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A duração razoável do processo penal e as possibilidades de compensação de danos

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

FACULDADE DE DIREITO

BRUNO DAMASCO DOS SANTOS SILVA

A DURAÇÃO RAZOÁVEL DO PROCESSO PENAL E AS POSSIBILIDADES DE COMPENSAÇÃO DE DANOS.

Niterói 2016

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BRUNO DAMASCO DOS SANTOS SILVA

A DURAÇÃO RAZOÁVEL DO PROCESSO PENAL E AS POSSIBILIDADES DE COMPENSAÇÃO DE DANOS.

Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção do título de graduação em Direito na Universidade Federal Fluminense.

Orientador: Professor Dr. Rogério Dultra dos Santos

Acadêmico: Bruno Damasco Dos Santos Silva

Niterói 2016

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Silva, Bruno

A duração razoável do processo penal e as possibilidades de compensação de danos. – 2016.

77 f.: il ,; 30 cm.

Monografia (Bacharelado em Direito) - Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2016.

Orientação: Prof. Dr. Rogério Dultra dos Santos. 1.Processo Penal. 2. Duração Razoável. 3. Prisão Preventiva. 4. Tempo do processo e da prisão. 5. Responsabilidade civil do Estado.

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A DURAÇÃO RAZOÁVEL DO PROCESSO PENAL E AS POSSIBILIDADES DE COMPENSAÇÃO DE DANOS.

BRUNO DAMASCO DOS SANTOS SILVA

A presente Monografia foi aprovada como requisito parcial para a obtenção do grau de bacharel em Direito no curso de Direita da Universidade Federal Fluminense – UFF

Aprovado em de de .

BANCA EXAMINADORA

Prof. Dr. Rogério Dultra dos Santos - Orientador

Prof. Me. Douglas Leite Guimarães - Membro

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O presente trabalho teve como objetivo abordar a problemática do tempo do processo penal e da prisão provisória no Brasil, em paralelo com o quadro internacional. Buscou- se desvendar as causas e os efeitos do tempo sobre o cenário da população carcerária brasileira em que quase metade dos presos aguardam julgamento. Objetivou-se elucidar a interpretação da doutrina e jurisprudência sobre o direito à duração razoável do processo penal e da prisão cautelar e das possibilidades de compensação de danos por violações a essa garantia fundamental. Os resultados mostraram que o tempo prolongado do processo penal é uma potencial causa de violação à garantia da presunção de inocência, na medida em que cria o ambiente das justificações da antecipação da pena. Além disso, a doutrina e a jurisprudência, diante da omissão legislativa em estabelecer limites temporais ao processo e à prisão, alegam que o Brasil adotou a teoria do não-prazo, cabendo ao judiciário interpretar a razoabilidade ou não da duração desses institutos diante do caso concreto. Por fim, percebeu-se que a jurisprudência brasileira em comparação com a jurisprudência internacional é receosa em atribuir ao Estado responsabilização diante de violações à duração razoável, inclusive da prisão provisória. Protege-se o Estado elencando dogmas de irresponsabilidade do Estado por atos jurisdicionais. Conclui-se que é omissa a abordagem da problemática temporal do processo penal e da custódia cautelar nos poderes da República, sendo o tratamento do tema crucial se se quiser buscar soluções para o quadro excessivo de presos provisórios atualmente no Brasil.

Palavras-chave: Duração Razoável do Processo; Prisão Processual; Compensação de Danos; Presunção de Inocência; Responsabilidade Civil do Estado.

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The present work aimed to address the problem of time in criminal proceedings and pre- trial detainees in Brazil, in parallel with the international framework. Sought to unravel the causes and the effects of time on the set of brazilian prison population in which almost half of the prisioners are awaiting trial. Aimed to elucidate the interpretation of doctrine and jurisprudence on the right to a reasonable duration of criminal proceedings and precautionary prison and the possibilities for compensation of damages for violations of this fundamental guarantee. The results showed that the long period of the criminal process is a potential cause of violating the guarantee of the presumption of innocence, in that it creates the atmosphere of the justifications of the anticipation of the punishment. Moreover, the doctrine and the jurisprudence, because of legislative omission to establish time limits for the process and prison, claim that Brazil adopted the theory of no-term, instructing the judiciary interpret the reasonableness of length of these institutes on the case. Finally, it was noticed that the brazilian jurisprudence in comparison with the international jurisprudence is afraid to assign to the State the civil liability in the face of reasonable duration, including violations of pre-trail detainees. Protects the State touting tenets of irresponsibility of the State for judicial acts. It is concluded that is silent the approach of criminal process and temporal problems of precautionary custody in powers of the Republic, being the treatment crucial theme if you want to find solutions to the excessive frame of provisional prisoners currently in Brazil.

Keywords: Reasonable duration of the Process; Pre-Trial Detainees; Damage Compensation; Presumption of Innocence; Civil Liability of the State.

