou em grupos e construiu variadas estruturas de poder, hierarquia e regras imperativas, como meio para enfrentar a necessidade de sobrevivência e convivência. NADER ensina que “é na sociedade que o homem encontra o ambiente propício ao seu pleno desenvolvimento.” 1 Evidencia-se, desta forma, uma constante necessidade histórica do ser humano em definir e delimitar aspectos culturais, territoriais e comportamentais, capazes de distinguir um determinado grupo social de outro, bem como ordenar a vida em comum.

Assim, seguindo a história evolutiva das sociedades humanas nasce o Estado, que, nas clássicas palavras de PAUPÉRIO, “é a maior e mais importante das sociedades de ordem temporal, abarcando todos os outros grupos naturais, cujos interesses, subordinados ao bem comum, procura defender e promover" 2. Vale dizer que o Estado, em última análise, nada mais seria do que uma unidade organizada de um grupo social determinado, assim reunido para a promoção e defesa de seu próprio bem comum. Todavia, não é qualquer sociedade

1 NADER, Paulo. Introdução ao Estudo do Direito. 22 ed. rev e ampl.. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 22. 2 PAUPÉRIO, Artur Machado. Teoria Geral do Estado: direito político. 7 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1978.

(14)

minimamente organizada que se definiria como um Estado, mas sim uma sociedade politicamente organizada, como aponta a doutrina clássica.3

De fato, o Estado surgiu como uma necessidade em todas as sociedades humanas de um mínimo de organização política. MARTINEZ, ao discorrer sobre as origens e formação dos Estados nos lembra que:

Inicialmente, os grupos humanos possuíam apenas um mínimo de organização social, a exemplo da família (quer fosse matrilinear, patriarcal, quer fossem famílias ampliadas), mas ao longo do tempo os grupos perceberam que era necessário sobrepor a essa base ou ordem social outras instituições mais firmes ou complexas, a exemplo das instituições políticas. Com isso, nasceu a necessidade, a idéia e a forma como se organizaram as primeiras lideranças sociais e políticas.4

Guardadas as peculiaridades históricas que influenciaram no processo de formação, organização e evolução do modelo de governo de cada Estado, pode-se afirmar, e assim o faz a maioria da doutrina, que se dá a designação de Estado “a todas as sociedades políticas que, com autoridade superior, fixaram as regras de convivência de seus membros”5.

Todavia, muito se discute sobre o conceito de Estado, nunca tendo a doutrina chegado a uma posição definitiva e incontestável sobre o tema. Tal impasse se justifica pela extrema dificuldade em encontrar um conceito de Estado que satisfaça todas as correntes doutrinárias e pela pluralidade de significados que essa palavra pode tomar, correndo-se o risco de proceder a uma redução formalista que não esclareça a dimensão da complexidade de tal instituição.6

Em verdade, a grande variedade de conceitos de Estado é resultante de dois pontos de vista a partir dos quais os doutrinadores normalmente costumam analisá-lo: ou dando ênfase à noção de força, ao seu monopólio do poder coercitivo - o que os leva a conceituar o Estado como uma unidade de dominação ou poder institucionalizado - ou dando ênfase ao seu caráter jurídico, vale dizer, à sua ordem jurídica - o que também leva a um extremo equivocado de considerar essa ordem jurídica como sendo o próprio Estado, e não um elemento, ainda que fundamental, entretanto ainda sim contido dentro deste.

A primeira corrente doutrinária, que visa conceituar o Estado como ordem política da Sociedade, ou, em outras palavras, como unidade de dominação ou poder institucionalizado é conhecida desde a antigüidade clássica. Já na polis grega, ou mesmo na civitas ou republica romana estavam presentes a idéia de Estado, ao serem estas consideradas a “personificação do

3 Loc. cit.

4 MARTINEZ, Vinício C. Fundamentos institucionais do Estado. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 1067, 3

jun. 2006. p.6. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8453>. Acesso em: 02 abr. 2008.

5 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da Teoria Geral do Estado. 27 ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 52. 6 Ibid. p. 116.

(15)

vínculo comunitário, de aderência imediata à ordem política e de cidadania”7. No Império Romano, durante seu apogeu e expansão, os vocábulos Imperium e Regnum significavam a própria expressão “Estado”, como “organização de domínio e de poder”.8

Todavia o emprego moderno da expressão Estado remonta a MAQUIAVEL, em sua obra O Príncipe, ao iniciá-la com a frase “todos os Estados, todos os governos que tiveram e têm autoridade sobre os homens são Estados e são ou repúblicas ou principados”.9 O autor inaugurou, dessa forma, a terminologia “Estado” como hoje é utilizada.

BURDEAU, ao formular seu conceito de Estado, também ressaltou o aspecto institucional do poder. Segundo o autor “o Estado se forma quando o poder assenta numa instituição e não num homem. Chega-se a esse resultado mediante uma operação jurídica que eu chamo a institucionalização do Poder”10. Ao desenvolver esta idéia, CALVEZ, inspirado em BURDEAU, intenta demonstrar que “o Estado só existirá onde for concebido como um poder independente da pessoa dos governantes”.11

Mas a principal característica da corrente doutrinária que pretende conceituar o Estado como “unidade de dominação ou poder institucionalizado” é o monopólio do uso da força, ou o poder coercitivo do Estado.

É neste sentido que DUGUIT define o Estado, em sentido geral, como toda sociedade humana na qual há diferenciação entre governantes e governados, e em sentido restrito como “grupo humano fixado em determinado território, onde os mais fortes impõem aos mais fracos sua vontade”.12

BONAVIDES, ao discorrer acerca da mesma corrente doutrinária, traz também a posição de JEHRING:

Outro jurista-sociólogo do tomo de von Jehring destaca também no Estado o aspecto coercitivo. Com efeito, diz esse autor que o Estado é simplesmente ‘a organização social do poder de coerção’ ou ‘a organização da coação social’ ou ‘a sociedade como titular de um poder coercitivo regulado e disciplinado’, sendo o Direito por sua vez ‘a disciplina da coação’13

O sociólogo Max Weber vai além, ao afirmar que o conceito de Estado repousa na organização ou institucionalização da violência. Para este pensador a força é o único instrumento capaz de definir sociologicamente o Estado moderno, bem como toda sua

7 BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. 10 ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 72. 8 Loc. Cit.

