Retinoblastoma em
um
olho atrófico
Retinoblastoma in an atrophic eye
Márcio Bittar Nehemy* Ana Luíza Galeti Nehemy* Felício Aristóteles da Silva* * Dairton Miranda * * *
* Oftalmologista do Instituto Hüton Rocha. Doutor em Oftalmologia pela F aculdode de Medú:ina da Universidade Federal de Minas Gerais.
** Oftalmologista do Instituto Hüton Rocha. Doutor em Oftalmologia pela Universidade de Würzburg - Alemanha Ocidental. *** Patologista do Instituto Hüton Rocha. Pro
fessor-adjunto do Departamento de Anato mia Patológica e Medicina Legal da Facul dade de Medú:ina da Universidade Federal de Minas Gerais.
Trabalho realizado no Departamento de Oftal mologia da Faculdode de Medú:ina da Universi dade Federal de Minas Gerais - Hospital Soo Geraldo - e no Instituto Hüton Rocha.
Endereço para correspondência: Dr. Mareio Bittar Nehemy - R. EstevtJo Pinto, 1.494
-12� andar -30210 -Belo Horizonte - MG
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RESUMO
Os autores descrevem o caso de uma criança que apresentou reti noblastoma em um olho atr6fico. Mostram os achados ecográficos e anatomopatológicos desse olho e comentam alguns aspectos ainda controversos sobre sua patogenia. Enfatizam a importância de se considerar o diagnóstico de retinoblastoma em crianças que apre sentam um olho atr6fico não justificável por processos patológicos conhecidos.
Palavra&-chaves: Retinoblastoma, Olho atrófico, Tumor ocular.
INTRODUÇÃO
o
retinoblastoma (rb) é a neopla sia intra-ocular mais comum na in fância. Incide com uma freqüência aproximada de1
para cada15000
a34000
nascimentos eé
bilateral em20
a35%
dos casoS(1). Orb
pode, ra ramente, apresentar cura espontânea. A incidência de regressão espontâ nea desse tumor é de1
a 20/0(2).O rb que passa por um processo de regressão espontânea pode se apresentar de três maneiras distin tas(3-5). Na primeira situação o tumor é identificado em um olho atr6fico, em que, freqüentemente, não havia suspeita de rb. O exame anatomo patol6gico do olho enucleado con firma o diagn6stico. Na segunda si tuação lesões semelhantes a rb são encontradas no fundus de um dos pais de um portador de rb. Nesse ca so, o diagn6stico é presuntivo e ba seia-se no carácter genético do tu mo r, assim como na sua típica apa rência clínica. Numa terceira situa ção, muito rara, o diagn6stico de re tinoblastoma é confirmado ap6s a enucleação
de
um olho, enquanto as lesões do olho adelfo, não tratado,apresentam regressão espontânea. O objetivo desse trabalho é descrever um caso de uma criança que apre sentou rb em um olho atr6fico, co mentar alguns aspectos ainda con troversos sobre sua patogenia e cha mar a atenção para a importância do seu reconhecimento.
RELATO DO CASO
Dentro de um exame de rotina a que os pais e irmãos de portadores de rb são submetidos, uma criança de dois anos e dois meses de idade, cuja irmã era portadora de rb, foi examinada. Os pais haviam notado leucocoria no seu olho esquerdo aos dois meses de idade. Procuraram, então, um oftalmologista que diag nosticou conjuntivite e prescreveu antibi6ticos e antiinflamat6rios. Ob servaram, a partir dessa data, redu ção progressiva do tamanho do glo bo ocular, que desde os quatro meses de idade conservou o aspecto então observado. Desde os dez meses usou pr6tese sobre o olho atr6fico. O olho direito sempre se apresentou com aparência normal. Ao exame obser vamos: OD - Tumor branco-acizen tado com aproximadamente quatro ARQ. BRAS . OFrAL. 54(2), 1 991
Retinob/astoma em wn olM atr6fico
Fig. 1 - Olho esquerdo. O ultra- sonograma B revela olho atr6fico (grande diminuição do diâmetro ocular), com massa compacta de alta ecogenicidade ocupando a cavidade vllrea e causando grande sombra acllstica, denun
ciando presença de calcificações. Fig. 2
-Fotografia da peça cirllrgica mostrando grande massa destruindo o
bulbo ocular e estendendo-se aos tecidos orbitários.
: .
..
