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Trabalhadores de SUAPE : estudo sobre a diversidade de experiências operárias

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Academic year: 2021

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Pedro Henrique Santos Queiroz

Trabalhadores de Suape: estudo sobre a diversidade de experiências

operárias.

CAMPINAS 2014

i

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Universidade Estadual de Campinas

Biblioteca do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas Cecília Maria Jorge Nicolau - CRB 8/338

Queiroz, Pedro Henrique Santos,

1990-Q32t QueTrabalhadores de SUAPE : estudo sobre a diversidade de experiências operárias / Pedro Henrique Santos Queiroz. – Campinas, SP : [s.n.], 2014. QueOrientador: Fernando Antonio Lourenço.

QueDissertação (mestrado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas.

Que1. Sociologia do trabalho. 2. Construção civil. 3. Construção naval. 4.

Trabalhadores da indústria de construção civil. 5. Experiência. 6. Suape, Porto de (PE) - Estudo de casos. I. Lourenço, Fernando Antonio,1955-. II. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. III. Título.

Informações para Biblioteca Digital

Título em outro idioma: Workers of SUAPE Palavras-chave em inglês:

Sociology of work Building

Shipbuilding

Workers in the construction industry Experience

Suape, Porto de (PE) - Caso studies Área de concentração: Sociologia Titulação: Mestre em Sociologia Banca examinadora:

Fernando Antonio Lourenço [Orientador] Fernando Antonio Lourenço

Sílvio César Camargo Ruy Gomes Braga Neto Data de defesa: 06-11-2014

Programa de Pós-Graduação: Sociologia

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Neste estudo, proponho a investigação e análise de um conjunto amplo e diverso de experiências vividas por um grupo operário específico a partir da consideração de sua posição relativa no processo produtivo e em um contexto marcado por grandes transformações regionais. O grupo operário enfocado é composto por duas categorias: os trabalhadores da construção civil pesada e os trabalhadores da construção naval, ambas circunscritas ao Complexo Industrial Portuário de Suape – Governador Eraldo Gueiros, localizado entre os municípios do Cabo de Santo Agostinho e Ipojuca no estado de Pernambuco. A possibilidade de uma análise comparativa entre as duas categorias se dá pela existência de uma série de semelhanças entre elas quanto aos aspectos: perfil socioeconômico de sua composição, perfil de conflitos trabalhistas e natureza específica do processo de trabalho. São analisadas as experiências de trabalho, de não-trabalho e de ação política, com uma ênfase maior nesse último tipo de experiência. Foram analisados mais detidamente os conflitos ocorridos no período 2008 a 2012, momento em que houve uma quantidade excepcional de paralisações e greves em ambas as categorias. É constatada a ocorrência de situações em comum vividas pelo movimento de trabalhadores de ambas as categorias, quais sejam: mercado de trabalho local aquecido, com consequências para o poder de barganha da classe trabalhadora; alto grau de ativismo independente das “bases”; dificuldade de legitimação e representatividade enfrentadas pelas lideranças sindicais e membros de comissão de base; emprego por parte das empresas de práticas antissindicais. A abordagem assumida segue por uma via de valorização das várias formas pelas quais os trabalhadores percebem e explicam sua experiência vivida. Ao empregar como principal suporte teórico a categoria thompsoniana de experiência, busco investigar as formas extremamente diversas pelas quais os trabalhadores de Suape sentem, percebem, explicam, se organizam, resistem, se adaptam e lutam em um contexto marcado pela implantação de “grandes projetos”. A fim de concretizar tais objetivos, foi empregada uma série de técnicas de pesquisa, porém com maior destaque para as entrevistas e conversas com trabalhadores, sindicalistas, militantes e demais informantes privilegiados. Isso porque o momento de encontro, escuta e diálogo é concebido aqui como momento privilegiado para a compreensão das formas como a experiência vivida é elaborada pela consciência dos sujeitos. De forma acessória, a fim de recolher informações adicionais que servissem de complemento e contraponto às falas dos entrevistados, fiz análise de documentos oficiais (convenções coletivas, atas de audiências, acórdãos), monitoramento de notícias veiculadas pela imprensa (em formato impresso e online) e pesquisas de campo de caráter etnográfico em espaços relevantes para a compreensão das experiências de não-trabalho (espaços de circulação, entretenimento, comércio e religião).

Palavras-chave: Sociologia do trabalho; Construção civil; Construção naval; Trabalhadores da indústria de construção civil; Experiência; Porto de Suape, estudo de caso.

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Abstract

In this study, I propose the investigation and analysis of a broad and diverse set of experiences liven by a specific group of workers from the consideration of its relative position in the productive process and in a context characterized by major local transformations. The group of workers focused here is composed by two professional categories: the heavy construction workers and naval construction workers, both located in Suape Industrial Dock Complex, between the cities Cabo de Santo Agostinho and Ipojuca in the state of Pernambuco. The possibility of a comparative analsys between the two categories is given by the existence of a series of similarities between then on behalf of the following aspects: socioeconomic profile, conflicts profile and specifc nature of the labour process. Were analysed the experiences of work, non-work, and of political action, giving particular emphasis to this last category of experience. Were analysed more closely the conflicts occurred in the period 2008-2012, when there has been a exceptional amount of outages and strikes in both professional categories. It was found the occurrence of a series of situations in common that were faced by the workers movement of both professional categories, such as: heated labour market, with consequences for the bargaining power of the working class, high degree of independent activism, difficulties of legitimacy and representativeness faced by union leaders and members of base commissions; use of anti-union practices by the companies. The approach followed in this research aimed the valorization of the various forms by which the workers feels and explains their experiences. By using the thompsonian category of experience as the main theoretical support, I seek to investigate the extremely diverse forms by which the workers of Suape feel, perceive, explain, organize themselves, resist, adapt and fight in a context marked by the implantation of “big projects”. In order to achieve such goals, it was deployed several research techniques, giving more emphasis to the interviews and conversations with workers, union leaders, militants and other informants. This choice is based on the conception of the moments of meeting, hearing and dialogue as a privileged space for the understanding of how the experiences is elaborated by the subjects consciousness. In an ancillary basis and aiming to collect further information that could serve as complement and counterpoint, I did official document analysis, news monitoring and ethnographic field research in relevant spaces for the comprehension of non-work experiences (spaces of circulation, entertainment, commerce and religion) Key words: Sociology of work; Building; Shipbuilding; Workers in the construction industry; Porto de Suape, case studies.

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Sumário.

Apresentação

...1

A) Suape, desenvolvimento regional e conflito...1

B) Ação política como práxis histórica...5

C) A invisibilidade social operária...14

D) Experiências de classe...18

E) Método de análise e método de exposição...21

Capítulo 1: Os trabalhadores de Suape em três

momentos

...27

A) Uma primeira caracterização dos trabalhadores de Suape...27 1) Construção civil pesada...28 2) Construção naval...30

B) Experiências de trabalho...32

C) Experiências de não-trabalho...42 1) Suape e sua área de influência: transformações recentes...42 2) Espaços de circulação, entretenimento e comércio...50 3) Experiências religiosas...62

D) Conclusões parciais...74

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A) Cenário e principais personagens do enredo...77 1) Conjuntura econômica favorável, ocorrência de práticas antissindicais e dificuldades de representação...78

2) Construção civil pesada: Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias de Construção de Estradas, Pavimentação e Terraplanagem no Estado de Pernambuco(Sintepav-PE)...82 3)

Construção civil pesada: Movimento de Lutas Populares (MLP)...94 4) Construção civil pesada: Central Sindical e Popular/Conlutas (CSP/Conlutas)...101 5)

Construção naval: Sindicato dos Trabalhadores nas indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico do Estado de Pernambuco (Sindmetal/PE)...102 6)

Construção naval: Oposição Classista – Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB)...110 7)

Interrogação sobre os significados da rebeldia operária...113

B) A interrupção do cotidiano...118 1) A paralisação de setembro de 2008 no Estaleiro Atlântico Sul...118 2) Greves e conflitos na construção civil pesada 2010/2011...124 3) O conflito no Estaleiro Atlântico Sul de setembro de 2011...144 4) Greves da construção civil pesada em 2012...158

C) Conclusões parciais...187

Capítulo 3: Imagens do desenvolvimento...191 A) A “ideologia pernambucana”: diferentes manifestações e funções do discurso desenvolvimentista...191 B) Da satisfação à inquietação e depois?...198 Biblilografia...207

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Dedico esse trabalho a meus pais, Maria Rosana Santos e Mário Cesar Tavares Queiroz e a minha companheira, Camila Teixeira Lima.

