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O louvor como estilo de vida: Música e espiritualidade na comunidade católica shalom.

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE INSTITUTO DE HUMANIDADES E SAÚDE

DEPARTAMENTO DE ARTES E ESTUDOS CULTURAIS CURSO DE PRODUÇÃO CULTURAL

WALERIE SENA GONDIM

O LOUVOR COMO ESTILO DE VIDA:

MÚSICA E ESPIRITUALIDADE NA COMUNIDADE CATÓLICA SHALOM

RIO DAS OSTRAS, RJ 2017

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WALERIE SENA GONDIM

O LOUVOR COMO ESTILO DE VIDA:

MÚSICA E ESPIRITUALIDADE NA COMUNIDADE CATÓLICA SHALOM

Trabalho de conclusão de curso apresentado à Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial para a obtenção do grau de bacharel em Produção Cultural.

ORIENTADORA: PROFª DRª CHRISTINA VITAL DA CUNHA

RIO DAS OSTRAS, RJ 2017

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WALERIE SENA GONDIM

O LOUVOR COMO ESTILO DE VIDA:

MÚSICA E ESPIRITUALIDADE NA COMUNIDADE CATÓLICA SHALOM

Trabalho de conclusão de curso apresentado à Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial para a obtenção do grau de bacharel em Produção Cultural.

Rio das Ostras, 18 de janeiro de 2017.

Banca Examinadora:

___________________________________________________________________ Profª. Drª Christina Vital da Cunha

Universidade Federal Fluminense (Orientadora)

___________________________________________________________________ Prof. Dr. Gilmar Rocha

Universidade Federal Fluminense

___________________________________________________________________ Ma. Selene Nogueira Ferreira

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Aos meus pais, por me ensinarem, através das canções, as verdades do céu.

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Agradecimentos

Este trabalho, que levou muito tempo para se concretizar, não seria possível sem a ajuda de muitas mãos, por isso, eu agradeço:

Ao Leandro, que me leva a gaguejar ao pensar em qualquer palavra de agradecimento. Sem ele, esse trabalho simplesmente não existiria. Sem ele, a minha vida seria triste. A você, tudo.

À minha amada família, Waldernilson, Janeide, Walfran, Rozana, Robson e Walderly, por entenderem e perdoarem a minha ausência tantas vezes no decorrer deste trabalho e por vibrarem comigo a cada nova etapa concluída (especialmente na reta final). Sou quem somos. Muito obrigada!

À minha mãe, Janeide, de modo especial, pelas incansáveis orações, por colocar a mão na massa comigo e por me fortalecer com seu amor – inclusive nas madrugadas de pão com manteiga. À minha querida orientadora, Profa. Dra. Christina Vital, pela confiança e carinho em todo esse tempo de relação e pela generosidade de dividir seus conhecimentos comigo. Obrigada pelo seu coração!

Ao Prof. Dr. Gilmar Rocha, por quem nutro muito respeito e admiração e com quem aprendi grandes coisas. Obrigada por aceitar participar deste trabalho.

À amiga Mestra Selene Ferreira, parceira de caminhada e exemplo de fé. Obrigada por topar essa banca, por dividir conhecimentos e obrigada pela coragem de falar das coisas de Deus.

À minha querida família teresopolitana, Márcia, Rocian, Miguel, Fernanda, Márcio e Elenice, pelo afeto tão verdadeiro e por me acolherem sempre como um de vocês. Obrigada!

À UFF, ao curso de Produção Cultural e a seus professores, com quem tanto aprendi e compartilhei conhecimentos. Ao Felisberto, por ser simplesmente o melhor.

Aos amigos, em especial, à Thaís Antunes e aos amigos da UFF, que dividiram tantas alegrias e sufocos e aguardaram ansiosamente comigo por este momento. Só posso agradecer por tudo que vivemos até aqui!

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Ao Ministério Frutos do Eterno: meus amigos, meus irmãos, minha família. Saibam que este trabalho nasceu do nosso coração. Obrigada para sempre!

Aos padres e amigos do Vicariato Lagos e da Arquidiocese de Niterói, especialmente, à “Turma do Pagode” que, mesmo sem saberem, contribuíram muito para esta pesquisa.

À Comunidade Shalom, especialmente à Martha Félix e Patrícia Bandeira, pela acolhida calorosa e pela solicitude em me ensinar um pouco mais sobre a alegria de ser Shalom. Shalom!

Às moradoras e moradores da Vila Jesus (Ana, Bia, Jan e Gê) e da Conselheiro (Laiz, Gil e Maysa) que, em momentos diferentes, acompanharam de perto este trabalho, sempre torcendo por mim. Obrigada por dividirem muito mais que a casa comigo!

Aos amigos da RioFilme, especialmente ao setor Não Reembolsável (Luana, Tharcia e Illan) e à Ana Letícia, por compreenderem este momento tantas vezes e por viverem comigo tanto de tudo. Ao Padre Zezinho, por me transformar sempre com as canções mais belas da vida.

Ao Papa Francisco, por seu sim!

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Desde que o salmo cai no meio de nós, ele reúne as vozes diversas e forma de todas elas um cântico harmonioso: jovens e velhos, ricos e pobres, mulheres e homens, escravos e livres, fomos arrastados em uma só melodia. (…) Longe de nós estas desigualdades sociais, formamos todos um só coro, todos fazemos igualmente parte dos santos cânticos, e a terra imita o céu. (...). E não se dirá que o senhor canta com segurança e que o servo tem a boca fechada; que o rico faz uso da língua e que, o pobre não; que, por fim, o homem tem direito de cantar e que a mulher deve permanecer em completo silêncio. Investidos de uma mesma honra, oferecemos a todos um comum sacrifício, uma comum oblação; um não é mais do que o outro, não existe nenhuma distinção, nenhuma diferença; todos nós temos a mesma honra, repito-o, uma só voz se eleva de distintas línguas ao Criador do universo. (São João Crisóstomo)

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RESUMO

O presente estudo se propõe a analisar a relação entre música e espiritualidade no âmbito da Comunidade Católica Carismática Shalom. Tal iniciativa tem como objetivo investigar como o elemento musical compõe parte da identidade desta Comunidade, por meio da análise de determinados atributos históricos, estéticos e sociais. O trabalho se contextualiza a partir do Concílio Vaticano II, episódio emblemático do catolicismo no século XX, no qual são construídas novas relações entre a Igreja e o leigo, bem como novos modos de expressar e viver a fé. Nascida desse movimento histórico, a Renovação Carismática Católica (RCC) inaugurou uma nova gramática de culto e práticas de adoração, valendo-se de estilos musicais contemporâneos para impulsionar sua proposta espiritual. Partem desse ambiente a Comunidade Católica Shalom e suas formas de expressão musical, que foram investigadas neste trabalho através de pesquisa de campo, que inclui entrevistas e observação participante, além de literatura sobre o tema em questão. Esse estudo avalia, enfim, a importância da música para a constituição de uma expressão de louvor e de vida propostos por e para aquela congregação de leigos.

Palavras-chave: Igreja Católica, Espiritualidade, Música, Renovação Carismática Católica, Comunidade Católica Carismática Shalom

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ABSTRACT

This undergraduate thesis investigates the relationship between music and spirituality in the context of Shalom, a religious community emerged from the Catholic Charismatic Renewal movement. The study seeks to analyze how musical elements shape Shalom’s identity, by discussing given historical, aesthetic and social traits. The inquiry is initially focused on the Second Vatican Council, a key chapter in the history of the Catholic Church, which aroused a new relationship between the Church and lay people, as well as new codes to experience and express faith. Born in this historical trend, the Catholic Charismatic Renewal has fostered a new grammar of worship practices, by employing resources of contemporary music in order to foster its spiritual proposal. From this context, emerge the Shalom Community and its musical expressions that have been investigated through a field research which includes interviews and participant observation, and also through a theoretical/literature review. This study seeks so to appraise the role played by music in the worship expression proposed by and for that lay community.

