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RQ - Houve pesquisa, mas houve

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Academic year: 2018

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(1)

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A imortal Rachel do sertão

'W m È Ê íÈ È Ê È È ^

I I h B ^

W&mwmm.

::::»/•' \

W> *-#>?'* ■

R a ch el de Q ueiroz se define com o "uma velhinha sertaneja que está ficando

caduca p a ra novos p ro jeto s na literatura ".

E n tr e v is ta c o m a e s c r ito r a R a c h e l d e Q u e ir o z , d ia 2 6 /1 1 /9 2 . P r o d u ç ã o , e d iç ã o e

t e x to fin a l:

Júlio

César Rocha, Demitri

Túlio e Francisco

Roberto.

P a r tic ip a ç ã o :

Clariane Rebouças,

Cláudio Ribeiro,

Demitri Túlio, Júlio

Cesar Rocha,

Francisco Roberto,

José Rocha, Márcio

Régis, Liiiana Couto,

Oceli Lopes e Eduardo

Freire.

F o to :

arquivo jornal O

Povo.

+

la foi o que se pode chamar de uma m en i­

na danada. A o s 15 anos se form ou profes­

so ra , a o s 16 era jo rn a lista e a o s 19

escreveu um rom ance - "O Q u in ze” - que se

tornaria um d o s m aiores clá ssico s da literatura

brasileira. D e Rainha d os Estudantes em 1930,

R achel de Q u eiroz se to m o u , em p ouco tem po,

a R ainha da Literatura Brasileira.

D ona de um extrem o talento para escrever,

a então m enina R achel de Q ueiroz resolveu

experim entar tam bém no jornalism o as suas

habilidades co m o escritora. C om eçou escre­

v en d o crónicas no jornal "O Ceará”, usando o

p seu d ón im o "Rita de Q u elu z”. "De lá pra cá

nunca m ais m e livre de jornal”. A sua longa

exp eriência no ramo a faz afirmar co m c o n v ic ­

ção que "o jorn alism o brasileiro é e x c e le n te ”.

N as redações de jornais, influenciada p elo s

com p an h eiros, virou com unista. Por defender o

com u n ism o, R achel de Q ueiroz se tom ou

ini-•

m iga do líder p olítico ”que usava o s m ovim en

-•

to s populares pro seu cau d ilh ism o”: G etúlio

V argas. A aversão a V argas esten d eu -se a João

G oulart e B rizola. Em 1964, conspirou com o s

m ilitares para a derrubada de Jango. Durante a

ditadura tev e seu talento recon hecido por três

presidentes d e farda. C astelo, G eisel e F igu

ei-•

redo a cham aram para ser m inistra. Jânio e

S arn ey tam bém a convidaram . O s co n v ites

sem p re foram negados.

D o m esm o m odo, foram n egad os durante

m u ito tem po o s p ed id os para disputar um a vaga

na A cad em ia Brasileira d e Letras. O s académ i­

co s tentavam seduzir R achel de Q ueiroz com

um argum ento sim plório: ”S ó falta v o c ê , lá". A

relutância em aceitar era tanta que os m em bros

da A cad em ia tiveram que co n ven cer o m arido

a obrigá-la a concorrer. D e p o is de tanta in sis­

tência, ced eu . D isputou uma vaga e ganhou,

to m a n d o -se a prim eira m ulher a ingressar na

A B L , quebrando um tabu h istórico.

H istóricos também são todos os rom ances que

Rachel de Queiroz escreve. O m ais recente

-"Memorial de Maria Moura" - conta a história de

uma cangaceira legendária do século X IX . O

romance, m uito elogiado p elos intelectuais, foi

elaborado com base na vivên cia da autora pelo

interior do Brasil e numa grande pesquisa sobre o

folclore e a linguagem coloquial da época. O final

da história de "Maria M oura” está em aberto,

fazendo os leitores suporem que virá uma conti­

nuação. Puro engano. Rachel diz que está muito

velha para novos projetos na literatura. Declara­

(2)

• 4

Rachel de Queiroz

Entrevista

N o c o m e ç o d a e n tr e ­ v is ta u m a r e p r e e n s ã o :

" N in g u é m m e c h a m e d e ' D o n a * n e m d e 'S e n h o ra *. A s s im v o ­ c ê s f i c a r ã o m a i s à v o n ta d e " .

R a c h e l d iz q u e n ã o re lê s e u s liv ro s p o r q u e n ã o te m c o ra g e m . S e n te -s e m u ito e n v e r g o n h a d a p e lo q u e e s c re v e .

Q u a n d o o a s s u n to e r a o liv r o " M e m o r ia l d e M a ria M o u r a " , R a c h e l s e e n tu s ia s m a v a e f a ­ la v a q u a s e s e m p a r a r .

1 8

L a b o ra tó rio d e J o r n a lis m o ( l J ) - N o

seu ú ltim o livro "M em orial de M a ria M o u ra " encontra-se m u ito de R a c h el

de Q ueiroz, m u ito de E liza b e th l. O n ­ de se p o d e en co n tra r a R a c h el de Q u eiro z na "M aria M ou ra "?

R a c h e l d e Q u eiro z (R Q ) - O lha, te ­

n ho um a teo ria q u e um escrito r só a te n d e a sua m ágica e a ele p ró p rio . P o rq u e v o cê só tem a sua experiência.

V o ce não p o d e en trar no corpo do s ou tro s. E ntão v o cê se transporta para a q u e le p e rs o n a g e m . E u p e n so na R ain h a E lizab eth , então é co m o se eu fosse ela, co m o eu an d av a, com o eu falav a, co m o eu m e com po rtava, c o ­ m o eu pensava. A M aria M oura so u eu p o rq u e só tenho a experiência dela. T o d o escrito r transfere o person agem pra sí. S e eu tô aqui e se a í entra um bispo, co m o ele faz, co m o ele fala, co m o ele sen ta, co m o ele se co m p o r­ ta? E n tão , nessa hora so u um bispo.

U - E sse é o seu processo de criação?

RQ

- E u ach o q u e d e todo au to r p o r­ q u e e le só tem a su a ex p eriên cia. N ão tem o u tra. S ó se e le rep etir, co p iar. M as s e ele cria, só tem a pró p ria e x p e riê n c ia co m o referen cial.

L J - A M a ria M o u ra n o "M em orial", a cada ca p ítu lo é um personagem . E n tã o você p õ e cada p erso n a g em ... R Q - (In te rro m p e n d o ) A cad a p e rso ­

n a g em . N a ho ra eu era um p ad re, era M a ria lv a , erà M aria M o ura. Q u er d i­ z e r, e u m e p o n h o no lu g a r d eles e ra c io c in o e m e co m p o rto co m o eu im a g in o q u e eles s e co m p o rtariam e ra cio c in a ria m .