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À Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) pelo apoio financeiro e institucional.

A minha mãe, Maria Rosana Santos, professora da rede pública que acompanhou tantas crianças, jovens e adultos na descoberta do milagre da escrita. Uma profissional de quem o mestre Paulo Freire teria orgulho. Agradeço pelo exemplo de cuidado, dedicação e carinho pelas pessoas.

A meu pai, Mário César Tavares Queiroz, leitor compulsivo e administrador fascinado pela complexidade das coisas do mundo e seu funcionamento. Agradeço pelo exemplo de busca por informações e elaboração de opiniões próprias.

A minha companheira, Camila Teixeira Lima, “metade exilada de mim”. Porque sou uma pessoa melhor quando estou com você e porque quero chegar à idade de Tia Názinha ao seu lado.

A meu orientador, Fernando Lourenço. Agradeço pela orientação ao mesmo tempo sóbria e inspirada e pela leitura sempre atenta das várias versões deste trabalho (mesmo daquelas versões mais rabujadas).

Aos colegas mais próximos da Unicamp: Lidiane, Mari, Patrícia, Júlia, Nara, Carla, Sheyla, Luã, Murillo, Antônio, Henrique, Raphel “PH”, Vinícius e Benjamin. Aos companheiros de “pau de arara”: Marcinho, Raul, Danilo e Marina. A Jefferson, querido amigo que veio de “brinde”. A Gabi, Ricardo e “Machuca” pelas divertidas sessões de espera na fila do supermercado e pelo churrasco sempre primoroso.

Aos professores Ricardo Antunes, Sílvio Camargo, Pedro Ferreira, Gilda Figueiredo, Nadya Guimarães, Angelo Soares e Josué Pereira.

Aos funcionários da Unicamp, em especial a Chris, Daniel e Reginaldo.

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Ao pessoal do grupo de pesquisa do professor Ricardo Antunes.

Aos edifícios, salas, corredores, mesinhas, banquinhos e cantina (In Memoriam) do IFCH pelo clima de liberdade e estímulo ao pensamento.

A Marcelo Teixeira, pela ajuda inestimável com o recolhimento de notícias relacionadas a Suape.

Aos funcionários da Procuradoria Regional do Trabalho da 6ª Região, Tribunal Regional do Trabalho da 6ª Região e Superintendência Regional do Trabalho e Emprego de Pernambuco.

A todos que me concederam entrevista para essa pesquisa.

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Porque é muito mais espessa a vida que se desdobra em mais vida,

como uma fruta é mais espessa que sua flor; como a árvore é mais espessa que sua semente; como a flor é mais espessa que sua árvore, etc. etc.

Espesso,

porque é mais espessa a vida que se luta cada dia,

o dia que se adquire cada dia

(como uma ave que vai cada segundo conquistando seu voo)

(João Cabral de Melo Neto. Trecho final de “O cão sem Plumas”) xvii

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Figura 1 – Slide “Localização privilegiada – Característica de Hub Port. Crédito: Sdec-PE...2 Figura 2 – Slide “Centro logístico do Nordeste Brasileiro”. Credíto: Sdec-PE...2

Figura 3 – Território Estratégico de Suape. Crédito: Condepe/Fidem apud Souza, 2012...43 Figura 4 – Bar “Altas Horas – Sabor Bahia”. Crédito: Acervo pessoal...46 Figura 5 – “Rua da Linha”. Dia. Crédito: Acervo pessoal...56

Figura 6 – Praça Getúlio Vargas, Ipojuca – Anos 1950. Crédito: espaco45.blogspot.com.br...58 Figura 7 – Praça Getúlio Vargas, Ipojuca – Dias atuais. Crédito: Acervo pessoal...59

Figura 8 - Frame do vídeo "Culto Poy Pet". #1. Crédito: http://www.youtube.com/watch?v=W--wTX3o59w...65

Figura 9 Frame do vídeo "culto poy pet". #2 Crédito: http://www.youtube.com/watch?v=W--wTX3o59w...68

Figura 10 - Frame do vídeo "culto poy pet". #3 Crédito: http://www.youtube.com/watch?v=W--wTX3o59w...69

Figura 11- Frame do vídeo “culto na Odebrecht petroquímica suape”. Crédito: http://www.youtube.com/watch?v=bSEuooc72Kw...70

Figura 12 – Sintepav-PE entrega donativos para vítimas da seca. Crédito: www.sintepavpe.org.br...88

Figura 13 – Resultado eleições Sindmetal-PE. Crédito: Novos Rumos 02/2013...107 Figura 14 – Frame do vídeo “Operário queima uniforme de trabalho” #1. Crédito: https://www.youtube.com/watch?v=nBU5Rm_wrlw...117

Figura 15 - Frame do vídeo “Operário queima uniforme de trabalho” #2. Crédito: https://www.youtube.com/watch?v=nBU5Rm_wrlw...118

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Figura 16 – Rebelião EAS #1. Crédito: Alexandre Severo/JC Imagem...151 Figura 17 – Rebelião EAS #2. Crédito: Alexandre Severo/JC Imagem...152 Figura 18 – Frame do vídeo “greve na refinaria abreu e lima 2012”. Crédito: https://www.youtube.com/watch?v=mWkxUHsQtKs...171

Figura 19 – Trabalhadores aderem à paralisação. Crédito: Teresa Maia DP/DA...178

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Tabela 1 – Quadro de entrevistados...22 Tabela 2 – Construção civil pesada – Efetivo de trabalhadores...28

Tabela 3 – Trabalhadores da construção civil pesada por sexo, grupos de idade e escolaridade...29 Tabela 4 – Construção civil pesada – Movimentação admitidos/desligados...30 Tabela 5 – Construção naval – Efetivo de trabalhadores...30

Tabela 6 – Trabalhadores da construção naval por sexo, grupos de idade e escolaridade...31 Tabela 7 – Construção naval – Movimentação admitidos/desligados...32

Tabela 8 – Levantamento Fenatracop: Média salarial construção civil pesada nacional...38 Tabela 9 – Levantamento próprio: Média salarial construção naval nacional...40

Tabela 10 – Convenções coletivas, índice de inflação e crescimento do PIB 2008-2012...201

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Apresentação.

A)

Suape, desenvolvimento regional e conflito.

O Complexo Industrial Portuário de Suape – Governador Eraldo Gueiros está localizado entre os municípios de Ipojuca e Cabo de Santo Agostinho em Pernambuco, e é hoje um dos principais polos econômicos da região nordeste, atraindo numerosos investimentos públicos e privados, com destaque para os ramos siderúrgico, petróleo, gás,

offshore e naval. Os slides abaixo, retirados da apresentação “Suape – Complexo industrial

portuário. Projetos e oportunidades’, elaborada pela Secretária Estadual de Desenvolvimento Econômico do Governo do Estado de Pernambuco, indicam a localização de Suape no planisfério e no mapa político da região Nordeste do Brasil. Os títulos dos slides (“localização privilegiada - característica de Hub Port” e “centro logístico do Nordeste brasileiro”) têm por objetivo ajudar a “vender” Suape para as mais diversas audiências como ponto nodal das redes de circulação de mercadorias internacionais e regionais.

