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Colaborações Premiadas: o (i)limitado Mercado de Compra e Venda entre Declarações e Prêmios

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CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO

ALEXSSANDER ALMEIDA CHAVES

COLABORAÇÕES PREMIADAS: O (I)LIMITADO MERCADO DE COMPRA E VENDA ENTRE DECLARAÇÕES E PRÊMIOS.

Florianópolis 2019

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COLABORAÇÕES PREMIADAS: O (I)LIMITADO MERCADO DE COMPRA E VENDA ENTRE DECLARAÇÕES E PRÊMIOS.

Trabalho de Conclusão de Curso submetido à banca examinadora da Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Direito. Orientador: Prof. Dr. Matheus Felipe de Castro.

Florianópolis 2019

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A Deus, por guiar o meu caminho na educação, me permitindo seguir com a graduação mesmo com todas as dificuldades durante esses cinco anos.

Aos meus pais, Ildanira e Joselino, por todo o suporte e incentivo, não me deixando desistir e sempre me apoiando em todos os meus sonhos.

Ao meu irmão, Lucas, por sempre me motivar e seguir ao meu lado nos momentos mais difíceis da graduação, em um sinal de grande amizade e solidariedade.

Aos meus melhores amigos da graduação, Juliana, Piva e João Vitor, que sempre estiveram comigo nessa caminhada, compartilhando angústias e comemorando vitórias (nosso momento chegou, pessoal).

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Considerando a importância do Instituto da Colaboração Premiada, a crescente discrepância nos acordos firmados por este instrumento exigiu um estudo mais aprofundado. A respeito do tema proposto, objetivou-se delinear as caracteristicas dessas relações no mercado de declarações e prêmios. Assim sendo a presente monografia apresenta uma análise comparativa entre o modelo juridico e o modelo econômico de mercado na regulamentação e aplicação da Lei 12.850/2013, apoiando-se em legislações brasileiras antecedentes, do direito comparado, bem como suas aplicações. Para tanto realizou-se uma análise critica da mesma Lei, sob o viés dos casos homologados na operação Lava Jato, a CPMI-JBS e a decisão do Ministro Lewandowski. Como resultado observaram-se inúmeras ilegalidades resultantes da ação de seus atores, tanto os acusados quanto os agentes públicos, o que corroborou com a hipótese mercadológica. Concluiu-se que muitos excessos se tem cometido com essa prática, seja no teor dos acordos, ou na divulgação seletiva de informaçõa sigilosa e que tais tendências negociais ilegais oferecem perigo a todo ordenamento jurídico, posto que tem se utilizado do instituto para promover vantagens a determinados indivíduos.

Palavras-chave: acordos, agentes públicos, delação premiada, ilegalidade, lava a jato, lei 12.850/2013.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 6

1 INSTITUTO DA COLABORAÇÃO PREMIADA ... 8

1.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA ... ..8

1.2 DIREITO PREMIAL: OS MODELOS ITALIANO E AMERICANO ... 14

1.3 ESTRUTURA NORMATIVA: LEI 12.850/2013... 20

2 MERCADO JUDICIAL ... 26

2.1 DELAÇÕES: O NOVO “BITCOIN” DO DIREITO PREMIAL ... 26

2.2 INDÚSTRIA VAZAMENTO S.A ... 32

2.3 O PREÇO DA NEGOCIABILIDADE DO PROCESSO PENAL ... 37

3 COLABORAÇÕES Ltda: RED FLAG PARA AS PRÁTICAS ILEGAIS...44

3.1. RESPONSABILIDADE DOS AGENTES PÚBLICOS: VAZAMENTOS ILEGAIS ... 44

3.2 DECISÃO DO MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI: CLÁUSULAS ILEGAIS DE ACORDOS PREMIAS ... 49

CONCLUSÃO ... 54

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O presente trabalho tem como tema as Colaborações premiadas: o (i)limitado mercado de compra e venda entre declarações e prêmios. Considerando a importância do Instituto da Colaboração Premiada para o sistema jurídico, principalmente no que se refere à luta contra as organizações criminosas que operam em modo corporativistas, tem-se a premissa da negociação premial na finalidade de angariar maior sucesso em operações de desmantelamento de quadrilhas e bandos de criminosos. Essa negociação que tem base nos modelos importados, e que foi se constituindo no Brasil, tem atravessado momentos conflituosos e polêmicos envolvendo não só os acordos, mas também os vazamentos de informações sigilosas.

Diante desse panorama notou-se a necessidade de um estudo comparativo do modelo jurídico do instituto da Colaboração Premiada no Brasil, em relação ao modelo de mercado econômico, como também a análise das práticas mercadológicas do direito negocial.

Utilizando como base o seu diploma legal mais recente, a Lei 12.850/2013, pretende-se uma análise crítica de alguns acordos celebrados entre o Ministério Público Federal e os acusados da Operação Lava Jato, que foram homologados por inúmeros juízes federais, como também a evolução histórica do Instituto e uma observação das práticas comumente adotadas sob o viés da CPMI-JBS e da decisão do Ministro Lewandowski.

Estes acordos supracitados, criticados por inúmeros juristas, suscitam a hipótese de que ilegalidades e excessos estão sendo cometidos através de cláusulas ilegais, que veem sendo homologadas por juristas em todo território nacional. Delineia-se também a hipótese de tais práticas revelarem uma característica comercial, que são pautados em um modelo negocial extrapolando os limites do dispositivo que a regulamenta.

A CPMI-JBS realizada no congresso nacional, já apontava para abusos praticados principalmente pelo Ministério Público através do Instituto de Colaboração premiada. E reiterava a necessidade de correção das ilegalidades para que esta fosse compatível com o Estado Democrático de Direito. Não obstante à manutenção do Instituto o que se pretendeu no texto do relatório parcial divulgado foi desmembrar a inadequação do regulamento e sua aplicação e a inobservância do próprio texto legal, sob pretexto do referido Instituto. Onde se explicitou que inúmeras cláusulas constantes dos acordos não encontravam qualquer amparo legal.

No primeiro capítulo, procura-se realizar uma pesquisa técnica do instituto, passando incialmente por sua evolução histórica, desde acordos internacionais aos quais o Brasil foi signatário, até o desenvolvimento normativo do direito premial; numa comparação com os modelos italiano e americano – que também travavam uma batalha contra as organizações criminosas – que inspiraram o que seguimos em nosso ordenamento, o que nos permite entender como é utilizada essa regulamentação negocial, bem como seus efeitos.

Encerrando a análise do regulamento partimos para a análise do diploma legal, que estabelece os limites da colaboração premiada, atual Lei 12.850/2013, onde procura-se esmiuçar

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O segundo capítulo realiza um comparativo com o direito negocial através da ótica econômica, buscando entender quais os sentimentos que cada ator do cenário negocial traz consigo. Inicia-se com a definição do bem maior de todo o acordo negocial: as declarações. Buscando entender seu valor, como as utilizam, e o que os levam a utilizá-las.

De modo contínuo aprofunda-se para um dos temas mais discutidos em rede nacional: o vazamento de informações; documentos e áudios vazados por agentes públicos para a mídia, um ato de alta ilegalidade. Discutir-se-á como funciona esse comércio de informações, uma vez em que lhe é resguardado o sigilo, conforme disciplina o Código de Processo Penal.

Ao final, adentra-se na prática real dos acordos já celebrados e homologados da Operação Lava Jato, onde protagonizam-se as críticas do Ministério Público Federal por conta de exaustivas ilegalidades. Este último tópico elenca inúmeras cláusulas que extrapolam os limites da legalidade, não apenas da lei que regulamenta o direito premial, bem como o Código Penal, Código Processual Penal e a própria Constituição, carregando consigo uma perigosa tendência para todo o ordenamento jurídico pátrio.

O capítulo final, dividido em dois tópicos, trata da falta de interesse dos agentes que detém o poder para cessar tais práticas ilegais firmadas nos acordos de colaboração premiada, o que resultou em uma escassez de insumos para o último capítulo desta monografia, prejudicando assim o intento de apresentar os limites para os abusos praticados pelos atores da prática negocial em estudo, por conta disso limita-se o referencial ao Regulamento 217 do Conselho Nacional de Justiça e a Decisão da PET 7.265 – DF, do Eminente Ministro Ricardo Lewandowski.

