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A proteção jurídica dos consumidores hipervulneráveis no Brasil no que se refere à publicidade e ao superendividamento

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE DE CAXIAS DO SUL

CAMPUS UNIVERSITÁRIO DA REGIÃO DOS VINHEDOS ÁREA DO CONHECIMENTO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS

BRUNA ROSITO DA SILVA

A PROTEÇÃO JURÍDICA DOS CONSUMIDORES HIPERVULNERÁVEIS NO BRASIL NO QUE SE REFERE À PUBLICIDADE E AO SUPERENDIVIDAMENTO

BENTO GONÇALVES 2019

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BRUNA ROSITO DA SILVA

A PROTEÇÃO JURÍDICA DOS CONSUMIDORES HIPERVULNERÁVEIS NO BRASIL NO QUE SE REFERE À PUBLICIDADE E AO SUPERENDIVIDAMENTO

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à banca examinadora do Curso de Direito, no Campus Universitário da Região dos Vinhedos, da Universidade de Caxias do Sul, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Direito, na área de Direito do Consumidor.

Orientadora: Prof.ª Ms. Jussara de Oliveira

Machado Polesel

BENTO GONÇALVES 2019

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Dedico esse trabalho à minha filha Giovana, que me mostra, todos os dias, a beleza da vida através dos olhos de uma criança. Ainda, dedico aos meus avós, pessoas que tanto amo, que são exemplo de honestidade e de carinho imensurável.

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AGRADECIMENTOS

A todos os mestres que me instruíram durante a formação, saudando principalmente a Prof.ª Ms. Jussara de Oliveira Machado Polesel, que me orientou de forma admirável neste trabalho, mostrando-se atenta a todas as minhas ideias.

A minha irmã Amanda e minha mãe Marisol, que através de carinhos diários e constante incentivo demonstraram confiança em mim, tendo certeza das minhas conquistas antes mesmo de eu realizá-las.

Ao meu pai Gérson, homem justo e de caráter ímpar, por ser meu exemplo, me inspirando todos os dias a seguir seus passos, como profissional e como ser humano.

Aos meus amigos, pessoas que escolhi para compartilhar todos os momentos, enfatizando os queridos colegas Paula e Vinícius, que foram fundamentais para a realização deste trabalho.

Por fim, a Deus, pelas oportunidades que tive e por me presentear com uma linda razão para viver, minha filha Giovana.

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“Cada coisa tem o seu valor; ser humano, porém tem dignidade”.

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RESUMO

O consumidor é considerado pelo Direito como o vulnerável na relação de consumo, contudo, existem consumidores que já são percebidos, pela jurisprudência e pela doutrina, como hipervulneráveis, isto é, indivíduos ainda mais fragilizados. Dentre eles estão as crianças e os idosos, sujeitos de tenra idade e de idade avançada que apresentam estado psicológico distinto ao do homem médio. A publicidade enganosa e o superendividamento podem atingir o consumidor de forma extremamente nociva, de modo a acarretar-lhe prejuízos financeiros e psicológicos, e o fornecedor, pensando apenas em beneficio próprio, vale-se justamente da vulnerabilidade agravada desses consumidores, despreocupando-se com as consequências futuras. Assim, devido ao hiperconsumo moderno, técnicas de

marketing, maior alcance publicitário, facilitação na outorga de crédito e outras

práticas presentes no âmbito consumerista atual, percebe-se a necessidade de manifestação por parte do Direito, a fim de que a proteção a esses consumidores hipervulneráveis seja de fato assegurada. Dessa forma, este trabalho tem por objetivo tratar sobre a proteção existente no ordenamento jurídico brasileiro sobre os hipervulneráveis no que se refere à publicidade destinada a esse público e ao superendividamento, analisando propostas de otimização a essa proteção, seja através de regulamentação de legislação específica, seja através da implementação de educação consumerista e financeira, por exemplo.

Palavras-chave: Direito do consumidor. Consumidores hipervulneráveis. Publicidade. Superendividamento. Proteção Jurídica.

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ABSTRACT

The consumer is considered by the Law as the vulnerable in the relationship of consumption, however, there are consumers who are already perceived by jurisprudence and doctrine as hypervulnerable, that is, even more fragile individuals. Among them are the children and the elderly, subjects of young age and of advanced age who present psychological state different from the average man. Misleading advertising and over-indebtedness can reach the consumer in a highly harmful way, leading to financial and psychological harm, and the supplier, thinking only for his own benefit, is justified by the aggravated vulnerability of these consumers, unconcerned with the consequences. Thus, due to modern hyperconsumption, marketing techniques, greater publicity reach, facilitation in the granting of credit and other practices present in the current consumerist scope, it is perceived the need for manifestation by the Law, in order that the protection to these consumers hypervulnerables is indeed assured. Thus, this work has as objective to deal with the protection existing in the Brazilian legal system on the hypervulnerables with regard to the advertising destined to this public and the super indebtedness, analyzing proposals of optimization to this protection, either through regulation of specific legislation, through the implementation of consumerist and financial education, for example.

Keywords: Consumer Law. Hypervulnerable consumers. Publicity. Super

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 9 2 O DIREITO DO CONSUMIDOR NO BRASIL ... 12

2.1 A RELAÇÃO DE CONSUMO E A (HIPER)VULNERABILIDADE DO CONSUMIDOR NO BRASIL ... 13 2.2 A INFLUÊNCIA DA PUBLICIDADE E DO SUPERENDIVIDAMENTO NAS RELAÇÕES DE CONSUMO DOS HIPERVULNERÁVEIS... 27

3 A PROTEÇÃO JURÍDICA DOS CONSUMIDORES HIPERVULNERÁVEIS NO BRASIL ... 43

3.1 A PROTEÇÃO LEGAL DO CONSUMIDOR HIPERVULNERÁVEL NO QUE SE REFERE À PUBLICIDADE E AO SUPERENDIVIDAMENTO ... 43 3.2 A APLICABILIDADE DOS PRINCÍPIOS DO DIREITO NOS CASOS CONCRETOS E ALTERNATIVAS PARA AMPLIAR A PROTEÇÃO JURÍDICA DOS CONSUMIDORES HIPERVULNERÁVEIS NO BRASIL ... 60

4 CONCLUSÃO ... 76 REFERÊNCIAS ... 79

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1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho pretende analisar a proteção aos consumidores hipervulneráveis existente no ordenamento jurídico brasileiro, mais especificamente no que se refere à publicidade e superendividamento. Para tanto, examina-se como ocorre, ante a inexistência de previsão legal específica, a proteção jurídica nas relações de consumo que envolve esse grupo de consumidores mais fragilizados. Ademais, é válido expor que a escolha do tema ocorreu em virtude de sua originalidade, uma vez que se trata de assunto relativamente novo no âmbito consumerista e, conforme mencionado, não legislado.

Levando em conta a vulnerabilidade agravada de certo grupo de indivíduos perante as relações de consumo, o objetivo geral do trabalho é, além de analisar a proteção desses consumidores no ordenamento jurídico, perceber como a hipervulnerabilidade destes consumidores pode ser utilizada pelo fornecedor para induzi-los, de forma desleal, ao consumo, destacando-se que, muitas vezes, o fornecedor visa apenas à obtenção de lucros, não se preocupando com a dignidade do indivíduo.

Logo, o trabalho pretende demonstrar como o marketing tem forte influência sobre a decisão de compra dos consumidores em geral, dando enfoque, principalmente, aos efeitos da publicidade voltada aos hipervulneráveis. Busca tratar também acerca do superendividamento, fenômeno que atinge muitos consumidores mais vulneráveis à relação de consumo e está fortemente relacionado à publicidade e aos contratos que envolvem outorga de crédito.

O trabalho trará essa exposição através da doutrina e da jurisprudência, com certo amparo legal, sem pretensão de esgotar o tema, mas a fim de unir material suficiente para demonstrar como esse grupo de consumidores merece proteção jurídica especial, seja pela fragilidade psicológica, mental ou física.