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Figura 1 Slide "Localização privilegiada - Característica de Hub Port. Crédito: SDEC-PE

Figura 2. Slide "Centro Logístico do Nordeste Brasileiro". Créditos SDEC-PE.

O primeiro plano piloto de Suape é de 1973 e adota o modelo de integração porto-indústria, tendo como referências os portos de Marseille-Fos, na França e Kashima, no Japão (Garcia, 2011, p. 24). Em 1991, Suape adquire status de porto concentrador de

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carga de uso público e é incluído na lista de portos prioritários no Brasil, tornando-se assim apto a receber importantes recursos públicos federais para investimento em infraestrutura. A partir da segunda metade dos anos 2000, o investimento público em Suape aumenta significativamente, atingindo a cifra de 1,4 bilhão, contra os 147,6 milhões do período 2003-2006 (Suape, 2010, p. 11). Esse aumento se refere à implantação de grandes empreendimentos, dentre os quais se destacam: o Estaleiro Atlântico Sul, o Polo Petroquímico, a Refinaria Abreu e Lima e a Companhia Siderúrgica de Suape (CSS).

Tais empreendimentos servem de suporte ao estabelecimento de uma série de empresas menores que operam com a compra e fornecimento de produtos de mesma cadeia produtiva. Em 2011, no total, havia cerca de 100 empresas já instaladas e cerca de 40 em instalação1. No pico das contratações, Suape concentrou cerca de 58 mil trabalhadores, sendo 38 mil destes empregados no setor de construção e montagem2.

A grande concentração de investimentos produtivos na região de Suape deve ser entendida como resultado da convergência de uma série de fatores, quais sejam:

1) A região apresenta vantagens de ordem geográfica, como acessibilidade e boas condições de navegação, além da localização privilegiada, ocupando posição central na região Nordeste e de proximidade com os Estados Unidos e a Europa.

2) A ocorrência de um processo de desconcentração relativa da atividade industrial no Brasil. A concentração teve seu auge na década de 1970, quando a região Sudeste chegou a responder por 80,7 do valor de transformação industrial do país, enquanto o Nordeste respondia por 5,7. Já em 2005, os dados apontam para uma queda expressiva da região Sudeste, que, no entanto, ainda mantém liderança inconteste representando 61,8 desse valor, enquanto o Nordeste sobre para 9,2 (Dados do PIA PAM PPM-IBGE organizados por Araújo, 2010). O movimento recente de reordenação espacial da produção industrial segue uma dupla tendência de diversificação regional com deslocamento dos principais estados industrializados para as demais regiões e de deslocamento das capitais para o interior dos estados (Saboia, 2000: 73-85). Assim, observa-se redução de 46,8 para

1 Caminhos do Emprego em Suape Diário de Pernambuco 30 de Janeiro de 2011 2 Duas obras mais de 38 mil homens. Jornal do Commercio 12 de Agosto de 2011

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32,2 do peso das 10 Micro-Regiões Homogêneas (MRH) mais industrializadas no emprego industrial total entre 1990-2007 (Dados do IPEA organizados por Araújo, 2010).

3) O atrativo representado pela expansão do mercado local, dada a tendência recente de maior dinamismo do consumo no Nordeste, que vem liderando o crescimento do consumo no Brasil. Os dados de volume de vendas do IBGE/PMC para dezembro de 2008, apontavam taxas de 152,7 para o Nordeste, contra 140,0 do Sudeste (dados organizados por Araújo, 2010). Tal tendência deve ser explicada pelo maior impacto no Nordeste das políticas de aumento real do salário mínimo, gastos da previdência social e políticas de transferência de renda. Segundo dados do PNAD/IBGE 2006, 62,1% dos trabalhadores recebem salário mínimo no Nordeste (dados organizados por Carvalho, 2008: 70). Acompanhando o aumento do salário mínimo, os valores dos benefícios rurais pagos pela previdência tiveram um crescimento de 140% entre 1999 e 2007, segundo dados do INSS, o que tem um impacto maior no Nordeste que concentra 46% da População Economicamente Ativa (PEA) rural do país (idem: 11). Por fim, segundo dados do PNAD 2006, o Nordeste concentra o maior percentual (35,9%) de domicílios em que algum morador já recebeu benefício de algum programa de transferência de renda, como o bolsa-família (idem: 12)

5) O atrativo do perfil de região green field, caracterizado por menores níveis de remuneração do trabalho e postura de pouca tolerância em relação a movimentos de reivindicação. A preferência por essas regiões é uma estratégia comum adotada pelas empresas nos quadros da reestruturação produtiva. Analisando dados referentes à década de 1990, Saboia apontava para a tendência em nível nacional ao maior crescimento do emprego industrial em regiões de menores níveis salariais (Saboia, 2000: 113).

Acompanhando os efeitos de geração de empregos e aquecimento da economia local, observa-se a formação de um clima de expectativa e euforia. São sentimentos que vem sendo alimentados há décadas pelos discursos oficiais produzidos pelos vários governos que se seguiram desde a implantação do Complexo em 1973 e que o apresentam à população como oportunidade de redenção econômica e social. Por sua vez, a imprensa local joga um papel importante ao repercutir e endossar esses discursos, embora no período

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recente seja perceptível uma inflexão na qualidade de cobertura produzida por esse jornalismo que vem mostrando maior preocupação com os graves problemas sociais, ambientais e trabalhistas que estão surgindo na região afetada pelos grandes investimentos (Gomes et al, 2011). Evidentemente, não se pode atribuir a grande receptividade dos discursos de celebração (neo) desenvolvimentista exclusivamente a proezas de prestidigitação ideológica. É inegável: os grandes empreendimentos de Suape representaram uma perspectiva de melhoria de vida para muitas pessoas. Mas a que custo?

Não são poucas nem desprezíveis as consequências indesejáveis do desenvolvimento econômico acelerado. No campo trabalhista, que representa a área de interesse mais imediato dessa pesquisa, o Complexo de Suape se notabilizou pelo acirramento das disputas entre capital e trabalho e pela eclosão de conflitos de proporções inauditas para a história do Estado de Pernambuco. Longe de uma postura de passividade e resignação, os trabalhadores de Suape se insurgiram em diversos momentos contra os altos níveis de exploração do trabalho vigentes – característica essa que pode ser atribuída tanto às peculiaridades de uma região historicamente desfavorecida, como o é o Nordeste brasileiro, quanto ao modus operandi próprio dos grandes projetos da construção civil. Além disso, o movimento incessante de criação e destruição que define o moderno modo de produção capitalista estende seus efeitos deletérios para além do trabalho humano, atingindo também o meio ambiente e as relações sociais. A isso, acrescente-se um planejamento público absolutamente ineficaz – quando não, simplesmente ausente - e o cenário resultante é sombrio3.

B)

A ação política como práxis histórica.

3 Ver o item C, “experiências de não trabalho” do capítulo 1, “Os trabalhadores de Suape em três momentos”

para informações sobre problemas socioambientais tais como: aumento do custo de vida; a disparada de preços de aluguéis e expulsão de posseiros como fatores de agravamento do déficit habitacional já elevado da região; a explosão de denúncias de exploração sexual de menores; as alterações no ecossistema que inviabilizam a pesca artesanal e colocam em risco a manutenção de modos de vida tradicionais; os potenciais riscos à saúde coletiva, muitos deles insondáveis devido à debilidade técnica dos documentos de licenciamento ambiental.