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INTRODUÇÃO...8

1. COMPREENDENDO A DURAÇÃO RAZOÁVEL DO PROCESSO E DA PRISÃO PROVISÓRIA...13

1.1. BREVE INTRODUÇÃO AO PROCESSO PENAL NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO...13

1.1.1 O sentido não absoluto do tempo...13

1.1.2 As contradições do tempo no processo penal...14

1.1.3 A (de) mora processual penal como causa e efeito da antecipação da pena...16

1.2. VISÃO TEÓRICA...19

1.2.1 A Doutrina do Não-Prazo...19

1.2.2 Décio Alonso Gomes...21

1.2.3 Aury Lopes Júnior e Gustavo Henrique Badaró...22

1.2.4 Daniel Pastor...24

1.2.5 André Nicolitt...25

1.2.6 Visão da Pesquisa “Excesso de Prisão Provisória no Brasil: Um estudo empírico sobre a duração da prisão nos crimes de furto, roubo e tráfico”...27

1.3 VISÃO LEGISLATIVA...28

1.3.1 Breve Escorço Histórico...28

1.3.2 Cenário Legislativo Internacional...29

1.3.3 A Emenda Constitucional 45/04...31

1.3.4 Alguns Marcos Legais...32

1.3.5 A doutrina dos 81 dias...34

1.3.6 A Audiência de Custódia...35

2. AS HIPÓTESES DE COMPENSAÇÃO DE DANOS...38

2.1 COMPREENDENDO A VISÃO JURISPRUDENCIAL...38

2.1.1 A Jurisprudência Internacional...38

2.1.2 A Jurisprudência Nacional...40

2.2 A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR EXCESSO DE PRAZO DA PRISÃO E DO PROCESSO...44

2.2.1 Introdução Histórica...44

2.2.2 A Responsabilidade Civil do Estado por Atos do Poder Judiciário...45

(8)

2.2.4 A Jurisprudência Brasileira...48

2.2.5 A Jurisprudência Internacional...51

2.3 SOLUÇÕES EXTRACIVIS...53

2.3.1 Extinção do Processo e Relaxamento da Prisão Provisória...53

2.3.2 Proposições de Soluções Penais e Processuais...57

2.4 SOLUÇÕES PREVENTIVAS...58

3. CENÁRIO ATUAL DO TEMPO DO PROCESSO E DA PRISÃO NO BRASIL...60

3.1 INTRODUÇÃO AO CENÁRIO CARCERÁRIO...60

3.2.1 Quantitativo Carcerário no Brasil e no Mundo...60

3.2.2 O Alarmante Quadro das Prisões Provisórias...61

3.2.3 Os Impactos da Introdução das Medidas Alternativas à Prisão Provisória...62

3.2.4 Os Impactos Iniciais da Implementação da Audiência de Custódia...63

3.2. O TEMPO DO PROCESSO PENAL E DA PRISÃO PROVISÓRIA...64

3.2.1 O Tempo do Processo...64

3.2.2 O tempo das prisões processuais (prisão em flagrante de forma isolada, prisão em flagrante convertida em prisão provisória, prisão provisória de forma isolada)...66

3.2.3 A Eficácia do Aparato de Defesa Sobre o Tempo da Prisão Provisória...67

3.2.4 Prisão Processual e Posterior Absolvição...68

CONSIDERAÇÕES FINAIS...70

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INTRODUÇÃO

No dia 8 de dezembro de 2004 fora promulgada a Emenda Constitucional 45 que reformava o poder judiciário e introduzia na Constituição Federal o inciso LXXVIII em seu art. 5º: “A todos no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação’’. Tratava- se não de uma inovação do legislador, mas uma reafirmação de um preceito já existente no ordenamento jurídico brasileiro, tanto pelo Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos de 1966 em seu art. 14, nº 31, quanto pela Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969, arts 7.5 e 8.12, ambas das quais o Brasil é signatário. O tempo do processo deixa de ser um dado estatístico dos tribunais para tornar-se um direito fundamental integrante do sistema internacional de direitos humanos.

No entanto, o tema ganha peculiaridades sensíveis quando se refere ao processo penal. O processo penal é um instituto que carrega valores que por vezes se contradizem, mesmo em um Estado Democrático de Direito. Por um lado, dentro do modelo acusatório, o processo é o momento em que é concedido ao indíviduo, alvo da persecução criminal, o “emparelhamento de armas” junto ao Estado, onde diversas garantias são a ele concedida, como o contraditório, a ampla defesa e a presunção de inocência. Por outro lado, a submissão ao constrangimento processual-penal já é o início da violação desses direitos como a possibilidade de restrição sobre a livre disposição de bens, a privacidade das comunicações, a inviolabilidade do domicílio (Cf. LOPES JR, 2014. p. 355). De um lado o processo busca a preservação dos direitos fundamentais do homem e do outro o processo é o instrumento do Estado na persecução da autoria e materialidade do crime.

No entanto, esse liame ganha significativa notoriedade quando ao Estado-Juiz é conferida a possibilidade da restrição da locomoção dos indivíduos através das prisões cautelares. A custódia cautelar é o meio pelo qual o juiz possui para preservar o processo, garantir que o Estado possa chegar a verdadeira constituição dos fatos e possa exercer com plenitude seu jus imperium punitivo. Nesse sentido, na busca de contrabalencar os valores do processo, é conferido a esse instituto seu caráter excepcional, quando não resta outra alternativa ao ente estatal para garatir a integridade do processo.

1

Art. 14. (...) 3. Qualquer pessoa acusada de uma infracção penal terá direito, em plena igualdade, pelo menos às seguintes garantias (...) c) A ser julgada sem demora excessiva.