9 MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe; tradução de Maria Lucia Cumo. 12 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra,

1996. p. 13.

10 BURDEAU, Georges. Traité de Science Politique, t. II, p. 128. Apud. BONAVIDES, Paulo. Ciência

Política. 10 ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros, 2000 . p. 75.

11 CALVEZ, Jean-Yves. Introduction à La Vie Politique, p. 67. Apud. Loc. Cit. 12 DUGUIT. Manuel de Droit Constitutionnel, 4ª ed., pp. 14-15. Apud. Ibid. p. 76. 13 VON JEHRING, R.. Der Zweck im Recht, 4ª ed., I, pp. 239-401. Apud. Loc. Cit.

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associação política. Para WEBER o Estado moderno não só racionalizou o emprego da violência como também o tornou legítimo. Partindo dessa premissa chegou este sociólogo ao seu conceito de Estado: “aquela comunidade humana que, dentro de um determinado território, reivindica para si, de maneira bem sucedida, o monopólio da violência física legítima”.14

BONAVIDES esclarece que, segundo WEBER, “os grupos e os indivíduos só terão direito ao emprego material da força com o assentimento do Estado. De sorte que este se converte na única fonte do ‘direito’ à violência”.15

Em que pese o brilhantismo destes juristas e a dificuldade de formular um conceito satisfatório de Estado, capaz de abranger todos os seus aspectos e elementos constitutivos, não parece acertado, todavia, reduzir esta instituição tão complexa à questão do monopólio do uso da força ou a legitimidade do seu detentor, uma vez que tal poder coercitivo não é suficiente para caracterizar o Estado em si, mas consiste apenas em mais um de seus elementos constitutivos.

Já a segunda corrente doutrinária, que buscou conceituar o Estado ressaltando o seu lado jurídico, e que logrou bastante sucesso durante muito tempo, teve como maior expoente KELSEN, que em sua obra Teoria Geral do Direito e do Estado, também se empenhou em atribuir ao Estado um significado hermético.

O jurista igualmente ressaltou, todavia, a dificuldade desta tarefa em razão, sobretudo, do caráter polissêmico da palavra, que diversos autores utilizam, ainda que de forma inconsciente, em vários sentidos, seja para designar a "sociedade", num sentido amplo, seja para designar um órgão particular da sociedade: o governo, os sujeitos do governo, ou, ainda, uma "nação" ou o seu território, num sentido mais restrito, criando, assim, uma situação insatisfatória na teoria política, que é essencialmente uma teoria do Estado.16

KELSEN analisou o Estado sob um ponto de vista puramente jurídico. Para o autor, o “Estado deve ser tomado em consideração apenas como um fenômeno jurídico, como uma pessoa jurídica, uma corporação”. 17

ALVES JR. esclarece:

14 WEBER Max. “Wirtschaft und Gesellschaft”, vierte, neu herausgegebene Auflage, besorget von Johannes

Winckelman. Apud. BONAVIDES, Paulo. Op. Cit. p. 77.

15 BONAVIDES, Paulo. Op. Cit. p. 77.

16 Cf. Hans Kelsen. Teoria Geral do Direito e do Estado. Título original: General Theory of Law and State.

Tradução de Luís Carlos Borges. 2ª edição. São Paulo, Martins Fontes, 1992, p. 183. apud. ALVES JR., Luís Carlos Martins. A teoria da separação de poderes na concepção kelseniana . Jus Navigandi, Teresina, ano 1, n. 18, ago. 1997. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=59>. Acesso em: 26 ago. 2007.

(17)

A corporação, para ele, é a representação típica de pessoa jurídica (num sentido técnico, mais restrito), cuja definição usual é a de um grupo de indivíduos tratados pelo Direito como uma unidade, ou seja, como uma pessoa que tem direitos e deveres distintos dos indivíduos que a compõem. [...] A diferença entre o Estado e as demais corporações reside na ordem normativa que constitui a corporação do Estado. O Estado é a comunidade criada por uma ordem jurídica nacional (distinguindo-se da internacional). O Estado como pessoa jurídica é uma personificação dessa comunidade ou a ordem jurídica nacional que constitui essa comunidade. Daí porque, o problema do Estado, na idiossincrasia jurídica kelseniana, surge como um problema da ordem jurídica nacional. 18

Dentro desta concepção, está igualmente presente a relação de dominação, visto que o pressuposto de qualquer ordem jurídica é a sujeição dos indivíduos às regras, onde uns comandam e governam e outros obedecem e são governados. Tal relação de dominação, contudo, só é legítima quando estas mesmas regras ou comandos encontram validade na própria ordem jurídica, como bem assevera ALVES JR.:

Portanto, distingue-se os comandos do Estado daqueles que não o são através da ordem jurídica. Comandos "em nome do Estado", diz Kelsen, são aqueles emitidos em conformidade com uma ordem cuja validade o sociólogo deve pressupor quando distingue comandos que são atos do Estado e comandos que não têm esse caráter. [...]. Considera-se a dominação legítima, de acordo com Kelsen, apenas se ocorrer em concordância com uma ordem jurídica cuja validade é pressuposta pelos indivíduos atuantes; e essa ordem é a ordem jurídica da comunidade cujo órgão é o "governante do Estado".19

Em conclusão, a idéia central da teoria de KELSEN é, em síntese, a de que o Estado é uma comunidade inseparável e indistinguível da sua própria ordem jurídica. Por ordem jurídica, o jurista entende como sendo a ordem pela qual se ajustam as condutas humanas. O Estado é ordem jurídica centralizada, tendo em vista tratar-se de uma organização política dotada de coercibilidade, porque ela monopoliza o uso da força. Tais caracteres também são comuns ao Direito, daí dizer-se que a ordem coercitiva que constitui o Estado é o Direito.20

KELSEN, entretanto, pecou ao formular a sua teoria de conceituação do Estado, justamente por dar tanta relevância ao aspecto jurídico deste, ao ponto de confundir, como já foi dito, conteúdo e continente, esquecendo-se dos seus elementos constitutivos materiais em consonância com seu aspecto político como ente detentor do monopólio do uso da força.