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Neste estudo, proponho a investigação e análise de um conjunto amplo e diverso de experiências vividas por um grupo operário específico a partir da consideração de sua posição relativa no processo produtivo e em um contexto marcado por grandes transformações regionais. O grupo operário enfocado é composto por duas categorias: os trabalhadores da construção civil pesada e os trabalhadores da construção naval, ambas circunscritas ao Complexo Industrial Portuário de Suape – Governador Eraldo Gueiros, localizado entre os municípios do Cabo de Santo Agostinho e Ipojuca no estado de Pernambuco.

A possibilidade de uma análise comparativa entre as duas categorias se dá pela constatação de uma série de semelhanças entre elas quanto aos aspectos: perfil socioeconômico de sua composição, perfil de conflitos trabalhistas e natureza específica do processo de trabalho. São analisadas as experiências de trabalho, de não-trabalho e de ação política, com uma ênfase maior nessa última categoria.

Partindo desta primeira apresentação do problema de pesquisa, a dificuldade que se coloca inicialmente é a de esclarecer o que se entende por política e ação política, considerando-se a grande variedade de significados assumidos por esses termos em suas utilizações pela linguagem cotidiana e no campo acadêmico. Uma possível via de solução para esse impasse é a adotada por Éder Sader em seu estudo Quando novos personagens

entraram em cena – experiências e lutas dos trabalhadores da grande São Paulo (1970-1980). Ao se defrontar com um conjunto bastante heterogêneo e empiricamente disperso de

experiências de vida, trabalho e lutas, Sader opta por não adotar uma definição a priori de política, mantendo, assim, uma postura de abertura às diversas reelaborações práticas e teóricas da ação política fornecidas pelos próprios agentes participantes do campo pesquisado. Em meu trabalho, irei seguir uma alternativa intermediária ao retomar alguns elementos do pensamento político de tradição marxista que possam servir para a elaboração de algumas definições mínimas para os termos empregados, buscando, contudo, manter,

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durante toda a atividade de pesquisa, uma abertura para a experiência vivida pelos trabalhadores.

Ao identificar na ação política o seu elemento central, o recorte de pesquisa aqui adotado não pressupõe a autonomia absoluta do campo político. Entendo que a análise da diversidade de experiências de ação política constitui uma – dentre outras possíveis – via de acesso para a compreensão da realidade vivenciada pelo grupo operário em questão. Mas então por que analisar a experiência dos trabalhadores – extremamente rica e variada – privilegiando a dimensão política? Vejo pelo menos dois pontos que podem servir para o embasamento desta decisão. O primeiro é que a proposição desta abordagem possui razões de ordem ética, teórica e política que estão relacionadas ao reconhecimento dos trabalhadores como sujeitos políticos aptos a intervirem de forma transformadora sobre a realidade histórica e social. A segunda razão se refere ao que pode ser considerada como uma imposição do campo, já que foi grande o impacto causado em um observador externo – como é o meu caso – pelos grandes conflitos registrados no período recente na região de Suape.

Alimentada por esses anseios, a perspectiva a ser sustentada nesta dissertação irá estabelecer um diálogo mais próximo e sistemático com a tradição de pensamento marxista, sem, contudo, abandonar eventuais contribuições de outras vertentes. Esta escolha pode causar estranheza, já que, como observam alguns de seus comentadores, apesar do evidente espirito político das reflexões empreendidas por Marx, não se encontra em nenhum lugar de sua obra a formulação de uma teoria política acabada (Boron, 2006). Como explicar essa lacuna aparentemente paradoxal na obra do filósofo que aos vinte e sete anos de idade escreveu que o objetivo da filosofia não era interpretar o mundo, mas transformá-lo? A resposta passa pelo destaque conferido pela abordagem de Marx à

totalidade, que engloba e confere sentido aos diversos fenômenos sociais particulares.

Conforme Boron:

Diremos que não há e não pode haver uma teoria ‘política’ marxista. Por quê? Porque, para o maxismo, nenhum aspecto da realidade social pode ser entendido à margem – ou com independência – da totalidade na qual aquele se constitui. Carece por completo de sentido, por exemplo, falar de ‘a economia’, porque esta

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não existe como um objeto separado da sociedade, da política e da cultura: não existem atividades econômicas que possam se desenvolver independentemente da sociedade e sem complexas mediações políticas, simbólicas e culturais. (...) Também não se pode falar de ‘a política’ como se esta existisse num limbo que a isola das prosaicas realidades da vida econômica, das determinações da estrutura social e das mediações da cultura, da linguagem e da ideologia. (...) É precisamente por isso que a expressão teoria ‘política’ marxista é profundamente equivocada. O que há, na verdade, é algo epistemologicamente muito diferente: uma ‘teoria marxista’ da política, que integra em seu seio uma diversidade de fatores explicativos que transcendem as fronteiras da política e que combinam uma ampla variedade de elementos procedentes de todas as esferas analiticamente distinguíveis da vida social (Idem, ibidem, p. 316-318)

Dentre os vários intérpretes de Marx, a teorização mais consistente sobre a categoria totalidade se encontra em Lukács, particularmente em sua obra História e Consciência de Classe ([1923] 1989), onde o filósofo húngaro se interroga sobre o que constituiria a ortodoxia do marxismo. A resposta de Lukács é a de que a fidelidade ao pensamento de Marx deve ser buscada não na aceitação dogmática de todos os resultados obtidos nas pesquisas por ele empreendidas, mas por meio da reprodução e atualização de seu método. Na leitura de Lukács, o método dialético seguido por Marx é caracterizado pela motivação revolucionária e pela orientação ontológica que concebe o real como “síntese de múltiplas determinações”, isto é, uma totalidade cujas categorias constituintes são passíveis de serem apreendidas e “reconstruídas” pelo pensamento.

Na presente pesquisa, a proposta de uma investigação sobre o ato político é pensada como uma via privilegiada de acesso à realidade que não pressupõe o abandono da perspectiva de totalidade. Assim sendo, o campo da ação política não pode ser concebido como uma esfera autônoma e descolada da realidade onde seria disputado uma espécie de jogo com regras próprias. Da mesma forma, a ação política não pode ser concebida como atributo exclusivo dos governantes e daqueles organizados em partidos dedicados a influenciar ou conquistar posições dentro do aparelho de Estado. Na abordagem que pretendo seguir, a ação política é concebida mais adequadamente como práxis histórica.

O termo práxis é inicialmente teorizado por Aristóteles a partir da proposição de uma divisão das ciências que se encontra em suas obras Metafísica e Ética a Nicômaco (Keyt e Miller, 1991), onde estão previstos três tipos de conhecimento: práxis, poiesis e

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humana: a atividade teórica tem por objetivo o conhecimento da verdade (a matemática e a teologia são exemplos de ciências teóricas); a atividade poética tem o objetivo de criação de alguma coisa (a medicina4 e a arquitetura são exemplos de ciências poéticas) e a ação prática tem como objetivo a própria ação (a ética e a política são exemplos de ciências práticas).

Em Marx, práxis adquire um significado de “atividade humana sensível” ([1845], 2007 p. 117.) que foge à terminologia aristotélica. O trabalho, por exemplo, que a partir dos Manuscritos de 1844 é tomado por Marx como modelo da práxis, seria melhor identificado na classificação antiga como poiesis. De acordo com Vazquez, a práxis se define, em Marx, como atividade dirigida a um fim (concebido como resultado ideal) (2007: 220-222).

No quinto capítulo de O Capital ([1867] 1983), intitulado Processo de trabalho e processo de valorização, Marx descreve o trabalho “(...) em seus elementos simples e abstratos” (1996, p. 303). Na passagem destacada a seguir, podemos distinguir uma série de características que definem o trabalho como atividade prática (práxis). O trabalho é descrito aqui como: a) atributo exclusivamente humano; b) atividade orientada para um fim concebido idealmente; c) intervenção sobre uma matéria dotada de exterioridade e objetividade e d) atividade de produção do mundo e auto produção do homem.