2

Art. 7.5. Toda pessoa tem direito a ser ouvida com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente (...) Art. 8.1. Toda pessoa detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais e tem direito a ser julgada dentro de um prazo razoável ou a ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo. Sua liberdade pode ser condicionada a garantias que assegurem o seu

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Contudo, quase como uma lógica infeliz da democracia brasileira, a intenção do texto legal vai de encontro com a realidade. Segundo dados do Sistema Penitenciário Nacional, fornecido pelo Ministério da Justiça, a relação entre presos provisórios e aqueles que cumprem pena em regime fechado é de 250.213 para 250.094 (DEPEN, 2014, p. 20). Nestes termos o Estado Brasileiro mantém quase metade de sua população carcerária à espera de julgamento. A violação da excepcionalidade da custódia cautelar indica não ser apenas uma infração legal, mas denota o caráter de exceção ao qual o Estado brasileiro se submete para garantir o curso adequado do processo e saciar a comoção pública inquieta por punição. “Nos Estados ocidentais contemporâneos, a justificação de uma política pública de ‘emergência’ repousa na radicalização da atividade repressiva como grande ‘remédio’ para uma situação de desordem.” (SANTOS, 2006, p.2)

Nesse sentido pode-se verificar que o elemento temporal é fator decisivo na configuração da violação de direitos e da dignidade do indivíduo. A sanção penal já fora caracterizado de formas diversas ao longo da história, assumindo hoje o tempo como pena (Cf. MESUTTI, 2003, p. 33). Essa característica retroage no cenário brasileiro para o momento anterior à condenação, permeando o processo ou até mesmo antes dele, nos atos de investigação, onde o poder inquisitorial do Estado se inicia. A rapidez na composição do processo nunca foi indicada, sob pena de não respeitar o contraditório, a ampla defesa, as possibilidades de recurso, a formação do conjunto probatório e da consequente justiça da decisão. No entanto, quando visualiza-se o processo penal agravado por uma custódia cautelar, a relação entre os preceitos garantidores de uma solução justa e adequada com a violação de direitos fundamentais torna-se conflituosa e supervalorizada pela conexão com o fator tempo. O tempo se transforma no elemento capaz de designar se o processo penal está em favor do réu, onde a ele é concedido o contraditório, ampla defesa e presunção de inocência, ou se está violando sua dignidade ao promover prejuízos irreparáveis tanto no seu aspecto moral quanto material. Tais garantias se mostram ineficazes na medida em que a prolongação do processo macula a resistência do indivíduo de se manter íntegro na sua defesa, no aspecto psicológico e financeiro.

É com foco no contexto supracitado que o presente projeto visa a ser desenvolvido. Reafirmar a tutela jurisdicional num prazo justo e razoável como direito individual de qualquer cidadão e colocá-lo no patamar fundamental foi uma das acertadas colocações da emenda constitucional 45. No entanto, a única fonte legislativa que o indivíduo possui para a garantia de um processo célere é justamente o inciso LXXVIII do Art 5º, ou os tratados e convenções da qual o Brasil faz parte. O legislador infraconstitucional não se propôs a regular e especificar conceitos como “duração

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razoável” ou “celeridade da tramitação’’ recaindo sobre o judiciário a função de interpretar tais premissas e decidir à luz do caso concreto. Mas se ao legislador fora conferida o dever essencial da criação do direito, porque nesse caso ao julgador recai tal afazer? Trata-se de uma omissão legislativa fruto da negligência de um congresso atribulado ou resultado de uma omissão consciente, com propósito definido? Fato é que a situação é de entrega discricionária a um juiz criminal cada vez mais empoderado, onde os reflexos de um conceito indeterminado e arbitrado por um decisionismo do julgador podem gerar uma insegurança jurídica contrária ao próprio Estado Democrático de Direito e a garantias como a nullum poena sine lege “(...)nem pena sem prévia cominação legal.”3

Ao alçar a duração razoável do processo como direito fundamental esculpido no art. 5º da Constituição Federal, o legislador objetivou não só dimensionar politicamente a questão mas garantir o efetivo cumprimento de tal preceito, pelos meios que a própria Carta Magna ou o Direito infraconstitucional disponibiliza. A Constituição de 1988, como carta política e jurídica, define o rol de direitos e disponibiliza os meios para conferir sua eficácia, os remédios constitucionais, que são o Habeas Corpus, o Habeas Data, o Mandado de Segurança, a Ação Popular, a Ação civil Pública, etc. De uma dedução lógica percebe-se que a dilação indevida do processo, como garantia fundamental, pode ser alvo desses instrumentos. Também na Consituição Federal, em seu art 37 §6º, aplica-se a chamada “Teoria do Risco Administrativo”, segundo a qual se define a responsabilidade objetiva do Estado na lesão que os agentes prestadores de serviços públicos causarem a terceiros. Dentro dessa perspectiva o indivíduo objeto da persecução criminal vislumbra meios jurídicos para atenuar os males que a duração irrazoável do seu processo pode provocar ou de ver compensado os prejuízos que sofrera. Sempre notável considerar ainda que um ressarcimento financeiro jamais trará seu status quo ante quando o sofrimento de índole moral, psicológica, de sua imagem e honra causados por um eventual cárcere do processo demonstram parecer irreversíveis

Nesse sentido, mostra-se necessário desvendar as razões da omissão de se regulamentar a duração do processo penal e da prisão provisória, como a literatura, leigslação e jurisprudência nacional interpretam a razoabilidade do tempo destes institutos e elucidar a interpretação dos Estados estrangeiros sobre o tema, já que a razoabilidade do tempo no processo é um direito consubstanciado em diversos tratados e convenções internacionais. Além disso, vista esta monografia descortinar os entendimentos doutrinários jurisprudenciais e legais, do Brasil, de outros países e de

3

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cortes internacionais, sobre as possibilidades de compensação dos danos provocados por uma delação indevida do processo penal ou da prisão preventiva.