"O gran d e m edo de

to d o criador, poeta,

ro m an cista, contista, é

o p lágio involuntário.

M u ito s autores m e

co n tam isso"

L J - Q u a n to tem po você levou p a ra

c ria r o "M em orial d e M a ria M o u ra

R Q

- E u tin ha a idéia há m uitos an o s.

T e v e a té um ep isó d io cu rio so . E u já d isse isso em o u tras o casiõ es. O g ra n ­ d e m ed o de to d o criad o r, ro m an cista, p o e ta , c o n tista , é o p lág io in v o lu n tá ­ rio. C o m o c o m p o sito r, e n tão , é te rrí­ v el. F ica com três c o m p a sso s na c a ­

b eça e pensa q u e é d ele, q u a n d o na v e rd a d e é um a co isa q u e ele o u v iu d e o u tro au to r. Isso a c o n te c e m u ito . Já co n v erse i co m m u ito s q u e m e co n tam isso . E n tã o , aq u ela história da M aria

M oura, eu p en sav a ela to d in h a e d i­ zia: "M as eu já ouvi essa histó ria. Isso é alg u m ro m an ce q u e li e esto u p e n ­ sando q u e tô co n tan d o ".

U - O livro tem m u ito s detalhes, fa la

m u ito s term o s da reg iã o (N ordeste). D e ve te r havido um a p esq u isa .

RQ

- H o u v e p esq u isa, m as h o u v e principal m en te a m in h a v iv ê n cia no in terio r do B rasil, no in terio r do C e a ­ rá, do N o rd este. E u v iajo m u ito p e lo N o rd este. M orei já em A lag o as (R a ­ ch el, q u an d o falo u em A lag o as, b a teu três v e z e s na m esa p ro v o can d o riso s

nos e n tre v ista d o re s), m orei em P e r­ n am b u co , m orei não d ig o , m as ten h o estad as g ran d es lá. T e n h o um a v iv ê n ­ cia m u ito g ran d e p elo in te rio r do B ra ­ sil, C ariri e tudo m ais. E isso m e aju d o u . E ssa é a lín g u a que eu falo . A g o ra e u tiv e um a u x ilia r m u ito im ­ p o rta n te para situ ar os p erso n ag e n s, a lin g u ag em e os u ten sílio s d o m é sti­ cos. Foi um estu d io so d o fo lc lo re n o r­ d estin o a qu em d e d ic o o liv ro , O sw al- do L am artin e. O g ra n d e trab alh o q u e o H o u aiss (A n tô n io H o u aiss, M in is­ tro da C u ltu ra) re ssalto u , nos c o m e n ­ tários q u e ele fez so b re o liv ro , foi a arq u eo lo g ia literária.

U - V ocê se baseou em que nessa

arqueologia ?

R Q - P rin cip al m en te, botei um d ic io ­ nário d e M o rais ao m e u lado. L í com m uita a ten ção , m u ito re p etid a m e n te o p rim eiro ro m an ce p u b licad o do co ­ loquial b rasileiro ("M em ó rias de U m S arg en to d e M ílicias") p o rq u e to d o s os o u tro s ro m an ces n ão eram o c o lo ­ quial brasileiro. Era d e uso e sc re v e r lin g u ag em d e índio. M as a a rq u e o lo ­ gia n ão era o co lo q u ial. E não há d o cu m en tação . P o r ex em p lo , a q u e le liv ro da A na M iran d a q u e é tão b o m , o "B oca do In fern o ", não sei se ela c o n se g u iu reso lv er o p ro b lem a da lin ­ g u ag em . M e p areceu q u e n ão foi fe­ liz. P o r isso que não m e a tra v e ria a um ro m a n ce histórico. H oje v o cê tem g rav ação d e tu d o , tem gíria da Á fric a , tem g íria am eric a n a. M as n a q u e le tem po as fo ntes eram as c o rre sp o n ­ d ên cias que tin h am um estilo to d o esp ecial. V o cê dizia: "P ego nesta pe­ na p ara dar-te as n o tícias". E ra um a lin g u a g e m in te ira m e n te a rtific ia l. T in h a m as d o cu m en taçõ es o ficiais q u e eram então a lin g u a g em m ais im p o rtan te, m ais artificial. E tin h a a literatu ra q u e tam b ém não co p iav a o co tid ian o . E u não esto u fazen d o re s­ triçõ es ao livro p o rq u e go stei d e m ais, m as esto u sen tin d o os p ro b lem as q u e ela (A n a M iran d a) tev e. E la não tin ha elem en to de referên cia pra p o d e r fa­ z e r a lin g u ag em . P o r isso q u e não g o sto de fazer ro m a n c e h istó ric o , p o rq u e s in to a in a tu a lid a d e . E ra 1940, já havia o "M em ó rias d e U m S arg en to d e M ilícias", m as era g íria cario ca e tinha m u ita in flu ên cia p o r­

tu g u e s a , d e fo rm a q u e m e lim itei

i

m u ito . M as ad o tei um sistem a: o q ue n ão e sta v a no d ic io n á rio d e M orais, q u e foi o p rim e iro d ic io n á rio b rasilei­ ro , em 1 8 2 0 , ficav a so b su sp eita. M e lem b ro q u e, q u a n d o ap areceram os sa ltim b a n c o s, e u q u eria b o tar sa ltim ­ b an co . N o "M orais" n ão tin h a sa ltim ­ b an co . E n co n trei A n tô n io H o u aiss, na A cad e m ia : "A n tô n io , ex istia a p a ­ lav ra sa ltim b a n c o n o in te rio r do B ra ­ sil, em 1 8 4 0 ?". E le disse: "N ão se i, v o u p ro c u ra r". C o isa q u e o H ouaiss d iz não sa b e r é u m esp an to p o rq u e ele sa b e tu do . D a í a u n s d ias m e e n c o n ­ trei c o m ele na rua e d e o n d e ele m e v iu v e io g ritan d o : "S altim b an co p o ­ de! S a ltim b a n c o p o d e !". E le tinha e n ­ c o n tra d o u m a re fe rê n c ia . H o u aiss c h a m a isso d e arq u eo lo g ia literária. Foi u m a d as d ific u ld ad e s. T erá erro s,

"Q uando acabo u m

tex to , digo assim :

’M eu D eus, co m o é

que eu disse esse

h o rro r de b esteira?

Q u e h o rro r!’"

terá alg u m a c o isa, m as esp ero q u e a m éd ia ten h a sid o razo áv el p o rq u e m e d e u m u ito trab alh o .

L J - V ocê p e rse g u e a inspiração ou

é p e r se g u id a p o r ela ?