Keywords: Catholic Church, Spirituality, Music, Catholic Charismatic Renewal, Shalom Catholic Charismatic Community

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

• Foto 1 – 5a edição do Festival Halleluya Rio – Arcos da Lapa, RJ...38 • Foto 2 – Missa no subsolo da Catedral Metropolitana do Rio de Janeiro – Lapa,

RJ...39 • Foto 3 – Reunião da Célula Mãe da Ternura – Maracanã, RJ...46

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Sumário

Introdução ... 1

Cap. 1 – Uma nova primavera: o Concílio Vaticano II e a Renovação Carismática Católica . 4 1.1 O Pré-Concílio Vaticano II ... 4

1.2 O Concílio Vaticano II ... 6

1.2.1 A recepção do Concílio Vaticano II na América Latina ... 9

1.3 A Renovação Carismática Católica: um novo modo de ser Igreja ... 11

Cap. 2 – Fogo do céu: a música carismática católica ... 20

2.1 A espiritualidade carismática ... 20

2.1.1 Música litúrgica: história e transformações ... 21

2.2 A música na RCC e a produção musical contemporânea ... 25

Cap. 3 – “Somos a voz do Ressuscitado”: a música na Comunidade Católica Shalom ... 32

3.1 O Shalom e as Novas Comunidades ... 34

3.2 “Ide e anunciai o Evangelho a Toda Criatura”: a música na evangelização Shalom ... 37

3.3 “A festa que nunca acaba”: a música na identidade Shalom ... 44

Conclusão ... 55

Referências Bibliográficas ... 58

Links e sites consultados ... 59

Entrevistas ... 60 Outras citações ... 60 Outras referências ... 60          

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Introdução

O papel desempenhado pela música no âmbito religioso é um assunto que sempre nos atraiu. A necessidade de pensar em como se dá a relação dos indivíduos com o sagrado através da manifestação musical nos chamou especial atenção no contexto da religião católica, por se tratar de um tema e um ambiente com os quais possuímos proximidade.

O interesse para desenvolver esta pesquisa nasceu precisamente das experiências que tivemos enquanto participante de um ministério (grupo) de música da Igreja Católica que, há anos, circula em espaços deste universo para realizar shows e conduzir encontros e eventos. Mais especificamente, muitas dessas atividades possuíam vínculo com o movimento de revivescência espiritual da Renovação Carismática Católica (RCC), que detém expressão particular no universo do catolicismo – o que nos permitiu construir um olhar sobre as tramas entre música e fé, à luz da sua proposta de espiritualidade.

Ao perceber que a música operava significativos mecanismos no singular exercício espiritual proposto pela RCC, começamos a nos indagar: porquê o elemento musical é tão importante para este movimento? Como seus membros atribuem sentido à música na sua vivência de fé? De que maneiras a música poderia potencializar ou dificultar a experiência dos participantes? Existem aspectos que são próprios das canções executadas nesses ambientes? Há um uso deliberado da música pela organização do movimento ou ele é espontâneo?

Essas e outras questões foram sendo pensadas por nós antes mesmo deste trabalho começar. Para algumas delas, arriscávamos sugerir algumas respostas, tendo em vista que o nosso já comentado envolvimento com a música nesse contexto pressupunha certa compreensão do funcionamento de suas estruturas. Entretanto, compreendíamos que, para enfrentar com sensatez um assunto desta complexidade, seria necessário descontruir nosso olhar acerca deste universo aparentemente já tão conhecido por nós.

Nesse sentido, começamos a empreender leituras, conversas informais e visitas a espaços que, pouco a pouco, foram nos conduzindo para um recorte ainda mais específico do tema proposto. Então, na Comunidade Católica Shalom, que advinda da Renovação Carismática Católica, ao beber de sua proposta espiritual para construção de uma própria, encontramos um ambiente favorável para a reflexão destas questões. Isto porque, através das artes e, especialmente, da música, a Comunidade Shalom desenvolve parte substancial de sua espiritualidade, que está calcada na noção do louvor e que tem no jovem o centro de suas ações.

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Assim, delineamos nossos interesses, possibilidades e os caminhos que nos auxiliariam a chegar a nossa pergunta final: qual o papel da música na construção da espiritualidade da Comunidade Católica Shalom?

Para cercar esta inquietação, nos valemos de uma abordagem transdisciplinar, que procurou assimilar elementos de disciplinas como a História, a Antropologia, a Musicologia e a Comunicação, por exemplo, compreendendo a necessidade de articulação de diferentes áreas do saber para o entendimento mais preciso do objeto estudado. Esta pesquisa não pretende, entretanto, se projetar como um resultado conclusivo de nenhum dos campos mencionados. Pelo contrário, tal empreitada só se torna possível ao partirmos de nosso repertório construído no contexto da Produção Cultural, que nos possibilita a elaboração de um olhar específico no entrecruzamento de tais domínios.

No intuito de nos aproximar de nosso objeto, valemo-nos da bibliografia existente sobre a Igreja Católica, sobre a Renovação Carismática Católica, sobre as Novas Comunidades, bem como sobre a religiosidade católica contemporânea brasileira e os elementos que a cercam; e da pesquisa de campo, empreendida em aproximadamente 10 ambientes da Comunidade Shalom, divididos entre grupos de oração, missas, vigílias, encontros e outros eventos (especialmente o Festival Halleluya). Além disso também lançamos mão de entrevistas com cerca de 4 membros da Comunidade, partindo da observação participante, na perspectiva de Roberto Cardoso de Oliveira. Para tematizar as circunstâncias que favorecem nossa análise, apresentamos a seguir a estrutura deste trabalho.

No primeiro capítulo, abordaremos um momento histórico vivido pela Igreja Católica no século XX que transformou de maneiras significativas suas estruturas: trata-se do Concílio Vaticano II, encontro que reuniu bispos do mundo inteiro em Roma (Itália) na década de 1960, a fim de reformar questões internas da Igreja e renovar o seu diálogo com a sociedade e com outras religiões. Tal acontecimento, que ganha ecos até hoje, possibilitou o afloramento de agrupamentos religiosos liderados por leigos, no qual a Renovação Carismática emerge com proeminência. Exploraremos como a RCC inaugura uma nova proposta de vivência da fé católica, através da reintrodução da figura do Espírito Santo, apresentando um jeito de cultuar a Deus pautado nos moldes da emotividade e da subjetividade, no qual a música passou a ser parte constituinte.

A relevância da música nesse contexto, entretanto, não se dá de maneira isolada. Para compreender a construção do lugar ocupado pela música na espiritualidade da RCC, procuraremos apresentar no segundo capítulo um panorama da música cristã católica, investigando brevemente as transformações e usos do elemento musical na história da religião, que desencadearam na construção da por nós chamada “música carismática católica”. Serão explorados os principais

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aspectos dessa produção musical contemporânea, que carrega consigo atributos da produção musical secular e que, em seu fim, colabora para a construção da espiritualidade carismática.

Por fim, no terceiro capítulo, tentaremos entender como a música, composta pelas características acima mencionadas, insere-se na espiritualidade da Comunidade Católica Shalom: grupo religioso fundado na década de 1980 por um jovem da cidade de Fortaleza que se dispôs a ofertar sua vida e juventude em favor da evangelização de outros jovens. Para compreender como a música se insere na construção dessa espiritualidade, dividiremos nossa atenção entre a análise da utilização da música determinada pela Comunidade para a evangelização e, num segundo momento, buscaremos compreender como seus membros estabelecem uma relação com o fator musical, que se coloca como parte constituinte da identidade deste grupo.