Mas a principal crítica que se pode opor à Teoria do Estado kelseniana é que esta doutrina baniu do Estado todas as implicações de ordem moral, ética, histórica e sociológica, criando-o como puro conceito formal, uma verdadeira ficção. Agigantou-lhe o aspecto formal, puramente jurídico, renegando seus elementos constitutivos materiais (povo e território). Chegou mesmo à hipertrofia, já descomunal, do seu elemento formal (o poder), uma vez que

18 ALVES JR., Luís Carlos Martins. Op. cit. p. 3. 19 Ibid. p. 7.

(18)

lhe atribuiu um caráter inviolável, já que este se constituiria de normas concebidas como direito puro.21

Essa teoria, que faz de todo Estado um Estado de Direito, única e exclusivamente por situar Direito e Estado em relação de identidade, favoreceria e legitimaria o regime político de ditaduras totalitárias, justamente por emprestar base jurídica a todos os atos do poder, até mesmo os mais inconcebíveis contra a vida e a moral dos povos. O exemplo mais claro e recente disto é a Alemanha nazista, que mostra até onde podem chegar as conseqüências e o perigo da adoção da doutrina do positivismo normativista, à maneira kelseniana.22

Em conclusão, KELSEN criou, por assim dizer, uma Teoria do Estado sem Estado e uma Teoria do Direito sem Direito.

2.2 O conceito de Estado na doutrina contemporânea

DALLARI critica o conceito de Estado apresentado pela doutrina clássica de que este seria a nação politicamente organizada, em razão da confusão feita entre Estado e Nação e pela carência do elemento jurídico nesta definição. Em suas próprias palavras:

O estudo minucioso do conceito de nação, feito com o auxílio da Sociologia, da Antropologia e da História, já permitiu fixá-lo como espécie de comunidade, enquanto o Estado é uma sociedade. Quanto à expressão politicamente organizada não tinha qualquer rigor científico, tomando como forma o que pretendia que fosse a finalidade da organização. Assim, pois, o Estado não pode ser politicamente organizado, não podendo também ser acolhida a correção para nação politicamente organizada porque o Estado não é nação [...].23

O mesmo autor apresenta, então, o conceito de Estado o qual nos parece o mais acertado, já que abarca tanto o componente jurídico quanto os fatores políticos (ou não-jurídicos), ambos necessários em sua definição: Estado é “a ordem jurídica soberana que tem por fim o bem comum de um povo situado em determinado território”.24 Em seguida, fundamenta:

Nesse conceito se acham presentes todos os elementos que compõem o Estado, e só esses elementos. A noção de poder está implícita na de soberania, que, no entanto, é referida como característica da própria ordem jurídica. A politicidade do Estado é afirmada na referência expressa ao bem comum, com a vinculação deste a um certo povo e, finalmente, a territorialidade, limitadora da ação jurídica e política do Estado, está presente na menção a determinado território.25

Importante ressaltar que a idéia de uma ordem jurídica soberana, com instituições bem definidas, capazes de controlar a ordem social a fim de garantir seu bem comum, só é

21 BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. 10 ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 47/48.

22 Loc. Cit.

23 DALLARI, Dalmo de Abreu. Op. cit. p. 117. 24 Ibid. p. 119.

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possível porque está fundada numa relação de poder. Com efeito, para WEBER, o Estado é uma sociedade que segue normas de conduta estabelecidas por instituições políticas voltadas ao controle social, que, para este fim, detêm o monopólio coercitivo, ou seja, concentram em si tanto o monopólio do uso legítimo da força, quanto o da produção legislativa.26

Cabe aqui analisar o conceito e origem desse poder do Estado, ou, em outras palavras, o que legitima o seu monopólio coercitivo. BOBBIO assim o define:

Poder é a possibilidade de contar com a obediência a ordens específicas por parte de um determinado grupo de pessoas. Todo poder carece do aparelho administrativo para a execução das suas determinações. O que legitima o poder não é tanto, ou não é só, uma motivação afetiva ou racional relativa ao valor: a esta se junta a crença na sua legitimidade. O poder do Estado de direito é racional quando, escreve Weber, ‘se apóia na crença da legalidade dos ordenamentos estatuídos e do direito daqueles que foram chamados a exercer o poder’.27

A doutrina contemporânea também ressalta, desta forma, a intrínseca relação entre poder de dominação estatal e sujeição às normas objetiva e legitimamente válidas como base fundamental da vida em sociedade. Tal poder estatal, como bem ensina DALLARI, é poder coativo, já que as normas por ele emanadas prescrevem sanções à sua inobservância.

Assim sendo, o poder do Estado é aquilo capaz de submeter os homens, ligando sua conduta a um dever jurídico. Em síntese, na base de toda vida social encontra-se uma ordem jurídica, sendo esta o verdadeiro sentido de poder ou dominação estatal. Significa dizer que todos os homens estão submetidos às normas. Tais normas estatais determinam certos comportamentos e prescrevem a coação para o caso de sua desobediência, visto que são normas jurídicas. Em conclusão lógica, não há poder que não seja, além de político, também jurídico.28

2.3 Elementos do Estado

Decorrência lógica do conceito de Estado, é possível identificar seus elementos fundamentais, quais sejam, território, povo e soberania. Pode-se dizer que estes são os três elementos formadores do Estado. Ou melhor, não é possível imaginar um Estado sem estes três elementos.

É importante destacar aqui que como em qualquer conceito ou definição que se pretenda dar a elementos subjetivos, a construção doutrinária do significado e alcance destes três elementos também não foi pacífica. De fato, ao longo da história, muitas correntes

26 WEBER, 1989, pp. 128-129, apud. MARTINEZ. Op. Cit. p. 4. 27 BOBBIO, 2000, p. 402, apud. Loc. cit.

28 KELSEN, Hans. Teoría General del Estado, págs 123 a 133; Teoría Pura del Derecho, págs 36 a 42, apud

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doutrinárias foram surgindo, ganhado influência e sendo igualmente superadas. Entretanto a doutrina contemporânea tem obtido notável êxito nesta árdua tarefa, razão pela qual não cabe aqui alongar na descrição de tal evolução doutrinária, bastando para a compreensão destes institutos a exposição, neste trabalho, da síntese do pensamento contemporâneo.