R Q - V o c ê é o se u m aio r crítico. P rin ­ cip alm en te eu, q u e acho tudo m uito ruim q u an d o faço. Q uando acabo um texto, em v ez d e o lh a r e dizer "ôba, b o n itin h o , tal", eu digo assim : "M eu D eu s, co m o é q u e e u d isse esse horror d e besteira? Q u e h o rro r!". M e dá um a im p aciên cia horrível.

U

- J á aco n teceu isso depois d e a l­

g u m livro p ro n to ? V ocê m exe?

(3)

Entrevista

Rachel de Queiroz

o o rig in a l e a c a b o u . V o c ê n ã o e s c o lh e n em a c a p a . E s s a c a p a (d o " M e m o ria l

d e M a ria M o u ra " ) é a té b o n itin h a , m a s v í d e p o is d o liv ro im p re s s o .

L J - V o cê o u v iu fa la r q u e a M a r ia

M o u r a é a v e r s ã o fe m in in a d e L a m p iã o ?

R Q - O u vi. O L a m p iã o n ão sei, p o r­ q u e é tão d ife re n te , né? E u escrev i um a p e ça so b re L a m p iã o . N ão sei se v o c ês tiv eram a c e sso . S e já tiv erem

tid o , p o r fa v o r fa ç a m u m a c o m p a ra ­ ção . O L am p ião e ra re a lm e n te um crim in o so , um h o m e m m au , o p e rv e r­ so , o h o m e m q u e p assa v a p o r cim a d e

tudo. A M o u ra n ã o , ela a té q u e tem m u ito s e sc rú p u lo s. S ó m ata q u a n d o é p re c iso , q u an d o é n e cessário m esm o . E la se rev o lta ta n to , q u a n d o a ssa ssin a aq u eles d o is sem p re c isã o n e n h u m a. E la tin h a um a ética p e sso a l, n ão g o s ­ tava d e m a ltra ta r as p e sso a s. A ch o q u e a p sico lo g ia d e la era c o m p le ta ­

m ente d ife re n te da d o L am p ião .

L J - C om o fo i essa em o çã o d e a o s 19

an o s fa z e r um liv ro ("O Q uinze"), in icia r n o jo rn a lism o a o s 16. C o n te o seu com ecinho.

"N asci n u m a casa de

in telectuais. N a

fazenda, m am ãe

assin ava rev istas e

livro s fran ceses.

M inha g en te era

antecipada"

R Q

- E u n asci nu m a casa d e in te le c ­ tu ais - m e u p a i, m in h a s tias, m in h a m ãe. L á na fa z e n d a , n o se rtã o , ela assin a v a rev istas e liv ro s fran ceses. Em casa o a m b ie n te era esse. O n o r­ m al e ra escrev er. O não n o rm al era não g o sta r d e escre v e r. E u tiv e u m a e d u cação m u ito a rb itrá ria p o rq u e a té q u a se o s 11 a n o s n in g u é m m e e n si­ n o u , se n ã o m e m an d av am ler. O p a ­ pai m e co n tav a h istó ria de rei, d e rain h a. E u g o sta v a m u ito d e h istó ria u n iv ersal, d e h istó ria b ra s ile ira . E u lia m u ito Jú lio V ern e. Q u a n d o fui p ro c o lé g io , a irm ã q u e m e e x a m in o u em p rim e iro lu g a r fic o u en can ta d a com a m in h a sab ed o ria. D e i a v o lta ao m u n ­ d o p e lo e s tr e ito d e M a g a lh ã e s ... Q u a n d o m e m a n d a ra m fa z e r u m a conta d e d im in u ir, e u sa b ia . N ão s a ­ bia era d e d iv id ir n em d e m u ltip licar. N ão sab ia o q u e era an álise ló g ica, nem an álise g ram atical, não sabia n a ­

d a. R e lig iã o en tão ... L á em casa n in ­ g u ém tin h a religião. M in h a av ó fico u m u ito in d ig n a d a . T in h a o brig ado e u ir para o co lég io ju sta m e n te p o rq u e n ão tin h am m e en sin ad o relig ião . A so rte fo i q u e caí n as m ãos d e um a fie ira m u ito in te lig e n te q u e m e e x ­ plo ro u . E la dizia: " R a q u e lz in h a ,v o c ê tá m u ito boa nessas m atérias, m a s é a n a lfa b e ta nas o u tras. S e em seis m e ­ se s eu te b o tar um p ro fe sso r p a rtic u ­ lar...". E u n u n ca tin h a entrado num co lég io e tin h a lo u cu ra pra tá nu m . M a m ã e ach av a u m a tristeza, papai ta m b ém . M in h a g e n te era m u ito a n ­ tecipada.

u - M a s isso p o r vo cê se r m ulher?

R Q

- N ão , n ão , não! P o rq u e papai

"Q uando todos iam

dorm ir, p eg av a m eu

caderno, lápis e m e

deitava no chão ju n to

ao farol. Foi assim

escrito ’0 Q u in ze’"

ach av a que o estu d o fo rm al era m u ito lim itad o . E le ach av a q u e o estu d o q u e v o c ê esco lh eu para estu d ar, q u e v o cê g o sta , é o q u e fo rm a a su a cu ltu ra. E o q u e é v erd ad e.

L J - Q uando você escreveu "O Q u in ­

ze", esta va doente, n ã o é isso?

R Q - M ag n ificaram um p o u co essa d o e n ç a . N ão foi p ro p riam en te isso . E u tiv e um a co n g estão p u lm o n a r e a n d ei c u s p in h a n d o sa n g u e . N e s s e tem p o tu b ercu lo se era o terro r, era a p e ste b ran ca. N ão h av ia ainda os a n ­ tib ió tic o s d e ho je. E m am ãe fic o u co m m ed o p o rq u e e u ia ficar tísica:

"E ssa m e n in a com m an ia d e fic ar le n ­ do até d e m ad ru g ad a". E la m e p ô s um re g im e a lim en ta r m u ito sério e eu tin h a q u e d o rm ir às n o v e da n o ite e a c o rd a r à s s e te d a m an h ã. Q u an d o to d o m u n d o ia dorm i r e u p eg av a m eu c a d e rn o , u m láp is e m e d eitav a de b ru ço s no ch ão ju n to do farol pra te r luz. E foi assim e sc rito "O Q u in ze". Q u a n d o m o strei o liv ro , m am ãe fic o u na m a io r p reo cu p ação .

U - V ocê é p a re n te d o J á d e r de

C a rva lh o (fam oso jo rn a lista e escri­ to r cearense, j á fa lecid o ). O e scrito r M o re ira C am pos é p rim o dele. H á

algum p a re n te sc o e n tre vocês?

R Q - N ão . B em q u e eu queria ser parente do M oreira C am pos, q u e eu considero um sujeito, dos vivos, um

d o s q u e m e lh o re s e sc re v e m a in d a n este p aís. U m do s m a io re s e sc rito re s b rasileiro s. M as e le é m u ito p re g u i­ ço so , e sc re v e m u ito p o u c o , é m u ito d esam b icio so ... (riso s dos e n tre v ista ­ dores).