As discussões aqui apresentadas são apenas pequenas pistas para a compreensão de um universo cheio de possibilidades e idiossincrasias. Nossa intenção é tentar colaborar para que ao menos parte das dúvidas suscitadas se desloquem para um outro lugar – mesmo que este seja de novas interrogações.                                                      

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Capítulo 1 – Uma nova primavera: o Concílio Vaticano II e a Renovação Carismática Católica

Ao nos dedicarmos sobre o protagonismo desempenhado pela música na vivência religiosa proposta pela Comunidade Católica Shalom, faz-se importante antes analisar o contexto de formação e consolidação do movimento do qual ela emerge: a Renovação Carismática Católica (RCC) no Brasil. Nesse sentido, neste capítulo vamos analisar o período histórico que propicia a formação da RCC, como um movimento que emerge e pertence à Igreja Católica (IC), percorrendo o contexto pelo qual passava a instituição: as questões políticas e sociais que interfeririam em seu modo de se colocar no mundo e a maneira como a Igreja lidou com as transformações em curso naquele momento. O mais significativo acontecimento que marca essa transição é o Concílio Vaticano II. É sobre este episódio e sobre seus desdobramentos que propiciaram o ambiente de formação da RCC que trataremos a seguir.

1.1 O Pré-Concílio Vaticano II

Um concílio “é um encontro de bispos cujo objetivo é precisar ou reorientar a doutrina da fé e fortalecer ou reformar a organização da Igreja”1. Na história da Igreja Católica já foram realizados mais de 17 concílios e quem os convoca é o papa, líder mais alto na hierarquia católica. O Concílio Vaticano II começou no ano de 1962 e teve duração de 4 anos. Ganhou esse nome em referência ao local que o sediou, o Vaticano, país sede do catolicismo, localizado na cidade de Roma, Itália. Os episódios que justificam a realização do Vaticano II são muitos.

O período histórico que antecede ao evento é marcado por profundas transformações no mundo. A Europa do século XIX era atravessada pelos efeitos da Revolução Industrial (1780-1840), que estabelecia a transição e introduzia novos mecanismos nos modos de produção, aumentando em quantidade a geração de bens de consumo. O modo capitalista de produção se expandia e se estabelecia no mundo de maneiras definitivas, provocando alterações em diferentes âmbitos da esfera social. A industrialização ocasionou mudanças não só na Europa, mas em diferentes culturas.

Desde o século XVIII, a sociedade respirava ares dos ideais liberais da Revolução Francesa (1789-1799) que, indo ao encontro da industrialização e das novas dinâmicas de trabalho, estimularam outros tantos movimentos revolucionários no continente europeu. É o caso da                                                                                                                

1 De acordo com Laurence Desjoyaux (2012). Disponível em: http://www.ihu.unisinos.br/noticias/506998-vaticano-ii-um-concilio-ecumenico. Acessso em 11/07/2015.

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independência da Bélgica (1830), com a separação dos países baixos, e da unificação da Itália (1859-1870) – apenas para citar alguns exemplos.

Este contexto de revoluções políticas, econômicas e culturais que, inicialmente, se destacava apenas na Europa, rapidamente se espalhou pelos cinco continentes. A Igreja Católica que, até então, havia sido a principal reguladora da vida social e grande responsável pela formação cultural do povo ocidental, começava a ver sua atuação colocada em xeque pelos efeitos revolucionários. Na Revolução Francesa, quando foram confrontadas e gradativamente derrubadas as monarquias absolutistas, começava a cair por terra também a supremacia do catolicismo, como a religião oficial, e da autoridade política baseada na crença religiosa. Na França, a figura do monarca, antes instituída pelos bispos, sob alegação do “direito divino”, passava agora a ser determinada através da “soberania nacional”. A estreita e quase indissociável relação entre Igreja e Estado era, aos poucos, diluída. A formação dos Estados Nacionais, o desenvolvimento da ciência, a consolidação do liberalismo, dentre tantas outras transformações, levaram a sociedade a considerar o catolicismo “uma religião arcaica, anticientífica e por alguns teóricos, alienante.” (MEDEIROS, 2013, p. 4).

Diante deste cenário, a instituição romana vê seu lugar ameaçado e compreende a necessidade de reação. É nesse espírito que, ainda no século XIX, o Papa Pio IX (1869-1870) convoca o Concílio Vaticano I (1869-1870). Este Concílio, que nunca chegou a ser concluído, devido à guerra franco-prussiana, teve como principal objetivo proteger e reafirmar a autoridade da Igreja no mundo. Dentre suas principais medidas, estavam: a consolidação da soberania papal, através do estabelecimento do princípio perpétuo petrino2; a reafirmação dos “perigos” que assolavam a igreja, condenando o liberalismo, o protestantismo, o racionalismo, o socialismo, o casamento civil – dentre outras práticas e confissões religiosas emergentes à época; e o estabelecimento de Roma como o centro da catolicidade no mundo (MEDEIROS, 2013). Tais medidas representavam uma política de auto-afirmação da Igreja: erguia-se uma fortaleza contra ameaças externas. Para tanto, a Igreja lançava mão de posturas radicais, adotando medidas extremistas, como a excomunhão daqueles que não fossem fieis à doutrina estabelecida.

Apesar de tais ações representarem uma resposta às pressões externas, as transformações nesse período foram, essencialmente, de caráter interno – diferença crucial entre este concílio e o Vaticano II.

À medida que os papados se sucederam, novos acontecimentos seguiram provocando mudanças dentro da Igreja Católica e na sua relação com o mundo. A história nos mostra que, nos                                                                                                                

2 O “princípio perpétuo petrino”, ou apenas “princípio perpétuo”, trata-se da instauração da autoridade papal perpétua e ininterrupta, desde o apóstolo Pedro, considerado o primeiro papa da Igreja Católica, até o atual pontífice. Tal medida reforça o caráter centralizador de sua figura.

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diferentes pontificados, a instituição caminhava para um crescente reconhecimento da necessidade de escuta. Porém, diante das novidades, dava passos tímidos e concentrava seus esforços no estabelecimento de medidas que ainda diziam respeito apenas à doutrina, à teologia e a pequenas reformas internas. Esta é a situação vigente conservada entre os papados de Pio X (1870-1914) e Bento XV (1914-1922).

Apenas em Pio XI (1922-1939), já no século XX, é que é possível identificar com mais clareza uma maior abertura da Igreja. Seu papado se dá no entre-guerras. Pio XI se depara com o fortalecimento de regimes como o fascismo, nazismo e stalinismo e confronta-se com uma época de perseguição à Igreja e hostilização aos valores cristãos. Apesar disso, através de encíclicas, encorajou o clero autóctone nas missões, condenou o racismo e o anti-semitismo e criou comissões de leigos. O grupo Ação de Leigos Católicos funcionava como uma extensão da hierarquia de Roma. Universitários, operários e colegiais deveriam estar inseridos em seus ambientes de tal maneira que trouxessem os problemas da modernidade para dentro da Igreja. Este pode ser identificado como o primeiro passo para uma maior participação do leigo na estrutura da Igreja – um dos temas centrais no Concílio Vaticano II e de especial interesse para o presente trabalho, já que ele se coloca como uma preparação de um terreno fértil para a criação da Renovação Carismática Católica.

Essa abertura da Igreja, entretanto, retrocedeu com Pio XII (1939-1958). O pontífice, que ocupou por quase 20 anos o trono de Pedro, evocava no imaginário o que havia de mais autoritário e soberano na figura papal. Apesar de estar atento às transformações no mundo, cada vez mais rápidas, o papa possuía uma “prudência exagerada” (SOUZA, 2005, p. 4). Acreditava que a solução que a Igreja poderia oferecer aos problemas da modernidade estava na exposição ainda maior de sua doutrina. Nesse sentido, elaborou numerosas encíclicas sobre o tema. Também combatia e condenava teorias evolucionistas, existencialistas e historiográficas e perseguia muitos teólogos – que, mais tarde, seriam peças fundamentais no Vaticano II. “Esses e outros casos idênticos pareciam justificar a queixa, frequentemente ouvida, de que dentro da própria Igreja existia uma opressão espiritual.” (SOUZA, 2005, p. 5).