O Regulamento 217 do CNJ elenca algumas obrigações e dispõe responsabilidades para os agentes públicos que utilizam de seus cargos para vazarem informações sigilosas, em nítida inconformidade com a lei. Já a decisão de Lewandowski, que indefere a homologação de um acordo de colaboração premiada que traz consigo inúmeras cláusulas antijurídicas, e simboliza uma possível luz no fim do túnel.

O Ministro fundamenta de forma clara e sensata os motivos pelos quais o acordo não deve prevalecer, bem como aponta outras características que veem contribuindo para que haja insegurança jurídica, uma resultante perigosa para todo o sistema penal.

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1 INSTITUTO DA COLABORAÇÃO PREMIADA

Iniciaremos o presente trabalho monográfico através de uma análise do instituto da colaboração premiada sob três perspectivas: a) evolução histórica; b) direito comparado; e c) análise técnica do texto legal. Esse aprofundamento inicial tem por objetivo esmiuçar o instituto central desta pesquisa. Será a partir desta compreensão em “3D” que seguiremos o estudo nos outros dois capítulos, com um olhar mais crítico e em defesa da legalidade, respectivamente nessa ordem.

1.1 Evolução Histórica

A Colaboração Premiada como se conhece atualmente, teve origem direta na “própria instituição da confissão como método de submissão voluntária ou forçada ao poder institucional da Igreja de Roma”.1 Em uma época onde pairava a legislação inquisitorial da Idade Média que

estabelecia como norte a fé cristã, a confissão era adotada como uma forma de purgar-se dos pecados, práticas adotadas principalmente sob o pretexto de estarem exercendo uma legislação divina.

Tal período, conhecido por um tempo de perseguição e tortura, não apenas buscava-se obter a confissão dos acusados, mas também oprimia e forçava através de ameaças aqueles que soubessem de qualquer pessoa que pudesse estar cometendo heresia, num movimento que tanto concedia indulgências aos colaboradores, como excomungava os que não cooperavam.

Já o instituto, enquanto instrumento prático não previsto em lei, esteve presente na história brasileira em momentos notórios desde as Ordenações Filipinas de 1603, sendo uma das últimas legislações portuguesas que permaneceram ativas até a entrada em vigor do Código Criminal de 1830.2 Neste momento não se utilizava o termo “delação/colaboração premiada”,

terminologia adotada no direito moderno. Não obstante, apesar da legislação Filipina ter previsto inúmeras sanções severas, como o perdimento e o confisco de bens, o desterro, o banimento, os açoites, morte atroz (esquartejamento) e morte natural (forca),3 previa também o

perdão, que era concedido àqueles que eventualmente colaborassem com o reino, tema

1 CASTRO, Matheus Felipe de. Abrenuntio Stanae! A colaboração premiada na Lei nº 12.850/2013: um novo

paradigma de sistema penal contratual? Revista de Estudos Criminais, Porto Alegre, v. 17, n. 69, p. 184. 2018.

2 MOSSIN, H. A., MOSSIN, J.C. Delação premiada: aspectos jurídicos. 2ª ed. Leme: JH Mizuno, 2016, p. 37. 3 MACIEL, José Fábio Rodrigues. Ordenações filipinas - considerável influência no direito brasileiro. Jornal

Carta Forense. São Paulo. 2006. Colunas. Disponível em:

<http://www.cartaforense.com.br/conteudo/colunas/ordenacoes-filipinas--consideravel-influencia-no-direito-brasileiro/484>. Acessado em: 10 de junho de 2019.

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essencialmente ligado ao instituto da Colaboração Premiada.

O referido perdão situava-se na seção criminal do Código Filipino, Livro V, Título CXVI, denominado “Como se perdoará aos malfeitores, que derem outro à prisão”, na citação aqui exposta, assim como no instituto que é objeto de estudo, premiavam-se aqueles que denunciavam terceiros criminosos.4

Segundo o autor, é possível verificar na análise daquela legislação, dois elementos que a caracterizavam desde então:

a) Identificar o instituto no bojo de uma legislação de natureza tipicamente inquisitorial;

b) Demonstrar que, perante as Ordenações Filipinas, a validade da delação para o fim de se perdoar os delitos praticados pelo delator estava diretamente vinculada à prova dos crimes praticados pelos delatados, prova essa que podia ser realizada pelo próprio interessado, por terceiro ou pelas autoridades envolvidas (“der à prisão os ditos malfeitores ou cada um deles, e lhes provar ou forem provados cada um dos ditos delitos”).5 Outro marco brasileiro do Instituto da delação premiada foi durante a Inconfidência Mineira, onde Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, fora traído por um colega que buscava vantagens econômicas para se livrar de apuros financeiros6. Desta época até o presente

momento, muitos anos foram necessários antes da criação da letra final que regulamenta o Instituto da Colaboração Premiada, atual Lei nº 12.850/2013. Trata-se, na verdade, de diploma aprovado quase dez anos após a ratificação pelo Brasil da Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional. Convenção Internacional esta que foi denominada “Convenção de Palermo”- cidade onde fora inicialmente assinada -, sendo adotada pela Assembleia Geral da ONU em Nova Iorque de 15 de novembro de 2000, entrando em vigor em setembro de 2003.

O Decreto nº 5.015 promulgado no Brasil em 12 de março de 20047 dispõe em seu artigo

26 uma sequência de medidas que buscavam estimular a cooperação entre delinquentes e

4 FERREIRA, José Carlos. O instituto da delação premiada no ordenamento jurídico brasileiro. Gran Cursos

Online. Brasília. Abril/2016. Palavra de quem entende. Disponível em:

< https://blog.grancursosonline.com.br/palavra-de-quem-entende-o-instituto-da-delacao-premiada-no-ordenamento-juridico-brasileiro/#_ftn1> Acessado em: 10 de junho de 2019.

5 CASTRO, Matheus Felipe de. Abrenuntio Stanae! A colaboração premiada na Lei nº 12.850/2013: um novo

paradigma de sistema penal contratual? Revista de Estudos Criminais, Porto Alegre, v. 17, n. 69, p. 187-188. 2018.

6 Ibidem

7 BRASIL. Decreto nº 5.015, de 12 de março de 2004. Promulga a Convenção das Nações Unidas

contra o Crime Organizado Transnacional. Diário Oficial da União. Brasília, DF, 12 de março de 2004. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/decreto/d5015.htm> Acessado em 10 de junho de 2019.

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autoridades competentes para a aplicação da lei, nas quais merecem destaque as seguintes:

1. Cada Estado Parte tomará as medidas adequadas para encorajar as pessoas que participem ou tenham participado em grupos criminosos organizados:

a) A fornecerem informações úteis às autoridades competentes para efeitos de investigação e produção de provas, nomeadamente;

i) A identidade, natureza, composição, estrutura, localização ou atividades dos grupos criminosos organizados;

ii) As conexões, inclusive conexões internacionais, com outros grupos criminosos organizados;

iii) As infrações que os grupos criminosos organizados praticaram ou poderão vir a praticar;

b) A prestarem ajuda efetiva e concreta às autoridades competentes, susceptível de contribuir para privar os grupos criminosos organizados dos seus recursos ou do produto do crime.

2. Cada Estado Parte poderá considerar a possibilidade, nos casos pertinentes, de reduzir a pena de que é passível um argüido que coopere de forma substancial na investigação ou no julgamento dos autores de uma infração prevista na presente Convenção.

3. Cada Estado Parte poderá considerar a possibilidade, em conformidade com os princípios fundamentais do seu ordenamento jurídico interno, de conceder imunidade a uma pessoa que coopere de forma substancial na investigação ou no julgamento dos autores de uma infração prevista na presente Convenção.8

Após ser assinada e formalmente internalizada no Brasil, foram evidentes os reflexos que as disposições da Convenção de Palermo causaram no Direito Processual brasileiro, haja vista que se tornaram integrantes de nosso direito pátrio.