Pode-se dizer quanto ao direito consumerista no Brasil, que ele surgiu ante a falta de legislação que compreendesse e regulamentasse as relações de consumo modernas, que se modificaram (e se modificam) ao longo dos anos, exigindo do Direito um posicionamento adequado com a realidade do mercado. Isto posto, o direito do consumidor teve sua regulamentação iniciada na Constituição Federal de 1988, que, através do artigo 5º, inciso XXXII, expressou a defesa do consumidor como direito fundamental, obrigando o Estado a promovê-la na forma da lei.

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Perante a necessidade percebida pelo Estado de regulamentar e proteger o mais frágil da relação de consumo, é que este trabalho tem por finalidade examinar como ocorre a proteção do consumidor ainda mais fragilizado, isto é, o consumidor que, como supracitado, a doutrina denomina hipervulnerável. Sendo assim, há necessidade de mencionar que essa vulnerabilidade agravada é multifacetada, ou seja, pode apresentar-se através de diversas características do indivíduo, devendo ser reconhecida pelo julgador no caso concreto, motivo pelo qual apresentar-se-á exemplos de hipervulnerabilidade.

Outrossim, o trabalho tem por objetivos específicos tratar dos conceitos de consumidor “comum” e consumidor hipervulnerável, entender como a mídia e a publicidade exercem influência à composição atual de sociedade consumista, relacionar a publicidade, o superendividamento e a hipervulnerabilidade do consumidor, expor os impactos que a concessão de crédito e a publicidade enganosa e abusiva têm sob esses indivíduos e, por fim, analisar a legislação existente que dispõe acerca da publicidade destinada à esse grupo, bem como ao superendividamento, apresentando alternativas que acredita-se serem capazes de otimizar a proteção jurídica dos consumidores hipervulneráveis no país.

Ante o exposto, crê-se na relevância desta pesquisa, uma vez que, atualmente, a facilidade de acesso a produtos e serviços através dos meios midiáticos, tal como do crédito pelas instituições financeiras, pode tornar-se problemático ao consumidor, a curto e a longo prazo, acarretando-lhe prejuízo ao bem estar psicológico e econômico.

No que se refere à metodologia, o trabalho realizar-se-á por meio de pesquisa bibliográfica, jurisprudencial, doutrinária, bem como pelo exame da legislação existente acerca dos temas discutidos.

Deste modo, no primeiro capítulo do desenvolvimento desse trabalho serão abordados alguns conceitos que embasam o direito consumerista no país, buscando facilitar o entendimento quanto a quem se refere o legislador quando menciona o consumidor, destinatário de proteção jurídica. Além de explanar brevemente a respeito do consumidor comum, pretende-se expor e exemplificar quem são considerados hipervulneráveis pela doutrina e pela jurisprudência. Ainda, nesse capítulo, busca-se relacionar a publicidade e o superendividamento com a hipervulnerabilidade do consumidor.

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No segundo capítulo do desenvolvimento deste trabalho, pretende-se expor a proteção jurídica vigente no que concerne aos consumidores hipervulneráveis e à publicidade, bem como ao superendividamento. Logo, além de trazer alguns dispositivos legais, trata-se, através de análise jurisprudencial, de examinar casos concretos que contribuam para visualizar, de forma mais clara, como ocorre essa proteção jurídica na prática, em primeiro grau e a nível recursal.

Por fim, o trabalho pretende analisar algumas alternativas relevantes que poderiam possibilitar proteção mais adequada e específica a esse grupo de consumidores que merece cuidado singular aos olhos do Direito.

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2 O DIREITO DO CONSUMIDOR NO BRASIL

Este capítulo busca demonstrar a vulnerabilidade do consumidor em relação ao fornecedor nas relações de consumo. Ademais, pretende evidenciar, através de jurisprudência, doutrina e legislação, que essa vulnerabilidade inerente ao consumidor poder ser agravada em função de características físicas, mentais, psicológicas, tornando, assim, o consumidor comum em consumidor hipervulnerável. Em observância à doutrina e à jurisprudência, uma vez que não existe no ordenamento jurídico dispositivo que tutele especificamente sobre esse grupo de consumidores, definem-se por hipervulneráveis os consumidores que possuem vulnerabilidade intensificada diante das relações de consumo. Dentre eles, idosos, crianças, analfabetos, doentes, qualquer indivíduo que possua a vulnerabilidade intrínseca ao consumidor, somada com a fragilidade específica que o atinge (SCHMITT, 2014, p. 217).

Assim, após discorrer sobre o surgimento do direito consumerista no país e explanar sobre a distinção entre consumidor vulnerável e consumidor hipervulnerável, bem como elucidar brevemente sobre hipossuficiência, o trabalho pretende analisar a influência da publicidade em relação à decisão de compra do consumidor, demonstrando que os impactos do marketing podem atingir de maneira diferenciada os consumidores que possuem fragilidade agravada.

Por fim, este capítulo trata sobre o fenômeno denominado superendividamento, que atinge a população brasileira gradativamente, posto que a compra através da modalidade de crédito está cada vez mais presente no mercado. Assim, presente-se relacionar o superendividamento à concessão de crédito, muitas vezes consignado e realizado de forma facilitada pelas instituições financeiras que, muitas vezes, através de publicidade desleal, não apresentam ao consumidor os verdadeiros detalhes do negócio jurídico, o que pode ser ainda mais prejudicial quando se trata do consumidor hipervulnerável.

Bem assim, destaca-se ainda que o capítulo traz julgados referentes aos conceitos que se propõe a apresentar, com o objetivo de elucidá-los e exemplificá-los.

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2.1 A RELAÇÃO DE CONSUMO E A (HIPER)VULNERABILIDADE DO CONSUMIDOR NO BRASIL

Podemos dizer que, no Brasil, o direito do consumidor surgiu pelo fato de não haver regulamentação vigente que atendesse às necessidades advindas das relações de consumo, como, por exemplo, o Código Civil de 1916. Assim, esse ramo do Direito passou a ter sua regulamentação iniciada através da Constituição Federal de 1988, art. 5º, XXXII, onde constou a expressa obrigação do Estado em promover, na forma da lei, a defesa do consumidor. Conforme Schmitt (2014, p. 1):

A CF/88 promoveu a proteção do consumidor de forma tão singular, elevando-a ao status de direito fundamental, registro único, até então, no ordenamento jurídico brasileiro, no que tange a defesa do consumidor. Nesse diapasão, ao legislador infraconstitucional, com o comando que lhe foi subscrito através do art. 48 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, exigindo-lhe a elaboração do CDC, esse tratou de configurar detalhe acerca da tal garantia, gerando a referida norma, cujo alcance tem sido delineado também pela atividade hermenêutica jurisprudencial.

Porém, o Conselho Nacional de Defesa do Consumidor, antes mesmo da promulgação da Constituição Federal de 1988, através do presidente à época, Dr. Flávio Flores da Cunha Bierrenbach, criou uma comissão composta por diversos juristas a fim de desenvolver e apresentar um anteprojeto de CDC. Destarte, depois de muitos encontros da comissão, o anteprojeto foi divulgado e encaminhado a diversas pessoas e entidades ligadas ao tema com o propósito de ampliar as discussões sobre o assunto (GRINOVER; BENJAMIN, 2017, p. 1).

Muito embora o anteprojeto inicial tenha sido disponibilizado ao público ainda no ano de 1988, após tramitação legislativa e várias alterações, teve sua aprovação pelo Plenário e foi sancionado pelo Presidente da República em setembro de 1990 como Lei nº 8.078/90, o então Código de Defesa do Consumidor (GRINOVER; BENJAMIN, 2017, p. 4).

Resta salientar que o Projeto do Congresso Nacional, resultante do anteprojeto apresentado, obteve 42 vetos, sendo que alguns deles, de acordo com os idealizadores do anteprojeto, eram esperados e até plausíveis, uma vez que tratavam de assuntos polêmicos como é o caso, por exemplo, do dispositivo que regulava a retirada de produtos nocivos do mercado, mesmo quando utilizados adequadamente. Contudo, outros vetos foram considerados pela comissão como “grandes perdas” para a tutela em questão, como é o caso dos que suprimiram

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todas as multas civis desenvolvidas com o propósito de complementar as sanções penais brandas presentes no Código. Houve ainda, de acordo com os idealizadores do projeto, tratarem-se da maioria dos vetos, aqueles que acabaram tornando-se irrelevantes, pois restaram disciplinados em outros dispositivos do CDC, como ocorreu com a publicidade enganosa, por exemplo (GRINOVER; BENJAMIN, 2017, p. 4).