Para a atual doutrina, “a noção de soberania está sempre ligada a uma concepção de poder”29 e deve ser entendida tanto no seu significado político quanto no jurídico. Assim ensina DALLARI:

Concebida em termos puramente políticos, a soberania expressava a plena eficácia do poder, sendo conceituada como o poder incontrastável de querer coercitivamente e de fixar as competências. Por esse conceito, largamente difundido, verifica-se que o poder soberano não se preocupa em ser legítimo ou jurídico, importando apenas que seja absoluto, não admitindo confrontações, e que tenha meios para impor suas determinações.30

REALE formulou, então, com precisão o conceito de soberania, como sendo “o poder de organizar-se juridicamente e de fazer valer dentro de seu território a universalidade de suas decisões nos limites dos fins éticos de convivência”.31 Assim sendo, a soberania é poder jurídico, cujos limites se encontram dentro da noção de bem comum e, dentro destes limites, pode exercer a coação para impor suas decisões.32

O território é o elemento material do Estado. É o espaço físico que o Estado ocupa com exclusividade, e dentro do qual se circunscreve a validade de sua ordem jurídica. Em outras palavras, o território é o espaço dentro do qual o Estado exerce o seu poder soberano, sendo este mesmo espaço que estabelece a delimitação desta ação soberana.

Por fim, temos o povo como sendo o elemento pessoal do Estado. Este não deve ser confundido com população, que, segundo CAETANO, é a mera expressão numérica, demográfica ou econômica que abrange o conjunto de pessoas que vivam, ou se achem temporariamente no território de um mesmo Estado.33

A noção jurídica de povo deve revelar o vínculo jurídico entre os indivíduos e o Estado. Nas palavras de DALLARI:

Deve-se compreender como povo o conjunto dos indivíduos que, através de um momento jurídico, se unem para constituir o Estado, estabelecendo com este um vínculo jurídico de caráter permanente, participando da formação da vontade do Estado e do exercício do poder soberano. [...] Todos os que se integram no Estado, através da vinculação jurídica permanente, fixada no momento jurídico da

29 DALLARI, Dalmo de Abreu. Op. cit. p. 79. 30 Ibidem. p. 79/80.

31 REALE, Miguel, Teoria do Direito e do Estado, apud. ibid. p.80. 32 Loc. cit.

33 CAETANO, Marcelo. Manual de Ciência Política e Direito Constitucional, Coimbra Editora, Lisboa, 1963,

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unificação e da constituição do Estado, adquirem a condição de cidadãos, podendo-se, assim, conceituar o povo como o conjunto dos cidadãos do Estado.34

2.4 Funções estatais básicas

Seja em que modelo de Estado for, são tradicionalmente reconhecidas pela doutrina três funções estatais básicas: a legislativa; a executiva e a judiciária. 35

A função legislativa é “a elaboração de leis, de normas gerais e abstratas, impostas coativamente a todos”.36

À função executiva cabe a “administração do Estado, de acordo com as leis elaboradas pelo Poder Legislativo”.37

A função judiciária, por sua vez, é a “atividade jurisdicional do Estado, de distribuição da justiça e aplicação da lei ao caso concreto, em situações de litígio, envolvendo conflitos de interesses qualificados pela pretensão resistida”.38

Importante ressaltar que as funções estatais são as mesmas genericamente apresentadas em qualquer modelo de Estado, este considerado como a ordem jurídica soberana que tem por fim o bem comum de um povo situado em determinado território. Destarte, o que varia de um modelo para outro é a forma pela qual são organizadas ou distribuídas estas funções, em diferentes instituições políticas.

E foi justamente o estudo da relação entre as instituições de um Estado responsáveis pela execução e concretização de suas funções básicas que originou a chamada doutrina da separação de poderes do Estado e, posteriormente, a formulação do sistema de freios e contrapesos, hoje princípio fundamental de qualquer Estado de Direito, constitucionalmente organizado.

Isto posto, convém agora analisar os principais aspectos desta doutrina, assim compreendidos o seu conceito e as razões que lhe deram origem.

2.5 A doutrina da separação de poderes do Estado: conceito e objetivos

34 DALLARI, Dalmo de Abreu. Op. cit. p. 99/100.

35Nos Estados de Direito contemporâneos, cada uma dessas funções é atribuída a um órgão independente e

especializado. No caso do Estado brasileiro, são os três Poderes, que recebem a denominação de sua respectiva função primordial, quais sejam o Poder Executivo, o Poder Legislativo e o Poder Judiciário.

36PINHO, Rodrigo César Rebello. Da organização do Estado, dos poderes e histórico das constituições. 8 ed.

rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 51. (Coleção Sinopses Jurídicas. vol. 18).

37 Loc. cit. 38 Loc. cit.

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A chamada teoria ou doutrina da separação dos poderes do Estado é um dos princípios fundamentais de qualquer democracia contemporânea, e significa a existência, em um Estado, de poderes independentes e harmônicos entre si. Entre estes poderes são repartidas as funções estatais básicas, quais sejam, a executiva, a legislativa e a judiciária, onde cada uma destas funções do Estado seria de responsabilidade de um órgão ou de um grupo de órgãos para este fim organizados, evitando-se, desta forma, a concentração absoluta de poderes nas mãos de uma figura central e soberana, característica de Estados Absolutistas. De fato, para BURDEAU, trata-se de um “princípio de técnica constitucional destinada a evitar o despotismo e a garantir a liberdade”.39

Cumpre salientar que embora seja clássica a expressão “separação de poderes”, é ponto pacífico na doutrina que o poder político do Estado é uno e indivisível. De fato, o que se divide não é o poder soberano do Estado, mas apenas suas funções estatais básicas, cada qual sendo atribuída a órgãos diferentes, independentes e especializados. Assim, como bem nos ensina PINHO “o sistema de separação de poderes é a divisão funcional do poder político do Estado, com a atribuição de cada função governamental básica a um órgão independente e especializado” 40.

De fato, é lógico que em um Estado existam diversos órgãos exercendo diferentes funções, aplicando na prática o poder soberano daquele, o que, de maneira alguma, seria isto capaz de quebrar tal poder. Por esta razão muitos autores afirmam ser inadequado o termo “separação de poderes”, preferindo utilizar o termo “distribuição de funções” ou “organização dos poderes do Estado”. Todavia, guardadas as preferências doutrinárias e terminológicas, bem como suas justificativas, todas se referem à mesma idéia.

Outra questão de suma relevância é esclarecer que esta divisão ou organização do poder político do Estado pressupõe dois elementos ou regras para sua aplicação na prática: a especialização funcional e a independência orgânica.