Diante da crise estabelecida, e de incontáveis apelos vindos do interior da própria igreja, Pio XII compreende a urgência e necessidade de convocar um concílio. Iniciou lentamente os preparativos para a reunião, porém, seu estado de saúde não lhe permitiu os concluir.

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No mesmo mês em que faleceu Pio XII, em 1958, a Cúria Romana elegeu o seu sucessor. O nome do novo chefe da Igreja Católica, anunciado um mês após a morte de Pio XII, causou surpresa. Ângelo Roncalli, arcebispo italiano que escolhia por novo nome João XXIII (1958-1963), não era uma indicação esperada. Para o grande público, sua nomeação parecia uma simples escolha de transição – já que João XXIII possuía 77 anos no momento de sua eleição e não se destacava com um possibilidade expressiva.

Porém, logo que assumiu o posto, João XXIII contrariava todas as expectativas e anunciava seu primeiro projeto e aquele que seria o maior evento do catolicismo no século XX: a realização de um concílio ecumênico3. A convocação do Concílio Vaticano II se deu durante uma missa celebrada por intenção da unidade de todos os cristãos. Para o papa, "era necessário limpar a atmosfera de mal-entendidos, de desconfiança e de inimizade que durante séculos tinha obscurecido o diálogo entre a Igreja Católica e as outras igrejas cristãs." (SOUZA, 2005, pág. 6). Seu projeto, entretanto, contemplaria uma reforma muito maior, em que o diálogo da Igreja com o mundo contemporâneo e a renovação de certas estruturas da instituição seriam pilares.

Era seu desejo promover uma ampla reforma do catolicismo e, para isso, estabelecia como programa para o Concílio um aggiornamento: uma atualização da Igreja, através de sua inserção no mundo, apresentando um cristianismo presente e atuante. Para isso, indicava que tais mudanças deveriam acontecer ad intra, ou seja, dentro da própria igreja, através de seus dogmas e doutrinas, e ad extra, fora dela, o que indicaria uma missão pastoral da Igreja por todo o mundo (RASCHIETTI, 2002).

Se, por um lado, seus anseios inspiravam grande parte da comunidade cristã católica desejosa por mudanças - entre clero e leigos -, por outro existia uma extrema preocupação da Cúria Romana que, embora reconhecesse a necessidade de continuidade do Concílio Vaticano I, acreditava que seria melhor manter consigo a condução dos passos da instituição.

Tais divisões poderiam confirmar as tensões existentes dentre seus representantes. O episcopado divergia entre aqueles que encontravam na tradição e na doutrina o necessário para a perpetuação da religião cristã e aqueles que acreditavam na reforma como uma medida urgente e necessária para sua continuidade. Mais tarde, ao início das reuniões conciliares, esses “grupos” poderiam ser mais facilmente identificados entre conservadores e progressistas (SOUZA, 2005).

Apesar da avançada idade, com espírito alegre e jovem, João XXIII também partilhava da crença na mudança. Havia uma sensibilidade do pontífice acerca da situação mundial e de como ela influenciava e convocava novas atitudes da Igreja. João XXIII mostrava-se atento à                                                                                                                

3Ao contrário dos concílios regionais, um concílio ecumênico reúne os bispos da oikumène, do mundo inteiro. Suas

decisões devem ser aplicadas pelos fiéis de todo o mundo. Além disso, o ecumenismo, neste caso, também faz referencia à aproximação da Igreja às outras denominações cristãs.

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necessidade missionária do catolicismo e mais interessado nas questões internacionais que nas “circunstâncias políticas internas italianas”. (RASCHIETTI, 2002, p. 3). Porém, como pudemos observar, a aparente surpresa da convocação do Vaticano II possuía, na verdade, argumentos mais enraizados. O período anterior ao Vaticano II, suas figuras e medidas, moldaram um ambiente favorável ao desenvolvimento desta reunião.

Dado isto, segundo Raschietti, é possível esquematizar a inspiração de João XXIII para a convocação do evento em três pontos centrais, a partir de seus pronunciamentos preparatórios ao Concílio4: 1) o concílio como um “novo Pentecostes”5, onde a Igreja passaria por uma transição para uma nova época; 2) as mutações de sua doutrina, evidenciando a necessidade de colocação do Evangelho, ou seja, da palavra de Deus, em contato com o mundo moderno; e 3) o trabalho para a unidade dos cristãos, a promoção da paz e preservação da família humana. (RASCHIETTI, 2002). Entretanto, inicialmente, os trabalhos preparatórios do Concílio não conseguiram seguir tais diretrizes satisfatoriamente. O primeiro passo para sua estruturação consistiu em uma consulta preliminar a teólogos, instituições, universidades e bispos do mundo todo, através do envio de questionários. A maioria das 2.000 respostas recebidas revelava o pensamento predominante da Igreja pré-conciliar. Prevalecia uma tendência à preservação da doutrina e uma preocupação às questões administrativas e canônicas. (SOUZA, 2005).

Apesar disso, o material daí colhido foi de relevância para o passo seguinte: elencaram-se temas de discussão e foram estabelecidas comissões preparatórias que tinham como tarefa organizar e redigir os documentos, chamados de esquemas, com os assuntos a serem debatidos e cujas redações finais deveriam ser aprovadas pelos bispos no Concílio. As comissões, formadas por mais de 840 pessoas em seu número final – dentre elas, bispos, professores universitários, diretores de revistas e jornais e outros religiosos – deveriam elaborar os textos e entregá-los aos bispos eleitos à participação no Concílio em tempo hábil para que, mais tarde, pudessem ser discutidos e emendados, se necessário. O número final de comissões era de 10 e seus temas debatiam desde a reforma da liturgia, até a relação com as igrejas orientais, passando pelos meios de comunicação e a participação do leigo na vida cotidiana da Igreja.

                                                                                                                4

A constituição Humanae Salutis, a mensagem radiofônica de 11 de setembro de 1962 e a alocução Gaudet Mater

Ecclesia, da abertura do Concílio, no dia 11 de outubro do mesmo ano.

5 A festa de Pentecostes marca um novo momento da Igreja Católica, em que o Espírito Santo – terceira pessoa da Santíssima Trindade, conforme a tradição cristã – se manifesta ao povo de Deus, e inspira-lhe um novo ânimo: “Pentecostes era a segunda das três festas em que todo israelita tinha de comparecer diante de Javé. É também conhecida como a festa da colheita do trigo, portanto era uma celebração eminentemente agrária, celebrada cinquenta dias depois da Páscoa. Nessa reunião festiva confluíam a Jerusalém peregrinos vindos de todas as partes. Após a morte de Jesus, segundo o relato do Novo Testamento, o Espírito Santo desceu sobre a comunidade cristã de Jerusalém na forma de línguas de fogo. Todos os apóstolos ficaram cheios do Espírito Santo e começaram a falar em outras línguas.” (CARRANZA, 2000)  

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Finalmente, após cerca de 3 anos de intensa preparação, iniciou-se o Concílio Vaticano II. Em sua solenidade de abertura, no dia 11 de outubro de 1962, na praça São Pedro, o papa declarava suas expectativas e inspirações para aquele encontro aos presentes:

“Pode dizer-se que o céu e a terra se unem na celebração do Concílio: os santos do céu, para proteger o nosso trabalho; os fiéis da terra, continuando a rezar a Deus; e vós, fiéis às inspirações do Espírito Santo, para procurardes que o trabalho comum corresponda às esperanças e às necessidades dos vários povos. Isto requer da vossa parte serenidade de espírito, concórdia fraterna, moderação nos projetos, dignidade nas discussões e prudência nas deliberações.”6

Neste trecho, o papa se dirige especialmente aos representantes do clero presente, escolhidos dentre muitos para a participação no Concílio. A reunião, que provocaria grandes mudanças na história da Igreja, já anunciava ineditismos antes mesmo de começar. Nela, 2.540 padres participavam com direito a voto – número nunca alcançado em concílios anteriores. Destes, menos da metade era de europeus e, ali, os cinco continentes estavam representados.7 Era o Concílio mais universal da história da Igreja Católica. Esta diversidade episcopal trazia para as discussões temas caros à realidade de cada país presente. Por isso, os textos iniciais dos documentos postos para votação sofreram significativas alterações até sua versão final – alguns deles só se consolidariam em Paulo VI (1963-1978)8.