L J - E le d iz q u e o fu tu r o da litera tu ra

é escrever co isa s p e q u e n a s co m o a p o e sia e o conto p o rq u e o hom em vai ler m enos, O que v o cê acha? Q u a l o fu tu ro d o rom ance ?

R Q - O lh a, eu não sei. M as v o c ê sa b e q u e liv ro q u e se v e n d e é liv ro g ro sso . T o d o s o s b e st-sellers, esses "S id n ey S h e ld o n ”, tu d o isso é liv ro g ro sso . P are ce q u e o le ito r m éd io co m p ra um liv ro e fica fru strad o s e são p e q u e n a s h istó rias, se é um liv rin h o p e q u en o . E le q u e r e n co n trar m aterial pra le v a r um m ês lendo. E u te n h o essa im p re s­ são p o rq u e v o c ê v ê o R u b e m F o n seca n aq u ele livro d e le q u e é e x c e le n te , "G ran d es E m o çõ es e P en sam en to s Im p erfeito s". A q u e le liv ro é g r o s s o e é um b est-seller real dele. É o liv ro q u e m ais se v en d eu d ele. N a m in h a o p in ião e le d e sc o b riu a fó rm u la d o bom b e st-se ller, q u e r d izer, um liv ro q u e tem su b stân cia literária, q u e é bem e scrito , q u e é b em bo lad o . P ra m im o R u b em re so lv eu esse p ro b le ­ m a. A g e n te fica fazen d o n o sso s li- v rin h o s, v e n d e m il e x e m p la re s, e n ­ q u an to o s "S id n ey S h eld o n " d a v id a v en d em 1 m ilh ão .

L J - V ocê não d efen d e esse tip o d e

literatura ?

"O s ’Sidney S h e ld o n ’

da vid a escrev em

livro s m ais ou m en o s

lineares, a h istó ria é

p rev isív el, apela

m uito pra sexo"

R Q - N ão , a c h o q u e n ã o . S ã o liv ro s m a is o u m e n o s lin e a re s , a h is tó ria é p re v is ív e l, a p e la m m u ito p ra s e x o . É ju lg a d o in te rn a c io n a l m e n te , n ã o so u eu.

L J - V ocê iniciou p re c o c e m e n te n o

jo rn a lism o a o s 16 anos, n ã o é?

R Q - É. E u tin h a m e d ip lo m a d o , e s­ tava m o ran d o na fa z e n d a , n o C eará. E ra isso co m eço s d e 1927. E u ia fa ze r

17 no final do an o . Foi e leita R ain h a d o s E stu d an tes a S u san a d e A le n c a r G u im arães. E la trab alh av a no jo rn a l "Ò C eará", d e Jú lio Ib iap in a. E eu escrev i um a carta p ro re d ato r g o zan

-O s liv r o s d e lite r a tu r a i n f a n t i l - ”0 M e n in o M á g ic o " e " C a f u t i” -f o r a m -f e it o s p a r a o s s o b r in h o s tid o s c o m o

n e to s .

A o f a la r d a A B L , R a ­ c h e l c o n v id o u o s a lu ­ n o s p a r a t o m a r e m c o m e la o tr a d ic io n a l

" C h á d a s C in c o " d a A c a d e m ia .

N o m e io d a e n tr e v is ta , R a c h e l p e d iu q u e fo s ­ s e s e r v id o c a f é a o s e n t r e v is t a d o r e s . M a s a v is o u q u e s ó tin h a q u a t r o x íc a r a s .

(4)

4

Rachel de Queiroz

Entrevista

D u r a n te a s u a p a r tic i­ p a ç ã o n a 2 1 5 A s s e m -b lé ia N a c io n a l d a O N U , R a c h e l c o n s ta to u " c o ­ m o o s s o v ié tic o s e ra m c h a to s e b u rro s " .

Q u a t r o te le fo n e m a s in te r r o m p e r a m a e n ­ tre v is ta . R a c h e l s e m ­ p re a te n d ia b r in c a n d o :

"L ig u e o u tr a h o r a , e s ­ to u d a n d o u m a a u la " .

A p e s a r d e m o r a r n o R io d e J a n e ir o , h á m a ís d e c in q u e n ta a n o s , R a ­ c h e l d iz q u e , " g ra ç a s a D e u s " , n ã o a d q u ir iu s o ta q u e c a r io c a .

d o e s s e n e g ó c io d e R a in h a d e E s tu ­

d a n te , d iz e n d o u m a b rin c a d e ira s e tal.

U m a c a rta a m is to s a , m a s g o z a n d o . E a ss in e i R ita d e Q u e lu z . P u b lic a ra m a

c a rta e fo i u m c u rio s id a d e , "q u em

e r a " ? , " q u e m n ã o e ra ? " . F o rta le z a n e s s e te m p o era d e s s e ta m a n h o . V i­

ra m o c a rim b o da e s ta ç ã o d e J u n c o ,

lá o n d e e u m o ra v a . A í to d o m u n d o

dizia: "E n tão é o D an iel (pai da R a ­ ch el d e Q ueiroz). Q u em escrev eu foi o D an iel e assin o u co m o n o m e de m u lh er". O Já d e r d e C arv alh o , q u e m e c o n h e c ia , era m eu p aren te, disse: "N ão , isso é co isa da R ach elzin h a. E u ap o sto . O lha o R Q , é da R aq u elzin - ha". F o ram lá, m e id en tificaram e o Jú lio Ib iap in a m e o fe re c e u um lu g ar

no jo rn al. E le m e p eg o u pra s e le c io ­ n a r a p ág in a literária e fa z e r um a c ró ­ nica um a v e z p o r se m a n a . D e lá prá c á , n u n ca m ais m e livrei de jo rn a l.

U - C o m o fo i essa p a ssa g em p e lo

jo r n a l j á q u e você estava virando co m u n ista ?

R Q - A h , isso lá no jo rn al se m p re d izia a eles: "V o cês q u e m e d e sv ia ­ ra m , v o c ê s q u e m e tran sv iaram ". O D ja c y M e n e z e s e ra um d o s m eu s g ra n d e s q u e rid o s a m ig o s, o L au d o - m iro F e rreira , tu do era co m u n ista. Q u an d o fui re ce b e r o prém io G raça A ran h a d o "O Q u in ze", em ja n e iro de 3 1 , fui pro R io e lev ei carta d o s a m i­ g o s d aq u i pros co m u n ista de lá. O p rém io era da g ra n fín a d a , dos P rad o , a q u e la s co isas. E u, e n tão , tinha um a

"N unca vi u m a coisa

tão p arecid a com os

stalin istas do m eu

tem p o do que o PT.