A especialização funcional significa que a cada órgão ou grupo de órgãos será atribuída especialmente apenas uma das três funções estatais, que assim consistirá em sua atribuição específica e principal.

De fato, o Estado deve exercer três atividades: fazer a lei, executá-la e resolver os litígios aplicando a lei. São, em suma, as três funções estatais: legislativa, executiva e judiciária, que pela regra da especialização funcional, serão distribuídas cada uma a um órgão ou autoridade específica do Estado. Assim, este terá três órgãos ou Poderes, cuja

39 BURDEAU, Georges. Manuel de Droit Constitutionnel. 24 ed. Paris: Librairie Générale de Droit et de

Jurisprudence, E.J.A., 1995. p.101.

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denominação é, em regra, a tradução da função que lhe compete exercer. Assim sendo: Poder Legislativo, Poder Executivo e Poder Judiciário.

Importante ressaltar que a especialização funcional não significa que cada Poder só poderá exercer a função que lhe é atribuída, sendo-lhe vedado o exercício das demais. Pelo contrário, a especialização funcional significa que cada Poder poderá exercer outras funções, mas deverá exercer sua função específica inteiramente, completamente.41

Em razão desta possibilidade que se abre aos poderes do Estado de, além de exercerem sua função típica, também exercerem a função de competência dos outros poderes, é que se fala na doutrina que os atos praticados no âmbito dos poderes políticos do Estado podem ser de caráter geral ou especial. Nas lições de DALLARI:

[...] Segundo essa teoria os atos que o Estado pratica podem ser de duas espécies: ou são atos gerais ou são especiais. Os atos gerais, que só podem ser praticados pelo poder legislativo, consistem na emissão de regras gerais e abstratas, não se sabendo, no momento de serem emitidas, a quem elas irão atingir. Dessa forma, o poder legislativo, que só pratica atos gerais, não atua concretamente na vida social, não tendo meios para cometer abusos de poder nem para beneficiar ou prejudicar a uma pessoa ou a um grupo em particular. Só depois de emitida a norma geral é que se abre a possibilidade de atuação do poder executivo, por meio de atos especiais. O executivo dispõe de meios concretos para agir, mas está igualmente impossibilitado de atuar discricionariamente, porque todos os seus atos estão limitados pelos atos gerais praticados pelo legislativo. E se houver exorbitância de qualquer dos poderes surge a ação fiscalizadora do poder judiciário, obrigando cada uma a permanecer nos limites de sua respectiva esfera de competências. 42

A independência orgânica significa que cada um desses órgãos deve ser independente dos demais. Isto porque, a partir do momento em que um possa exerce pressões sobre os outros, esses Poderes deixarão, cedo ou tarde, de ser especializados. Na prática, significa que os indivíduos que compõem cada um desses órgãos não poderão ser nomeados pelos outros e tampouco poderão ser discricionariamente removidos por eles.43 Destarte, os poderes políticos do Estado devem atuar em conjunto, ou seja, harmonicamente, mas de forma independente, sem subordinação entre si.44

BURDEAU também destaca a necessidade da independência financeira destes órgãos (ou seja, o orçamento de cada um não deve depender exclusivamente da boa vontade e discricionariedade dos outros) e a necessidade da prescrição de uma segurança militar (significa dizer que cada órgão deve possuir a autoridade sobre uma guarda armada distinta, para se prevenir contra atentados violentos dos outros).45

41 BURDEAU, Georges. Op. Cit. p. 102.

42DALLARI, Dalmo de Abreu. Op. cit. p. 220/221. 43 BURDEAU, Georges. Op. Cit. p. 102.

44 PINHO, Rodrigo César Rebello. Op. cit. p.52. 45 BURDEAU, Georges. Op. Cit. p. 102/103.

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Todavia, mesmo em face desta independência orgânica entre os poderes do Estado e o fato destes não estarem uns subordinados aos outros, não significa dizer que a separação de poderes do Estado seja algo rígido. Nas palavras de PINHO:

A separação de Poderes não é rígida, pois existe um sistema de interferências recíprocas, em que cada Poder exerce suas competências e também controla o exercício dos outros. Esse sistema é denominado pelos norte-americanos de checks and balances. A separação de Poderes não é absoluta. Nenhum Poder exercita apenas suas funções típicas.46

Esta é a célebre construção doutrinária do sistema de freios e contrapesos. Segundo este sistema, cada poder do Estado tem e exerce sua função típica, para qual somente assim é competente, não estando livre, todavia, para exercer tal competência arbitrariamente, uma vez que os poderes fiscalizam-se mutuamente. Além disso, o fato de cada poder ter sua função específica não significa que os outros poderes não possam exercê-la em caráter excepcional.

Tanto é assim que em diversos dispositivos constitucionais há previsões como, por exemplo, a do Poder Executivo participar do processo legislativo, através da sanção legislativa, e tendo poder de veto – que pode ser derrubado pelo Poder Legislativo. O fato do Poder Judiciário poder declarar a inconstitucionalidade das leis elaboradas pelo Poder Legislativo e dos atos administrativos editados pelo Poder Executivo também é outro exemplo, entre muitos outros.

Por fim, destaca-se que o fundamento básico, ou o objetivo da doutrina da separação de poderes do Estado e do sistema de freios e contrapesos é a preservação da liberdade dos indivíduos, ao evitar a concentração de poderes nas mãos de uma só pessoa, o que gera situações de abuso de poder. Tal situação era a característica fundamental dos Estados Absolutistas, onde todo o poder se concentrava nas mãos do rei ou monarca. Não foi por acaso, destarte, que a passagem do Estado Absolutista para o Estado Liberal se caracterizou justamente pela separação de poderes.

Essa é a síntese do pensamento de MONTESQUIEU, ao afirmar em sua tão célebre frase: “Quando em uma só pessoa ou, em um mesmo corpo de magistratura, o poder legislativo está reunido ao poder executivo, não pode existir liberdade, pois se poderá temer que o mesmo monarca ou o mesmo senado criem leis tirânicas para executá-las tiranicamente”.47

MADISON, ao comentar a Constituição norte-americana, em sua obra O Federalista, também assim afirma: “A acumulação de todos os poderes, legislativos, executivos e

46 PINHO, Rodrigo César Rebello. Op. cit. p. 51.

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judiciais, nas mesmas mãos, sejam estas de um, de poucos ou de muitos, hereditárias, autonomeadas ou eletivas, pode-se dizer com exatidão que constitui a própria tirania” 48.