Pode-se dizer que a proteção do consumidor é um dos temas mais atuais do direito no mundo inteiro. No século XX, com o objetivo de superar as dificuldades e promover benefícios a todos, surgiu a nova sociedade de consumo, caracterizada pelo número crescente de produtos e serviços, pelo domínio do crédito e do

marketing e pela dificuldade de acesso à justiça. Assim, marca-se o início do

desenvolvimento do direito do consumidor como disciplina jurídica independente (GRINOVER; BENJAMIN, 2017, p. 4).

Percebe-se que a necessidade de criar uma tutela específica ocorreu pela constatação de inferioridade do consumidor em face do fornecedor, ou seja, para proporcionar um possível equilíbrio entre as partes (ALMEIDA, 2009, p. 24).

Conforme ensinam Grinover e Benjamin (2017, p. 4), o direito teve de intervir, posto que a sociedade de consumo, ao invés de melhorar a posição do consumidor na relação, tornou-a ainda mais prejudicada, deixando-o mais vulnerável:

Se antes fornecedor e consumidor encontravam-se em uma situação de relativo equilíbrio de poder de barganha (até porque se conheciam), agora é o fornecedor (fabricante, produtor, construtor, importador ou comerciante) que, inegavelmente, assume a posição de força na relação de consumo e que, por isso mesmo, “dita as regras”.

De acordo com Marques (2012, p. 407), o direito consumerista, bem como o Código que o regula, tem o intuito de promover mais segurança ao consumidor nas relações nesse âmbito, protegendo-o, dentre outros mecanismos que a lei dispõe, através de informação e instrução sobre o assunto.

Nesse sentido, percebendo o que dispõe o código e como a informação é importante para a proteção do consumidor, é proveitoso citar a explanação de Nunes (2012, p. 170) quanto à diferença informacional que possuem consumidor e fornecedor, observe-se:

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O reconhecimento da fragilidade do consumidor no mercado está ligado à sua hipossuficiência técnica: ele não participa do ciclo de produção e, na medida em que não participa, não tem acesso aos meios de produção, não tendo como controlar aquilo que compra de produtos e serviços; não tem como fazê-lo e, na medida em que não tem como fazê-lo, precisa proteção (NUNES, 2012, p. 170).

Grinover e Benjamin (2017, p. 4) ensinam também:

É com os olhos postos nessa vulnerabilidade do consumidor que se funda a nova disciplina jurídica. [...] Toda e qualquer legislação de proteção ao consumidor tem, portanto, a mesma ratio, vale dizer, reequilibrar a relação de consumo, seja reforçando, quando possível, a posição do consumidor, seja proibindo ou limitando certas práticas de mercado.

Deste modo, eis que a Lei nº 8.078 (CDC) entrou em vigor em 11 de março de 1991, devidamente regulamentando e definindo as relações de consumo. Sobre consumidor, fornecedor e vulnerabilidade expressou-se da seguinte maneira:

Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.

Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo. Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios:

I - reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo;

[...]

Vale traçar, brevemente, a definição de consumidor perante a doutrina para que seja possível ilustrar de forma mais clara a quem se refere o presente trabalho, entretanto, há de se mencionar que existem diversas definições doutrinárias acerca desse conceito (ALMEIDA, 2009, p. 39).

Assim, justamente para não estender demasiadamente a discussão doutrinária, que não é objetivo desse trabalho, traz-se a definição de consumidor dada por Marques (2011, p. 302), jurista de grande visibilidade no âmbito consumerista no Brasil:

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Consumidor é o não profissional, aquele que retira da cadeia de fornecimento (produção, financiamento e distribuição) o produto e serviço em posição estruturalmente mais fraca, é o agente vulnerável do mercado de consumo, é o destinatário final fático e econômico dos produtos e serviços oferecidos pelos fornecedores na sociedade atual, chamada sociedade “de consumo” ou de massa (MARQUES, 2011, p. 302).

Ressalta-se também que, diferentemente do que ocorre com o consumidor, de acordo com Almeida (2009, p. 45), o conceito de fornecedor é pouco debatido pela doutrina, o que ocorre, segundo o autor, pela maior facilidade de defini-lo por exclusão, isto é, definindo quem não pode ser considerado fornecedor. Nessa perspectiva, Almeida (2009, p. 45) manifesta-se da seguinte maneira:

Praticamente, a definição legal esgotou todas as formas de atuação no mercado de consumo. Fornecedor é não apenas quem produz ou fabrica, industrial ou artesanalmente, em estabelecimentos industriais centralizados ou não, como também quem vende, ou seja, comercializa produtos nos milhares e milhões de pontos-de-venda espalhados por todo o território.

Ademais, ainda tratando dos artigos supracitados, percebe-se que a lei é clara no artigo 4º, inciso I, do CDC, quanto ao reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo. Nesse sentido, Benjamin, Marques e Bessa (2013, p. 98) explicam que, para a doutrina, existem, como regra geral, três tipos de vulnerabilidade do consumidor: seriam estas a vulnerabilidade técnica, que decorre da falta de conhecimento específico sobre o produto ou serviço, a jurídica, devido à falta de conhecimento do consumidor sobre esta área, e a fática, que ocorre em razão de qualquer insuficiência econômica, física, e até psicológica que o consumidor possa ter face ao fornecedor.

Os doutrinadores mencionam, ainda, que há um quarto tipo de vulnerabilidade básica ou intrínseca ao consumidor, qual seja, a vulnerabilidade informacional, que decorre da vulnerabilidade técnica, mas que deve ser tratada de forma autônoma, pois decorre da falta de informação sobre o produto ou serviço, pressupondo-se que a qualidade das informações é que deve prevalecer a fim de auxiliar o consumidor no processo decisório, e não a quantidade (BENJAMIN; MARQUES; BESSA, 2013, p. 98).

Assim, Benjamin, Marques e Bessa (2013, p. 98) expõem que, em julgados recentes no STJ, figura-se o entendimento de acordo com as quatro espécies de vulnerabilidades descritas pela doutrina, contudo, evidenciam, ainda, que existem

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outras formas de vulnerabilidade que podem ser acolhidas pelo operador do Direito no caso concreto.

Nesse sentido, a fim de exemplificar, menciona-se a vulnerabilidade neuropsicológica descrita por Moraes (2009, p. 141). Conforme apresentado, a vulnerabilidade do consumidor é multifacetada, isto é, pode manifestar-se de diferentes formas. Assim, tratando brevemente somente a divergência doutrinária quanto às espécies de vulnerabilidade, Marques (2011, p. 323) esclarece, como supracitado, que a vulnerabilidade manifestar-se distintamente, porém, em sua concepção, existirem apenas quatro tipos de vulnerabilidade: a vulnerabilidade técnica, a jurídica, a fática e a informacional (anteriormente tratadas). No entanto, Moraes (2009, p. 141) e Miragem (2013, p. 115) tratam outros diversos tipos de vulnerabilidade além destas, expondo a vulnerabilidade política ou legislativa, a neuropsicológica, a econômica e social, a ambiental e a tributária.

Nesse diapasão, com foco no que é mais relevante ao presente trabalho, ressalta-se que, de acordo com Moraes (2009, p. 173), a vulnerabilidade neuropsicológica não se confunde com a vulnerabilidade técnica. Esta é a vulnerabilidade proveniente da falta de conhecimento do consumidor sobre informações relativas ao produto ou serviço que adquire, enquanto o fornecedor as possui de maneira aprofundada e específica (MARQUES, 2013, p. 115).