A metodologia para a feitura desta monografia baseou-se em 3 (três) frentes de pesquisa, quantitativa, bibliográfica e empírica. Quantitativa no sentido de se buscar dados estatíscos que elucidassem o tema tratado e conjugar essas informações com outras frentes. Bibliográfica, pois dentre os resultados almejados deste relatório estavam a compreensão teórica do tema e o entendimento mais balizado dos principais autores e da jurisprudência, nacional e internacional. E empírica, pois esta obra conta com dados de pesquisas que trazem dados estatísticos sobre o quadro atual do sistema carcerário, do tempo do processo e da prisão e toda a evolução histórica. Inclusive, os resultados deste trabalho são frutos da pesquisa, “Excesso de Prisão Provisória no Brasil”, divulgado em maio de 2015 pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, na qual participaram o professor orientador e o aluno orientando desta monografia, como coordenador-geral e assistente de pesquisa respectivamente, e do projeto PIBIC de iniciação científica realizado, por ambos, logo em seguida.

Esta monografia está estruturada em 3 (três) capítulos. O primeiro capítulo aborda o conceito de duração razoável. No primeiro momento, há uma reflexão sobre o tempo e a diversidade de visões que ele pode acarretar, principalmente se conectado a um processo penal e a uma prisão preventiva. Posteriormente passa-se a análise do conceito de duração razoável. Aborda-se uma visão teórica, levantando as interpretações e sugestões dos principais autores do Brasil e da América Latina sobre o tema. Logo em seguida passa-se à visão legislativa, isto é, como os países através de seus parlamentos enxergam a duração razoável do processo penal e da prisão cautelar e quais são os mecanismos de se chegar à sua duração razoável. Já o segundo capítulo busca trazer quais são as possibilidade de se compensar os danos quando verificado uma dilação indevida desse tempo. Nesse sentido há a abordagem da responsabilidade civil do Estado na produção desse dano e como o Brasil e as cortes internacionais julgam esses casos. A monografia vai além e apresenta outros mecanismos de compensação do dano além da esfera civil, como o manejo de instrumentos endoprocessuais e sugestões de soluções penais, extrapenais e administrativas. O terceiro capítulo é a exposição, através de fontes de pesquisas públicas, de dados estatísticos sobre o cenário atual do sistema carcerário brasileiro, como nota introdutória, para depois se passar a dados sobre o tempo do processo, da prisão e como a atuação defensiva pode ser um instrumento de

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redução de danos. Por fim, o trabalho apresenta considerações finais sobre o tema, refletindo sobre o que fora exposto.

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1- COMPREENDENDO A DURAÇÃO RAZOÁVEL DO PROCESSO

E DA PRISÃO PROVISÓRIA

1.1- BREVE INTRODUÇÃO AO PROCESSO PENAL NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO.

Esta monografia inicia-se com uma breve introdução ao processo penal e a sua relação com o tempo no contexto de um Estado Democrático de Direito, que se pretende garantidor de direitos fundamentais. Analisar-se-á o caráter do tempo e a sua discussão sobre o seu sentido absoluto ou relativo. Após será feita uma dissertação sobre como o tempo atua dentro do processo, principalmente quando este é eivado de uma prisão provisória. Por fim, será feita uma análise do tempo no processo como causa e como consequência da antecipação da pena.

1.1.1 – O sentido não absoluto do tempo

O estudo do tempo tem como marco a visão de Isaac Newton sobre o universo, no sentido de que este é previsível, um autônomo, representado pela figura de um relójio. Uma visão de tempo e espaço absolutos. O tempo independe do seu contexto. São 2 (duas) horas agora e serão 2 (horas) amanhã. O tempo é universal, constante e se impõe da mesma forma para todas as pessoas. A partir dessa visão é possível estabelecer unidades fixas de tempo. É possível que o legislador por exemplo atribua o tempo de forma genérica e abstrata, pois será aplicável da mesma forma em qualquer situação. Assim se formaram as construções doutrinárias no campo do Direito e assim permaneceram. (GOMES, 2007. p. 4)

Foi com Albert Einsten, através da sua teoria da relatividade, que a visão do tempo mudou. Para o físico, o tempo está associado ao observador e este está condicionado a circunstância de espaço, de sensações, do ambiente etc. É visão de cada um possui uma noção de tempo e que isso é variável, sendo impossível determinar a velocidade de cada instante de maneira autônoma. Associa-se o ao tempo a noção de espaço e se descontrói a possibilidade de seguir um padrão temporal, na medida em que tudo é relativo. François Ost (OST, 1999, p.12-13) discorre.