Contudo, houve outro Diploma Internacional que contribuiu de forma relevante para a introdução da Colaboração Premiada no ordenamento jurídico brasileiro, a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, celebrada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 31 de outubro de 2003 na cidade de Mérida, México - passando a ser conhecida por Convenção de Mérida -. A ratificação brasileira se deu por meio do Decreto nº 5.687 assinado em 2006, pouco após sua vigoração internacional em 2005.9

8 BRASIL. Decreto nº 5.015, de 12 de março de 2004. Promulga a Convenção das Nações Unidas

contra o Crime Organizado Transnacional. Diário Oficial da União. Brasília, DF, 12 de março de 2004. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/decreto/d5015.htm> Acessado em 10 de junho de 2019.

9 _______. Decreto nº 5.687, de 31 de janeiro de 2006. Promulga a Convenção das Nações Unidas contra a

Corrupção, adotada pela Assembleia-Geral das Nações Unidas em 31 de outubro de 2003 e assinada pelo Brasil em 9 de dezembro de 2003. Diário Oficial da União. Brasília, DF. 31 de janeiro de 2006. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Decreto/D5687.htm > Acesso em: 10 de junho de 2019.

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Estabeleceu-se na referida convenção, em seu artigo 33, que trata da “Proteção aos Denunciantes”, a previsão de que:

Cada Estado Parte considerará a possibilidade de incorporar em seu ordenamento jurídico interno medidas apropriadas para proporcionar proteção contra todo trato injusto às pessoas que denunciem ante as autoridades competentes, de boa-fé e com motivos razoáveis, quaisquer feitos relacionados com os delitos qualificados de acordo com a presente Convenção.10

É notório o incentivo da literalidade da Convenção, quanto ao uso de instrumentos de persecução penal que compreende a participação de investigados e réus colaboradores. É nessa seara que está inserida a Colaboração Premiada regulada na atual Lei nª 12.850/2013. Ainda assim, é indiscutível que a ideia do direito penal premial (que é o gênero do qual a Colaboração Premiada é espécie) está há muito tempo inserida no ordenamento jurídico brasileiro.

Para ilustrar, citam-se os artigos 15, 16 e 65, III, d do Código Penal, nas quais dispõem benefícios penais para agentes que contribuem com a justiça de forma voluntária, seja no decorrer da execução do crime (casos do arrependimento eficaz e da desistência voluntária), seja após (casos da confissão espontânea ou do arrependimento posterior). Todas as hipóteses penais supracitadas contam com a previsão de um benefício para o agente que facilita a apuração de crimes, como forma de incentivar a cooperação que é formalizada por meio de um acordo.

Anterior a um movimento que seria criado com o objetivo de combater a criminalidade organizada, a Lei nº 8.072/1990, dispõe em seu artigo 7º, a introdução do artigo 159, §4º11 do

Código Penal, na qual os crimes de extorsão mediante sequestro, quando este for “cometido por quadrilha ou bando, o coautor que denunciá-lo à autoridade, facilitando a libertação do sequestrado, terá sua pena reduzida de um a dois terços”.12 Complementou também em seu

10 _______. Decreto nº 5.687, de 31 de janeiro de 2006. Promulga a Convenção das Nações Unidas contra a

Corrupção, adotada pela Assembleia-Geral das Nações Unidas em 31 de outubro de 2003 e assinada pelo Brasil em 9 de dezembro de 2003. Diário Oficial da União. Brasília, DF. 31 de janeiro de 2006. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Decreto/D5687.htm > Acesso em: 10 de junho de 2019.

11 BRASIL. Código Penal. Lei 2.848 de 7 de dezembro de 1940. Institui o Código Penal. Artigo 159, parágrafo

4: “§ 4º - Se o crime é cometido em concurso, o concorrente que o denunciar à autoridade, facilitando a libertação do seqüestrado, terá sua pena reduzida de um a dois terços. ‘(Redação dada pela Lei nº 9.269, de 1996)’”. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm> Acessado em: 10 de junho de 2019.

12 _______. Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990. Dispõe sobre os crimes hediondos, nos termos do art. 5º,

inciso XLIII, da Constituição Federal, e determina outras providências. Diário Oficial. Brasília, DF. 25 de julho de 1880. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8072.htm> Acessado em: 10 de junho de 2019.

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artigo 8º, parágrafo único, que ao “participante e o associado que denunciar à autoridade o bando ou quadrilha, possibilitando seu desmantelamento, terá a pena reduzida de um a dois terços”.13

Complementa-se com a análise de Matheus Felipe de Castro:

Nenhuma outra regulamentação acerca da forma de aplicação da colaboração premiada ao caso concreto foi definida nesse texto normativo. Daí que ele tenha sido considerado uma causa especial e obrigatória de diminuição de pena aplicável pelo magistrado no momento da cominação da pena na sentença condenatória ao sujeito que, tendo praticado o delito em quadrilha ou bando, o delatasse às autoridades, facilitando a libertação do sequestrado.14 Em seguida, a primeira Lei Especial, versa sobre métodos especiais de prevenção e repressão de crimes cometidos por organizações criminosas (na qual a própria lei se referia, inicialmente, como “crime resultante de ações de quadrilha ou bando”15) foi a de 9.034/1995.

Em seu artigo 6º, a lei prevê que “nos crimes praticados em organização criminosa a pena será reduzida de um a dois terços quando a colaboração espontânea do agente levar ao esclarecimento de infrações penais e sua autoria”16, evidenciando os benefícios aplicados ao

colaborador processual reconhecido na Lei nº 12.850/2013, que veio a revogar a Lei 9.034/1995 em comento.

Naquele mesmo ano de 1995, foi assinada em 19 de julho a Lei nº 9.080,17 onde houve

a alteração das Leis nº 7.492/1986 - que define os crimes contra o Sistema Financeiro Nacional e a 8.137/1990 que define os crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo - para que complementasse, respectivamente, nos artigos 25, §2º e 16, parágrafo único, onde nos crimes previstos nas leis em tela “cometidos em quadrilha ou coautoria, o coautor ou partícipe que através de confissão espontânea revelar à autoridade policial ou judicial toda a trama delituosa terá sua pena reduzida de um a dois terços”.18 Dessa forma,

13 BRASIL Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990. Dispõe sobre os crimes hediondos, nos termos do art. 5º, inciso

XLIII, da Constituição Federal, e determina outras providências. Diário Oficial. Brasília, DF. 25 de julho de 1880. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8072.htm> Acessado em: 10 de junho de 2019.

14 CASTRO, Matheus Felipe de. Abrenuntio Stanae! A colaboração premiada na Lei nº 12.850/2013: um novo

paradigma de sistema penal contratual? Revista de Estudos Criminais, Porto Alegre, v. 17, n. 69, p. 189.

15 BRASIL. Lei nº 9.034, de 3 de maio de 1995. Revogada pela Lei nº 12.850 de 2013. Disponível em

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9034.htm> Acesso em: 10 de junho de 2019.

16 Ibidem

17 _______. Lei nº 9.080, de 19 de julho de 1995. Acrescenta dispositivos às Leis nºs 7.492, de 16 de junho de

1986, e 8.137, de 27 de dezembro de 1990. Diário Oficial da União. Brasília, DF. 19 de julho de 1995. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9080.htm> Acessado em: 10 de junho de 2019.

18 _______. Lei nº 7.492, de 16 de junho de 1986. Define os crimes contra o sistema financeiro nacional, e dá

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segundo Cordeiro, por revelação entende-se não a compreensão de “noticiar fatos desconhecidos, mas sim (...) como sinônimo de explicitar, noticiar toda a trama do crime financeiro ou tributário”.19

As alterações promovidas pela Lei nº 9.080/1995, diferentemente do que se via nas leis anteriores, não exigiram “como resultado de eficácia consequências no mundo dos fatos”,20

como a libertação do sequestrado ou o desmantelamento da quadrilha.

Contudo, na referida lei, é exigida a “revelação de toda a trama”,21 não sendo

contemplado com o benefício aquele que “informa tudo o que sabe, mas que é insuficiente à demonstração da completa cadeia de fatos e agentes envolvidos no crime tributário ou financeiro”.22

Já no ano de 1998, foi promulgada em 3 de março, a Lei nº 9.613 que “dispõe sobre os crimes de ‘lavagem’ ou ocultação de bens, direitos e valores”,23 refere-se em seu artigo 1º, §5º,

sobre a previsão de redução de dois terços da pena, na qual poderia ser cumprida em regime aberto, “podendo o juiz deixar de aplicá-la ou substituí-la, a qualquer tempo, por pena restritiva de direitos”,24 caso o “autor, coautor ou partícipe colaborar espontaneamente com as

autoridades, prestando esclarecimentos que conduzam à apuração das infrações penais e de sua autoria ou à localização de bens ou direitos ou valores objeto do crime”.25

Ao analisar o texto da Lei de Lavagem, resta evidente sua inovação em relação à legislação anterior, destacando a previsão - não nominada - do cumprimento de regime aberto, independente da pena cominada, do perdão judicial, e da substituição da pena privativa de liberdade pela restritiva de direitos.