A vulnerabilidade neuropsicológica, por sua vez, decorre diretamente do âmbito biológico, isto é, conforme afirma Moraes (2009, p. 173), por mais que o indivíduo tenha percepção do funcionamento dos mecanismos neuronais, está exposto a estímulos que sequer identifica como tais, enquanto o fornecedor pensou-o previamente dessa maneira. Exemplifica: “Exemplpensou-o disspensou-o é pensou-o merchandising, publicidades subliminares colocadas em novelas, filmes etc., ou quais estimulam sem que o observador perceba o efeito que isso causa no seu interior neurológico”.

Ademais, respaldando-se em tudo que foi citado e percebendo que a vulnerabilidade é qualidade intrínseca ao consumidor, resta mencionar que, logicamente, no caso concreto somente será acolhida quando ficar claro ao julgador que se trata efetivamente de relação de consumo. Observe-se:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. RESPONSABILIDADE CIVIL. CAMINHÃO. TROCA DE ÓLEO. DEFEITO NO SERVIÇO. DANO MATERIAL. DANO MORAL. O Código de Defesa do Consumidor não deve ser aplicado, considerando que a autora usa o caminhão em sua atividade comercial. Não é destinatário final, tampouco existe situação de

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vulnerabilidade. A prova dos autos indica a presença de defeito do serviço

na troca de óleo do caminhão. Existiu vazamento de óleo pela não colocação correta da tampa do bujão. Responsabilidade pelo dano material comprovada. A indenização por dano moral não deve ser acolhida, pois não houve violação da honra objetiva da autora. Apelo provido em parte. (BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação nº 70078647518. Relator Desembargador Marcelo Cezar Muller. Décima Câmara Cível. Data de publicação: 05/11/2018, grifo nosso).

Aqui, não restou comprovada a relação de consumo. Trata-se de empresa transportadora que reclama indenização por danos materiais e morais contra o posto de abastecimento que executou serviços de troca de óleo e filtros em um de seus caminhões, ao fundamento de que a má qualidade de serviços da abastecedora importaram na paralisação do veículo, ensejando despesas de guincho e conserto, além de atraso nos fretes.

O juiz de primeiro grau, da Comarca de Lajeado, reconheceu tratar-se de relação de consumo e julgou procedente os pedidos, condenando a ré ao pagamento das indenizações.

Porém, a abastecedora interpôs apelação da decisão, no qual a décima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do RS decidiu por afastar a incidência do Código de Defesa do Consumidor, não reconhecendo tratar-se de relação de consumo, pois a empresa transportadora, a par de utilizar-se do caminhão no exercício de atividade comercial, não estava em situação de vulnerabilidade quanto à abastecedora, porque o fato ocorrido dizia respeito à atividade profissional da tomadora de serviços, que assim, dispunha de conhecimentos técnicos sobre as circunstâncias.

Ademais, o julgado ainda reconheceu a falha de serviços da ré e manteve a condenação no ressarcimento dos prejuízos materiais, mas deu provimento parcial ao apelo para afastar a indenização por dano moral, pois entendeu que não houve ofensa à honra objetiva da transportadora, nem a perda de sua credibilidade.

Quanto ao conceito de destinatário final, Marques (2011, p. 343, grifo do autor) ensina que:

O destinatário final é o Endverbraucher, o consumidor final, o que retira o bem do mercado ao adquiri-lo ou simplesmente utilizá-lo (destinatário final fático), aquele que coloca um fim na cadeia de produção (destinatário final econômico), e não aquele que utiliza o bem para continuar a produzir, pois ele não é o consumidor-final, ele está transformando o bem, utilizando o bem para oferecê-lo por sua vez ao seu cliente, consumidor.

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Logo, estão protegidos pelo CDC os contratos firmados entre consumidor não profissional e fornecedor e os contratos entre consumidor profissional e fornecedor, quando o contrato em questão não tratar-se de contrato lucrativo, isto é, não relacionado diretamente com sua atividade profissional (MARQUES, 2011, p. 343).

Assim, percebe-se que, em se tratando de relação de consumo perante os moldes do CDC, a vulnerabilidade do consumidor, diferentemente da hipossuficiência, é absoluta e, portanto, independe de qualquer condição (como econômica ou grau de instrução, por exemplo) ao passo que a presença da hipossuficiência do consumidor, tratada pelo legislador no artigo 6º, inciso VIII, do mesmo código, deverá ser aferida pelo julgador no caso concreto (NETTO, 2013, p. 51). Observe-se o artigo:

Art. 6º São direitos básicos do consumidor: [...]

VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências;

[...].

Consoante, explicam Tartuce e Neves (2017, p. 34): “Todo consumidor é vulnerável, mas nem todo consumidor é hipossuficiente”, o que leva a hipossuficiência do consumidor a ser percebida apenas no âmbito processual, observe-se:

Desse modo, o conceito de hipossuficiência vai além do sentido literal das expressões pobre ou sem recursos, aplicáveis nos casos de concessão dos benefícios da justiça gratuita, no campo processual. O conceito de hipossuficiência consumerista é mais amplo, devendo ser apreciado pelo aplicador do direito caso a caso, no sentido de reconhecer a disparidade técnica ou informacional, diante de uma situação de desconhecimento, conforme reconhece a melhor doutrina e jurisprudência (TARTUCE; NEVES, 2017, p. 34).

Destarte, uma vez que possui presunção relativa e acaba por ser analisada no caso concreto, à luz do processo judicial, em conformidade com o art. 6º, VIII, do CDC, Bolzan (2014, p. 154) explica que, quando comprovada, a hipossuficiência gera a inversão do ônus da prova no processo civil, de forma a facilitar a defesa do

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consumidor em juízo. Nesse diapasão, conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça:

DIREITO DO CONSUMIDOR E PROCESSO CIVIL. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA COM BASE NO ART. 6º, INCISO VIII, DO CDC. CABIMENTO. REEXAME DE PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. 1. A aplicação do ônus da

prova, nos termos do art. 6º, VIII, CDC, não é automática, cabendo ao magistrado singular analisar as condições de verossimilhança da alegação e de hipossuficiência, conforme o conjunto fático-probatório dos autos. 2. Dessa forma, rever a conclusão do Tribunal de origem

demandaria reexame do contexto fático-probatório, conduta vedada ante o óbice da Súmula 7/STJ. 3. Recurso a que nega seguimento. (BRASIL, STJ. RE nº 1.181.447/PR. Rel Ministro Luis Felipe Salomão. Quarta Turma. Data de publicação: 22/05/2014, grifo do autor).

O caso em tela cuida-se de relação de consumo envolvendo detalhes de conteúdo de software, onde o consumidor pretendia ver-se beneficiado pela inversão do ônus da prova por conta da complexidade do tema, mas o judiciário acabou por negar-lhe a inversão, uma vez que não identificou hipossuficiência do consumidor no caso concreto.

Em conformidade com o caso supracitado, Marinoni, Arenhart e Mitidiero (2017, p. 277) tratam o artigo em questão como claro quanto à possibilidade da inversão do ônus da prova somente quando a alegação for verossímil ou quando o consumidor for hipossuficiente, nesse sentido, mencionam:

[...] para que seja possível expressar os significados de verossimilhança e hipossuficiência é preciso considerar o contexto em que essas expressões são utilizadas. Ou seja, é preciso recordar as razões de distribuição e inversão de ônus da prova e agora relacioná-las com a natureza das relações de consumo e com a posição que o consumidor nelas ocupa (MARINONI; ARENHART; MITIDIERO, 2017, p. 277).

Nesse diapasão:

AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO DECLARATÓRIA - INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA - DIREITO DO CONSUMIDOR HIPOSSUFICIENTE - RECURSO PROVIDO. A inversão do ônus da prova tem o intuito de facilitar e garantir a defesa dos direitos do consumidor e, por via reflexiva, de garantir os direitos de toda uma coletividade na forma dos artigos 5º, inciso XXXII, e 170, inciso IV, ambos da Constituição da República. Caso em que o consumidor afirma não ter contratado com a instituição financeira, defendendo a ilegalidade de reserva de margem consignável realizada em sua única fonte de renda. Caracterizada a relação de consumo e presente a verossimilhança das alegações do consumidor hipossuficiente, requisitos exigidos pelo inciso VIII do art 6º, do CDC, deve ser invertido o ônus da prova. (BRASIL, Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul. Agravo de Instrumento nº 1409930-23.2018.8.12.0000. Relator Desembargador

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Marcelo Câmara Rasslan. Primeira Câmara Cível. Data da publicação: 28/02/2019).