(...) O tempo é uma instituição social antes de ser um fenômeno físico e uma experiência psíquica. Não há dúvida que ele apresenta uma realidade

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objectiva, tão bem ilustrada pelo curso das estrelas, pela sucessão do dia e da noite, ou pelo envelhecimento do ser vivo. Também é verdade que depende da experiência mais íntima da consciência individual que pode experenciar um minuto de relógio, ora como tempo interminável, ora como instante fulgurante. Mas quer o apreendamos em termos objectivos ou subjectivos, o tempo é antes do mais uma construção social – e, logo, uma questão de poder, uma exigência ética, e um objecto jurídico (...) o curso do tempo é objecto de uma instituição social em que se trata de interrogar a natureza.

É possível observar a teoria da relatividade do tempo no Direito quando observamos, por exemplo. que o tempo máximo de uma internação para um adolescente é de 3 anos, independentemente do ato infracional praticado4. Mas majoritariamente o que se observa é o tempo visto de maneira absoluta, previsto de forma abstrata sem levar em consideração os sujeitos e as peculiaridades de cada caso. São casos de fixação de um prazo prescricional de um delito, ou na cominação de tempo máximo e mínimo de um delito. É possível que passado 10 anos da conduta o sujeito tenha mudado completamente de vida ou de personalidade, sendo desnecessária e injusta a aplicação da pena, como é possível que nesse mesmo tempo o sujeito continue a praticar os atos criminosos que impunemente praticou, sendo necessária a pena. A relatividade que o tempo exige encontra no direito um grande obstáculo. (GOMES, 2007. p. 4-5)

A questão assume relevância quando se está diante de uma prisão provisória. O tempo não pode ser visto de maneira equânime quando alguém está encarcerado. O tempo do processo é diverso do tempo da prisão, o tempo do encarcerado é diverso do tempo do juiz, o tempo de uma prisão provisória é diverso do tempo de uma perícia Qual tempo será o norte em que os demais tempos terão que se adequar? Será o encarcerado a se adequar ao tempo da vara? Será o processo que irá atropelar os seus ritos e procedimentos necessários por conta do réu preso? Essas questões terão que ser alvos de sopesameto constante, mas sempre tendo em vista a natureza relativa do tempo.

1.2.1 – As contradições do tempo no processo penal

O processo penal é um feixe de valores e finalidades diversas, a depender dos atores e das circunstâncias de cada caso. Visualiza-se a pretensão acusatória que vê no processo a possibilidade de apurar e provar a materialidade e autoria do crime e impor ao condenado no menor tempo possível a pena, sob pena de prescrição do delito. A 4

Art. 121, § 3º do Estatuto da Criança e do Adolescente: “Em nenhuma hipótese o período máximo de internação excederá a três anos.”

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defesa técnica, por sua vez, necessita de tempo para produzir a sua defesa, juntar as provas que excluem a imputação, e quem sabe acarretar a prescrição, mas não pode o processo se prolongar indevidamente sob pena de por exemplo perecer uma prova em suas mãos, ou lhe escapar a memória de uma testemunha importante. Ao réu recai todo o peso e estigma de um processo penal, com a possível restrição de seus bens e muita das vezes a sua própria liberdade (LOPES JR e BARADÓ, 2009, p. 21). Sobre o réu paira a possibilidade incessante de se ver preso e não saber quando sair. Mas ao mesmo tempo requer o réu tempo para conseguir a defesa técnica esperada e poder resistir a pretensão acusatória. De outro lado está o juiz, a cumprir metas exigidas pelo CNJ5 mas necessitando de um repouso necessário para proferir a sentença mais justa e adequada. Por fim a sociedade, ávida pela punição imediata e por uma resposta penal como sendo a única aplicável a qualquer fato ilícito.

Percebe-se que sobre o processo penal recaem inúmeros interesses e o valor tempo passa de desejado a indesejado numa questão de instantes. Décio Alonso, ao abordar o tema da aceleração cada vez mais constante e desejada no processo assevera que a velocidade tão almejada pode traduzir-se em ineficiência.6 Ademais o processo penal possui um tempo próprio, alheio à velocidade do mundo atual. O processo possui procedimentos próprios, garantias que devem ser asseguradas, como o contraditório, a ampla defesa, a produção das provas como corolário do direito de ação etc. Não é possível suprimir essas garantias em nome da celeridade processual (GOMES, 2007, p.70). Já os autores Aury Lopes Jr e Gustavo Henrique Badaró buscam fazer o contraponto, ao aduzir que o tempo além do necessário pode se converter na principal violação de todas a fulminar uma a uma as garantias do réu. A primeira garantia violada é a jurisdicionalidade, eivada no bocardo nulla poena, nulla culpa sine iudicio, na medida em que o processo por si só já provoca estigma e angústia prolongada. Fulmina a presunção de inocência pois o tempo do processo vai paulatinamente descredibilizando a versão do acusado e se ao acusado lhe é imposto uma prisão cautelar a presunção de culpabilidade se reforça. Por fim o próprio direito de defesa e o

5

O CNJ anualmente estabelece metas a serem cumpridas pelos órgãos jurisdicionais. A saber:

http://www.cnj.jus.br/gestao-e-planejamento/metas

6

“A experiência vem demonstrando que, muitas vezes, a sumarização realizada pelo legislador infraconstitucional por meio da lei 9.099/95, na busca de uma justiça célere (art. 62), acaba embaraçando a própria persecução penal estatal. Inúmeros são os casos de demandas de menor potencial ofensivo, que por sua brevidade e informalização culminam na absolvição do imputado (quando ultrapassados os institutos despenalizadores), por falta de prova suficiente ao convencimento

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contraditório são afetados já que um processo prolongado no tempo é um processo mais custoso, não só pelos gastos de honorários ou de subsídios com a defensoria pública mas também pelo empobrecimento gerado pelo estigma social. (LOPES JR e BADARÓ, 2009, p. 22).