Desse modo, pondera Cordeiro que “o resultado exigido é alternativamente a apuração das infrações penais e sua autoria, ou a localização do patrimônio do crime de lavagem de

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7492.htm> Acessado em: 12 de março de 2018; e BRASIL. Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990. Define os crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo, e dá outras providências. Diário Oficial da União. Brasília, DF. 27 de dezembro de 1990. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8137.htm> Acessado em: 10 de junho de 2019.

19 CORDEIRO, Néfi. Delação premiada na legislação brasileira. Revista Ajuris, v. 37, n. 117, Porto Alegre.

Março/2010. Disponível em <http://goo.gl/dpRVDM> Acessado em: 10 de junho de 2019.

20 Ibidem 21 Ibidem 22 Ibidem

23 BRASIL. Lei nº 9.613, de 3 de março de 1998. Dispõe sobre os crimes de “lavagem” ou ocultação de bens,

direitos e valores; a prevenção da utilização do sistema financeiro para os ilícitos previstos nesta Lei; cria o Conselho de Controle de Atividades Financeiras – COAF, e dá outras providências. Diário Oficial da União. Brasília, DF. 3 de março de 1998. Disponível em: <http://goo.gl/qp37jw > Acesso em 10 de junho de 2019.

24 Ibidem 25 Ibidem

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capitais”,26 onde caberia o benefício não apenas ao delator, como os que indicam a autoria de

terceiros, mas também aos réus confessos que apontam de maneira eficaz, a localização dos bens. Ainda citando Cordeiro, este ressalta que “pode a delação ser parcial e até tendenciosa na escolha dos fatos revelados”,27 desde que indiquem, de forma efetiva, novos caminhos que

levem às autoridades à completa apuração dos fatos.

Outro texto legal que trouxe inovações ao direito premial brasileiro antes da promulgação da atual Lei nº 12.859/2013, foi a lei nº 12.683/2012, na qual alterou o regime de benefícios ao acusado colaborador trazido pela Lei nº 9.613/1998 analisada anteriormente. Como bem observa Aras, o legislador basicamente promoveu uma “disciplina tímida”28 ao que

o autor chamava de “colaboração criminal processual”,29 ressaltando que, muito embora a

proposta inicial elaborada pelo Senado fosse mais ousada, com “uma disciplina específica para a delação, um modus faciendi”,30 houve uma grande evolução.

Destaca-se que a nova lei trouxe a possibilidade de ocorrer delações a qualquer tempo, tanto para a lavagem de dinheiro quanto para os crimes antecedentes, inclusive após a decisão condenatória recorrível.

A partir da somatória da análise histórica e legislações que antecedem o dispositivo da Colaboração Premiada na atualidade - Lei 12.850/2013 -, buscar-se-á no próximo tópico, entender o modelo americano e italiano, para assim compará-lo ao brasileiro, com o intuito de dissecar nesse primeiro capítulo todos os cenários que cercam esse instituto.

1.2 Direito Premial: os Modelos Italiano e Americano

Após a análise da evolução histórica, buscaremos entender os modelos italiano e americano, respectivamente, que inspiraram a Colaboração Premiada no ordenamento jurídico brasileiro. É de suma importância saber o modo e o cenário em que se aplicou e se aplica tal instituto para a compreensão do nosso modelo pátrio, bem como suas divergências e tendências. Acerca da origem do Instituto da Colaboração Premiada propriamente dita na Itália, leciona Eduardo Araújo da Silva que “no direito italiano, as origens históricas do fenômeno dos ‘colaboradores da Justiça’ é de difícil identificação; porém, sua adoção foi incentivada nos anos

26 CORDEIRO, op. cit., 2010. 27 Ibidem.

28 ARAS, Vladimir. A investigação criminal na nova lei de lavagem de dinheiro. Boletim IBCCRIM, São Paulo,

ano 20, nº 237, agosto/2012. p. 6.

29 Ibidem 30 Ibidem

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1970 para o combate aos atos de terrorismo. Sobretudo a extorsão mediante sequestro, culminando por atingir seu estágio atual de prestígio nos anos 1980”.31

No início, o governo investiu em dar um poder maior à polícia na tentativa de uma imediata redução nos crimes elencados anteriormente. Sem sucesso, esse poder foi atribuído à magistratura, onde surgiram medidas de aumento das prisões cautelares, proibição de liberdade provisória e o instituto da delação premiada.

Na Itália, a ação penal pública é múnus privativo do Ministério Público,32 no qual vigora

o “princípio da obrigatoriedade”. Tal princípio age sobre o Ministério Público impedindo-o de desenvolver um juízo de conveniência/oportunidade quanto ao processamento ou não do fato delituoso (MORELLO, 2000, p.82).

Dessa forma, estando presentes os requisitos que autorizam o exercício da ação penal, assim como o suporte probatório que é indispensável para fundamentar a pretensão punitiva, o Parquet tem a obrigação de punir todo e qualquer delito que fora cometido. Logo após a deflagração da ação penal, deverá seguir-se o procedimento ordinário, na qual haverá a designação da audiência preliminar, onde o juiz receberá ou não a denúncia, ou seguirá um dos ritos especiais que está previsto na legislação italiana. Podendo o Ministério Público e o réu transigir quanto à reprimenda a ser aplicada e quanto ao procedimento a ser adotado, sendo possível negociar a pena e o rito.33

Quando falamos de negociação de pena no sistema italiano, chamada de applicazione della pena su richiesta ou patteggiamento, que consiste na aplicação imediata de uma pena a pedido do acusado, o Código de Processo Penal italianos, no artigo 444, comma 1,34 prevê que

o imputado pode autorizar que lhe seja aplicada uma pena restritiva de direitos ou pecuniária, desde que reduzida de até um terço, ou então uma reprimenda privativa de liberdade, que poderá também ser minorada até um terço, não ultrapassando cinco anos de detenção, cumulativamente ou não com sanção pecuniária.

Encerrando-se o prazo de cinco anos sendo o objeto da condenação um crime, ou de dois anos se o objeto se tratar de contravenção, é extinta a infração penal, ou seja, são apagados

31 SILVA, Eduardo Araujo da. Organizações criminosas: aspectos penais e processuais da lei nº 12.850/13.

Atlas. São Paulo. 2014. p. 53-54.

32 Constituição da República Italiana. Art. 112: O Ministério Público possui a obrigação de exercer a ação

penal.

33 SANTOS, Marcos Paulo Dutra. Colaboração (delação) Premiada. 1ª ed. Salvador: Juspodivm, 2016. p. 55. 34 1. L'imputato e il pubblico ministero possono chiedere al giudice l'applicazione, nella specie e nella misura

indicata, di una sanzione sostitutiva o di una pena pecuniaria, diminuita fino a un terzo, ovvero di una pena detentiva quando questa, tenuto conto delle circostanze e diminuita fino a un terzo, non supera cinque anni soli o congiunti a pena pecuniaria

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todos os efeitos penais da sentença, excetuando-se quando o condenado comete delito ou contravenção da mesma natureza. A condenação não poderá ser invocada para obstar outorga de futura suspensão condicional da pena, conforme preceitua o artigo 445, comma 11,35 do

Código Processual Penal Italiano. Desse modo o patteggiamento torna-se uma espécie de acordo entre o Ministério Público e o acusado.