Assim, no caso em análise, o autor propôs ação contra o Banco Bradesco, declarando a inexistência de dívida cumulada com pedido de indenização, dando conta de que o demandado, mesmo sem ser credor do autor, reservou margem consignável junto a sua única fonte de renda.

O agravo de instrumento em exame foi interposto pelo autor contra a decisão do juízo de primeiro grau que, havendo contestação do banco ao pedido, indeferiu o requerimento do autor para a inversão do ônus da prova. Dando provimento ao agravo, o Tribunal de Justiça decidiu que trata-se de relação de consumo e ainda reconheceu a hipossuficiência do consumidor para assumir o ônus de provar o fato negativo, que é o de não haver contraído dívida junto à instituição financeira.

Percebe-se, então, nesse caso concreto, que o acórdão reconhece a verossimilhança das alegações do autor e considera aplicável o disposto no artigo 6º, inciso VIII, do CDC.

Para encerrar, encontra-se no que ensina Miragem (2013, p. 215) a distinção entre hipossuficiência e verossimilhança:

[...] a hipossuficiência do consumidor consiste na falta de condições fáticas, no processo, de realizar a dilação probatória adequada à defesa dos seus direitos e interesses. Já a verossimilhança se estabelece a partir de um critério de probabilidade, segundo os argumentos trazidos ao conhecimento do juiz, de que uma dada situação relatada tenha se dado de modo igual ou bastante semelhante ao conteúdo do relato.

Destarte, retomando a vulnerabilidade do consumidor, vale ressaltar que, através das palavras de Nunes (2012, p. 179), dentre outros fatores, a vulnerabilidade inerente ao consumidor ocorre também pela falta de escolha deste perante a relação de consumo, deste modo: “O consumidor só pode optar por aquilo que existe e foi oferecido no mercado. E essa oferta foi decidida unilateralmente pelo fornecedor, visando seus interesses empresariais, que são, por evidente, os da obtenção de lucro”.

Assim, Almeida (2009, p. 24) acrescenta que não há mais questionamentos no mundo ocidental quanto à vulnerabilidade do consumidor, ou seja, há um consenso legal, doutrinário e jurisprudencial no que tange o assunto.

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O termo hipervulnerável vem sendo utilizado pela doutrina moderna e pelos tribunais para classificar o consumidor que, por algum motivo, possui sua vulnerabilidade agravada. Schmitt (2014, p. 217) explica que o prefixo “hiper” serve para designar aquilo que excede uma medida que consideramos normal, assim, acrescido à palavra vulnerabilidade, retrata uma situação de extrema fragilidade do consumidor, que supera a fragilidade do consumidor comum.

Prontamente, antes de aprofundar a explicação sobre o conceito de hipervulnerabilidade, ressalta-se que não se confunde com hipossuficiência, uma vez que a primeira diz respeito a características pessoais do consumidor, como por exemplo, condições físicas, mentais e psicológicas (SCHMITT, 2014, p. 219), enquanto que a segunda, de acordo com Moraes (2009, p. 238): “é um critério para definir a capacidade geral do litigante de atuar no processo [...]”.

Neste sentido, passando a tratar sobre a hipervulnerabilidade do consumidor, Marques (2013, p. 360) ensina que:

[...] a hipervulnerabilidade seria a situação social fática e objetiva de agravamento da vulnerabilidade da pessoa física consumidora, por circunstâncias pessoais aparentes ou conhecidas do fornecedor, como sua idade reduzida (assim o caso da comida para bebês ou da publicidade para crianças) ou sua idade alentada (assim os cuidados especiais com os idosos no Código em diálogo com o Estatuto do Idoso, e a publicidade de crédito para idosos) ou sua situação de doente (assim como o caso do glúten e as informações na bula de remédios).

Sobre o tema, Miragem (2013, p. 117) ensina: “No caso da criança, a vulnerabilidade é um estado a priori, considerando que vulnerabilidade é justamente o estado daquele que pode ter um ponto fraco, que pode ser “ferido” (vulnerare) ou é vítima facilmente”.

Mesmo que alguns doutrinadores defendam a ideia de que os hipervulneráveis já tenham garantia constitucional e, assim, já possuam decerto amparo legal, especialmente os mencionados expressamente como vulneráveis na CF, quais sejam, portadores de deficiência, idosos, crianças e adolescentes, Marques (2013, p. 361) ensina que a hipervulnerabilidade, bem como a própria vulnerabilidade, pode apresentar-se de diversas formas. Desse modo, em observância ao princípio da igualdade e da equidade, outros grupos de minorias mais frágeis, como é o caso, por exemplo, dos consumidores doentes, podem (e devem) integrar o rol de consumidores hipervulneráveis.

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Explica, também, que não há de basear-se apenas na certeza de que os hipervulneráveis terão proteção garantida somente por estarem presentes no texto da CF como indivíduos mais frágeis, justamente por não tratar-se de rol taxativo e específico sobre o tema, o que deixa os demais consumidores hipervulnerávies (doentes, analfabetos, indígenas) a mercê da atuação do judiciário, que, ante a inexistência de regulamentação específica, analisará o caso concreto, reconhecendo, ou não, a hipervulnerabilidade do consumidor em questão (MARQUES, 2013, p. 364).

Assim, visualiza-se, através de entendimento jurisprudencial, circunstâncias variadas que podem levar ao reconhecimento da hipervulnerabilidade do consumidor:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE/INEXIGÊNCIA DE DESCONTO EM FOLHA DE PAGAMENTO/AUSÊNCIA DO EFETIVO PROVEITO COM REPETIÇÃO DE INDÉBITO E DANOS MORAIS. SENTENÇA QUE JULGOU PARCIALMENTE PROCEDENTE OS PEDIDOS INICIAIS. 1. APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. CONSUMIDOR ANALFABETO, INDÍGENA E MORADOR DE ALDEIA. HIPERVULNERÁVEL. REPETIÇÃO EM DOBRO. POSSIBILIDADE. PREVISÃO NO ARTIGO 42 DO CDC. MÁ-FÉ DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA RECONHECIDA. AUSENTE ENGANO JUSTIFICÁVEL. PRECEDENTES DESTE E. TRIBUNAL. 2. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. QUANTUM. VALOR ARBITRADO NO JUÍZO ‘A QUO’ QUE SE MOSTRA ABAIXO DE CASOS SEMELHANTES E JÁ JULGADOS POR ESTE E. TRIBUNAL. PARTICULARIDADES DO CASO. ANALFABETO, INDÍGENA, IDADE AVANÇADA, MORADOR DE ALDEIA INDÍGENA, APOSENTADO. AÇÕES SEMELHANTES PARA CONTRATOS DIVERSOS. INSTITUIÇÃO FINANCEIRA COM GRANDE PODER ECONÔMICO. MAJORAÇÃO DA INDENIZAÇÃO QUE MOSTRA RAZOÁVEL E PROPORCIONAL. 3. PEDIDO DE MAJORAÇÃO DO PERCENTUAL DOS HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS. AFASTADO. REFORMA PARCIAL DA SENTENÇA QUE JÁ REPERCUTIU NO AUMENTO DO HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS SUCUMBENCIAIS QUE SE MOSTRAM COMPATÍVEIS COM O DISPOSTO NO ART. 85, § 2º DO CPC. 4. HONORÁRIOS RECURSAIS. INCABIMENTO ANTE O PARCIAL PROVIMENTO DO RECURSO. ART. 85, § 11º DO CPC. RECURSO CONHECIDO E

PARCIALMENTE PROVIDO. (BRASIL. Tribunal de Justiça do Paraná.