O tempo do processo é assim um valor relativo dentro do processo penal que deve ser medido para preservar-lhe o que há de bom nele e afastar os efeitos maléficos que a duração indevida pode acarretar.

1.2.2 – A (de) mora processual penal como causa e efeito da antecipação da pena

Se o tempo é contraditório dentro do processo penal, quando se está a falar de uma prisão provisória o tempo é sempre um indesejável. Isso porque sobre a prisão processual vigoram princípios como o da provisionalidade, isto é, a prisão processual deve ser breve pois visa a garantia da efetividade do processo agredindo a liberdade individual e o da provisoriedade, ou seja, essa medida cautelar visa tutelar determinada situação fática que desaparecida deve desaparecer também a cautela (LOPES JR e BADARÓ, 2009. p.57). Mas de que forma o tempo pode desvirtuar o caráter excepcional e breve da prisão cautelar?

É certo que o processo penal em um Estado Democrático de Direito vigora um princípio basilar, qual seja, a presunção de inocência ou presunção da não- culpabilidade. Não é diferente com o Brasil, já que a Constituição Federal de 1988 no art. 5, LVII e em diversos tratados dos quais o Brasil é signatário positivam tal garantia.7 A doutrina mais especializada assevera que se está diante de uma regra de tratamento, isto é, deve tratar o acusado como se inocente fosse com todas as implicações que isso acarreta (LOPES JR, 2014. p. 235). Uma delas é a impossibilidade de aplicação da pena antes do trânsito em julgado da sentença. É o princípio da jurisidicionalidade, ou nullo poena, nullo crime sine iudicio. Ou seja, a resposta penal precisa passar necessariamente por um processo penal, e este leva tempo. Se se está diante de um fato grave (pressupõe-se assim já que um fato criminoso) a resposta penal que se supõe a mais adequada tardará a chegar. Nesse sentido o tempo do processo é 7

A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 em seu artigo XI, 1, dispõe: “Toda pessoa

acusada de um ato delituoso tem o direito de ser presumida inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa”. A Convenção Americana Sobre os Direitos Humanos, conhecida

como Pacto de San José da Costa Rica, em seu artigo 8º, 2, diz: “Toda pessoa acusada de delito tem

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inimigo da presunção de inocência. Como lidar com o anseio de uma sociedade ávida por punição em um país que possui média de 52.336 (cinquenta e e dois mil, tezentos e trinta e seis) homicídios por ano8 e que demora em média 8 anos e sei meses para julgar cada um9? De que forma os atores políticos e jurídicos recebem esse clamor?

A resposta é o enfraquecimento e violação da garantia à presunção de inocência. Pode-se dar 2 (dois) exemplos atuais dessa violação. O primeiro é o cenário caótico da população carcerária brasileira em que quase 50% dos presos são presos provisórios (DEPEN, 2014, p. 20). Ou seja, é a prisão provisória servindo como instrumento de burla ao princípio da jurisdicionalidade, antecipando a pena. Outro exemplo é a proposta recente do Ministério Público Federal que elaborou 10 (dez) medidas de combate à corrupção, dentre essas medidas 4 (quatro) estão voltadas a combater os efeitos da morosidade processual penal10. A mais polêmica delas é a supressão de recursos como os embargos infringentes e de nulidade e a possibilidade de execução imediata da condenação quando o tribunal reconhece abuso do direito de recorrer. Segundo Jacinto Nelson Coutinho, trata-se de "guinada do MPF na direção do repressivismo e do punitivismo, sem muitos olhos para a Constituição da República e mormente nela, para as cláusulas pétreas"11

. A fala do juiz Sérgio Moro explicita a problemática do tempo no processo penal e como a dilação indevida deste dá azo às propostas de flexibilização de direitos e garantias fundamentais.

O sistema de recursos [é] sem fim. E temos vários casos, até criminais de homicidas confessos, que levam dez anos, 15 anos, que nem chegam ao fim, sem falar em crimes de malversação de recursos públicos, que demoram muito. Então esse quadro precisa ser alterado12

Os exemplos citados já seriam idôneos a demonstrar como a dilação indevida do processo penal pode interferir na violação de direitos fundamentais e mais 8 Neste sentido. acessado em 06 de março de 2016. Disponível em:

http://g1.globo.com/politica/noticia/2015/07/brasil-teve-em-media-143-assassinatos-por-dia-em-2014.html

9 Média de tempo trazida pelo estudo “O Tempo do Processo de Homicídio Doloso em Cinco Capitais”.

Estudo resultante da Carta Acordo SRJ-PNUD-FUNDEP 30543.

10 Medida 4 (Aperfeiçoamento do Sistema Recursal Penal); Medida 5 (Maior Eficiência da Ação de

Improbidade Administrativa); Medida 6 (Ajustes na Prescrição Penal contra a Impunidade e a Corrupção); Medida 8 (Ajuste nas Nulidades Penais contra a Impunidade e a Corrupção). acessado em 06 de março de 2016. Disponível em http://www.combateacorrupcao.mpf.mp.br/10-medidas/docs/medidas- anticorrupcao_versao-2015-06-25.pdf

11Entrevista dada ao site Justificando. Acessado em 06 de março de 2016. Disponível em

http://justificando.com/2015/12/10/especialistas-de-peso-condenam-medidas-contra-a-corrupcao-propostas-pelo-mpf/.