Fig. 3-A -Fotomicrografia mostrando tumor envolvendo o nervo 6ptico e in
vadindo tecido orbitário. Fig. 3-8
- Fotomicrografia mostrando neoplasia constitIllda de cálulas pe quenas, indiferenciadas, invadindo e transpondo a esclera.
diâmetros papilares na periferia reti
niana temporal-inferior.
OE
-atr6ficoo A ecografia mostrou em
OD
imagem compatível com rb. Em
OE
mostrou acentuada redução do diâ metro anteroposterior (olho atr6fico), cavidade v(trea preenchida por ecos densos, com massa compacta na por ção anterior, produzindo grande ate
nuação acústica (Fig.
1 ). O
olho esquerdo foi enucleado.
O
exame macrosc6pico mostrou peça cirúrgica
ARQ. BRAS. OFTAL. 54(2), 1 99 1
representada pelo bulbo ocular, contendo grande massa intra-ocular, destruindo o segmento anterior, in vadindo o nervo 6ptico e tecidos or
bitários, medindo 40 x
25
x20
mm(Fig.
2).
Ao corte , o tecido tumoralera brancacento, com áreas acasta nhadas e friáveis.
O
exame microsc6pico mostrouneoplasia maligna, constituída de células pequenas, de núcleos pleo m6rficos e hipercromáticos, com
fre-qüentes mitoses. Havia raras estrutu ras lembrando rosetas rudimentares.
O
tumor invadia a esc1era (Fig. 3-B),o nervo 6ptico e tecidos orbitários (Fig. 3-A).
Ap6s a confirmação diagn6stica, a criança foi encaminhada para trata mento com rádio e quimioterapia. Um ano ap6s o início desse trata mento houve 6bito por metástase ce rebral.
COMENTÁRIOS
Muitos mecanismos têm sido pro postos para explicar a atrofia em olhos com rb.
O
mais amplamente aceito é o de obstrução vascular, que atingiria ambos, o tumor e o 0Iho(3). Andersen & Jensen(6) encontraram células tumorais ocluindo os vasos centrais da retina em olho atr6fico com retinoblastoma e concluíram que a conclusão havia causado necrose isquêmica e atrofia bulbar. Esse me canismo explicaria o severo dano causado às estruturas intra-oculares e o contínuo crescimento do tumor extra-ocular. que. por ter outro su primento sangüíneo, seria refratário ao processo obstrutivo(7).É
possível também que, mesmo na ausência de obstrução vascular, um crescimento do tumor proporcionalmente maior que o seu suprimento sangüíneo oca sione a sua necrose, com formação de produtos t6xicos que, por seu tur no, aumentariam mais a destruição do tumor8). Embora alguns autores(9) tenham sugerido que mecanismos imunol6gicos sejam os responsáveis pela regressão desse tumor, o exame histopatol6gico desses olhos não demonstra qualquer tipo de reação imunocelular7). A presença de ele mentos citot6xicos no sangue perifé rico de portadores de rb, assim como a associação de certos grupos de an tígenos HLA com a regressão es pontânea desse tumor também não têm sido confirmadas(3). Um eventual92
Retinoblastoma em um olho atrójico
efeito t6xico do cálcio sobre o tumor é um mecanismo pouco provável, já que o cálcio está presente em
95%
dos tumores(1 0,1 1) e a atrofia bulbar, como visto anteriormente, é muito rara.
Gallie et alij(7) observaram que, em
25
casos relatados na literatura a atrofia bulbar estava associada com a regressão completa do rb, sem ne nhuma evidência de crescimento ati vo do tumor. Em outros25
casos também chamados de "regressão es pontânea" de rb o crescimento do tumor continuava a partir dos limites do olho atr6fico, ou do outro olho, e resultava em 6bito do paciente.O
caso apresentado ilustra a primeira possibilidade.
Várias outras afecções muito mais freqüentes que rb, tais como trauma ou infecção, podem levar à atrofia bulbar. Entretanto, em uma criança com atrofia bulbar não justificável por processos patol6gicos conheci dos, a possibilidade de "regressão espontânea" de rb deve ser sempre considerada(7,8). Ignorar ou negligen ciar esse fato pode retardar em de masia o início do tratamento, o que muitas vezes como ilustra esse caso pode ter conseqüências catastr6ficas.
SUMMARY
The authors describe a case of retinoblastoma which occured in an atrophic eye of a
26
month old fe male child. They show theechogra-fie and pathologic aspects ofthe case and discuss some of its pathogenetic mechanisms. They emphasize the importance of considering the possi bility of retinoblastoma in children' s atrophic eyes of obscure origino
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