A q u ela intolerância,

aq u ela radicalização"

v id a d ú p lice. L evei as cartas, entrei em c o n ta to , recebi to d o o m aterial pra se fu n d a r a reg ião aqui no C eará. A g o ra , não p ensem q u e eu era tratad a com c o n sid e ra ç ão . E u digo se m p re q u e n u n ca v í co isa tão parecida com os sta lin ista s do m eu tem p o do q u e o P T . A q u e la in to le râ n c ia , aq uela ra d i­ c a liz a ç ã o , aq u ela co isa q u e só o o p e ­ rá rio q u e é criad o p o r D eu s e p o d e tá acim a d e to d o s o s m u n d o s, en d eu sa- m en to da U nião S o v ié tic a , q u e era a p átria d o p ro letariad o . N ós, os in te ­ le c tu a is no m eio dos p artid o s c o m u ­ n istas, é ra m o s o s e sc rib a s p o rq u e s a ­ b ía m o s escre v e r. U m a vez tiv e um a b rig a c o m d e s . E u d izia: "N ós so m o s

co m o aq u eles escrav o s g reg o s q u e os g ra n d e s ro m an o s, riq u íssim o s, m a n ­ d av am im p o rta r da G récia para e sc re ­ v e r e le r para eles, e n sin a r o s filh o s. Pra v o c ê s nós so m o s os esc rib a s, só isso ". Q uem não nascia o p erário n ão m erecia a co n fian ça d o p ro letariad o . E u tava noiva d e o u tro co m u n ista q u e era um poeta p ern am b u can o (Jo sé A u to ). O so n h o da g e n te era fazer um estág io na U nião S o v iética. Ju n ta m o s o n o sso d in h eirin h o , n o s p riv an d o d e m uita co isa, pra d a r a p assag em a té H am b u rg o , q u e seg u n d o n o s tin h am in fo rm ad o a g en te ch eg av a lá e c o n ­ tactav a com o p artid o co m u n ista. D e H am b u rg o no s lev ariam d e trem à U n ião S o v iética. A í, in o c en te m e n te ,

fo m o s à direção do p artid o e d isse ­ m os: "N ós ju n ta m o s e sse d in h e iro , nós q u eríam o s ag ora que os c o m p a n ­ h eiro s n o s facilitassem p o rq u e v a m o s p o r nossa co n ta". E les d esco b riram n o sso d in h eiro e d isseram : "E sse d i­ n h eiro vai ser co n fisca d o p elo p a rtid o p o rq u e vo cês são in telectu ais e n ão p re cisa m ir à U n ião S o v iética p ara c o n h ec e r o so cialism o . O s o p erário s q u e aqui não têm d in h eiro é q u e v ão . S u as p assag en s v ão serv ir para d o is o p erário s". V ocês im ag in em o ó d io co m q u e a gente não ficou.

U - A senhora chegou a ir na U nião S o viética ?

R Q

- N ão , eu não era lo uca. D e p o is eu fiq u ei tro tsk ista. A g e n te não ia com m ed o . P o rq u e a g e n te tro tsk ista era can alh a tro tsk ista. O S tálin m a n ­ d o u a ssa ssin a r T ró tsk i no M éx ico . A té aco n teceu um ep isó d io m u ito e n ­ g raçad o . D ep o is ro m p i co m o’ p a rti­ do. E les q u eriam q ue eu tra n sfo rm a s­ se todo o "João M ig u el", q u e é um ro m a n c e da história d e um cab o c lo q u e m ata o u tro . E u já co n tei essa h istó ria até no p ro g ram a do "Jô". O "Jô" arran ca tudo da g en te, né? E les m arcaram um a reu n ião nu m g alp ão v azio la no R io , na zon a p o rtu ária, p ertin h o de o n d e p assav a a lin ha do b o n d e. T u d o era m iste rio sa m e n te . U m su jeito fingia q u e era teu n a m o ­ rado , te dava um b eijin h o e d izia no o u v id o : "C o m p areça n e sse lu g a r às tan tas ho ras". N u n ca o tinha v isto (riso s d o s e n trev ista d o re s). T u d o era a ssim , m uito ro m â n tico , a té e sse lado do m istério . Q uando recebi a c o n v o ­ c aç ã o , e le s m e p ed iram pra ler o liv ro e eu , b u rra, só tinha o o rig in al. Era o se g u n d o livro q u e eu escrev ia. E u entrei no g alp ão v a z io , tin h a um a tne- sa tosca e três b ancos. A trás u m b an ­ co so zin h o co m o um banco d e réu. O p artid o estav a na g ra n d e ile g alid a d e , todo m undo na c la n d e stin id a d e . E n ­ tão eles m e se n ta ra m no b an q u in h o do réu. Os três ju lg a d o re s, um era n eg ão , um d esses c rio u lõ es cario cas. E le tin ha ch eg ad o d a U nião S o v ié ti­ ca. Q u em sa b e n ão fo i co m m eu d in ­ h eiro , hein? (riso s g erais). E le, d e

c a m ise ta d e e stiv a d o r para m o strar q u e era o p e ra ríssim o . O ou tro cara q u e id en tifiq u ei d e p o is era o m arid o da E lsa F e m a n d e s, um a m oça q u e traiu o p a rtid o e foi e x ecu tad a. E le foi um d o s q u e v o ta ra m p e la m o rte dela. O te rc e iro n u n ca id en tifiq u ei. E n tão o n eg ão q u e era q u e m p resid ia o n e ­ g ó cio d izia assim : (R a q u el im ita a v o z do in te rlo c u to r falan d o em tom a u to ritá rio ) " C o m p a n h e ira , nós le­

m os o se u liv ro e d e sa p ro v a m o s in ­ te ira m e n te p o rq u e te m um cam pesi no

"E ntão eles m e

sen taram no

b an q u in h o do réu. O s

três ju lg a d o re s, um era

n eg ão , u m d esses

crio lõ es cariocas"

q u e m ata o u tro , tem um coronel q u e tem p riv ilé g io na c a d e ia e tem um a filh a lo u ra com q u e m o n o sso c a m p e ­ sin o tem um lig eiro ro m an ce. E a m u lh e r d e le se p ro stitu i. N ós e x ig i­

m os d e v o c ê q u e faça o coronel m atar o c a m p e sin o e faça a filha d ele se p ro stitu ir e não a d o cam p esin o ". Eu fiq u ei d a n a d a da v id a . E disse: "V o ­ c ês q u erem m e dar q u e só ten h o esse o rig in a l. V o u v e rific a r, v er o n d e p o s ­ so fa z e r a s c o rre ç õ e s". E u m e lev an ­ te i, fui a té a m esa d e le s, recebi os o rig in a is. E ra um p a c o te assim ... P a­ pel fin o . F iq u ei em pé en ro lan d o e eles fa la n d o co m o e u d ev ia pro letari- z a r o liv ro . S ó d iziam cada burrice, vo cês im ag in am . E ra o realism o s o ­ cialista. Q u an d o acabei d e enrolar, dei uns p asso s atrás. A po rta estava e n ­ treaberta. E u tava co m m edo horrível, so zin h a ali no m eio d aq u eles hom ens q u e nu nca tinha v isto , hostis. Eu disse: "N ão reco n h eço em v o cês au to rid ad e literária para criticar o m eu livro. P as­ sar bem ". M eti o pé na carreira e saí. C om so rte - foi m eu an jo da gu arda - ia p assan d o o b o n d e e entrei, vupt! Q u an d o eles saíram esp an tad o s eu já tava lo n g e e até o dia d e hoje não so u b e co m o acabou (riso s). Foi o m eu últim o co n tato com o partido.