Apelação nº 0025911-58.2017.8.16.0014. Décima Quarta Câmara Cível - PROJUDI. Relatora Juíza Subst. 2º G. Sandra Bauermann. Data da decisão: 10/04/2019, grifo do autor)

Cuida-se de apelação contra sentença que declarou a inexistência de dívida e condenou instituição financeira a ressarcir o consumidor pelo valor de prestações descontadas diretamente em sua folha de benefício por conta de empréstimo consignado.

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O consumidor é indígena, idoso, analfabeto e aposentado, alegando que foi vítima de fraude, tendo descontado valores de seus proventos sem que sequer tivesse conhecimento do contrato que lhes deu origem.

O acórdão reconhece, no caso do autor, a vulnerabilidade agravada ou hipervulnerabilidade em face daquela soma de circunstâncias que retiram do sujeito a capacidade de entendimento e manifestação da vontade de forma adequada. Assim, além da idade avançada, considera fatores de hipervulnerabilidade o analfabetismo e a condição de indígena do autor, circunstâncias das quais tinha conhecimento a instituição financeira concedente do empréstimo.

Nesse diapasão, justamente por ter conhecimento quanto à hipervulnerabilidade do consumidor em questão, era esperado do banco que fornecesse informações mais claras, cercando-se de maiores cautelas para a concessão do crédito. Por fim, na apelação, além de mantida a condenação do banco a restituir os valores descontados, ficou determinado que essa devolução fosse em dobro, na forma do artigo 42 do CDC, além de haver majorado de R$ 1.000,00 para R$ 5.000,00 o valor da indenização pelo dano moral.

Nesse sentido, vale ressaltar que a própria jurisprudência já vem reconhecendo expressamente essa necessidade de proteção especial nos casos em questão. Observe-se o voto do Ministro Herman Benjamin no Recurso Especial nº 931.513/RS de 2010:

A categoria ético-política, e também jurídica, dos sujeitos vulneráveis inclui um subgrupo de sujeitos hipervulneráveis, entre os quais se destacam por razões óbvias, as pessoas com deficiência física, sensorial ou mental. [...] Ao se proteger o hipervulnerável, a rigor quem verdadeiramente acaba beneficiada é a própria sociedade, porquanto espera o respeito ao pacto coletivo de inclusão social imperativa, que lhe é caro, não por sua faceta patrimonial, mas precisamente por abraçar a dimensão intangível e humanista dos princípios da dignidade da pessoa humana e da solidariedade. Assegurar a inclusão judicial (isto é, reconhecer a legitimação para agir) dessas pessoas hipervulneráveis, inclusive dos sujeitos intermediários a quem imcumbe representá-las, corresponde a não deixar nenhuma ao relento da Justiça por falta de porta-voz de seus direitos ofendidos. (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. RE. nº 931.513. Rel Ministro Carlos Fernando Mathias. Primeira Seção. Data de publicação: 27/09/2010, grifo do autor).

O caso em tela trata de recurso especial interposto pelo Estado do Rio Grande do Sul em desfavor do Ministério Público, que busca reformar decisão

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acerca da legitimidade do Ministério Público para ajuizar ação civil pública a fim de assegurar aparelho auditivo ao portador de deficiência.

O juiz de primeira instância entendeu que o Ministério Público não possuía legitimidade para propor ação civil pública neste caso, uma vez que se trata de direito individual, logo, poderia ser ajuizada em ação própria. Entretanto, o Ministério Público interpôs apelação ao Tribunal de Justiça, que reformou a decisão da sentença reconhecendo a legitimidade do MP para ingressar com esse tipo de ação nos casos dessa espécie, em que pleiteia-se direito individual de pessoa com deficiência física, mental ou sensorial, justamente por identificar conteúdo social inafastável na tutela dos interesses e direitos dos hipervulneráveis, mesmo quando o resultado imediato sugere amparo a uma única pessoa.

Mesmo em não se tratando de um caso em que haja relação de consumo, percebe-se, principalmente através das palavras do Ministro Herman Benjamin (BRASIL, 2010), a extrema importância de proteção especial ao grupo de consumidores tratado por hipervulnerável, composto por sujeitos que, justamente em função de sua vulnerabilidade agravada, não podem passar despercebidos aos olhos da justiça.

Nesse mesmo seguimento, Marques (2013, p. 366) expressa que a jurisprudência tem se mostrado muito sensível e sábia em identificar a presença da hipervulnerabilidade do consumidor no caso concreto, ademais acredita que a importância de tratar desse tema atualmente se dá ao destaque e divergência que possivelmente terá no futuro, em termos de aplicabilidade do CDC.

Moraes (2009, p. 295) assenta que pode-se considerar as crianças e os idosos como hipervulneráveis, tendo em vista que esses dois grupos acabam tornando-se “prediletos” pela publicidade por tratar-se, muitas vezes, de alvos acessíveis, quando, em função de suas condições, acabam sendo influenciados mais facilmente através da imposição de produtos e serviços. Enfatiza que:

Valendo-se das técnicas acima apontadas, são despejadas no mercado de consumo várias condutas de captação e indução ao consumo, muitas delas até imperceptíveis, mas que sustentam verdadeiros impérios econômicos que lucram com o prejuízo dos hipervulneráveis (MORAES, 2009, p. 295).

Por conseguinte, há de se falar sobre a presença do consumidor idoso no mercado de consumo, pois foi recentemente que este passou a ser percebido pelo

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fornecedor e, logo, pela publicidade, como comprador em potencial. Schimitt (2014, p. 137) elucida que:

No Brasil, foi a partir do século XXI que o idoso passou a ser observado pelo mercado como alternativa lucrativa, compondo uma nova classe de consumidores. Até então, o registro desses indivíduos remetia-os a um quadro menos significativo, de pouca representatividade dentro da estrutura populacional do país, tratando-se de pessoas de limitado poder econômico. No entanto, considerando os apelos publicitários, através de cenários que promovem a ideia de satisfação imediata de tais indivíduos, restam os idosos também afetados pelos incentivos midiáticos acerca da aquisição de bens e serviços. Assim, esse conjunto de fatores, além de satisfazer desejos, e não propriamente necessidades básicas, garante a inserção social dentro de um ambiente estigmatizado pelo consumismo, pois dificilmente se extrai relevância aos fornecedores daquele que é inapto ao consumo.

Entende-se, assim, que o idoso nem sempre foi alvo do fornecedor, e foi nesse sentido, sendo agora “visto”, que passou a ser, cada vez mais, alvo de publicidades específicas, adquirindo mais produtos e serviços que lhe prometem, à essa altura da vida, realização pessoal e maior aceitação da sociedade (SCHMITT, 2014, p. 137).

Consonante Miragem (2013, p. 119):

A vulnerabilidade do consumidor idoso é demonstrada a partir de dois aspectos principais: a) a diminuição ou perda de determinadas aptidões físicas ou intelectuais que o torna mais suscetível e débil em relação à atuação negocial dos fornecedores; b) a necessidade e catividade em relação a determinados produtos ou serviços no mercado de consumo, que o coloca numa relação de dependência em relação aos seus fornecedores

Entretanto, a hipervulnerabilidade do consumidor idoso, tal como a hipervulnerabilidade em geral (dos demais grupos supracitados), não deve ser generalizada, ou seja, não é porque o consumidor é idoso, por exemplo, que automaticamente trata-se de consumidor hipervulnerável. Assim, sua proteção depende do julgador e de sua análise do caso concreto, o que, por um lado, nem sempre garante ao consumidor hipervulnerável a devida proteção jurídica (SCHMITT, 2014, p. 234).

Mesmo que não haja em nenhum texto legal a presença do termo “hipervulneráveis” (que conforme Marques (2011, p. 368) trata-se de denominação de Antônio Herman Benjamin), existem dispositivos presentes em leis especiais que tratam brevemente da fragilidade de alguns grupos perante os demais, tal como

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vedam algumas práticas no âmbito consumerista. Assim, encontra-se alguma legislação mais específica presente no Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741/03), no ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei nº 8.069/90) e no Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/15), que serão abordados no próximo capítulo.