Contudo, a proposta de transação penal pode ser realizada apenas pelo réu e homologada pelo juiz, necessitando da concordância do Ministério Público, dado os procedimentos, é o que pode autorizar o Parquet a apelar da sentença nesse caso, conforme os artigos 446, comma 6 e 448, comma 8, do Código Processual Penal Italiano. Destaca-se que o juiz deverá examinar se a aquiescência do acusado é fruto de sua manifestação livre e consciente de vontade.36

Muito embora a colaboração, adicionando a confissão simples, não integre o rol taxativo das atenuantes que estão previstas no artigo 62 do Código Penal Italiano, abre a possibilidade de que o juiz considere algumas circunstâncias diversas que também justificariam a minoração da pena. Essa estrutura normativa constituiu um terreno fértil à propagação da colaboração premiada, como conditio sine qua à celebração dessas transações processuais37. O autor Luigi

Ferrajoli, em uma análise do processo penal italiano menciona que:

Por meio destes procedimentos é de fato introduzido no nosso ordenamento o discutido instituto da colaboração premiada com a acusação. Com o agravante de que ela não foi codificada abertamente, mediante a previsão de uma circunstância atenuante, mas de forma sub-reptícia, por meio de um mecanismo idôneo a incentivar os procedimentos acordados e desencorajar o juízo ordinário, com todo o seu sistema de garantias; que ela não é mais uma medida excepcional, conjuntural e limitada a determinados tipos de procedimentos, mas sim um novo método processual codificado para todos os processos; que, enfim, o benefício da pena não será concedido por um juiz no curso de um juízo público, mas pela própria acusação no curso de uma transação destinada a desenvolver-se em segredo.38

35 2. Il reato è estinto, ove sia stata irrogata una pena detentiva non superiore a due anni soli o congiunti a pena

pecuniaria, se nel termine di cinque anni, quando la sentenza concerne un delitto, ovvero di due anni, quando la sentenza concerne una contravvenzione, l'imputato non commette un delitto ovvero una contravvenzione della stessa indole. In questo caso si estingue ogni effetto penale, e se è stata applicata una pena pecuniaria o una sanzione sostitutiva, l'applicazione non è comunque di ostacolo alla concessione di una successiva sospensione condizionale della pena.

36SANTOS, Marcos Paulo Dutra. Colaboração (delação) Premiada. 1ª ed. Salvador: Juspodivm, 2016. p. 63-64. 37 Ibidem p. 64.

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A referida insuficiência do dispositivo da delação premiada no processo penal italiano foi sanada em partes em 1991 com a edição do Decreto-Lei nº 08, convertido na Lei nº 82, na qual foi posteriormente alterada pela lei nº 45, que tinha por objetivo estabelecer a proteção às testemunhas, que incluía também o réu colaborador.39

Já nos Estados Unidos, o procedimento negocial é conhecido por plea bargaining, onde os acordos realizados quanto à sanção correspondem às guilty pleas. O plea bargaining consiste na realização do acordo entre a acusação e a defesa, em que há concessões recíprocas, objetivando a declaração de culpa do acusado - chamada guilty plea pelos americanos - ou declarações de que não haverá a contestação do acusado - chamada de plea of nolo contendere. Assim, ao final do acordo, busca-se uma condenação que seja mais leniente daquela que poderia ocorrer caso o processo seguisse em seu rito convencional.40

Na negociação de sentença criminal existem mutualidades de concessões. Em dado momento, onde a acusação renuncia à possibilidade de obtenção de uma sentença mais gravosa, a defesa lança mão de direitos, de forma a agir contra sua autoincriminação e ser julgada pelo juízo. Dessa forma, a negociação da sentença criminal não é apenas um substituto do processo penal, mas é caracterizado como um ato de vontades que conduz a um procedimento diferenciado do procedimento comum.41

Ao estudar os modelos de justiça penal negociada baseando-se no direito comparado, abre-se a possibilidade, por meio de uma breve análise do conteúdo dos modelos italiano e americano, relacionar seus institutos de negociação com o modelo da delação premiada brasileira. O sistema jurídico norte-americano é integrante do common law, na qual as normas jurídicas nascem dos casos particulares - leading cases - para o geral, e não o contrário. Assim, o jurista Marcos Paulo Dutra Santos o diferencia do sistema romano-germânico da seguinte forma:

Enquanto no sistema romano-germânico as normas de conduta encerram comandos abstratos, que, exatamente por isso, exigem uma abordagem teórica, na common law a lei nasce a partir da solução dada pelo Judiciário a um conflito de interesses concreto. Dessa forma, o que interessará aos operadores do Direito é avaliar se as nuances do caso submetido a julgamento ajustam-se a determinado precedente judicial.42

39 SANTOS, Marcos Paulo Dutra. Colaboração (delação) Premiada. 1ª ed. Salvador: Juspodivm, 2016. p. 65. 40 BRANDALISE, Rodrigo da Silva. Justiça Penal Negociada. Curitiba: Juruá. 2016. p. 27

41 Ibidem.

42 SANTOS, Marcos Paulo Dutra. Colaboração (delação) Premiada. 1ª ed. Salvador:

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Dessa forma, é sólida a primazia da decisão judicial a preceitos legais que são pré-fixados de maneira abstrata, convertendo tais conjuntos de sentenças em precedentes para situações semelhantes, de modo que estas sirvam de orientações em casos análogos.

Outrossim, quando a fonte da lei é uma decisão de um órgão julgador, há um forte protagonismo judicial - é uma consequência do modelo - que, no entanto, não se manifesta em todo o sistema norte-americano.

O exercício da ação civil pública, a título de exemplo, está orientado pela absoluta discricionariedade dos promotores - chamado prosecutorial discretion - e se manifesta também nas atividades jurisdicional e policial, e mesmo na fase de execução da pena, probation.43 O

juiz possuirá uma participação passiva na investigação,44 mesmo atuando no âmbito judicial,

pois o promotor - persecutor - tem pleno interesse quanto ao resultado final do processo, ao buscar a verdade que demonstre a participação do acusado, ao passo que a defesa buscará afastar tais assertivas.45

O sistema estadunidense em tela estudado também é chamado de adversarial, uma vez que, se colocado como uma disputa, um jogo, seu curso se dará por meio de dois jogadores (promotor e acusado), sendo o páreo o órgão jurisdicional passivo, de tal modo “as partes definem o alcance do processo - fático e probatório - movidas por interesses estratégicos, com possibilidade de investigação pelas duas partes”.46

Na justiça americana, o procedimento negocial em suma é conhecido por plea bargaining, e os acordos referentes à sanção que é imputada é chamada de guilty pleas. Na Regra de Procedimentos Criminais Federais nº 11 - Federal Rules of Criminals Procedures, Rule 1147 - preceitua-se que de maneira genérica, o réu poderá ter até três opções: a) declarar

que não contesta a acusação, mas também não assume a culpa (plea of nolo contendere); b) confessar e se declarar culpado (plea of guilty); e c) se declarar inocente (plea of not guilty).

43 SANTOS, Marcos Paulo Dutra. Colaboração (delação) Premiada. 1ª ed. Salvador:

Juspodivm, 2016. p. 31.

44 Calha ser apresentado que o sistema adversarial distingue-se, no ponto, do sistema acusatório clássico porque,

neste último, o juiz pode ter uma participação mais ativa na produção da prova, enquanto que, como visto acima, o primeiro tem no juiz uma figura mais inerte, na produção da prova que pode(ria) trazer-lhe melhor convicção quando do julgamento (ANDRADE, 2013, p. 228)

45 BRANDALISE, Rodrigo da Silva. Justiça Penal Negociada. Curitiba: Juruá, 2016, p. 59 46 Ibidem

47 ESTADOS UNIDOS. Federal Rules of Criminals Procedures, Rule 11 - Rule 11 states that a defendant may

plead guilty, innocent or nolo contendere. The Supreme Court's amendments to Rule 11 (b) provide that an argument shall not be contested "shall only be accepted by the court after due consideration of the views of the parties and of the public's interest in the effective administration of justice." Disponível em:

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Atualmente existem dois modelos junto às cortes criminais americanas, the plea bargaining model e the due process model, sendo este último um sistema de manifestação adversarial em sua versão mais conhecida, na qual deve o Estado cumprir seu dever probatório quanto à acusação e o acusado ter a possibilidade de apresentar as provas que comprovem e sustentem sua defesa. Desse modo, volta-se para a punição da conduta criminalmente tipificada, a condenação e a sentença final. Havendo dessa forma um verdadeiro combate entre as partes - Estado e acusação -, restando a nítida compreensão de que apenas um sairá vencedor.48

Nas palavras de Rodrigo da Silva Brandalise, o plea bargaining é definido da seguinte forma:

Por ele, há uma divisão na compreensão entre perdas e ganhos, na medida que o acusado tende a receber uma pena menor do que aquela que teria caso houvesse um julgamento aos moldes anteriores, enquanto que a acusação perde certa quantidade de pena, mas ganha a certeza da condenação, que também se refletem em otimização dos recursos estatais destinados à persecução criminal (da mesma forma que há uma redução de custos a serem suportados pelo acusado na promoção de sua defesa, além da melhor preservação da imagem e do tempo consumido). Também ele demonstra uma preocupação entre juízes, prosecutors e advogados com a administração da justiça, na medida em que auxilia no rápido processamento e conclusão da carga de processos que assola o sistema. Aqui, o ponto central da punição passa pelo prosecutor, que define as acusações, o estabelecimento da culpa e a quantidade a ser imposta na sentença.49

Fazendo uma relação com a teoria dos jogos, the due process model representaria um jogo de soma zero - na qual a vitória de um implica consequentemente na derrota do outro - e analisando na mesma teoria, the plea bargain model expressaria um jogo de soma não-zero, onde os jogadores podem perder ou ganhar simultaneamente, resultando na busca pela otimização entre os benefícios de cada participante.