Antes de tudo, o trabalho é um processo entre o homem e a natureza, um processo em que o homem, por sua própria ação, media, regula e controla seu metabolismo com a natureza. Ele mesmo se defronta com a matéria natural como uma força natural. (...) Ao atuar, por meio desse movimento, sobre a natureza externa a ele e ao modifica-la, ele modifica, ao mesmo tempo, sua própria natureza. Ele desenvolve as potências nela adormecidas e sujeita o jogo de suas forças a seus próprio domínio. (...) Pressupomos o trabalho numa forma que pertence exclusivamente ao homem. (...) o que distingue, de antemão, o pior arquiteto da melhor abelha é que ele construiu o favo em sua cabeça, antes de construí-lo em certa. No fim do processo de trabalho obtém-se um resultado que já no início deste existiu na imaginação do trabalhador, e portanto idealmente. Ele não apenas efetua uma transformação da forma da matéria natural; realiza, ao mesmo tempo, na matéria natural seu objetivo, que ele sabe que determina, como lei, a espécie e o modo de sua atividade e ao qual tem de subordinar sua vontade. (Idem, ibidem, pgs 297-298 )

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Além da intencionalidade dos agentes, a atividade prática é afetada também pelo caráter dos “objetos” sobre os quais a ação irá incidir, sejam eles provenientes da natureza imediata (uma árvore perdida em alguma mata virgem, por exemplo), da natureza já mediatizada (essa mesma árvore transformada, pelo trabalho, em pranchas de madeira que, por sua vez, servirão como matéria prima para outros trabalhos) ou ainda de natureza social (relações sociais, como, para ficarmos no exemplo da árvore, a relação de assalariamento na qual está inserido o trabalho do lenhador e do carpinteiro). Todos esses “objetos” possuem realidade externa e independente dos sujeitos e, mesmo após serem modificados pela ação prática, continuarão a existir de forma objetiva.

Porém, é preciso cautela para não entender a objetividade do real como imutabilidade. A atividade prática que toma como “objeto” a realidade social assume uma evidente dimensão de liberdade5 e criação, que, por sua vez, não podem ser atribuídas à vontade de uma consciência descarnada e flutuante sobre o vácuo. Conforme a célebre frase de Marx na abertura de seu 18 Brumário de Luís Napoleão: “Os homens fazem a sua própria história, mas não a fazem como querem; não a fazem sob circunstâncias da sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado” ([1852]1969: 17).

Dessa forma, a liberdade dos agentes históricos é sempre uma liberdade situada. No caso específico dos trabalhadores, o exercício de sua liberdade se dá a partir de determinações involuntárias, tais como a própria necessidade de trabalhar (sendo esse um atributo da condição humana, portanto uma determinação a-histórica) e a necessidade de trabalhar sob o regime de assalariamento (sendo essa uma necessidade advinda da instituição da propriedade privada dos meios de produção, portanto uma determinação histórica).

5 Emprego aqui a noção de liberdade do existencialismo de Sartre: “(...) em primeira instância, o homem

existe, encontra a si mesmo, surge no mundo e só posteriormente se define. O homem (...) só não é passível de uma definição porque, de início não é nada: só posteriormente será alguma coisa e será aquilo que ele fizer de si mesmo.” (Sartre, 1987, p. 6).

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O produto das diversas ações práticas sobre a realidade social adquire a forma de processos históricos complexos dotados de uma objetividade que não pode ser atribuída à vontade deste ou daquele agente isolado, mas ao resultado de um jogo de forças entre todos os agentes. Conforme Engels:

A história se faz de tal modo, que o resultado final sempre deriva dos conflitos entre muitas vontades individuais, cada uma das quais, por sua vez, é o que é por efeito de uma multidão de condições especiais de vida; são, pois, inumeráveis forças que se entrecruzam umas com as outras, um grupo infinito de paralelogramos de forças das quais surge um resultado – o acontecimento histórico -, que, por sua vez, por ser considerado produto de uma potência única, que, como um todo, atua sem consciência e sem vontade... deste modo, até aqui toda a história discorreu como um processo natural e submetida também, substancialmente, às mesmas leis dinâmicas. Mas do fato de que as distintas vontades individuais... não alcancem o que desejam, senão que se fundam todas em uma medida total, em uma resultante comum, não se deve inferir que estas vontades sejam igual a zero. Pelo contrário, todas contribuem para a resultante e se encontram, portanto, incluídas nela (apud Vazquez, 2007, p. 222)

A pesquisa aqui apresentada toma como seu fundamento mais importante a afirmação aparentemente trivial de que os trabalhadores devem ser entendidos como

sujeitos de sua própria história. Por um lado, isso significa que a capacidade de ação

política está condicionada pela imersão dos agentes históricos nas águas daquele rio que nunca é duas vezes o mesmo, tal como descrito por Heráclito de Éfeso. Por outro lado, os trabalhadores devem ser tomados como sujeitos aptos a intervirem no curso histórico real por serem, assim como todo ser humano, portadores de racionalidade, sensibilidade e liberdade. Dito de outra forma, os trabalhadores devem ser entendidos como seres capazes de perceber, sentir e pensar o mundo no qual vivem e, portanto, como seres capazes de avaliação, de escolha, de diálogo, de disputa, de cooperação, de associação, de resistência, de consentimento, de adaptação, em uma palavra, os trabalhadores devem ser entendidos como seres capazes de fazer política.

Assim entendidos, os trabalhadores aparecem como seres capazes de, a partir de suas experiências vividas, sustentarem concepções próprias sobre o que é justo ou não, o que é verdadeiro ou não, bem como de formularem seus interesses e necessidades e de agirem de forma consequente à conquista de seus objetivos por meio do recurso a uma diversidade de estratégias que vai do engajamento na ação direta ao agenciamento de

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instituições, como sindicatos, partidos políticos, movimentos sociais e instâncias diversas do aparelho de Estado.

O reconhecimento da capacidade de ação política dos trabalhadores não deve se basear na suposição de uma fictícia unidade de pensamento e ação da classe. Se é verdade que a consciência operária, gerada a partir da vivência de situações em comum, é capaz de operar (e com frequência assim o faz) através da criação de consensos e da ação coordenada de muitos; por outro lado não se pode ignorar a diversidade de formas pelas quais os trabalhadores se apropriam subjetivamente da realidade e, consequentemente, como agem sobre ela. São sempre complexas decisões como as de aceitar ou recusar este ou aquele índice de reajuste salarial, participar ou não de um ato de greve, voltar ao trabalho ou manter a greve etc. Fatores como histórias de vida, convicções pessoais, situação financeira, participação em redes sociais de apoio, estado emocional, disposições de personalidade, entre outros, influenciam na tomada de decisões desse tipo, sendo que estas devem ser sempre atribuídas em último caso à irredutível dimensão da liberdade humana. E, como são complexas tais decisões, são naturalmente diversas as respostas dadas pelos agentes históricos. Dessa forma, a apreciação do fazer político da classe trabalhadora deve manter-se atenta tanto aos aspectos de coesão quanto aos de fragmentação:

(...) divisão e unidade coabitam a classe, não se excluem, e a análise da relação entre os dois aspectos deve ser sempre contextualizada e submetida à lógica da mudança histórica. Em outras palavras, devemos dar conta da diversidade das atitudes sociais de acordo com sua variabilidade no tempo, sem deixar de abordar também os mecanismos inte(g)rativos que dão forma e conteúdo a valores culturais compartilhados. Afinal, tanto elementos sociais e culturais desagregadores quanto estratégias de resolução ou atenuação dos conflitos em busca de unidade fazem parte das experiências vividas pelas coletividades operárias (Batalha et al, 2004. P. 15).