Assim, percebendo que, de fato, existem alguns consumidores mais frágeis que outros, busca-se, através de uma análise detalhada, perceber os impactos que essa hipervulnerabilidade, exposta às relações de consumo, pode gerar na vida desses consumidores, seja psicologicamente ou financeiramente.

Nesse contexto, há de se falar sobre a influência da publicidade na decisão do consumidor, percebendo também como o marketing pode ser prejudicial principalmente quando relacionado aos consumidores mais fragilizados. Ademais, busca-se analisar o superendividamento no âmbito consumerista, apresentando algumas das possíveis causas que ensejam esse problema que, cada vez mais, atinge os consumidores brasileiros.

2.2 A INFLUÊNCIA DA PUBLICIDADE E DO SUPERENDIVIDAMENTO NAS RELAÇÕES DE CONSUMO DOS HIPERVULNERÁVEIS

Não existe sociedade de consumo sem publicidade. Ensina Benjamin (2017, p. 317) que a publicidade pode ser considerada o símbolo da sociedade moderna, logo, por possuir extrema relevância no âmbito consumerista, fez-se necessária a regulamentação de tal instituto através da legislação, no intuito de proteger o indivíduo mais vulnerável da relação comercial.

Explana Oliveira (2017, p. 44) que o consumo “constitui-se um mito, isto é, revela-se como palavra da sociedade contemporânea sobre si mesma; é a maneira como a sociedade se fala”. Assim, o consumo só se desenvolve através de reflexão e discurso, que são abordados por todos no dia-a-dia, seja através do discurso cotidiano e/ou por meio de discursos intelectuais, logo, a publicidade torna-se o hino fundamental dessa ideia.

É de conhecimento geral que atualmente a mídia possui forte influência na vida e no dia a dia das pessoas, em todas as áreas, tal como no que diz respeito ao consumo. Segundo Pereira, Calgaro e Varela (2014, p. 182), a publicidade exposta em todos os meios de comunicação, rádio, TV, outdoors, é o que seguramente projeta e impulsiona o hiperconsumo moderno, uma vez que os meios midiáticos

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estão constantemente ditando e enfatizando os padrões de beleza e de conforto que devem ser buscados pelo consumidor, bem como a ideia de que toda a nova tecnologia disponível no mercado é essencial e necessária.

Pereira, Calgaro e Varela (2014, p. 182) elucidam que:

Cria-se, através do marketing, um comprar compulsivo que destrói o livre-arbítrio. Na grande maioria dos casos essas compras são de produtos com valores que vão além das possibilidades financeiras do comprador. Essa compulsão de querer comprar engana o autocontrole e também a razão. Denomina-se esta compulsão por oneomania, que advém das palavras gregas onius, que é venda, e mania de insanidade. Esse é o termo técnico para a síndrome de comprar compulsivamente.

Nesse sentido, Paixão (2012, p. 48) explica que as empresas e profissionais que desenvolvem o marketing destinado ao consumidor passam por um processo de criação que analisa a necessidade humana, assim, oferecendo a satisfação dessa necessidade por meio do consumo. Destarte, a empresa deve então conhecer o cliente à que pretende destinar tal publicidade, buscando entender quais necessidades lhe geram desejo e os estímulos que lhe fazem escolher entre determinados serviços e produtos.

Posto isso, após fazer com que a necessidade do consumidor seja despertada, a publicidade emite motivações que o levariam em direção à satisfação de seus desejos, através, é claro, da compra. Contudo, as motivações, muitas vezes, se contrapõem à freios presentes no pensamento do indivíduo, quais sejam, medos e inibições, aí, percebe-se, no plano fático, a importância de conhecer o destinatário do marketing, pois o propósito da publicidade nada mais é do que, por meio da persuasão, atenuar os freios do consumidor, fazendo com que sua motivação para o consumo permaneça (PAIXÃO, 2012, p. 50).

Pereira, Calgaro e Varela (2014, p. 184) explicam que a publicidade acaba por restringir a liberdade de escolha do consumidor, expondo apenas o que lhe convém e, assim, induzindo o consumidor que acaba adquirindo coisas desnecessárias. A necessidade que o consumidor sente de adquirir determinado produto ou serviço acaba sendo fruto das promessas feitas pelo fornecedor que, por exemplo, frisa tratar-se de algo novo ou mais moderno. Logo, sentindo que será infeliz e pouco realizado sem o produto ou serviço que a publicidade está oferecendo, adquire-o no intuito de que, aí sim, será feliz, realizado, aceito pela sociedade, ou até superior aos demais.

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Conforme os ensinamentos de Schimitt (2014, p. 208):

Modernas técnicas de venda (marketing), utilizadas de forma massiva, aliadas a mecanismos de convencimento e de manipulação psíquica, criam necessidades antes inexistentes, bem como representações ideais de situações de vida que induzem o consumidor a aceitá-las. O indivíduo tem sua manifestação de vontade fragilizada, cada vez menos determinando suas prioridades e necessidades, e isso ocorre de forma por ele despercebida.

Consonante, Moraes (2009, p. 302) argumenta: “A publicidade, portanto, invade nossas estruturas psíquicas mais íntimas, ativando processos físicos e químicos que nos levam ao ato da compra, motivo pelo qual é evidente nossa vulnerabilidade neuropsicológica”.

Assim, como mencionado, movido pela necessidade criada através da publicidade de adquirir bem ou serviço que lhe possibilite a tão sonhada felicidade, o consumidor não descansa até preencher o vazio desse espaço que agora sente (MORAES, 2009, p. 302).

Proveitoso assentar, tendo em vista que o trabalho se dedica principalmente a compreender as relações de consumo que envolvem os hipervulneráveis, que as influências da publicidade à esses indivíduos podem ser ainda maiores, justamente em função de sua maior fragilidade. Conforme Schmitt (2014, p. 137), o idoso ganhou visibilidade perante o mercado de consumo como alternativa lucrativa apenas a partir do século XXI, compondo assim uma nova classe de consumidores diante do mercado.

Surgiram novos apelos midiáticos com conteúdos publicitários especialmente voltados ao idoso que, por ter sua renda ampliada ao longo dos anos de trabalho, possuir (muitas vezes) aposentadoria, bem como a facilidade em frente às concessões de crédito pelos bancos, passou a ser visto pelo fornecedor como alvo.

Vale ressaltar, também, que dentro das possibilidades de publicidade abusiva previstas no artigo 37 do CDC (que também serão explanadas no próximo capítulo), em seu parágrafo 2º, o legislador preocupou-se em tipificar a publicidade que se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança que, conforme mencionado anteriormente, trata-se de hipervulnerável.

Nesse seguimento, Schmitt (2014, p. 228) relata que a criança não possui condições de compreender e entender o conteúdo oriundo da informação

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publicitária, tampouco percebê-la como tal. Assim, diferentemente do que acontece com o adulto, lhe falta certa resistência mental e domínio da realidade, o que gera maior sucumbência às pressões exercidas pela publicidade, e assim complementa: “A ausência dessa característica na criança, que não tem aptidão para analisar criticamente uma dada informação, deflagra um grau maior de vulnerabilidade, de forma que ela se enquadra também na concepção de hipervulnerável”.

Ensina Marques (2011, p. 369) que:

As crianças são consideradas o público-alvo mais vulnerável e suscetível aos efeitos persuasivos da publicidade, devendo o diálogo das fontes protetivas (seja como consumidor, seja como criança, seja como sujeito de direitos recebendo ofertas) assegurar a sua proteção integral (art. 227 da CF/1988).

Além de não possuírem a formação intelectual completa, como ocorre com os consumidores adultos, o que facilita o convencimento proveniente das mensagens “sedutoras” do marketing, as crianças e os adolescentes não têm a percepção correta quanto à valores financeiros envolvidos na relação de consumo, nem quanto aos benefícios e riscos do negócio (MIRAGEM, 2013, p. 118). Outrossim, vale destacar, que o marketing voltado a criança possui impactos e influências sob toda a família. Miragem (2013, p. 117) explica:

Estudos recentes demonstram a importância de crianças e adolescentes na definição do hábitos de consumo dos adultos, tanto em relação a produtos de interesse do menor, quanto da própria família. Esse “poder” da criança e do adolescente nas decisões de compra da família por sua vez, contrasta com a vulnerabilidade que apresentam em relação à atuação negocial dos fornecedores no mercado, por intermédio das técnicas de marketing.