Também é possível fazer uma análise do plea bargain model com a solução do dilema do prisioneiro pelo equilíbrio de Nash - onde há a confissão por ambas as partes: embora do ponto de vista individual mesmo não sendo a redução da pena do acusado “a melhor” solução para a acusação, é possível ganhar a certeza de ser a melhor forma de se otimizar recursos estatais. Já para o acusado, por meio da negociação, ele consegue sua pena reduzida, mesmo que “a melhor” solução fosse sua não condenação. Nesse sentido, trazemos à baila o entendimento jurisprudencial da Suprema Corte Americana:

48 BRANDALISE, Rodrigo da Silva. Justiça Penal Negociada. Curitiba. Juruá. 2016. p. 66. 49 Ibidem

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Ainda que não seja um mundo ideal, há benefícios a todos os envolvidos, seja pela ótica do acusado (menor tempo de prisão processual, diminuição dos riscos existentes em um julgamento integral e possibilidade de reinserção social mais rápida), seja pela ótica da sociedade (preservação de recursos e manutenção em prisão daqueles que necessitam cumprir suas penas).

Por fim, faz-se necessário destacar que no plea bargain model existem exigências para a sua efetivação, assim como para a efetivação do nolo contendere, previstas no texto da Federal Rules os Criminals Procedures, Rule 11. Dentre os requisitos, destacam-se: a) o acusado deverá saber que tem o direito de ser representado por um defensor (público ou particular); b) deverá ser informado e questionado sobre o direito de não alegar culpa - ou de manter a culpa caso esta já tenha sido declarada; c) da possibilidade de não exercer tais direitos caso aceite a plea bargaining ou o nolo contendere; d) de não se autoincriminar; e e) da quantidade e do tipo da pena que será aplicada.

Continuadamente o acusado deverá também ser certificado da adesão do acordo de forma voluntária, inteligente e consciente, que tal acordo não foi lavrado sob qualquer forma de imposição, ameaça ou promessa além das estabelecidas nos termos da negociação, em qualquer de suas formas.50

Além do discorrido, a Suprema Corte americana veio a reconhecer a essencialidade dos acordos da sentença para o sistema americano, atribuindo a estes a aplicação dos princípios contratuais, haja vista que é dever do promotor honrar com os termos firmados no acordo, bem como os elementos de compreensão, - consciência da natureza da acusação e de suas consequências - bem como os elementos de voluntariedade, - ausência de ameaça ou qualquer deturpação - o que deve ser aferido pelo juízo.51

1.3 Estrutura Normativa - Lei 12.850/2013

Após as análises históricas e comparativas dos modelos italiano e americano, que teve por objetivo introduzir as diferentes perspectivas acerca do tema, o próximo tópico pretende aprofundar o tema para explicar mais detalhadamente acerca da justiça penal negocial brasileira, na qual o instituto da colaboração premiada é regulamentado pela atual Lei 12.850/2013. Desse modo, procura-se saber os limites impostos por essa lei - através de uma

50 BRANDALISE, Rodrigo da Silva. Justiça Penal Negociada. Curitiba: Juruá, 2016, p. 71.

51 SIGMAN, Shayna M. An analysis of rule 11 plea bargaining options. The University of Chicago Law

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análise técnica - e entender no decorrer desta monografia como a justiça pátria vêm executando o instituto estudado.

Em 2 de agosto de 2013, foi promulgada a Lei que regulamenta o instituto da colaboração premiada no Brasil, nela objeta-se a definição do conceito de organização criminosa, “dispõe-se sobre a investigação criminal, os meios de obtenção de prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal”,52 além disso, por meio desta também se alterou o

Código Penal revogando a - já citada anteriormente - Lei 9.034/1995.

Em seu primeiro artigo do texto legal no parágrafo primeiro é apresentado o conceito de organização criminosa, indicando também no parágrafo seguinte, as figuras equiparadas em que a lei também se aplica:

§ 1º Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional.

§ 2º Esta Lei se aplica também:

I - às infrações penais previstas em tratado ou convenção internacional quando, iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente;

II - às organizações terroristas, entendidas como aquelas voltadas para a prática dos atos de terrorismo legalmente definidos. (Redação dada pela lei nº 13.260, de 2016).53

O artigo 2º traz especificamente o crime de promoção, constituição, financiamento ou integração de organização criminosa, “§1º - para aquele que impedir ou embaraçar investigação de crime relacionado àquela”, a circunstância agravante para aquele que “exerce o comando” da organização (§3º) e as causas de aumento de pena “§2º uso de arma de fogo; §4º, I - participação de criança ou adolescente; §4º, II - concurso de funcionário público; §4º, III -

52 ARAS, Vladimir. A investigação criminal na nova lei de lavagem de dinheiro. Boletim IBCCRIM, São Paulo,

ano 20, nº 237, agosto/2012, p. 6.

53 BRASIL. Lei 12.850, de 2 de agosto de 2013. Define organização criminosa e dispõe sobre a investigação

criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal; altera o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal); revoga a Decreto-Lei nº 9.034, de 3 de maio de 1995; e dá outras providências. Diário Oficial da União. Brasília, DF. 2 de agosto de 2013. Art. 1: “§ 1º Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer

natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional. § 2º Esta Lei se aplica também: I - às infrações penais previstas em tratado ou convenção internacional quando, iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente; II - às organizações terroristas, entendidas como aquelas voltadas para a prática dos atos de terrorismo legalmente definidos. (Redação dada pela lei nº 13.260, de 2016)”. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12850.htm> Acessado em: 20 de junho de 2019.

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destino estrangeiro dos produtos dos crimes; §4º, IV – conexão com outras organizações criminosas; §4º, V – transnacionalidade da organização”. Nos parágrafos §§5º e 6º do artigo 2º são previstas consequências cautelares (afastamento do cargo), e penais (perda do cargo, função, emprego ou mandato eletivo e interdição por oito anos) para funcionários públicos. No §7º, é prevista a instauração de inquérito policial em caso de “indícios de participação de policial nos crimes de que trata esta lei54.

Já o Capítulo II do diploma legal trata da investigação e dos meios de obtenção da prova. O artigo 3º lista os 8 (oito) meios tratados na lei, sendo eles: I – a colaboração premiada; II – a captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos; III – a ação controlada; IV – o acesso a registros telefônicos e telemáticos, bem como a dados cadastrais em bancos de dados e informações eleitorais ou comerciais; V – interceptação telefônica; VI – quebra de sigilos financeiro, bancário e fiscal (os dois últimos com a indicação: “nos termos da legislação específica”); VII – infiltração de policiais na investigação; e VIII – cooperação entre instituições e órgãos públicos de todas as esferas para a obtenção de provas e informações para a instrução criminal.55

A colaboração premiada propriamente dita passa a ser tratada no artigo 4º. Os demais meios de obtenção de prova introduzidos pela Lei nº 12.850/2013 são abordados nos arts. 8 a 17 e não farão parte do presente estudo.