De forma esquemática, a investigação das experiências de ação política do grupo operário aqui enfocado irá se ater aos objetivos que seguem:

a) Fazer uma análise de conjuntura do movimento de trabalhadores em Suape, buscando identificar alguns elementos de contexto que condicionam a sua atuação, tais como: cenário econômico, tradições político-organizativas, capacidade de

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representação das bases pelos sindicatos, relacionamento com empresas e instâncias do aparelho de Estado.

b) Compor um quadro de referência sobre as principais entidades e grupos políticos atuantes hoje na região de Suape, levando em consideração o arranjo de forças entre esses atores e articulação desses mesmos com outras instâncias de poder (relação com empresas, órgãos da sociedade civil, como centrais sindicais, partidos políticos, movimentos sociais e com diversas instâncias de poder estatal, tais como ministério público, legislativo, executivo, judiciário, nos níveis estadual e federal).

c) Considerar a influência das diversas experiências de vida, trabalho e ação política que compõem as trajetórias pessoais dos trabalhadores sobre as suas visões de mundo e concepções políticas.

d) Avaliar as insatisfações (mais ou menos formuladas) e pautas de reivindicações dos trabalhadores de Suape atentando para os processos sociais de percepção de injustiças e elaboração de necessidades materiais e simbólicas. Cumpre aqui contemplar a dimensão coletiva e o contexto cultural no qual são formuladas as necessidades que irão informar as reclamações e pautas dos trabalhadores.

e) Avaliar os resultados dos conflitos trabalhistas quanto ao atendimento (ou não) das demandas postas pelos trabalhadores em termos salariais ou de criação e manutenção de direitos. Considerar a percepção dos trabalhadores em relação aos processos de barganha coletiva, levando-se em conta as diversas atitudes de resistência, recusa, consentimento, acomodação, acordo, adaptação etc.

f) Manter uma posição de abertura para a identificação das representações de identidades coletivas produzidas e assumidas pelos trabalhadores e analisar eventuais nexos entre tais representações e as ações coletivas nas quais eles se engajam. Verificar as formas como os fenômenos de diferença e desigualdade existentes entre os trabalhadores são tratados nos processos de formação dessas

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identidades, como as diversas identidades (de classe, regionais, de gênero, “raça”, geracional etc.) se combinam ou se excluem nesses processos.

g) Considerar as diversas formas de aceitação e/ou negação pelos trabalhadores de Suape dos discursos e estratégias empresariais e governamentais que visam a criação de consensos. Levar em conta o impacto (se houver) das experiências de ação política vivenciadas pelos trabalhadores sobre a forma como eles percebem e interpretam os discursos hegemônicos.

O desenho de pesquisa orientado pela definição dos objetivos acima expostos não está imune à ocorrência de lacunas. Não pretendo fazer um inventário completo dessas falhas – o que é uma prerrogativa do leitor -, mas gostaria de registrar uma limitação que diz respeito à carência de informações sobre as lutas políticas empreendidas pelos trabalhadores no nível micro das relações de trabalho. Refiro-me àquelas formas de resistência praticadas pelos trabalhadores em sua rotina de trabalho, que, muitas vezes, por sua própria natureza “subterrânea” passam despercebidas para aqueles não diretamente implicados naquele universo particular de trabalho6.

C)

A invisibilidade social operária.

Um dos maiores obstáculos para o reconhecimento dos trabalhadores como sujeitos políticos está no fenômeno de sua invisibilidade social. Se concordarmos com o diagnóstico elaborado por Guy Debord, para quem a contemporaneidade é marcada pelo fato de as relações sociais serem, cada vez mais, relações mediatizadas por imagens (2005

6 Cornelius Castoriadis argumenta que em face da divisão intelectual do trabalho que opõe o planejamento

gerencial à execução do “chão de fábrica”, tais resistências se configuram não apenas como ponto essencial do conflito entre capital e trabalho, mas como necessárias à própria continuidade normal do processo produtivo : “A luta ‘implícita’ e ‘informal’ dos operários, no que se refere à organização capitalista da produção, significa, ipso facto que os operários opõem a essa organização – e realizam nos fatos – uma contra-organização certamente parcial, fragmentária e móvel, mas não menos efetiva, sem a qual não somente não poderiam resistir à direção, mas nem mesmo poderiam realizar seu trabalho. (Castoriadis, 1985, p.62)”. Sobre esse aspecto, o estudo de caso desenvolvido por Amnéris Maroni sobre as greves de maio de 1978 no ABC paulista (Maroni, 1982) é particularmente interessante. A autora investiga como as estratégias empregadas pelos trabalhadores grevistas se aproveitaram de uma variedade de conhecimentos acumulados sobre o processo de trabalho “racionalizado” para subverter – ainda que temporariamente – a lógica de submissão do trabalho ao capital.

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:9), teremos que o problema da invisibilidade social adquire uma importância política decisiva. No item anterior desta apresentação, argumentei que a pesquisa aqui desenvolvida iria tomar como seu fundamento mais importante a afirmação aparentemente trivial de que os trabalhadores devem ser entendidos como sujeitos de sua própria história. Aparentemente trivial porque o reconhecimento da capacidade de ação política dos trabalhadores, é, na prática, negado pela circunstância de que suas experiências imediatas de vida, trabalho e ação política são amplamente ignoradas por aqueles que não participam diretamente daquele universo particular de relações sociais.

Entendo que a produção de uma avaliação justa e ponderada a respeito das experiências de ação política vivenciadas por um grupo operário “invisível” se ressente dos limites impostos à nossa própria percepção de mundo, na qual existência e visibilidade se equivalem com frequência. Talvez seja pertinente retornar à metáfora das luzes, tão cara ao iluminismo, para pensarmos a relação entre visibilidade e conhecimento. Em uma gravura de 1799, o artista espanhol Francisco de Goya retratou a cena sombria de um jovem estudante adormecido sobre sua mesa de trabalho, a cabeça repousada sobre os braços cruzados, tendo ao fundo uma multidão confusa de animais ameaçadores (corujas, morcegos e felinos). Na base da mesa, que está virada para o espectador, lemos a frase “El sueño de la razón produce monstruos” (o sonho da razão produz monstros). Uma interpretação possível dessa obra é a de que aquelas coisas que não conhecemos, as coisas que estão fora do alcance das luzes da razão e que surgem com a cessação do estado de vigília tendem a aparecer para nós como monstruosas e assustadoras. De maneira análoga, a condição da invisibilidade social operária e o fato de que a própria existência deste grupo só seja percebida em momentos de distúrbio e rompimento da ordem pública implica em que as ações desse grupo sejam recebidas pela “opinião pública” com perplexidade e incompreensão. Tais episódios são, assim, facilmente identificados como atos de selvageria e se prestam bem a receber a etiqueta de ilógicos ou apolíticos.

Assumindo uma posição pragmática, penso que a maior contribuição que pode ser dada pela pesquisa aqui desenvolvida é a de atuar em favor da ruptura do círculo de invisibilidade e incognoscibilidade que circunscreve o conjunto das experiências de ação política vivenciadas pelos grupos operários enfocados no recorte temático adotado. Não se

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trata de desenvolver uma postura paternalista de “dar a voz” ao outro de classe, porque, afinal, os operários possuem voz própria e são capazes de expressarem suas reflexões e sentimentos sobre o mundo que os cerca. O que se pretende é desenvolver uma disposição de escuta atenta e respeitosa do outro de classe para, a partir daí, produzir um balanço crítico de suas experiências que poderá servir para informar o necessário debate público sobre o tema.