Mas a proteção à liberdade individual não é o único objetivo da separação de poderes do Estado. Esta também foi idealizada para dar maior eficiência ao Estado, através da distribuição de suas atribuições e competências entre órgãos especializados em determinadas funções. Esta idéia, no entanto, configura mais um artifício para evitar a formação de governos absolutistas, já que fora formulada numa época onde o que se buscava era justamente enfraquecer esse modelo de Estado, não se admitindo a interferência daquele na vida social, exceto para vigiar e conservar as situações estabelecidas pelos próprios indivíduos.49

2.6 Críticas à doutrina da separação de poderes do Estado

A doutrina da separação de poderes do Estado, como é de se esperar, também é alvo de inúmeras críticas, de maior ou menor relevância, sendo certo, contudo, que todas contribuem para o seu debate e aperfeiçoamento.

A primeira crítica que se faz é que a doutrina da separação de poderes, nos moldes em que tradicionalmente concebida, seria contrária ao princípio fundamental da indivisibilidade da soberania do Estado e romperia com sua unidade orgânica.

De fato, o poder político do Estado é indivisível, e dividi-lo seria destruir a soberania. Conseqüentemente, ou bem a unidade da soberania é constituída em proveito de um ou de outro Poder do Estado, e, desta forma, acabar-se-ia com o objetivo da separação de poderes, ou as tentativas de repartir a soberania entre diversos órgãos acabariam por destruí-la. E como não existe Estado sem soberania, seria instaurado a anarquia. 50

Todavia, a questão apresentada por Locke e Montesquieu não era uma problema de soberania, mas de constituição do Estado. Em outras palavras, para os autores o problema não era onde reside a soberania ou a quem ela pertence, mas como se pode exercitá-la do melhor modo possível por diferentes agentes da mesma.

48HAMILTON, Alexander, JAY, Jonh e MADISON, James, O Federalista, XLVII. apud DALLARI, Dalmo de

Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado, 19ª edição, Editora Saraiva, 1995, São Paulo-SP. apud. SILVA, Marcus Vinicius Fernandes Andrade da. A separação dos poderes, as concepções mecanicistas e

normativas das Constituições e seus métodos interpretativos . Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 495, 14

nov. 2004. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5924>. Acesso em: 26 ago. 2007.

49DALLARI, Dalmo de Abreu. Op. cit. p. 216.

50 BURDEAU, Georges. Manuel de Droit Constitutionnel. 24 ed. Paris: Librairie Générale de Droit et de

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Além disso, ao se atribuir as funções do Estado a três grupos distintos de órgãos, os chamados Poderes, não se fraciona a unidade orgânica estatal, uma vez que cada um desses Poderes atua sempre como órgão integrante do Estado.51

A segunda crítica é que Poderes totalmente independentes não teriam como se controlar mutuamente, isto porque suas funções não seriam equivalentes e, na prática, as oposições entre eles conduziriam à paralisação do Estado.

Neste sentido, BURDEAU argumenta que Poderes especializados e independentes e, por assim dizer, sem nenhum contato uns com os outros, não teriam condições de se fiscalizarem e frearem respectivos abusos, no mais perfeito equilíbrio. Além disso, tal equilíbrio já seria extremamente difícil de existir caso as funções exercidas por estes poderes fossem equivalentes. Todavia elas não o são, e seria simplesmente absurdo conceber que a atividade que consiste em fazer as leis possa ser equivalente à que consiste em executá-la.52

A terceira crítica feita é a de que o sistema de separação de poderes do Estado proposto por Montesquieu teria sido mal interpretado pelos revolucionários franceses que o sucederam. Tal modelo seria substancialmente diferente do modelo atual.

A autoria da doutrina tradicional de separação de poderes é geralmente atribuída a Montesquieu, ainda que se encontrem suas raízes em alguns autores anteriores, como Locke, por exemplo. Entretanto o sistema de separação de poderes preconizado por Montesquieu seria totalmente diferente, e mesmo radicalmente oposto ao sistema atual. Tal situação, segundo BURDEAU, teria duas explicações:

A primeira seria que os homens da Revolução Francesa teriam interpretado erroneamente O Espírito das Leis. Isto se deve ao fato de que Montesquieu entendia o princípio da separação de poderes de um modo flexível, porém os revolucionários, influenciados pelo contexto social da época, o teriam interpretado de uma forma rígida, e, portanto, inviável de ser posto em prática.53

A segunda explicação seria que, encarada sob um enfoque histórico, a separação de poderes, formulada pela primeira vez como princípio constitucional na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, não teria qualquer ligação com a separação de poderes da doutrina tradicional de Montesquieu. Os termos seriam os mesmos, mas se tratam de doutrinas diferentes. A verdade é que a expressão “separação de poderes”, depois de algum tempo, teria mudado de sentido.54

51 VERDU, Pablo Lucas. Curso de Derecho Politico, Vol. II. 3ª Ed. rev. Madri: Tecnos, 1986. p. 140. 52 BURDEAU, Georges. Op. Cit. p. 103.

53 Idem. p. 104 54 Loc. Cit..

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Também se acusou a doutrina de ser anti-histórica e de ser uma posição ideológica em benefício da burguesia. Todavia, como bem argumenta VERDU, esta doutrina da divisão de poderes que se apresentava implicitamente em Locke e explicitamente em Montesquieu não é uma dedução abstrata de um esquema pré-concebido (o que hoje se chama de ideologia), mas sim um esquema representativo da concreta realidade constitucional que Montesquieu pretendeu ver realizada na Inglaterra.

Além disso, ainda que a doutrina da separação de poderes seja uma instituição de origem inegavelmente burguesa, e que, de certo, favorecia seus interesses, não se pode condená-la somente com base em sua origem histórica, uma vez que é cabível sua evolução e adaptação a outras e novas situações sociopolíticas.55

Outra crítica que se faz à separação de poderes é que ela não expressa a realidade política contemporânea e seu alcance se reduz à necessidade da independência do Judiciário. Defensores desta corrente, como PACTET56 apresentam três motivos para isto:

O primeiro seria que os fatos contradiriam a separação de poderes. Esta pretende limitar o poder mediante a divisão de seu exercício. Todavia, observa-se que em diversos sistemas constitucionais contemporâneos que se consideram exemplos claros da doutrina, estabelecem na realidade uma tendência à concentração de poderes, sem que isso afete sua essência liberal.