Assim, a necessidade de proteção especial nesse sentido se dá em função de diversos fatores, mas ressalta-se que a influência precoce que as crianças e adolescentes sofrem através da mídia poderá ser carregada por estes indivíduos durante toda a vida, causando-lhes grande impacto nos hábitos de consumo que possuirão na vida adulta, tal como na sua formação pessoal e social (SCHMITT, 2014, p. 229).

Quanto à proteção que regulamenta o marketing no ordenamento jurídico, como será visto no próximo capítulo, nota-se que a lei só se preocupou em legislar com amplidão quanto a publicidade, deixando os demais tipos de marketing, como é o caso, por exemplo, do marketing direto, indireto e digital, a mercê dos princípios

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gerais. Entretanto, conforme Benjamin (2017, p. 268), o CDC traçou um conjunto de regras mínimas que, se bem empregadas pelos aplicadores do direito, em observância à realidade atual do mercado, são sim suficientes para proteger o consumidor.

De forma breve, vale a pena elucidar também que existe divergência doutrinária quanto a definição das palavras publicidade e propaganda inseridas no ordenamento jurídico, de forma que alguns doutrinadores entendem que há distinção entre os termos e outros acreditam tratar-se de sinônimos (BOLZAN, 2014, p. 336).

Nunes (2012, p. 500) afirma que ambas referem-se ao objetivo do fornecedor de anunciar o produto ou serviço. Além do mais, diz que a própria Constituição Federal, em alguns artigos, como por exemplo, no artigo 22, inciso XXIX, no artigo 37, § 1º e no artigo 220, não diferencia uma palavra da outra, tratando-as, assim, como sinônimos.

Entretanto, para Benjamin (2017, p. 324), trata-se de institutos diversos, salientando ainda que o CDC não trata de propaganda, somente de publicidade:

Não se confundem publicidade e propaganda, embora, no dia a dia do mercado, os dois termos sejam utilizados um pelo outro. A publicidade tem um objetivo comercial (“la finalité d’un rendement économique par le recrutement d’un public de consommateurs”), enquanto a propaganda visa a um fim ideológico, religioso, filosófico, político, econômico ou social. Fora isso, a publicidade, além de paga, identifica seu patrocinador, o que nem sempre ocorre com a propaganda.

Nas palavras de Moraes (2009, p. 305): “Propaganda é a propagação dos princípios ou teorias, enquanto que publicidade significa o ato de tornar público um fato ou uma idéia.”.

Retornando à manipulação decorrente da publicidade, percebe-se que muitas vezes o marketing tem o poder de despertar no consumidor o desejo de adquirir tal mercadoria ou serviço que anteriormente nem estava procurando, mostrando-se, assim, capaz de confundir o consumidor durante o processo de decisão de compra. Conforme exemplifica Paixão (2012, p. 89), a Caixa Econômica Federal disponibilizou, no ano de 2010, propaganda destinada a consignar crédito, entretanto, no comercial, uma das filhas da família Amorim, em frente a uma cozinha extremamente sedutora, questiona o ouvinte: “O crédito Caixa fica tão bem na sua casa quanto uma cozinha nova?”.

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Nesse diapasão, surge a dúvida quanto ao real serviço oferecido pela Caixa Econômica, uma vez que, através do cenário e colocação feita pela locutora, a publicidade dá enfoque à cozinha, despertando no consumidor um desejo inexistente ou adormecido: adquirir uma cozinha nova. Dessa forma, a própria publicidade já trás a solução à nova necessidade criada, revelando o real produto que a empresa deseja vender: “Crédito Caixa. As melhores taxas para o que você precisar” (PAIXÃO, 2012, p. 89).

Para que se possa refletir também, trata-se aqui rapidamente sobre as fake

news, como o nome já diz, notícias falsas, que, no âmbito da publicidade, podem ser

manejadas tanto para enaltecer um produto ou serviço de forma imerecida, como para denegrir a imagem de um concorrente, tudo isso com reflexos no faturamento do fornecedor responsável pela fake news, tratando-se, em uma e em outra situação, de propaganda enganosa e abusiva (NASCIMENTO, 2018, não paginado).

De mais a mais, Branco (2017, p. 61) menciona que através da alfabetização digital encontrar-se-ia um caminho coerente e oportuno para enfraquecer as fake

news, isto é, através da educação e do uso consciente da tecnologia. Mesmo em se

tratando de um caminho árduo e demorado, que exigiria esforço coletivo para repudiar as notícias falsas, bem como para estimular a busca por fontes e informações seguras, relata que a educação e a consciência é o método mais adequado quando o intuito é melhorar alguma realidade, seja no âmbito que for.

Complementando essa ideia, Nascimento (2018, não paginado) explica que a alfabetização midiática ainda está indisponível à grande parte da população, contudo, chama atenção aos nativos digitais (como nomeia as pessoas que nasceram na era das tecnologias digitais), mencionando um universo virtual que, entre outros fenômenos da cibercultura atual, suporta a criação, produção e distribuição de produtos, informações e serviços, tal como a interação em tempo real, tudo isso em escala global.

Ressalta-se aqui que, justamente em face da sua fragilidade acentuada, os consumidores hipervulneráveis acabam mais suscetíveis a erro nesse sentido, tendo em vista que muitas vezes resta prejudicada sua capacidade de perceber quando a informação apresentada pelo fornecedor é verídica, seja em função de seu nível de instrução, falta de compreensão, situação econômica, entre outros (SCHMITT, 2014, p. 227).

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Mediante o exposto, nota-se que o consumo é algo inerente ao ser humano, sendo a prática que atende desde suas necessidades básicas até a realização de seus desejos e vontades. Porém, frisa-se a percepção de que os desejos do homem, justamente em função do marketing, são ilimitados, enquanto que seus recursos financeiros não, e daí a necessidade tão urgente de educá-lo corretamente para o consumo (OLIVEIRA, 2017, p. 138).

Nesse seguimento, passa-se a tratar quanto ao outro objetivo do capítulo, isto é, o superendividamento do consumidor.

Destarte, Oliveira (2017, p. 32) menciona: “O desejo, portanto, assume a força motriz do consumismo na modernidade e é ele mesmo uma das causas mais relevantes do endividamento no século XXI, desejo que tende a transformar o sujeito (consumidor), em um primeiro momento, em mercadoria”.

Nesse norte, Oliveira (2017, p. 85) acentua que a teoria do superendividamento busca soluções jurídicas para este fenômeno social que se baseia na aquisição, pelo consumidor, de créditos e dívidas que ultrapassem a sua capacidade de adimplir. Ensina que:

O superendividamento do consumidor pessoa física pode ser definido como a impossibilidade de pagamento de dívidas contraídas por um tomador de crédito, geralmente, o consumidor de boa-fé, no momento de seu vencimento ou a partir do momento em que o débito torna-se exigível pelo credor (OLIVEIRA, 2017, p. 83).

O consumidor superendividado também não dispõe de legislação específica que lhe regule a situação; portanto, pode-se dizer que a denominação que se dá aos consumidores que se encontram em tal condição, além de recente em nosso ordenamento jurídico, surgiu através da doutrina. Porém, como ensinam Pereira, Calgaro e Varela (2014, p. 187), há vários princípios básicos do direito capazes de auxiliar o enfrentamento do problema no caso concreto, como é o caso, por exemplo, dos princípios da vulnerabilidade, da boa-fé objetiva, do mínimo existencial da dignidade humana, entre outros princípios que serão tratados ainda nesse trabalho.

Esse fenômeno, o superendividamento, nasceu nos Estados Unidos e foi alastrando-se pela Europa até que, por fim, passou a atingir países em desenvolvimento, como é o caso do Brasil (SCHIMITT, 2014, p.135).

Referências

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