A inclusão das notícias relacionadas ao movimento de trabalhadores nos cadernos de economia ou de cidades da imprensa local7 é sintomática de uma perspectiva que encara os trabalhadores não como sujeitos políticos, mas como fatores de produção. Greves e paralisações são percebidas por essa cobertura como acontecimentos disfuncionais do processo produtivo, algo parecido a uma correia solta ou um vazamento, isto é um problema técnico que pode ser corrigido apertando-se esse ou aquele parafuso. Apesar da salutar mudança na cobertura da imprensa local, que no período recente tem dado maior destaque para assuntos da agenda da sustentabilidade sócio-ambiental, essa abordagem ainda pode ser considerada insatisfatória, já que desconsidera a perspectiva política justamente daqueles atores que estão mais diretamente envolvidos nos processos de grandes transformações regionais: os trabalhadores.

Do ponto de vista estritamente analítico, o não reconhecimento dos trabalhadores como sujeitos políticos constitui um erro de avaliação insustentável. Como já pontuou um observador atento, provavelmente a região de Suape reúne hoje uma das maiores concentrações de trabalhadores vivendo em um país de regime democrático8. Com efeito, deve ser afastada como absurda a hipótese de que as decisões tomadas hoje por milhares de trabalhadores e trabalhadoras terão efeito nulo sobre os destinos a serem vividos coletivamente por todos nós, homens e mulheres, pernambucanos e não pernambucanos, operários e não operários. Basta levarmos em consideração o

7 Há exceções ocasionais, como a veiculação de notícias sobre questões sindicais no Blog de Jamildo,

hospedado no portal Jornal do Commercio, que tem como chamada “o mundo da política em Pernambuco”. Além disso, algumas notícias, geralmente aquelas relacionadas aos conflitos mais graves, são veiculadas nos cadernos principais.

8 A declaração foi atribuída por Antonio Carlos Maranhão, secretário de Trabalho, Qualificação e

Empreendedorismo do Governo do Estado ao Dr. Fábio André de Farias, então Procurador Chefe do Ministério Público do Trabalho de Pernambuco. Informação obtida através do áudio da Audiência Pública realizada em 18 de abril de 2012 na Assembleia Legislativa do Estado de Pernambuco.

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protagonismo desempenhado por setores (oriundos) da classe trabalhadora na história brasileira mais recente: da influência do ciclo de greves iniciado em 1978 sobre o processo de redemocratização (Noronha, 2009) ao fato de que o ciclo de permanência na presidência mais duradouro para o período da Nova República tenha se iniciado com a eleição do ex-líder sindicalista Luís Inácio Lula da Silva em 2002.

Parece evidente que tal erro de avaliação, além de atender a interesses ligados à reprodução das desigualdades, se nutre de um componente de preconceito de classe mais ou menos explícito a depender do caso. Porém, o questionamento sobre as razões efetivas para a desconsideração da capacidade de ação política dos trabalhadores deve passar também pela investigação dos fatores de construção social da invisibilidade. Nesse sentido, é possível encontrar pistas importantes na crítica de Marx ao fetichismo da mercadoria.

No último item do primeiro capítulo de O Capital ([1867] 1996, p. 197), Marx se dedica à análise da “sutileza metafísica e manhas teológicas” da forma mercadoria. O fetichismo seria consequência da relação social de produção de mercadorias que torna equivalentes em termos de valor todos os produtos do trabalho. Dessa forma, o contato social entre os produtores ocorre apenas como relação de trocas entre os produtos do trabalho. Cria-se, assim, uma espécie de realidade invertida, onde coisas se trocam umas pelas outras sem nenhuma referência às relações sociais concretas nas quais se engajam seus produtores. Nas palavras de Marx:

Por isso, aos últimos [os produtores] aparecem as relações sociais entre os seus trabalhos privados como o que são , isto é, não como relações diretamente sociais entre pessoas em seus próprios trabalhos, senão como relações reificadas entre as pessoas e relações sociais entre coisas (Idem, ibidem, p. 199)

O fetichismo da mercadoria reflete a percepção de um universo de coisas criadas pelo homem cujo sentido lhe escapa e diante do qual ele se coloca numa postura de temor reverencial. A aparência é de que as coisas criadas pelo homem são dotadas de vontade própria, independente das determinações de seus criadores, e se movem livremente nos mercados trocando-se umas pelas outras. Não é por outra razão que a fala de alguns

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economistas e analistas de mercado de hoje soem mais próximas às ciências naturais (a meteorologia, talvez) do que às ciências humanas e que crises que afetam à vida de todos sejam de tão difícil compreensão (como explicar um subprime? O que é um derivativo financeiro?).

Sob efeito do fetichismo da mercadoria, nossa percepção cotidiana ignora que as coisas com as quais nos relacionamos como consumidores encerram uma longa e obscura história que envolve uma multidão de seres humanos espalhados por diversos lugares do planeta: pessoas que não apenas trabalharam na produção daquelas coisas, mas, sobretudo, viveram, sentiram e, entre outras coisas, também fizeram política.

D) Experiências de classe.

Nesta pesquisa irei tomar como principal fundamento teórico a categoria de

experiência, tal como formulada pelo historiador Edward Palmer Thompson. Percebo a

pertinência dessa abordagem na contemplação da articulação íntima existente entre as situações concretas de e vida e de trabalho e as formas pelas quais estas são apropriadas subjetivamente pelos sujeitos:

Os homens e mulheres também retornam como sujeitos, dentro desse termo [experiência humana] – não como sujeitos autônomos, “indivíduos livres”, mas como pessoas que experimentam suas situações e relações produtivas determinadas como necessidades e interesses e como antagonismos, e em seguida “tratam” essa experiência em sua consciência e sua cultura (...) das mais complexas maneiras (...) e em seguida (muitas vezes, mas nem sempre, através das estruturas de classe resultantes) agem, por sua vez, sobre sua situação determinada. (Thompson, 1981:182)

No pensamento de Thompson, a categoria experiência adquire importância capital pelo equilíbrio entre os aspectos de agência e condicionamento na explicação dos fenômenos históricos. Desta forma, em sua investigação sobre formação da classe trabalhadora e consciência de classe na Inglaterra, Thompson entende que as bases para tais fenômenos devem ser buscadas nas experiências compartilhadas pelos trabalhadores. Em

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outras palavras, a compreensão das formas pelas quais os trabalhadores agem sobre o mundo deve passar pela compreensão das formas pelas quais os trabalhadores percebem e sentem esse mundo, o que por sua vez é mediado por um conjunto de valores e interesses histórica e culturalmente situados.

Com efeito, uma abordagem que tome como seu principal suporte uma categoria de experiência assim definida deve contemplar a ampla diversidade dos sujeitos históricos, levando em consideração fatores de gênero, idade, “raça”, orientação sexual, trajetória ocupacional etc. É evidente que a forma como os sujeitos efetivamente vivenciam suas condições de existência é afetada pelo “lugar no mundo” ocupado por estes sujeitos, sendo o pertencimento à classe trabalhadora mediado por uma série de outras construções identitárias e atributos pessoais.

É possível encontrar suporte para a proposição de uma abordagem centrada na experiência em alguns textos de Marx, como no prefácio ao questionário de 1880, no qual é sugerido que ao protagonismo político da classe trabalhadora corresponderia uma primazia cognitiva:

Nós esperamos contar neste trabalho com o apoio de todos os trabalhadores da cidade e do campo que compreendem que apenas eles podem descrever com total conhecimento as desgraças por eles sofridas, e que apenas eles, e não algum salvador enviado pela providência, podem aplicar os remédios de cura às doenças sociais de que são vítimas (Marx [1880] , 1997 .Tradução livre.)