U - P o r se r co m u n ista você fo i p e r ­

seg u id a p e lo g o v e rn o m ilita r d e 64?

R Q

- N ã o , no g o v e rn o m ilita r eu já

n ão era m ais. E u a p o ie i, isso é um p o n to q u e fa ço m u ita q u estão q u e se to m e no ta: fu i, so u e serei co n tra B ri- z o la , J a n g o , to da e ssa g en te q ue usa o s m o v im e n to s o p e rá rio s, os m o v i­ m en to s p o p u la re s p ro seu c a u d ilh is­

(5)

Entrevista

Rachel de Queiroz

m o. O p rim e iro c h e fe d e les foi o G e-

túlio. O s o u tro s são d escen d en tes. O Jan g o co m o o B riz o la são filh o tes do

G etú lio . N a m in h a g e ra ç ã o d e c o m u ­ nistas sem p re tiv em o s h o rro r ao G e ­ túlio. A rep ressão d o tem p o m ilita r foi ru im , m as a do G etú lio foi p io r. P elo m en o s n in g u é m m a n d o u e n tre ­ g ar O lga B en ário ao s c arrasco s n a z is­ tas. Isso eles não fizeram . Q u an d o o Jan g o a ssu m iu o p o d e r, eu já não era

tro tsk ista. Q u an d o m a ta ra m o c a m a ­ rada T ro tsk i, e u m e d e sin te re sse i d e co m u n ism o . Já v in h a m e d ecep ei o - nando e fiquei n u m a p o sição q u e d ig o sem p re q u e so u um a d o c e an arq u ista . N ão resp eito g o v e rn o . N ão do u v a lo r a fó rm u las de g o v e rn o . A ch o q u e to ­ da a u to rid a d e é rep resso ra. Isso é a m in h a cren ça p esso al. M as o c o rp o ­ rativ ism o do Ja n g o m e h o rro riz a v a e aind a h o je m e h o rro riza. E u aju d ei a c o n sp ira r com os m ilita re s p ara d e r­ ru b ar o Ja n g o , sim sen h o r. C o n sp irei com m u ito s m ilitares. E u , A d o n ia s F ilh o , q u e é ram o s lib erais, d e m o c ra ­ tas. Q u an d o C astello (B ran co ) a s s u ­ m iu o p o d e r, nós d em o s to da a fo rça a ele. A ch am o s q u e as p rim eiras c a s­ saçõ es, q u e eram de Ja n g u ista s, a q u e ­ le g ru p o , foi m erecid a. A g o ra , não sei se v o c ê s sa b e m , o C a stello foi pra ti - c am e n te d ep o sto p ela área re a c io n á ­ ria do E x ército c h efia d a p elo C o sta e S ilv a, q u e era um sa rg e n tã o d e p o u ­ cas letras. E ra um tru p iê. O g ru p o do

C astello , dos in te le c tu a is, foi p ratica- m en te d ep o sto . C h eg o u um tem p o o C a ste llo q u e ria a re stitu iç ã o civ il. T in ha m an d ad o p re p a ra r a C o n stitu i­ ção e en treg aria o p aís ao s civ is. E ra o p ro g ram a do C astello . M as foi fru s­ trado n isso , p o rq u e o g ru p o do C o sta

"Eu ajudei a co n sp irar

com os m ilitares para

derrubar o Jan g o , sim

senhor. C o n sp irei co m

m uitos m ilitares"

e S ilva já tin h a to da a força d en tro do E x ército . O C astello d eix o u o g o v e r­ no e eles a ssu m ira m . D e sd e e n tão , não tiv e a m en o r lig ação co m eles.

L J - C om o f o i q u e a s e n h o r a viu a

q u e d a d o c o m u n is m o n o L e s te E u r o p e u ?

R Q

- P o is é, a g e n te já p rev ia. V o cê e sq u e c e q u e ten h o um a longa fo rm a ­ ção tro tsk ista? Q u an d o brigu ei co m o p artid o nessa o c asião m e ap ro x im ei dos tro tsk istas q u e eram re a lm e n te os

in telectu ais do p artid o. T inha aq u ele c e a re n se , o D o m in g o X av ier, o M ário P ed ro sa. Era a elite do m arxism o q u e tinha ficad o toda tro tsk ista. A g en te já d en u n ciav a as co isas do S tálin . T em um a an ed o ta q u e o L ênin c o n to u q u e ag o ra tenho v o n ta d e de co n tar p ro L ula. O L ên in d isse que foi p ro ­ cu rad o p o r um a co m issão de cam p o ­ neses lá da S ib éria. Q u and o eles c h e ­ g aram , se ajo elh aram ju n to dele e d isseram : "P aizin ho , a ti nós q u e re ­ m o s, m as liv ra-n o s d o s co m u n istas. E u diria: "L ula, a ti nós q u erem o s, m as liv ra-n o s dos p etistas (riso s g e ­ rais). N u n ca vi um a coisa tão p a re c i­ da. Eu d ig o esses b arb u d in h o s q u e

"Eu diria: L ula, a ti

nós querem os, m as

livra-nos dos petistas.

N unca vi um a coisa

tão p arecid a com os

stalinistas"

ch eg aram aqui para assesso rar a M a ­ ria L u íza (E x -P refeita de F o rtaleza). C o itad a dela.

U - E m 1961, você fo i convidada p a ra se r m inistra da educação p e lo Jâ n io Q uadros. N ã o aceitou p o rq u ê ?

R Q

- E le in sistiu u m as duas ho ras co m ig o trancad o num a sala q u eren d o q u e eu co n co rd asse. E u dizia: "P resi­ d en te, não nasci pra m u lh e r p ú b lica". V o cês sab em que m u lh e r pública tem d u as co n o taç õ e s (riso s). Q uando re ­ c u sei, o s jo rn a is to d o s deram . O P a u ­ lo S a ra sate , q u e era m eu am igo ín ti­ m o - n e sse tem po era deputado -, dizia: "V o cê perdeu essa o p o rtu n id a ­ d e pro C eará, v o cê d ev ia ser fu zilada em praça pú blica". E eu: "P aulo, não sei ser m in istra". Ele: "A g en te fazia tudo pra você". E eu: "É isso q u e v o cês q u eriam ".