Ao final da reunião, os inúmeros textos produzidos e publicados revelaram mudanças e esclarecimentos sobre estruturas de dentro da própria Igreja, sobre o que faz a Igreja e sobre a relação da Igreja com o mundo. Foram revisitadas antigas concepções, como as fontes da revelação da fé, a relação da Igreja Católica com as outras denominações cristãs, o trabalho das missões, a vida dos sacerdotes, dentre outras.

1.2.1 A recepção do Concílio Vaticano II na América Latina

Segundo Beozzo (2005), um concílio da natureza do Vaticano II precisa ser observado sob três dimensões: o evento em si e seu processo, os textos dele resultantes e sua recepção. Como exemplo de resultado pós-conciliar, podemos destacar uma significativa alteração na liturgia, onde se passou a ter uma evidente preocupação acerca do papel desempenhado pelos fieis na missa: em                                                                                                                

6 “Discurso de Sua Santidade Papa João XXIII na abertura solene do ss. Concílio”. Disponível em: http://w2.vatican.va/content/john-xxiii/pt/speeches/1962/documents/hf_j-xxiii_spe_19621011_opening-council.html. Acesso em 3/05/2015.

7 No Concilio Vaticano I, 80% do corpo eclesial era composto por europeus, dentre os quais, 60% eram italianos. (SOUZA, 2005)

8 João XXIII faleceu em 1963 e, logo que eleito, Paulo VI anunciou o prosseguimento do Concílio, que ainda não havia chegado ao fim. Se João XXIII estabeleceu o espírito pelo qual deveriam se guiar as reuniões, Paulo VI imprimiu um tom mais prático a elas, conduzindo as redações finais dos esquemas e organizando-os para sua publicação.

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vez de apenas assistir, deveriam agora participar, celebrando juntamente com o sacerdote durante o rito. O padre não mais celebra a missa de costas, mas se vira de frente, simbolizando um diálogo com a assembleia. Além disso, durante o rito, passou-se a admitir a adoção das línguas vernaculares, em predileção ao latim. Também houve uma maior permissividade para a execução da música sacra que, antes, exclusiva apenas ao canto gregoriano, passou a se valer, ao poucos, de ritmos e melodias populares.9

Tais mudanças nos evidenciam uma maior preocupação com a figura do leigo por parte da instituição católica. Este deixa de ocupar um lugar passivo e começa a se engajar nas diferentes atividades e esferas da Igreja, sendo compreendido como integrante de sua construção e fundamental para sua longevidade.

Esse cenário ganha contornos ainda mais expressivos quando observamos os desdobramentos do Concílio Vaticano II no contexto da América Latina. A recepção do evento no continente sul-americano é marcada pela II Conferência Geral do Episcopado Latino-americano (1968), reunião de bispos realizada na cidade de Medellín (Colômbia), que teve como finalidade discutir e aplicar as resoluções conciliares no continente, à luz da realidade latino-americana. Se é verdade que o Vaticano II respondeu a demandas compartilhadas pelas diferentes nações, também é verdade que houve lacunas em sua agenda para assuntos específicos, que precisavam ser ainda discutidos pontualmente.

No caso latino-americano, o problema social se colocava como uma questão urgente. A Conferência de Medellín concentrou seus esforços em construir uma “Igreja para os pobres” e, para tanto, guiava-se pelo sentido de pastoralidade – mote pelo qual se orientou o Vaticano II. Neste movimento, foram entrecruzadas as experiências do clero e do laicato para operar uma igreja “implicada na busca dos caminhos para melhor servir ao povo latino-americano, no sentido de sua redenção e libertação”. (BEOZZO, 2005, p. 12).

Ganha destaque nesse cenário a figura de Dom Hélder Câmara, arcebispo brasileiro que mantinha estreita relação de amizade com o Papa Paulo VI e que se colocou como peça-chave para a continuidade do Vaticano II na América Latina, atuando, especialmente, para sua interseção no Brasil. Dom Hélder esteve à frente da criação da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), importante organismo brasileiro que, antes mesmo do término do Vaticano II, constituiu-se, a fim de estabelecer diretrizes para a ação da Igreja no Brasil e que hoje continuar a desempenhar importante função reguladora para o catolicismo brasileiro.

Os enfrentamentos da problemática social na América Latina e, especialmente no Brasil – que neste período enfrentava os efeitos da ditadura militar (1964-1985) –, tomam forma através da                                                                                                                

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Teologia da Libertação e, em seguida, da criação das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs): grupos locais de leigos, cuja missão era refletir e transformar a realidade social à luz dos ensinamentos bíblicos e da doutrina católica. As CEBs foram desenvolvidas como franca iniciativa da CNBB, recebendo incentivo do corpo eclesial. Elas se colocam como resposta direta às orientações do Vaticano II, frente à necessidade de participação dos leigos na vida da Igreja.

Outros movimentos espontâneos também começam a despontar no mesmo período no Brasil, entretanto, como uma reposta indireta aos efeitos desencadeados pelo Concílio Vaticano II e ao ambiente por ele possibilitado. É o caso da Renovação Carismática Católica: movimento de revivescência espiritual originário dos Estados Unidos, na década de 1960 que, em menos de 10 anos de existência, já se consolidava como uma atividade expressiva no Brasil, contando com diversos representantes em muitas partes do país. Sua origem, principais características e as razões de sua vertiginosa expansão é o que tentaremos explorar a seguir.

1.3 A Renovação Carismática Católica: um novo modo de ser Igreja

Como vimos, o Vaticano II inaugura a oferta de um ambiente amigável aos leigos, que começam a se sentir encorajados e estimulados a participarem da promoção do Evangelho, engajando-se em diferentes atividades com esse fim. Como resultado disso, começam a surgir no pós-Concílio agrupamentos religiosos formados e liderados por leigos que, embora com diferentes objetivos, apresentavam formatos semelhantes. É o caso, no Brasil, das CEBs, alavancadas pela Teologia da Libertação – que tinha como alvo de sua ação as pessoas em situação de pobreza –; dos Cursilhos de Cristandade, dedicados às missões, através da formação de peregrinos; dos Encontros de Casais com Cristo, criados para o fortalecimento do matrimônio; dentre outros.