Um espírito semelhante se encontra nas investigações radicais da filósofa francesa Simone Weil, que, aos 25 anos, inquieta com a preocupação de “Como abolir um mal sem ter percebido com clareza em que ele consiste?” (Weil, 1996, p. 156), se afasta de suas atividades docentes por um período sabático para trabalhar em uma série de empregos operários. Desse período (1934-1935) resultaram os Diários da Fábrica, nos quais Weil descreve em profundidade sua experiência de trabalho na linha de produção. Em artigo de 1941, no qual oferece uma reflexão geral sobre esse período, Weil comenta a dificuldade de comunicar adequadamente determinadas verdades que são sentidas profundamente por aqueles que vivenciam a experiência de exploração:

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Se alguém, vindo de fora, penetra numa dessas ilhas e se submete voluntariamente à infelicidade por um tempo limitado, mas longo o bastante para impregnar-se dela (...) se comparou continuamente o que sente em relação a si própria com o que vê nos rostos, nos olhos, gestos, atitudes, palavras, acontecimentos grandes e pequenos, cria-se nela um sentimento de certeza infelizmente difícil de se comunicar. Os rostos contraídos pela angústia do dia que se vai atravessar e os olhos dolorosos no metrô da manhã; o cansaço profundo, essencial, o cansaço de alma mais ainda do que o de corpo, que marca as atitudes, os olhares e a ruga dos lábios, à noite, à saída; os olhares e atitudes de animal na jaula, quando uma fábrica, depois do fechamento anual de dez dias, acaba de reabrir um novo ano interminável; a brutalidade difusa que se encontra em quase em toda a parte; a importância que quase todos dão a detalhes pequenos em si, mas dolorosos por seu significado simbólico, como a obrigação de apresentar um cartão de identidade ao entrar; as gabolices lamentáveis trocadas entre os rebanhos apinhados diante das portas das agências de emprego, e que, por oposição, evocam tantas humilhações reais; as palavras incrivelmente dolorosas que escapam às vezes, como por inadvertência, da boca de homens e mulheres iguais a todos os outros; o ódio e o desgosto pela fábrica, pelo lugar de trabalho, que tantas vezes transparecem nas palavras e nos atos ensombreando a camaradagem e lançando operário e operárias, assim que saem, numa pressa de cada qual para sua casa quase sem trocar palavra (...) todos os movimentos da classe operária, tão misteriosos para os espectadores, são, na realidade, tão fáceis de compreender; como não confiar em todos esses sinais, quando, ao mesmo tempo em que vemos em torno de nós, sentimos em nós mesmos todos os sentimentos correspondentes? (Idem, pgs. 157-158)

A valorização das experiências de vida dos sujeitos históricos se encaixa no projeto intelectual de Thompson a partir de sua postura de crítica constante às narrativas teleológicas, sejam elas de esquerda ou de direita, que concebem os processos históricos como linhas evolutivas cujo significado profundo é dado por um ponto final de redenção. Para Thompson, os processos históricos não são formados por episódios isolados, mas possuem uma lógica interna que pode e deve ser interrogada. No entanto, a visão da história como processo não deve ser entendida como pretexto para ignorarmos a experiência concreta dos seres humanos concretos que são, efetivamente, os sujeitos que compõem a história, ainda que sua atuação não se encaixe perfeitamente em roteiros mentais pré-estabelecidos. Em um texto de polêmica contra Perry Anderson e Tom Nairn, Thompson coloca o problema da seguinte forma:

(...) a história não pode ser comparada a um túnel por onde um trem expresso corre até levar sua carga de passageiros em direção a planícies ensolaradas. Ou então, caso o seja, gerações após gerações de passageiros nascem, vivem na escuridão e, enquanto o trem ainda está no interior do túnel, aí também morrem. Um historiador deve estar decididamente interessado, muito além do permitido pelos teleologistas, na qualidade de vida, nos sofrimentos e satisfações daqueles que vivem e morrem em tempo não redimido. (Thompson, 2001, p. 100)

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Ao trazer para o primeiro plano as experiências dos atores sociais subalternizados que, com frequência, são simplesmente excluídos da história oficial, a obra de Thompson pode ser entendida como uma tentativa de reversão de um tipo específico de invisibilidade social, qual seja a invisibilidade histórica. Nesse sentido, estaríamos aqui no campo de busca por respostas àquelas “Perguntas de um operário que lê”,escritas por Bertolt Brecht: “Quem construiu Tebas, a das setes portas?/ Nos livros vem o nome dos reis,/ Mas foram os reis que transportaram as pedras?/ Babilônia, tantas vezes destruída,/ quem outras tantas a reconstruiu?”

E)

Método de análise e método de exposição.

A decisão de escrever usando a primeira pessoa do singular ao invés do “nós” pretensamente objetivista pretende destacar o fato de que os textos aqui apresentados foram produzidos a partir de uma determinada posição do observador frente ao campo. Minha relação com a matéria que serve de tema para a dissertação é definida por uma situação de alteridade de classe. Em termos mais imediatos, isto significa que o leitor tem em mãos uma série de textos escritos por um não operário sobre realidade vivida por um grupo de operários. A condição de não pertencimento de classe colocou como exigência para a atividade de pesquisa um esforço de descentramento e de identificação com uma realidade diferente da minha.

Busquei conferir ao texto aqui apresentando uma abertura às diversas vozes do campo pesquisado, a fim de compor uma narrativa a mais abrangente possível que possa servir de documento para a compreensão desse momento de formação da classe trabalhadora no Brasil. Em todo caso, como não poderia deixar de ser, há um componente autoral que se expressa na seleção, edição e apresentação do material recolhido. Além disso, a pesquisa não se restringiu apenas ao momento descritivo, trazendo, também, elementos de análise, crítica e interpretação.

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O mais importante recurso empregado para a coleta de dados primários foi a realização de entrevistas gravadas e conversas com trabalhadores da construção pesada e naval, sindicalistas e militantes de movimentos sociais com atuação nos conflitos trabalhistas em Suape. De forma complementar, foram feitas entrevistas com representantes do poder público com atuação na mediação de conflitos trabalhistas na região de Suape, além de outros informantes privilegiados. Realizei também atividades de ida a campo e observação participante de estilo etnográfico em espaços relevantes para a compreensão do fazer político e dos modos de vida da classe trabalhadora.

Quanto à inserção em campo, considero que consegui compor um painel representativo. Apesar de não ter tido a oportunidade de entrar em contato com tantas pessoas quanto planejava inicialmente, consegui entrevistar representantes dos dois sindicatos que representam as categorias de trabalhadores da construção pesada e naval, além de representantes de outros grupos com atuação em Suape e trabalhadores com atuação não vinculada a qualquer grupo ou entidade. O quadro completo de entrevistas realizadas pode ser conferido no quadro abaixo:

Tabela 1 Quadro de entrevistados. Entrevistados (por ordem

de realização da entrevista)

Perfil Mês e ano da entrevista.

Fábio André de Farias Procurador Chefe do Ministério Público do Trabalho de Pernambuco (MPT)

Janeiro de 2012.

Luiz Lorenzon. Secretário de administração e assuntos jurídicos do Sindicato dos

petroleiros de Pernambuco e Paraíba (Sindpetro PE/PB) Janeiro de 2012. Hélio Cabral Lima Professor do Departamento de Química da Universidade Federal

Rural de Pernambuco (UFRPE). Militante da CSP-Conlutas e do Partido Socialista dos Trabalhadores Unificados.

Julho de 2012.

Ezequiel Manoel dos Santos

Dirigente de base do Sindicato dos Trabalhadores Metalúrgicos de Pernambuco (Sindmetal-PE).

Julho de 2012.

Adalberto da Silva (Beto) Ex integrante da comissão de base da Refinaria Abreu e lima e militante do Movimento de Lutas Populares (MLP)

Julho de 2012.

Marcelo Avelino da Costa

(Irmão Costa) Ex integrante da Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (Cipa) do Estaleiro Atlântico Sul (EAS). Janeiro de 2013. Cleyton Alves Ferreira. Ex integrante da Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (Cipa) Janeiro de 2013.

Referências

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