O caput e os 5 (cinco) incisos da letra legal em análise tratarão das regras gerais de resultados e benefícios esperados com a colaboração premiada, que antes era semelhante aos artigos 13 e 14 da antiga Lei 9.807/1999:

Art. 4º O juiz poderá, a requerimento das partes, conceder o perdão judicial, reduzir em até 2/3 (dois terços) a pena privativa de liberdade ou substituí-la por restritiva de direitos daquele que tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e com o processo criminal, desde que dessa colaboração advenha um ou mais dos seguintes resultados:

I - a identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa e das infrações penais por eles praticadas;

II - a revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas da organização criminosa;

III - a prevenção de infrações penais decorrentes das atividades da organização criminosa;

IV - a recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infrações penais praticadas pela organização criminosa;

54 BRASIL. Lei 12.850, de 2 de agosto de 2013. Define organização criminosa e dispõe sobre a investigação

criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal; altera o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal); revoga a Decreto-Lei nº 9.034, de 3 de maio de 1995; e dá outras providências. Diário Oficial da União. Brasília, DF. 2 de agosto de 2013.

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V - a localização de eventual vítima com a sua integridade física preservada.56 Algumas diferenças das legislações anteriores merecem destaque, como: a) a lei mais recente não prevê a possibilidade de o juiz conceder os benefícios de ofício; b) há previsão de substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos (nos moldes do

que previu, inicialmente, a Lei nº 9.613/98); c) não há limite mínimo de redução de pena (ao contrário do terço de todas as leis que trouxeram o benefício anteriormente); d) 2 (dois) novos resultados permitem a concessão de benefícios (a revelação da estrutura hierárquica e divisão de tarefas da organização e a prevenção de novos crimes).

Já o parágrafo 1º do artigo 4º prevê que a concessão dos benefícios (ao contrário do parágrafo único do artigo 13 da Lei nº 9.807/99, que falava apenas do perdão judicial) “levará em conta a personalidade do colaborador, a natureza, as circunstâncias, a gravidade e a repercussão social do fato criminoso e a eficácia da colaboração”.57

De modo contínuo, o parágrafo 2º, diz que, “a qualquer tempo”,58 poderão o Ministério

Público e o delegado de polícia (com manifestação do parquet) pleitearem a concessão do perdão judicial ao colaborador, “ainda que esse benefício não tenha sido previsto na proposta inicial”.59 Notam-se, a partir desse dispositivo, duas inovações legais: a) em primeiro lugar, a

concessão do benefício máximo poderá ser pleiteada em qualquer momento (embora a Lei nº 9.807/99 não proibisse tal prática, não havia a previsão expressa); b) em segundo, há a primeira menção a uma forma de contrato entre as partes com a indicação de “proposta inicial”.

Ainda no artigo 4º, os §§3º e 4º estabelecem dois benefícios processuais ao colaborador, sendo eles: a suspensão, até o cumprimento das medidas da colaboração, do prazo para o oferecimento da denúncia ou do processo, por 6 (seis) meses, prorrogáveis pelo

mesmo período, com a respectiva suspensão do prazo prescricional, e a figura da imunidade processual, consistente no não oferecimento de denúncia ao colaborador que “I – não for o líder da organização criminosa; II – for o primeiro a prestar efetiva colaboração nos termos deste artigo”.60

A Lei 12.850/2013 também trouxe outra inovação premial, é a previsão – e aparente limitação, como será visto no tópico referente ao sistema de benefícios – do §5º, que estabelece a possibilidade de redução de pena já fixada, até a metade, ou a progressão de regime, “ainda 56 BRASIL. Lei nº 12.850..., 2013. 57 Ibidem. 58 Ibidem. 59 Ibidem. 60 Ibidem.

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que ausentes os requisitos objetivos”61 do CP.

Ao seguir para o §6º a letra legal passa a referir-se expressamente sobre o acordo de colaboração premiada. Ele estabelece que o juiz “não participará das negociações realizadas entre as partes”62, limitando-se essas ao delegado de polícia (com parecer do Ministério

Público), o investigado e o defensor, ou ao Ministério Público com o acusado e seu advogado. Pela redação legal, há uma diferenciação entre a parte “pública” do acordo a partir do momento em que será negociado: se durante a investigação, caberia à polícia; se durante o

processo, ao Ministério Público.

Consecutivamente, no §7º, trata-se da fase de homologação do acordo, com a indicação de que, “realizado o acordo na forma do §6º”.63 Será o termo, acompanhado das declarações e

de cópia da investigação, encaminhado ao juiz para a homologação. Nesse momento, estabelece o dispositivo, o magistrado competente deverá atestar a “regularidade, legalidade e voluntariedade”64 do acordo, cabendo-lhe ouvir o colaborador em conjunto com seu defensor

“para este fim”.65 A disciplina da homologação também será tratada em tópico próprio, tendo

em vista que as interpretações possíveis ao âmbito de análise do julgador podem trazer repercussões ao devido processo legal - por exemplo: se a análise de legalidade se estende ao conteúdo do acordo, ter-se-á o contato do magistrado com a potencial prova apresentada pelo colaborador antes da fase da instrução, o que poderia afetar sua imparcialidade.

O §8º do artigo 4º dispõe a respeito da possibilidade de recusa de homologação à proposta que não atender aos requisitos legais e de adequação, pelo juiz, ao caso concreto. Já o §9º fala da possibilidade de o colaborador ser ouvido, acompanhado de seu advogado, pelo Ministério Público ou pela autoridade policial após a homologação do acordo, enquanto que os §§12 e 13 referem-se à possibilidade de sua oitiva, seja beneficiado ou não pelo perdão judicial, perante o juízo, “a requerimento das partes ou por iniciativa da autoridade policial”,66 o que

será registrado, “sempre que possível”67, por meios ou recursos de gravação para maior

fidelidade. Outrossim, o §15 prevê, em uma quase redundância, que o colaborador deverá estar assistido de seu defensor em absolutamente todos os atos de “negociação, confirmação e

61 BRASIL. Lei nº 12.850..., 2013. 62 Ibidem. 63 Ibidem. 64 Ibidem. 65 Ibidem. 66 Ibidem. 67 Ibidem.

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execução da colaboração”.68

Refere-se no §10 a prerrogativa das partes de se retratarem da proposta selada no acordo, situação esta em que “as provas auto incriminatórias produzidas pelo colaborador não poderão ser utilizadas exclusivamente em seu desfavor”.69 Referente a tema semelhante, no §16, há a

previsão de que “nenhuma sentença condenatória será proferida com fundamento apenas nas declarações do agente colaborador”70 - sob o enfoque da presunção de inocência - tendo o

referido dispositivo considerável importância em razão da expressão “exclusivamente”. Afinal, se ninguém pode ser condenado exclusivamente nas palavras do colaborador, qual seria a importância – ou garantia – do disposto no §10?

Seguindo para o §11, o texto legal prevê que a sentença apreciará os termos do acordo de colaboração previamente homologado e sua eficácia.

Prosseguindo a análise - seguiremos sem observar a ordem numérica - quanto ao artigo 4º, o §14 prevê a renúncia ao direito ao silêncio nos depoimentos que prestar, o que deverá sempre ser feito junto ao seu defensor, estabelecendo-se o “compromisso legal de dizer a verdade”.71 Nesse sentido, a lei prevê, em seu artigo 19, uma figura específica do crime de falso

testemunho para o colaborador que “imputar falsamente, sob pretexto de colaboração com a Justiça”72, a prática de crime por pessoa que sabe ser inocente ou revelar informações falsas

sobre a estrutura da organização criminosa.

Outrossim, o artigo 5º da letra legal em tela prevê os direitos do colaborador, destacando-se o inciso VI, que preceitua a prerrogativa de “cumprir pena em estabelecimento penal diverso dos demais corréus ou condenados”,73 enquanto que o artigo 6º trata das

formalidades do termo de acordo da colaboração premiada.

Para concluir a análise técnica da Lei 12.850/2013, o art. 7º trata do procedimento de distribuição do pedido de homologação do acordo (que é sigiloso), do prazo para a decisão do juiz competente (quarenta e oito horas), da limitação de acesso dos autos (juiz, autoridade policial e Ministério Público) e da revogação do sigilo (quando do recebimento da denúncia).