O segundo motivo apresentado é a atual existência de uma pluralidade de partidos políticos. Os defensores deste ponto de vista argumentam que são os partidos que operam a identificação política e ideológica de um Estado. A inadequação da doutrina da separação de poderes se deve ao fato de que, quando esta foi elaborada, inexistia na época o pluripartidarismo, ao menos não em sua forma moderna. Assim sendo, hoje o problema não é mais a oposição entre as instituições do Estado, mas sim entre a maioria política dos membros que as compõem. Hoje a oposição se dá entre os partidos vitoriosos e derrotados nas eleições.

O terceiro motivo seria a nova configuração do poder, que também está atrelada à questão do pluripartidarismo político. Haveria uma tendência atual de se confiar ao governo a tomada de grandes decisões políticas que definem os rumos do Estado. Tais decisões se traduzem em leis ou medidas executivas. Com efeito, PACTET argumenta que a maior parte das leis aprovadas são de iniciativa governamental, seja pela crescente intervenção do governo em sua elaboração, seja porque o procedimento legislativo corre em seu favor, ou ainda, devido à ação dos partidos políticos que sustentam o governo.

55 VERDU, Pablo Lucas. Op. Cit. p. 140/141.

56 P. PACTET. Instituitions Politiques. Droit Constitutionnel, Mason ET Cie. Editeurs, Paris, 1969, p. 26-27,

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Em conseqüência, segundo PACTET, a autêntica divisão de poderes consiste no poder de fazer a lei e executá-la, dividida entre o poder governamental de decidir e atuar e a liberdade em favor das assembléias parlamentares de controlar e criticar. A limitação do poder residiria, assim, no reconhecimento da oposição, da contestação livre e na afirmação dos direitos individuais.

Desta forma, o Poder Judiciário teria um papel de suma relevância, uma vez que seria o verdadeiro responsável pela garantia destas liberdades. Assim, a sua independência perante os outros Poderes constituiria a garantia eficaz contra a arbitrariedade do poder político, ao realizar a sua limitação.

Por fim, uma das críticas mais graves que se faz à doutrina da separação de poderes é que ela não teria contemplado em sua fórmula a existência de uma quarta função estatal: a governamental. Esta estaria destinada a encaminhar e determinar os fins políticos que informam toda atuação estatal, e o seu exercício não estaria concentrado em nenhum órgão específico. Na Itália, por exemplo, esta função seria confiada aos órgãos constitucionais e distribuída através de um complexo sistema de controles e responsabilidades.57

Desta forma, seria essencial que em um sistema democrático a função governamental fosse distribuída entre um complexo de órgãos constitucionais, porque caso ela se concentrasse apenas em um, haveria um verdadeiro e estrito sistema de governo ditatorial. A estrutura e o funcionamento do Estado dependeriam da articulação e do exercício da função governamental, responsável pela orientação político-ideológica do Estado.58

Em que pese a maior ou menor relevância destas críticas, o fato é que considerar a separação de poderes como uma instituição decadente é não só injusto como falacioso, na medida em que esta doutrina, com os defeitos inerentes a toda obra humana, está longe de possuir uma construção completa e acabada. De fato, essa doutrina é uma obra bem trabalhada, teorizada e articulada por várias gerações de juristas e cientistas políticos, que contribuem para melhorá-la e adaptá-la a novas realidades, na constante evolução da construção dos Estados de Direito contemporâneos.59

Convém lembrar, inclusive, que as causas de instabilidade política, em qualquer Estado, são variadas e complexas. Podem ser de índole meramente social, econômica ou política inerente a qualquer instituição, seja por motivos históricos ou passageiros; podem ser conflitos socioeconômicos originados pela desigualdade; fanatismos ideológicos ou

57 VERDU, Pablo Lucas. Op. Cit. p. 146/147. 58 Loc. Cit.

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religiosos; excessiva proliferação de partidos políticos, ou ainda, podem ser crises institucionais específicas daquele Estado, como por exemplo, parlamentarismo excessivo.

Hoje se sabe que o pluralismo político e social, o respeito às minorias e à oposição, a liberdade dos meios de comunicação e informação sociais são coadjuvantes na segurança e preservação dos direitos e liberdades fundamentais. Enfim, a democratização das bases socioeconômicas de um Estado também evita a concentração do poder político. Ademais, todos esses elementos são perfeitamente compatíveis com a separação de poderes, e mais, apóiam-se uns nos outros e são coincidentes, na medida em que terminam por delimitar o poder político e evitar o despotismo.

A separação de poderes assim encarada passa por um verdadeiro processo de desmistificação, na medida em que agora aparece mais como um princípio institucional dentro da estrutura do Estado democrático do que como um mero postulado dogmático. 60

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3 A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA DOUTRINA DA SEPARAÇÃO DOS PODERES DO ESTADO

3.1 A separação de poderes na antiguidade: a teoria da constituição mista do Estado

A separação de poderes do Estado, como doutrina, embora tenha sido concebida à época da construção do pensamento iluminista, tem suas origens fundamentais remontando à Grécia e Roma antigas. Ainda que na antiguidade clássica tais idéias não passassem de um remoto contorno do que viria a ser doutrinariamente formulado e concretizado séculos mais tarde, é certo que muitas concepções sobre a estrutura ideal do Estado surgiram das teorias dos renomados filósofos e pensadores da antiguidade, notadamente Aristóteles.