Esse envolvimento prático dos leigos, porém, só foi possível graças a um projeto de renovação espiritual maior sobre o qual se calcou o Concílio. No decreto papal Lumen Gentium, podemos identificar essa marca logo no primeiro parágrafo, quando se evidencia a primordialidade da figura do Espírito Santo para a fé católica:

“A luz dos povos é Cristo: por isso, este sagrado Concílio, reunido no Espírito Santo, deseja ardentemente iluminar com a Sua luz, que resplandece no rosto da Igreja, todos os homens, anunciando o Evangelho a toda a criatura (cfr. Mc. 16,15).”10

E prossegue:

                                                                                                               

10 Disponível em: http://www.vatican.va/archive/hist_councils/ii_vatican_council/documents/vat-ii_const_19641121_lumen-gentium_po.html. Acesso em: 11/07/2015

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“E assim como todos os membros do corpo humano, apesar de serem muitos, formam no entanto um só corpo, assim também os fiéis em Cristo (cfr. 1 Cor. 12,12). Também na edificação do Corpo de Cristo existe diversidade de membros e de funções. É um mesmo Espírito que distribui os seus vários dons segundo a sua riqueza e as necessidades dos ministérios para utilidade da Igreja (cfr. 1 Cor. 12, 1-11). Entre estes dons, sobressai a graça dos Apóstolos, a cuja autoridade o mesmo Espírito submeteu também os carismáticos (cfr 1 Cor. 14).”11

A Lumem Gentium, um dos últimos e mais extensos documentos conciliares publicados, recorda aos fiéis a dimensão fundamental do carisma: aspecto essencial da espiritualidade cristã, inerente à ação do Espírito Santo, cuja manifestação se colocaria como vital ao exercício religioso. Segundo a tradição católica, o Espírito Santo é a terceira pessoa da Santíssima Trindade, composta ainda por Pai (Deus) e Filho (Jesus Cristo) e cuja união forma um só Deus. A manifestação do Espírito Santo havia sido anunciada por Jesus, antes mesmo de sua morte: desceria sobre seus discípulos o Paráclito, o Consolador; Aquele que, após sua ressurreição, os faria entender e os lembraria de todas as coisas e que os acompanharia até sua segunda vinda12.

É na festa de Pentecostes que os apóstolos de Jesus, reunidos, recebem o Espírito Santo em forma de línguas de fogo e começam a falar em dialetos estranhos.13 A partir desse episódio, a figura do Espírito Santo é introduzida na tradição cristã, colocando-se como aquele que dá ânimo à vida espiritual do crente, confortando-o e revelando-lhe o amor de Deus Pai.

Apesar da importância eminente, entretanto, sua presença parece ter sido subvalorizada por anos na história da Igreja.14 O crescente reconhecimento da importância do Espírito Santo tem seu ponto alto no Vaticano II, quando este recoloca sua Pessoa num lugar central ao entendimento e experiência da fé .

Neste contexto é que nasce a Renovação Carismática Católica: movimento de revivescência espiritual que tem como premissa a ação do Espírito Santo e que, impulsionado pelo ambiente do Concílio, conjugou esses dois aspectos: os dons e carismas do Espírito Santo ao engajamento efetivo dos leigos na prática religiosa. Como sugere Chagas,

É permitido pensar, considerando o Vaticano II com o recuo de dez anos, que marcando a sua fé nos carismas, o Concílio cumpria sem o saber, um gesto profético e preparava os cristãos de hoje a acolher a Renovação Carismática, que toma uma amplitude surpreendente sob nossos olhos, nos cinco continentes. (CHAGAS, 1976 apud CARRANZA, 2000, p. 28)

                                                                                                               

11 Ibdem.  

12 Passagem bíblica: João,15.

13 Passagem bíblica: Atos dos Apóstolos, 2.

14 Mesmo que modestamente, porém, em 1887 o papa Leão XIII elabora a encíclica Divinum Illud Munus, dedicada exclusivamente ao Espírito Santo e à sua compreensão no universo católico. Disponível em: http://w2.vatican.va/content/leo-xiii/en/encyclicals/documents/hf_l-xiii_enc_09051897_divinum-illud-munus.html. Acesso em 11/07/2015.  

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Embora a RCC não se apresente em sua origem como um projeto institucional da Igreja, Chagas enfatiza que sua consolidação só foi possível graças às novas condições proporcionadas pelo Vaticano II. Mas, para além disso, o surgimento da RCC e sua rápida expansão estão antes enraizados num movimento amplo de avivamento espiritual cristão que ganha força no século XX nos Estados Unidos, repercutindo nas diferentes tradições e se estabelecendo ao redor do mundo com superior rapidez: o pentecostalismo protestante.

O movimento pentecostal emerge inaugurando um jeito de cultuar a Deus pautado nos moldes da emotividade e da subjetividade. Superando as práticas vigentes do protestantismo tradicional, o pentecostalismo propunha a prática de uma vida espiritual mais intensa e fervorosa, utilizando como premissa o batismo no Espírito Santo, o que significaria o início de uma vida renovada, marcada pela ação da terceira pessoa da Trindade.

O marco central do nascimento do pentecostalismo protestante está localizado nos Estados Unidos, nos primeiros anos do século XX e é representado por duas figuras: Charles Fox Parham e William Joseph Seymour. A “explosão” do pentecostalismo, entretanto, é normalmente atribuída ao que ficou conhecido como o Reavivamento da Rua Azuza, em Los Angeles (Azuza Street, LA, California - EUA), a partir do templo comandado por Seymour. Negro, filho de ex-escravos, Seymour dá a conhecer, em 1906, o local que, em pouco tempo, atrairia milhares de fiéis de distintas partes do mundo e que ficaria conhecido como a American Jerusalem15: de lá, partiram missionários que levaram a espiritualidade pentecostal para as várias partes do mundo. (CAMPOS, 2005)

A proposta de uma espiritualidade mais vigorosa do pentecostalismo sintonizava-se com a oferta de um lugar de resposta às aflições sociais. Sua alternativa de prática da fé cristã, que colocava mais em evidência a relação interpessoalizada com Deus, e permitia e incentivava expressões corporais até então suprimidas pelas principais tradições religiosas cristãs, encontrava forte apelo com as classes menos abastadas, num momento da história norte-americana em que a sociedade deparava-se com significativas mudanças em sua malha social. Os últimos anos do século XIX deixavam uma América do Norte marcada pelo

trauma da Guerra Civil; libertação dos escravos negros; tensões raciais; crise prolongada do mundo da agricultura no sul do país; mobilidade populacional em direção às cidades do norte em processo de industrialização; chegada de milhões de imigrantes brancos, que vinham refazer na América laços rompidos pela pobreza e miséria na Europa de então. (CAMPOS, 2005, p. 105).

                                                                                                               

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A pluralidade de pessoas com distintas nacionalidades que compareciam às reuniões da Rua Azuza contribuiu para a rápida expansão e enraizamento do pentecostalismo em diferentes países. Na década de sessenta, período de nascimento da RCC, muitos outros movimentos de avivamento também vinham se consolidando, reforçando as possibilidades de uma nova vida espiritual cristã, cuja noção de fé está marcada por experiências emocionais e sensitivas, além da observação estrita dos valores morais cristãos.

A consolidação da RCC ganha ecos neste cenário. Tem-se registro do seu surgimento na mesma década em que se iniciam as sessões conciliares do Vaticano II. Ainda sem possuir esta nomenclatura, seu início é marcado por um retiro espiritual realizado em fevereiro de 1967 na Universidade de Duquesne, em Pittsburgh (Pensilvânia, EUA). Patti Mansfield, participante do retiro e uma das fundadoras do movimento, relata que ela e seus colegas vivenciaram neste fim de semana uma experiência que transformaria suas vidas. Segundo ela:

“Fomos sendo conduzidos para a capela, um de cada vez, e recebendo a graça que é denominada de Batismo no Espírito Santo, no Novo Testamento. Isto aconteceu de maneiras diversas para cada uma das pessoas. Eu fui atingida por uma forte certeza de que Deus é real e que nos ama. Orações que eu nunca tinha tido coragem de proferir em voz alta, saltavam dos meus lábios. [...] Este não era, pois um simples bom fim de semana, mas, na realidade, uma experiência transformadora de vida que ainda está prosseguindo e se desenvolvendo em crescimento e expansão.”16

O trecho é retirado de uma carta enviada por Mansfield para um professor da universidade, dois meses após o retiro, que prossegue apresentando detalhes do fim de semana, como as leituras que preparariam seus participantes para o encontro. Elas eram a passagem bíblica de Atos dos Apóstolos que narra o acontecimento de Pentecostes (Atos dos Apóstolos: 2) e o livro “A Cruz e o Punhal”, de autoria do pastor norte-americano David Wilkerson – o que evidencia a forte herança do pentecostalismo protestante na formação da RCC.