68 BRASIL. Lei nº 12.850..., 2013. 69 Ibidem. 70 Ibidem. 71 Ibidem. 72 Ibidem. 73 Ibidem.

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2 MERCADO JUDICIAL

Feita a análise técnica e premissas do instituto da colaboração premiada, entendendo sua evolução histórica, aplicações no exterior e seu diploma legal, partimos para sua análise prática, buscando trazer um comparativo do direito premial através do viés econômico.

O professor Matheus Felipe de Castro em brilhante conclusão define como:

Um deslocamento da aplicação da pena do livre convencimento do juiz natural da causa para a negociação prévia efetivada pelo Ministério Público ou pela polícia judiciária. [...] Esse pensamento é válido não somente para o ambiente clássico da economia de mercado, mas também para a própria definição das formas de reprodução das instituições que, a princípio, não aparentariam estar submetidas às leis do de mercado. O fato é que operando com dinheiro, mercadorias ou combinações, a forma-mercadoria domina as relações, criando ambientes onde o que menos importa é o produto distribuído.74

Embora muito enxuta, a Lei 12.850/13 têm aparentemente aberto espaço para exercícios um tanto quanto comerciais, por meio de negociações que extrapolam a legalidade. Quanto custa o “jeitinho brasileiro” de negociar o Processo Penal ao nosso ordenamento jurídico?

2.1 Delações: O novo “Bitcoin” do Direito Premial

Não é de hoje que as organizações criminosas vêm se fortalecendo e ocupando cada vez mais espaços na sociedade ao redor do mundo. Como analisado anteriormente, com a evolução de máfias e da criminalidade organizada - onde delinquentes se unem em prol de um objetivo em comum - tornou-se cada vez mais difícil investigar e identificar os membros desses grupos transgressores.

Dada situação, fez com que a estratégia investigativa do Estado - por meio do direito punitivo – evoluísse, objetivando “fazer um acordo com um criminoso menor para chegar a um maior ou com um grande criminoso para, como um efeito dominó, derrubar uma organização criminosa”.75

A estratégia citada acima, pode ser entendida através da “teoria econômica do crime”, desenvolvida por Gary Becker, ganhador do Prêmio Nobel em Economia do ano de 1992,

74 CASTRO, Matheus Felipe de. Abrenuntio Stanae! A colaboração premiada na Lei nº 12.850/2013: um novo

paradigma de sistema penal contratual? Revista de Estudos Criminais, Porto Alegre, v. 17, n. 69, p. 201. 2018.

75 MORO, Sérgio. Prefácio. In: ANSELMO, Márcio Adriano. Colaboração Premiada: o novo paradigma do

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brevemente conceituado por Shaefer e Shikida76 como:

O indivíduo que comete um crime de cunho econômico pode ser considerado uma espécie de “empresário”, e como um empresário de qualquer ramo de atividade econômica, seu objetivo primordial vem a ser o lucro obtenível em cada empreitada. Porém, em tal “mercado” (criminoso), existe um grande risco deste indivíduo vir a sofrer algum tipo de sanção (multa, prisão, ou talvez até mesmo a morte). Além disso, para alguns estudiosos, tais atividades convivem em muitos casos de forma implícita com o princípio hedonista.

Partindo desse pressuposto, entende-se que toda ação humana é motivada por estímulos: benefícios, incentivos, riscos e dissuasões. Onde se a primeira força (ganho potencial) for maior que a segunda (custo potencial), um crime será cometido.

Segundo Schaefer, Gary Becker ampliou a análise microeconômica para um vasto campo de interações do comportamento humano, incluindo comportamentos não relacionados ao mercado, dentre eles a decisão de praticar um crime.

A tese acima citada, fundamenta-se em um raciocínio econômico aplicado à teoria do crime, com base na escolha racional. Trazendo a crença de que “a maioria das pessoas cometeria um ilícito, apenas se a utilidade esperada percebida pelo agente excedesse a utilidade esperada do emprego de seu tempo e recursos em outras atividades, como um trabalho tradicional”.77

No sistema elaborado por Becker, o sujeito opta por praticar um delito quando, racionalmente calcula o benefício esperado com o crime e este é superior ao custo esperado que ele terá; podendo o benefício não se limitar apenas ao valor monetizado, mas também à satisfação de obter determinado bem; e o custo por sua vez não incluindo apenas a perda dos valores eventualmente ganhos, mas também as penas a que este estará sujeito, sejam elas de prisão ou monetárias, multiplicados pela probabilidade da punição.

Embora o modelo econômico de escolha racional possa ser bastante útil, principalmente se pensarmos na formulação de políticas públicas para a área criminal - em específico o instituto da colaboração premiada -; e mesmo que o sistema de incentivos positivos aos criminosos para que cooperem com a acusação, relatando fatos e autoria de crimes em troca de benefícios, tenha sido adotado por vários Estados que travam guerra contra as organizações criminosas, ainda existe muito debate em relação a isso.

76 SCHAEFER, Gilberto; SHIKIDA, Peri A.F. Economia do crime: elementos teóricos e evidências empíricas.

Revista de Análise Econômica/UFRGS, edição 36, ano 19, setembro/2001.

77 ALENCAR, Carlos Higino Ribeiro de, GICO JR, Ivo: Corrupção e Judiciário: a (in)eficácia do sistema

judicial no combate à corrupção. In: BOTTINO, Thiago; MALAN, Diogo (org.). Direito Penal e Economia. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012, p. 61.

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Na definição de Matheus Felipe de Castro, tem-se:

A lei que rege a equivalência desses bens ou produtos que se colocam dentro do comércio das colaborações premiadas não pode ser outra senão a lei do valor de troca. Todo bem possui um valor de uso e um valor de troca. O valor de uso é a utilidade de um bem para uma pessoa (para o Ministério Público, o valor de uso é a constituição de uma prova ou o fornecimento de indícios que que permitam chegar à novas provas; já para o colaborador, o valor de uso é o benefício legal conquistado). Estabelecido o comércio entre valores de uso, é natural que, na sociedade de mercado, o valor de troca se autonomize em relação ao primeiro, assumindo a natureza de uma especulação condicionada pelo interesse ou necessidade sobre um bem ou produto e regido pela lei da oferta e da procura.78

Quando o acusado escolhe - de forma consciente e voluntária - pela colaboração premiada, este pressupõe um cálculo de custo-benefício, evidenciando o caráter utilitário da medida, onde ele avaliará o benefício esperado (as vantagens que receberá em troca de sua cooperação) e o custo esperado (que seriam os riscos em optar por não cooperar, ou, os efeitos caso o acordo seja descumprido).

Referente ao custo esperado, caso o acusado resolva cooperar, estará: a) na perda de seu direito de não se autoincriminar,79 fornecendo meios para que seja realizada uma investigação

e, às vezes, provas, as quais permitirão à parte acusatória provar a materialidade do crime e sua autoria em juízo; e, b) na falta de certeza de que sua cooperação seja homologada no acordo apresentado ao juízo competente, que pode decidir posteriormente desprezando ou minimizando os efeitos do acordo firmado na colaboração.

É notório que os benefícios excedem em muito os custos. É por conta disso que a colaboração premiada exige um nível de cooperação maior do acusado, como a identificação de outros membros da organização criminosa bem como a indicação dos meios que levarão às provas da prática do crime por essas outras pessoas, e ainda, a revelação de outros crimes praticados pela organização que ainda não sejam de conhecimento da acusação.

Em meio a esse cenário, existe um grande risco na prática negocial, uma vez que, ao lhe ser oferecido determinado benefício em troca de informações, o acusado, com o intuito de

78 CASTRO, Matheus Felipe de. Abrenuntio Stanae! A colaboração premiada na Lei nº 12.850/2013: um novo

paradigma de sistema penal contratual? Revista de Estudos Criminais, Porto Alegre, v. 17, n. 69, p. 202. 2018.

79 BRASIL.Lei 12.850, de 2 de agosto de 2013. Define organização criminosa e dispõe sobre a investigação

criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal; altera o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal); revoga a Decreto-Lei nº 9.034, de 3 de maio de 1995; e dá outras providências. Diário Oficial da União. Brasília, DF. 2 de agosto de 2013: “Art. 4.º, § 14. Nos depoimentos que prestar, o colaborador renunciará, na presença de seu defensor, ao direito ao silêncio e estará sujeito ao

Referências

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