Desde a Grécia antiga entendia-se como sendo um axioma fundamental para o Estado o fato de que este deveria ser constituído por uma estrutura institucional diferenciada/ não-uniforme, juridicamente fundamentada e estável. Para que tal estabilidade fosse alcançada, era fundamental que as variadas classes sociais, portadoras de interesses diversos e por vezes conflitantes, tivessem acesso equilibrado aos órgãos do Estado, participando global e conjuntamente do poder político do Estado. Tal ideal é o que se chamou doutrinariamente de teoria da constituição mista do Estado.61 PIÇARRA assim nos ensina:

Neste sentido, constituição mista já será aquela em que os vários grupos ou classes sociais participam do exercício do poder político, ou aquela em que o ‘exercício da soberania’ ou o governo, em vez de estar nas mãos de uma única parte constitutiva da sociedade, é comum a todas. Contrapõem-se-lhe, portanto, as constituições puras em que apenas um grupo ou classe social detém o poder político.62

Para muitos autores, o primeiro defensor dessa idéia de constituição mista, e, por conseguinte, um adepto remoto da separação de poderes, foi Platão, que em suas obras Leis e República preconiza a limitação do poder político através da existência de diversas classes sociais por ele enumeradas. Todavia, a História prova que o simples fato de uma sociedade ser constituída por várias classes sociais, não significa absolutamente que esta seja um modelo de constituição mista.63

Assim sendo, o conceito de constituição mista teve sua origem em Aristóteles, que o definia como uma forma de governo, ou seja, como um modo de exercício do poder soberano

61PIÇARRA, Nuno. A Separação dos Poderes como Doutrina e Princípio constitucional: um contributo para

o estudo das suas origens e evolução. 1 ed. Coimbra: Coimbra, 1989. p. 32.

62 Idem. p. 33. 63 Ibidem. p. 34.

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do Estado, sendo, por conseguinte, a melhor e mais justa forma de governo, uma vez que contempla a participação de todos os grupos sociais no poder político do Estado.

Em outras palavras, a teoria da constituição mista do Estado atenderia às desigualdades e diversidades normalmente existentes em qualquer sociedade, compondo sua estrutura organizacional sob um sistema pelo qual nenhuma classe preponderasse sobre as outras. Esta idéia de “equilíbrio de forças”, que permaneceu viva ao longo dos séculos é, senão, o germe da idéia de “feios e contrapesos” formulada e desenvolvida na Idade Moderna.

É por isso que é dito que se encontra no modelo aristotélico de constituição mista do Estado, pautada no equilíbrio das classes sociais pela sua igual participação no exercício do poder político daquele, a origem do moderno mecanismo de freios e contrapesos, que é o cerne da atual doutrina da separação de poderes do Estado.

Também na república romana estava presente a idéia aristotélica da constituição mista de um Estado pluralmente organizado através de várias classes sociais. Entretanto particularmente em relação a esse Estado é quase impossível determinar categoricamente o seu modelo de governo, pois, como assevera PIÇARRA: “[...] quando se tem em conta o poder dos cônsules, a forma de governo revela-se inequivocamente monárquica, quando se tem em conta o do senado, aristocrática, e quando se tem em conta o poder do povo, a forma de governo é indubitavelmente democrática”.64 O autor ainda ensina:

A orgânica constitucional da república romana compunha-se de dois cônsules, senado e comícios tribunícios. Cada um destes órgãos participava do exercício do poder político fundamentado em diferentes princípios de legitimidade: o princípio monárquico legitimava o poder dos cônsules, o princípio aristocrático, o do senado, e o princípio democrático o dos comícios tribunícios. Isto quer dizer que cada um destes órgãos refletia um substrato constitucional confinado apenas a uma classe ou ‘potência’ político-social, respectivamente os cônsules, os patrícios e os plebeus 65

O fato é que, ainda diante de tal peculiaridade, é possível distinguir claramente a presença de classes distintas, com interesses igualmente destoantes, exercendo em conjunto o poder político do Estado, e, por isso mesmo, equilibradamente, já que a força exercida por um esbarra na exercida pelos demais, uns forçando (e fiscalizando) os outros a manterem-se dentro de seus limites de atuação gerando, dessa forma, um perfeito equilíbrio dos poderes.

Todavia, diferentemente do modelo aristotélico de constituição mista do Estado, o modelo da república romana apresentava uma característica crucial que os distinguia profundamente: enquanto que no primeiro estava presente a idéia de que todas as classes tinham acesso a todos os órgãos institucionais do Estado, misturando-se em todos eles, no segundo, cada órgão (ainda que constituísse um limite, ou um contrapeso na atuação de outro)

64 PIÇARRA, Nuno. Op. cit. p. 37. 65 Idem. p. 37/38.

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era alcançado por membros apenas de uma respectiva classe social, característica fundamental das chamadas sociedades estamentais que vigoraram durante toda a Idade Média e nos Estados Absolutistas.

3.2 A separação de poderes nos Estados Absolutistas

Na Idade Média os Estados eram essencialmente sociedades estamentais, ou seja, a sua característica principal era a separação rígida das classes sociais, onde era praticamente impossível aos membros de uma migrarem para as outras. Além disso, o poder político do Estado era totalmente descentralizado – os centros de poder estavam divididos entre os chamados feudos e a regra geral era que a propriedade rural era sinônima de poder político, ou melhor, este era decorrente daquela.

Neste contexto, se e quando havia um governo central, o rei não passava de uma figura com poderes extremamente limitados, que exprimia de forma muito tênue a unidade política dos feudos.

Nestas condições, a teoria da constituição mista dos Estados era usada, durante a Idade Média, como um mero instrumento para justificar a limitação do poder do rei pelo “direito das ordens ou estamentos”, através da intervenção destes (vale dizer, da classe social que detinha o poder na época, ou seja, os proprietários de terras, ou senhores feudais) ou de seus órgãos representativos nas leis e nas decisões políticas do rei.66

Com a evolução histórica das sociedades e a gradual concentração do poder político do Estado nas mãos do monarca que caracterizou a passagem da Idade Média para a Idade Moderna67, operou-se também a mudança no modo fundamental pelo qual passou-se a organizar este poder político e no próprio modelo de Estado, este passando de Feudalista para Absolutista.

Assim sendo, como já foi dito, a característica precípua nos Estados Absolutistas era a concentração total do poder político nas mãos do monarca. A este era atribuído plenos e amplos poderes, limitados apenas à sua razão e vontade. Os interesses dos súditos estavam sujeitos à discricionariedade do soberano e esta não era limitada ou de qualquer modo

66 PIÇARRA, Nuno. Op. cit. p. 41/42.

67 Não cabe aqui neste trabalho fazer uma análise pormenorizada dos acontecimentos históricos que levaram a

esta mudança de paradigma nas formas de organização e governo dos Estados. Para tanto vide VICENTINO, Cláudio; DORIGO, Gianpaolo. História para ensino médio: história geral e do Brasil. 1 ed. São Paulo: Scipione, 2001. Ou MOTA, Myriam Becho; BRAICK, Patrícia Ramos. História: das cavernas ao terceiro milênio. 1 ed. São Paulo: Moderna, 1997.

Referências

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