12 Acessado em 06 de março de 2016. Disponível em:

http://www1.folha.uol.com.br/poder/2015/09/1679467-para-juiz-moro-sistema-de-recursos-na-justica-

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propriamente na antecipação da pena antes do trânsito em julgado. Mas em recente decisão do Supremo Tribunal federal, o mesmo abordou o tema e decidiu alterar jurisprudência já pacificada na corte13, dando nova interpretação ao disposto no art. 5º, LVII da Constituição Federal que trata sobre a garantia da presunção de inocência. No Habeas Corpus 126.292 datado de 17 de fevereiro de 2016, de Relatoria do Ministro Teori Zavascki, a corte suprema decidiu que o alcance da dita garantia estendia-se apenas ao momento em que era exaurido o duplo grau de jurisdição, podendo ser executada provisoriamente a pena ainda que na pendência de julgamento de recurso extraordinário ou especial. Dessa forma, alterava-se o entendimento anterior da necessidade do trânsito em julgado e da impossibilidade de execução provisória de pena. Dentre os argumentos elencados pelos ministros está o fato de que as interposições dos recursos especial e extraordinário acabam servindo aos interesses do acusado que quer ver extinta a sua punibilidade pela prescrição, isto é, a defesa se vale da morosidade do julgamento dos recursos excepcionais previstos para ao final ser beneficiada com o instituto da prescrição. Vejamos o trecho do voto do ministro relator em que o mesmo destaca essa problemática.

E não se pode desconhecer que a jurisprudência que assegura, em grau absoluto, o princípio da presunção da inocência – a ponto de negar executividade a qualquer condenação enquanto não esgotado definitivamente o julgamento de todos os recursos, ordinários e extraordinários – tem permitido e incentivado, em boa medida, a indevida e sucessiva interposição de recursos da mais variada espécie, com indisfarçados propósitos protelatórios visando, não raro, à configuração da prescrição da pretensão punitiva ou executória. (...) Nesse ponto, é relevante anotar que o último marco interruptivo do prazo prescricional antes do início do cumprimento da pena é a publicação da sentença ou do acórdão recorríveis (art. 117, IV, do CP). Isso significa que os apelos extremos, além de não serem vocacionados à resolução de questões relacionada a fatos e provas, não acarretam a interrupção da contagem do prazo prescricional. Assim, ao invés de constituir um instrumento de garantia da presunção de não culpabilidade do apenado, acabam representando um mecanismo inibidor da efetividade da jurisdição penal.14

Dessa forma, é possível visualizar como a morosidade do processo penal acarreta violações concretas e abstratas à presunção de inocência. Concretas dado o cenário atual de banalização das prisões provisórias no Brasil e abstratas dado tanto às propostas de alteração da legislação como às mudanças sensíveis de entendimento da corte que zela pela efetividade da Constituição, no sentido de flexibilizar direitos e

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Leading Case: SupremoTribunal Federal, Pleno, HC 84.078, Rel Min. Eros Grau, j. 05/02/2009

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garantias fundamentais15. Flexibilizações essas em nome de uma efetividade da jurisdição16, anseios de justiça ou atendimento ao clamor social pela pena17.

1.2- VISÃO TEÓRICA

Contextualizada a problemática do tempo no processo penal e na prisão provisória passa-se a abordagem do significado da duração razoável. Primeiramente deve-se abordar o que é amplamente conhecido nos ordenamentos jurídicos do mundo e já cunhado pela literatura processual, a doutrina do não prazo. Posteriormente, a análise será da visão crítica de autores renomados envolvendo a doutrina do não prazo e proposições a fim de aperfeiçoar o sistema que lida com o tempo do processo e da prisão.

1.2.1- A Doutrina do Não-Prazo

Como visto, o processo penal é um instituto em que se repousam diversas finalidades e valores. A depender do ator processual (acusação, defesa ou juiz) das circunstâncias históricas, normativas, políticas e sociais o processo pode assumir diversas facetas. Não é diferente na perspectiva do tempo. O decurso do tempo é capaz de transformar a essência do processo, já que em um determinado momento o tempo é necessário e fundamental e em outro indevido e viciante.

Diante dessa questão o processo penal necessita de um standard, isto é, um elemento identificador onde é possível se enxergar em qual momento o tempo do processo se desvirtua e passa a ser indesejado. E é sobre identificar esse momento que se repousam as maiores questões do processo penal atual. Se o tempo é necessário e ao

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Esse é o entendimento do ministro Celso de Mello que no voto vencido exarado no Habeas Corpus 126.292 assim asseverou “Tenho para mim que essa incompreensível repulsa à presunção de inocência,

Senhor Presidente, com todas as gravíssimas consequências daí resultantes, mergulha suas raízes em uma visão absolutamente incompatível com os padrões do regime democrático.”