Também em outros registros sobre a origem do movimento17, é possível identificar muitos traços que ainda hoje lhe são definidores e o assemelham ao pentecostalismo, tendo-lhe conferido, dessa maneira, a denominação inicial de pentecostalismo católico. A reza com os braços para o alto; a priorização da emotividade, afetividade e espontaneidade como maneiras de comunicação com o divino; a atribuição às sensações – físicas e não-físicas – como indicativo de experiências místicas e certeza da presença de Deus, e a necessidade de milagres como prova da existência divina podem ser listados como alguns de seus principais aspectos. O mais definidor deles,

                                                                                                               

16  Disponível em: http://rccbrasil.org.br/ Acesso em: 11/07/2015.  

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entretanto, é o batismo no Espírito Santo, manifestação que confere especificidade ao movimento dentro da Igreja Católica, distinguindo-o de outros movimentos (CARRANZA, 2000).

Esses aspectos, presentes nos contextos católico e protestante, permitiram uma aproximação de ambas as denominações religiosas num primeiro momento, correspondendo ao desejo do próprio Concílio Vaticano II acerca de um ecumenismo cristão. As fortes semelhanças, porém, logo se tornaram motivo de desconfiança e desaprovação entre as alas mais conservadoras da Igreja. Havia um forte receio da instituição romana sobre uma possível “contaminação” dos católicos pelas “seitas evangélicas”. Por isso, dentro da hierarquia católica, predominava-se uma posição contrária ao estabelecimento do movimento.

Tal preocupação talvez se explicasse pela crescente perda de fieis que vinha enfrentando o catolicismo, em países como o Brasil, em detrimento do surgimento das novas denominações protestantes, especialmente pentecostais e neo-pentecostais – cujas características exploramos acima e serviram como norte para a consolidação da RCC.

Alguns pesquisadores consideram que o processo de reconhecimento da RCC como um movimento integrante da experiência da Igreja se deu razoavelmente rápido e consistiu-se como uma manobra institucional para resgatar e evitar a evasão de fiéis, num momento em que a influência do Catolicismo no campo religioso estava ameaçada. Ainda que não haja consenso a esse respeito, o fato é que a Igreja assume a RCC como um movimento legitimamente católico, quando do reconhecimento papal em 1973, através da Exortação Apostólica Evangelii Nuntiandi18.

O discurso do então papa Paulo VI que, futuramente, é reafirmado por João Paulo II, aponta um novo momento para o movimento, que passa a encontrar na tradição e doutrina católicas, âncoras para sua ação. Aliadas às experiências fundacionais da valorização dos dons e carismas, a RCC se apropria com avidez da prática da leitura da Bíblia, da reza do terço, do zelo missionário, do comparecimento aos sacramentos19 e do culto à Virgem Maria (mãe de Jesus), tendo como base a oração. (CARRANZA, 2000).

Essa transição para uma vivência intensa da doutrina católica – particularmente caracterizada pela reza do terço e pelo culto a Maria – marca o rompimento da RCC com o pentecostalismo protestante, ainda que, até hoje, permaneçam muitas das características do então chamado “pentecostalismo católico”. Neste processo, aos poucos, o termo pentecostalismo católico é substituído por Renovação Carismática Católica, a fim de evitar possíveis interpretações                                                                                                                

18  Disponível  em:  http://w2.vatican.va/content/paul-­‐vi/pt/apost_exhortations/documents/hf_p-­‐ vi_exh_19751208_evangelii-­‐nuntiandi.html.  Acesso  em:  11/07/2015.  

19  Segundo Bourborema (2015), “Na Igreja Católica, os sacramentos são ritos sagrados instituídos por Jesus Cristo com a função de dar, confirmar ou aumentar a graça. São um total de sete sacramentos: batismo, confirmação, eucaristia, penitência, unção dos enfermos, ordem e matrimônio.”  

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equivocadas, “já que pentecostal ou seita era a designação pejorativa dos evangélicos que não pertenciam às igrejas históricas” (CNBB, 1973 apud CARRANZA, 2000, p. 35).

Este caminho aponta traços de que o movimento, embora tivesse se expandido e ganhado força de forma bastante espontânea, vinha se estruturando dentro de uma lógica organizacional. A institucionalização da RCC, cujas ideias e práticas vinham se disseminando entre os fiéis, representava, por um lado, o seu reconhecimento e legitimação junto à hierarquia católica. Por outro, tal processo significaria uma gradativa “racionalização e burocratização dos carismas”, através da criação de estruturas organizacionais e administrativas para concretizar na vida do fiel os dons do Espírito Santo. Assim, ao mesmo tempo em que a estruturação qualificava o movimento diante dos organismos romanos, ela também representava um abafamento da própria natureza carismática. (CARRANZA, 2000)

Essa burocratização pode ser exemplificada pelo caso brasileiro, dado que, em meados de 1975, o movimento já contava com uma comissão executiva e outra consultiva, apenas seis anos após sua chegada ao país. As origens da Renovação Carismática em território brasileiro se iniciam em 1969, na cidade de Campinas, interior do estado de São Paulo, através de Padre Haroldo, jesuíta norte-americano:

[...] O meu Movimento era chamado Encontro de Oração no Espírito Santo. Foi um pequeno grupo, que rezavam talvez com o nome de Renovação Carismática... não sei... esse nome não existia. (CARRANZA, 2000, p. 30)

Pe. Haroldo iniciou seus trabalhos no Brasil fundando o Treinamento de Lideranças Cristãs (TLC), que funcionou para formar lideranças cristãs durante a ditadura militar. O nascimento da RCC, portanto, segundo ele, seria uma salada dos elementos de diferentes propostas de grupos, com distintas espiritualidades.20 A partir desta junção, alguns grupos passaram a ser grupos de oração no Espírito Santo.

Tais grupos de oração, que tinham como público-alvo os jovens e o objetivo de suscitar uma experiência forte de iniciação na vivência espiritual, podem ser identificados como o embrião da atual RCC no Brasil:

O TLC teve como finalidade a formação do espírito comunitário nos jovens e a purificação da vida, isso aconteceu através de encontros catequéticos de final de semana, os quais se desenvolveram com uma estrutura própria e temáticas como: doutrina da Igreja, ação social, vocação cristã e inserção na comunidade. (RAHM 1971, p. 16-3 apud CARRANZA, 2000, p. 31)

                                                                                                               

20 Por exemplo, a espiritualidade jesuíta, da Juventude Estudantil Católica (JEC), da Juventude Operária Católica (JOC) e da Legião de Maria. (CARRANZA, 2000, p. 31)

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Para esses encontros, Pe. Haroldo ainda tinha a preocupação de manter contato com grupos pentecostais da região, a fim de se munir de literaturas acerca da experiência de batismo no Espírito Santo.

O pontapé dado pelo padre jesuíta e seu trabalho empenhado em colaboração com outros religiosos e leigos foi, aos poucos, desenhando o que hoje se conhece como a RCC. Seus esforços também contribuíram para a legitimação do movimento no Brasil, a partir do lançamento do livro Sereis Batizados no Espírito (1972) e do reconhecimento pela CNBB, em 1973, quando foi definido como “um novo modo de ser igreja”. À ocasião, Pe. Haroldo esclareceu a natureza da RCC, afirmando que

“...não se trata de uma organização ou movimento em sentido estrito [...] é uma experiência onde a pessoa abre toda a vida para um novo relacionamento com Deus, um novo estilo, uma entrega total e confiante ao poder de Deus Trino, residindo nela. A pessoa deixa que o Espírito Santo, por meio dos carismas, atue nela e por ela na comunidade, aderindo amorosa e alegremente a essa ação divina. Ela é, como gostam de dizer os seus protagonistas, ‘batizada no Espírito Santo’. Isso significa efusão especial e introdução em uma vida nova.21

Aos poucos e à medida que o movimento crescia e se organizava, Pe. Haroldo se afastou dele, mas a mesma ideia de transformação, de uma proposta de “vida nova”, ainda hoje perpassa as propostas de base da RCC. Com a expansão do movimento, que só se concretizou a partir de uma organização contínua, foram sendo moldados e identificados seus principais mecanismos de atuação.