L J -A senhora teve convites p a ra se r m in istra em outros governos?

R Q

- T iv e do g o v ern o C astello , do g o v e rn o G eisel, do F ig u eired o e do S a m e y .

u - E hoje, se fo s s e c o n vid a d a

a c e ita r ia ?

R Q

- N ão . Im ag in a, hoje que e sto u com 8 2 an o s, ia m e m eter num a e n ­ rascad a d essa... Q u an d o tinha q u a ­ ren ta n ão aceitei...

U - V o cê acha q u e a cultura está

sen d o bem tratada p elo s g o v ern o s, hoje em d ia, no B rasil?

RQ

- E u tenho um a o p in ião m u ito pessoal so b re cu ltu ra. E u não gosto que o gov erno se m eta com cultura. T oda v ez que o g ov erno se m ete com cultura tem q u e cu id ar dos teatros, das bibliotecas, aju d ar as editoras, pagar os colég io s, pagar b em os professores. É esse o papel do governo. M as criar política cultural, d etesto , não o b ed eço e so u contra. A cho q u e o g ov erno não tem que m eter o nariz na cultura. C u l­ tura é um a coisa esp on tânea q ue tem que v ir do povo. E les têm q u e dar elem entos pra g en te crescer cu ltu ral- m ente, m as não se envolv er.

L J - C om o fo ra m fe ita s a s tra d u çõ es de D ostoiévski, já q u e você não fa la russo ?

R Q - A h, as trad u çõ es d e D o sto iév sk i é um a d a s co isas d e q u e m ais m e o rg u lh o . E u so u um a D o sto ie v sk ia n a fan ática. E o m eu D e u s, o m eu ído lo . S e há u m a coisa no m u n d o q u e eu qu eria se r é D o sto iév sk i. A s tra d u ­ çõ es p o rtu g u esas q u e h av iam d e D o s­ toiévski eram m u ito ru in s. E n tão eu e o Jo sé N ev es, q u e é o u tro D o sto ie v s- k ian o , nos p ro p u se m o s fazer um a tra ­ du ção . P erg u n taram : "C om o é q u e v o cês v ão trad u zir se não sab em ru s­ so?". N ó s arran jam o s cin co tra d u ­ çõ es, as m elh o res do m undo: a fra n ­ cesa, a esp an h o la, a in g lesa, a italian a e a alem ã. E ram tra d u çõ e s c o n sid e ra ­ das ex em p lares. A g en te lia cad a p e ­ río d o n as cin co v e rsõ es. E u lia em qu atro. N ão sab ia a le m ã o , m as as o u ­ tras sab ia. Q uando eu tinha q u a lq u e r d ú v id a telefo n av a pra ele: "V ê a í na

"Sou um a

D ostoievskiana

fanática. ’E o m eu

D eus, o m eu ídolo. S e

há um a coisa no

m undo que eu queria

ser é D ostoiévski"

alem ã se é assim ..." V o c ê não im a g i­ na o tem p o q u e lev o u .

L J -R a ch el, sa b e-se que p a ra en tra r na A ca d em ia B ra sileira de L etra s tem m uita política. C om o fo i a sua entrada na A B L ?

R Q

- B e m , o ritual d a A cad em ia re ­ a lm e n te é m uito ch ato . Para se e n tra r na A B L precisa ser b rasileiro n ato e

E m t r ê s m o m e n t o s , R a c h e l d e Q u e i r o z , s e n tin d o o p e s o d o s s e u s c o m e n tá r io s , p e ­ d iu q u e o s g r a v a d o r e s f o s s e m d e s lig a d o s .

N o R io d e J a n e ir o , a s ­ s im c o m o e m F o r ta le ­ z a , R a c h e l m o r a p e r­ t in h o d o m a r. M a s há

m u ito s a n o s n ã o v a i à p r a ia .

A e s c r ito r a a fir m a q u e n ã o te m fé n e m re li­ g iã o . A o m e s m o te m ­ p o r e v e la q u e a c h a is­ s o u m a p o b r e z a m u ito g r a n d e .

21

(6)

D ia s a p ó s a e n t r e v is ­ ta , R a c h e l d e n u n c io u

q u e d o is c a b o c lo s d a s u a f a z e n d a f o r a m m a ltr a ta d o s p o r s in d i­ c a lis ta s lig a d o s a o P T .

D u r a n te to d a a c o n v e r ­ s a , R a c h e l m o s t r o u u m a d is p o s iç ã o e u m b o m -h u m o r s u r p r e e n ­ d e n te s n u m a p e s s o a r e c é m -o p e ra d a .

N o f in a l d a e n tr e v is ta , v á r io s a lu n o s fiz e r a m f i a p a r a p e d ir a R a

-h e l d e Q u e ir o z q u e a u t o g r a f a s s e a lg u n s liv ro s .

r

Rachel de Queiroz

te r u m liv ro p u b lic a d o . V o c ê te m q u e

e s c r e v e r u m a c a rta a c a d a um d o s

A c a d ê m ic o s e fa z e r u m a v is ita a c a d a

um d e le s . A lg u n s m a n d a m p re s e n te ,

"E n tra

-se na

A cad em ia B rasileira

de L etras p ela sua

obra... O s q ue m ais

co rtejam nu nca são

b em sucedidos"

c o rte ja m . N o g e ral, n ão dá bom re su l­ tado. O s q u e m ais se em p en h am em s o lic ita r nu nca são bem su ced id o s. E n tra -se a li, na re a lid a d e , pela sua o b ra. A v e rd a d e é essa. A g o ra, o m eu caso fo i d ife re n te p o rq u e nu nca tinha tid o m u lh e r na A cad em ia. E ra um v e lh o p re c o n c e ito p ro v o c a d o pela m u lh e r do C ló vis B e v ilá cq u a q u e era um a su b lite ra ta terrív el e ele q u eria m e ter n a A cad em ia. E n tã o os A c a d ê ­ m ic o s p a ra p o d e r re fu g a r a d o n a A m é lia in v en taram essa cláu su la: a A c a d e m ia s e d estin a a brasileiro s. E n tão d isseram : " N ã o s ã o b rasileiras, são só b rasileiro s". D u ran te seten ta a n o s isso d u ro u . M as q u an d o tin h a 21 A c a d ê m ic o s, a m aio ria q uis q u e e n ­ trasse m u lh e res. Eu era a única q u e n u n ca tin h a q u erid o e n tra r na A c a d e ­ m ia. A D in ah c h eg o u até a p ed ir um m a n d a d o d e se g u ra n ç a . O q u e foi um a b esteira p o rq u e a A cad em ia é u m a in s titu iç ã o p a rtic u la r. H a v ia aq u ela g u erra. A A c ad e m ia já tava ch eia d o s m e u s a m ig o s: A d o n ia s, C o sta F ilh o , A u stre g ésilo de A th ay - d e , M e n o tti, C assian o R icard o. E sses to d o s g o sta v a m m u ito d e m im . E ram m eu s v e lh o s a m ig o s, c o m p an h eiro s d e q u a re n ta , cin q u en ta an o s de jo rn a l e v id a literária. E u já tava com s e s ­ se n ta e p o u c o s an o s. E n tão o A d o n ias in v e n to u . E u disse: "E u não v o u p e d ir v o to , n ã o v o u fa ze r n ad a, n ão q u ero e n tra r p ra A c a d e m ia ". "M as v o c ê n ão p o d e fa z e r isso co m a gente. S ó falta v o c ê lá d o n o sso tim e todo". E eu:

"P o is é , m as n ão v o u ". E n tão eles c o n v e n c e ra m o O y am a (O y am a M a ­ c ed o , m a rid o da R ach el d e Q u eiro z, na ép o ca ) a m e o b rig a r a a ssin a r a carta. A ssin e i.

LJ

- C o m o está a q u estão do tex to literário d en tro do tex to jo rn a lístico ?

H á d iferen ça?

R Q

- O cro n ista tem um a situ ação esp ecial p o rq u e e le p o d e fazer e sse tip o de literatu ra no seu tex to lite rá ­ rio . O cro n ista, se q u iser, faz u m a rep o rtag em na su a cró n ica. E le tem toda essa g am a d e o p çõ es. C o m o c ro ­ nista não sinto essa lim itação . A g o ra eu sin to que as esco las de jo rn a lism o não criam o talen to jo rn a lístic o . E s­ crev er é um a v o cação co m o ter v o z pra can tar, com o ter d ed o pra b o rd ar, to car p ian o . É um a v o c aç ã o c o m o o u tra q u alq u er. E n tão , qu em não n as­ ceu escrev en d o fica c o m esses tex ti- n h o s cap en g as, com aq u ele frase a d o to do feito . M as to d as as p ro fissõ e s são assim : tem os b o n s, os m éd io s e os m ed ío cres.

L J - V ocê é contra a o b rig a to ried a d e

do diplom a de jo rn a lism o p a ra o exercício da p ro fissã o de jo rn a lista ? R Q - S o u . P ro jo rn a lism o sou. O s

g ra n d e s jo rn a lista s do m u n d o não

fre-"As escolas de

jo rn alism o não criam

o talento jo rn alístico ...

O s grandes jo rn a listas

do m undo não

freq u en taram escola"

q u e n ta ra m esco la. D e p o is d as e sco las d e jo rn a lism o qu ais fo ram os g ra n d e s jo rn a lista s q u e ap areceram ? T em re ­

lativ am en te p o u co tem p o , m as já d a ­ v a. E cad ê? E u não d ig o a m im q u e não so u jo rn a lista n esse sen tid o , s o u um a cro n ista. M as os g ra n d es, C arlo s C astelo B ra n c o , aq u ele tão b o m , o V illas-B o as C o rrêa, n ão fizeram c u r­ so de jo rn a lism o .

L J - O que você está achando do

jo rn a lism o n o B ra sil?

R Q

- A c h o o jo rn a lism o b rasileiro ex celen te. E u viajo m u ito , a c o m p a ­ nho o jo rn alism o em todas as lín g u as que po sso ler. P o r ex em p lo , o fam o ­ síssim o "Le M ond e" é um jo rn al q u e no R io tem m elho res. O nosso "O P ovo" é um g ran d e jo m a l, o "D iário do N odeste" tam bém . O "D iário d e P ernam buco" é u m jo m a l ex celen te, "A T ard e", "O E stadão" ("E stad o de

E n tr e v is ta

S ã o P a u lo "). A "F o lh a" (d e S ão P a u ­ lo) é u m p o u c o fa c c io sa d em ais, ela ataca. A c h o a "F o lh a" m u ito ch atin - ha.

U - R e ce n te m en te o jo rn a lista P a u lo

F rancis expressou na sua coluna todo o seu p reco n ceito contra os n o rd esti­ nos. V ocê acha que o "O P o v o "

deve-"Sou co n tra a censura.

S e o P aulo F rancis

calu n ia, v o cê o bota

n a cad eia. M as

d eix e-o escrever,

d eix e-o se m an ifestar"

ria d e ixa r de p u b lic a r a coluna dele?

R Q

- N ão , p o rq u e s o u co ntra a c e n ­

su ra. E le p ú b lica e v o c ê co n testa. S e e le c a lu n ia , v o c ê o bota na cad eia. M as d e ix e-o e sc re v e r, d eix e-o se m a ­ n ife sta r. E d ep o is n ão há nada pra g e n te fic a r d e te sta n d o o P au lo F ra n ­ c is c o m o lê o P au lo F ran cis, não é? P o rq u e e le é um c h a to . E u tô d izen d o isso à toa p o rq u e até q u e ele m e trata m u ito bem . N u n ca tiv em o s co n flito n en h u m .

U - O fin a l d e "'M em orial de M a ria

M o u ra " está em a b erto com o se vies­

s e m a is a lg u m a co isa. Vem ?.

R Q

- N ã o , não v em . V o cês to do s têm q u e im a g in a r um fin al. E u tinha aca ­ b ad o "M aria M o u ra" q u an d o ela m ata o C irin o . M as m inha irm ã M aria L uí- z a , q u e é m in h a m a io r crítica, disse: "N ão a d m ito q u e ela a cab e assim , v o c ê te m q u e d a r o u tro fim pra M aria M o u ra. E u n ão q u e ro q u e acab e assim nessa d e p re ssã o ". E d eu a m aio r e s­ c u lh a m b a ç ã o . S en tei na m áq u in a e fiz o u tro fin a l. A í d eix ei em ab erto . R e ­ a lm e n te é m a is c o n d iz e n te co m o te m p e ra m e n to d ela c o n tin u a r 1 utan d o d o q u e s e e n tre g a r à d ep ressão .

L J - Q u a is sã o s e u s p r o je to s na

lite ra tu ra ?

R Q

- D e u s m e livre! D etesto escrever. Trabalharei o m enos q ue puder. Só o bastante pra gan h ar o pão de cada dia porque m inh a aposentadoria é um p o r­ caria. P retendo curtir, ler os livros que vocês v ã o escrever. E stou esperando, gosto m uito d e aplaudir e adm irar. C he­ gou a v ez d e eu ser a espectadora.

Referências

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