Dentre as atividades organizacionais mais representativas do movimento, está o Grupo de Oração (GO): ele se afigura como a base social da estrutura da RCC. Segundo seu site oficial brasileiro,

“o Grupo de Oração da RCC é uma comunidade carismática presente numa diocese, paróquia, capela, colégio, universidade, presídio, empresa, fazenda, condomínio, residência, etc., que cultiva a oração, a partilha, e todos os outros aspectos da vivência do Evangelho, a partir da experiência do batismo no Espírito Santo.”22

Neles, além das orações [que podem ser de louvor, de ação de graças, em línguas (glossolalia), contemplativa, de libertação e de cura], observam-se diversos tipos de emoções, manifestações de experiências, testemunhos pessoais, leitura da Bíblia e execução de cantos (CARRANZA, 2000). Os grupos de oração têm como objetivo reproduzir o que seriam as

                                                                                                               

21 Comunicado Mensal da CNBB, 5/6,1973, p. 654-655. Edições CNBB.

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experiências dos cenáculos: segundo a Bíblia, o local onde os Apóstolos receberam o Espírito Santo, no dia de Pentecostes23.

Os GO podem ser lidos, ainda, como um espaço que propicia aos fieis carismáticos uma “satisfação espiritual”, desligando-os, mesmo que momentaneamente, do mundo material. Seus participantes encontram aí uma resposta às suas aflições cotidianas, reinterpretando sua forma de ver e agir na sociedade a partir das premissas do Evangelho (SOFIATI, 2009, p. 221). Neste sentido, é também marca da proposta carismática a ideia de santificação pessoal dos membros (ascetismo intramundano), através do abandono de uma “vida mundana” e apropriação das doutrinas e regras cristãs, em sua forma mais radical – para, em seguida, a santificação do ambiente ao seu redor.

Se por um lado os GO representam a rotinização das práticas carismáticas, viabilizando um espaço para a experimentação periódica das relações comunitárias e dos dons e carismas daqueles já pertencentes ao movimento, há, por outro lado, outra atividade que também compõe as estruturas-base da RCC: os Seminários de Vida no Espírito Santo (SVE). Os SVE se dirigem, especialmente, aos não-iniciados no movimento, ou seja, àqueles que ainda não são membros da Renovação Carismática e que buscam, em suma, ter uma nova experiência de fé.

Os SVE têm durações variáveis e consistem em encontros que objetivam introduzir as pessoas à doutrina da igreja, ao estudo da Bíblia e à vivência carismática. Ao final desta etapa, ocorrem as Experiências de Oração, atividade realizada, normalmente em um final de semana, como culminância dos SVE, no qual são colocados em prática todos os ensinamentos adquiridos pelos participantes na etapa anterior, ganhando destaque as manifestações carismáticas: impostações de mãos, repousos no Espírito Santo, oração em línguas, expressões corporais, adorações efusivas à Eucaristia etc.

A terceira atividade marcante da RCC são os eventos massivos. São chamados de Cénaculos, Rebanhões, Encontros etc. e têm, geralmente, a duração de um dia. Enquanto os grupos de oração operam como um lugar para a fidelização dos participantes da RCC, esses grandes encontros são destinados à promoção da Renovação Carismática, com o intuito de atrair não-católicos ou reatrair católicos afastados da Igreja. Os Cenáculos são experiências imersivas de oração e podem ser considerados como megaeventos, tanto pelos recursos dispensados para sua realização, quanto pela quantidade de pessoas que reúnem em estádios, ginásios, espaços ao ar livre etc.

Embora com finalidades e, quase sempre, públicos-alvo diferentes, esses acontecimentos respeitam determinados padrões de realização dentro da lógica do movimento. O chamado “ciclo                                                                                                                

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carismático”, inicialmente aplicável às reuniões dos grupos de oração, consiste numa ordem de elementos que se repete a cada encontro: “a) orações, louvor (cânticos ou preces); b) orações em línguas; c) momento de silêncio; d) profecia; e) resposta à palavra dirigida pelo Senhor, com exultante louvor”24. Com certa maleabilidade de execução, observadas as especificidades de cada ambiente, esta mesma estrutura se repete, transcendendo as práticas do GO e auxiliando na compreensão e caracterização da experiência carismática em variados ambientes.

A partir da exposição desses pontos, observados os diferentes cenários e desdobramentos da RCC, buscamos no presente trabalho chamar atenção para um elemento que ganha destaque na construção da proposta carismática: a música. Seja nos GO, nos SVE, nos eventos massivos, ou em outras atividades realizadas a partir da proposta carismática, os momentos de louvor, as propostas de oração e a condução dos participantes a um estado emocional efusivo estão quase sempre alinhavados pela música.

Nosso esforço, até aqui, em tematizar as circunstâncias históricas, políticas e institucionais da emergência da RCC, tem o objetivo de embasar o recorte que propomos para o trabalho, ou seja: a análise do elemento musical como constituinte da experiência religiosa vivenciada na Comunidade católica carismática Shalom, compreendendo-o como produto e produtor de sentido neste contexto. Sobre as condições que conferem à música tal centralidade nesse ambiente, seus principais dados históricos, características e complexidades, é que vamos nos debruçar no capítulo seguinte.                                                                                                                                                      

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Capítulo 2 – Fogo do céu: a música carismática católica

Até aqui, pudemos perceber a relevância do Concílio Vaticano II para a Igreja Católica, uma vez que ele possibilitou uma série de mudanças significativas para a instituição, na sua relação com a sociedade e com seus próprios fieis. Neste último caso, especialmente, há uma nova compreensão do leigo, que assume papel ativo na vida da Igreja e na promoção do Evangelho.

É nessa conjuntura que assistimos ao desenvolvimento e fortalecimento de agrupamentos liderados pelos leigos, dentre os quais se destaca a Renovação Carismática Católica, movimento de revivescência espiritual que apresenta novas possibilidades de vivência da fé católica, pautada na ação do Espírito Santo. Neste capítulo, nosso objetivo é contextualizar o desenvolvimento dos usos da música cristã em diferentes momentos históricos, assim como apresentar as principais características do que chamamos de “música carismática católica”.

2.1 A espiritualidade carismática

Em seus 50 anos de manifestação, a “onda” pentecostal vivenciada no pós-concílio se estabeleceu de maneiras definitivas no contexto católico. A RCC traçou um caminho próprio que a identificou e legitimou junto à institucionalidade romana, sem perder, porém, características que a configuram com um movimento de revivescência espiritual, mantendo semelhanças com o pentecostalismo protestante. A raiz dessa aproximação está fincada, principalmente, na maneira de lidar com e atribuir sentido ao divino, através da expressão de certa espiritualidade, que é marcada pela experiência do Batismo no Espírito Santo.

O Batismo no Espírito Santo teria dois significados: um propriamente sacramental, que é o batismo da iniciação cristã, recebido por todos os cristãos. O segundo sentido, atribuído pela RCC, é de ordem experiencial e não se trata de um novo sacramento mas, pelo contrário, de uma renovação daquelas promessas realizadas no primeiro batismo, através do processo de crescimento pessoal pelo qual a presença ativa do Espírito Santo se manifestaria e se tornaria sensível à consciência do indivíduo. (BORBUREMA, 2015) O resultado disso seria a abertura do sujeito a uma nova relação com Deus, estabelecida através de um exame da vida pessoal, da consequente busca pela santidade, do louvor, gratidão e oração contínuos, além de uma fidelidade à doutrina da Igreja e aprofundamento no conhecimento de Cristo. (CARRANZA, 2000)

Referências

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