16 Argumento levantado pelo ministro relator ao proferir voto no HC 126.292, Teori Zavascki “(...)

atribuir efeito apenas devolutivo aos recursos especial e extraordinário (como, aliás, está previsto em textos normativos) é, sob esse aspecto, mecanismo legítimo de harmonizar o princípio da presunção de inocência com o da efetividade da função jurisdicional do Estado. Não se mostra arbitrária, mas inteiramente justificável, a possibilidade de o julgador determinar o imediato início do cumprimento da pena, inclusive com restrição da liberdade do condenado, após firmada a responsabilidade criminal pelas instâncias ordinárias”

17 Argumento levantado pelo ministro Luiz Fux no HC 126.292, ao seguir o entendimento exarado pelo

ministro relator “houve uma deformação eloquente da presunção de não culpabilidade (...) isso não corresponde à expectativa da sociedade”

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mesmo tempo repelido, a conclusão que se chega é que o processo penal necessita de um tempo ideal. E se está a se falar de ponderação de valores, de balanceamento, é indicativa que o que se aborda é a razoabilidade (ALEXY, 2008. p. 94), isto é, em que medida o decurso do processo penal é proporcional aos seus fins. É a razoabilidade o standard almejado, o elemento integrador (LOPES JR e BADARÓ, 2009. p. 56).

No entanto a razoabilidade como conceito, ou postulado de interpretação (ÁVILA, 2004, p. 88), é um critério indeterminável e abstrato. Alguma autoridade há de estabelecer qual o prazo razoável de um processo penal. Nesse sentido, os ordenamentos jurídicos do mundo perceberam que entregar essa tarefa ao legislador seria incabível, tendo em vista a própria atividade legislativa. Seria impossível estabelecer de forma abstrata e genérica um tempo fixo, invariável, em que se adequaria às peculiaridades de todos os processos em curso, de maneira que seja razoável em qualquer caso. Estabelecer um prazo aprioristicamente ao processo vai de encontro inclusive com a visão relativa e subjetiva do tempo (NICOLITT, 2014, p. 43).

Neste sentido, a Convenção Europeia (art. 5º, parágrafo terceiro), a Convenção Americana (art. 7.5), o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (art. 9º, nº 3) e a Constituição Brasileira de 1988 (art. 5º, LXVIII) são exemplos de diplomas normativos que asseguram a duração razoável do processo penal como um direito fundamental, mas não fixam um prazo genérico, apenas estabelecem que a razoabilidade seja o elemento norteador do tempo do processo. Assim, cabem aos tribunais em cada caso verificar a razoabilidade ou não do prazo de um processo e adotar as medidas pertinentes. Delegou-se ao magistrado, que este seria a autoridade que melhor verificaria o prazo ideal, pois como agente político e ativo da garantia de direitos fundamentais dentre os poderes da república, é o que mais próximo está do caso e o que melhor consegue verificar diante das peculiaridades que se apresentam a razoabilidade do decurso do tempo de um processo.

A essa sistemática cunhou-se denominar de doutrina do não prazo (LOPES JR e BADARÓ, 2009. p. 49). Ou seja, não se determina um prazo a priori e delega-se aos tribunais a incumbência de estabelecê-lo. Dessa forma, cabem aos tribunais fixar uma jurisprudência em que estabelecem quais serão critérios norteadores a fim de verificar a tal razoabilidade. O estudo desses critérios se verá mais adiante nesta obra. O importante no momento é perceber as causas dessa não fixação de prazo. Determinado quais serão os critérios, a razoabilidade aparece como elemento integrador, que

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permitirá ao magistrado utilizando as técnicas de ponderação pertinente, atribuir à qualidade de um prazo dentro do processo, se indevido ou não.

A relevância da doutrina do não prazo não está, entretanto, no prazo do processo penal, mas sim no prazo das prisões processuais. Se o tempo se opera como pena, se o princípio da legalidade é a garantida do indivíduo contra o jus puniendi do Estado e se ao legislador é dado fixar ao menos a cominação da pena, controvérsia se instaura sobre a doutrina do não prazo em relação às prisões processuais. Reina no processo penal brasileiro a absoluta indeterminação quanto a prazos para as prisões provisórias (LOPES JR e BADARÓ, 2009. p. 57). É certo que tanto a doutrina como a própria legislação restringem e especificam o que seria a duração razoável de uma prisão provisória. É basilar dessa espécie de medida cautelar princípios como a provisoriedade: prisão no processo deve ser breve, a provisionalidade: a prisão processual apenas tutela determinada situação fática, desaparecida esta, deve desaparecer também a prisão, e a proporcionalidade: a prisão provisória deve guardar proporção com o quantum de pena cominada (LOPES JR e BADARÓ, 2009. p. 57). Inclusive o próprio Código de Processo Penal especifica o último princípio de forma objetiva ao estabelecer que não será cabível a prisão provisória quando o máximo de pena cominada for superior a quatro (quatro) anos18. Mas ultrapassada esta limitação legal e superado esses constrangimentos principiológicos, continua a recair ao magistrado a discricionariedade de se determinar a razoabilidade de uma prisão provisória no tempo, com todas as críticas e implicações que essa sistemática gera. Dai que o estudo jurisprudencial é crucial para se identificar de que forma a doutrina do não prazo é aplicada no Brasil e no mundo pelos tribunais e se isso é compatível com o que dissertam os principais autores sobre o tema.

1.2.3 – Décio Alonso Gomes

Décio Alonso discorre sobre o tempo do processo ao relativizar a questão dos benefícios de uma aceleração processual. Para o autor a sociedade contemporânea, após

18

Código de Processo Penal Brasileiro, Art. 313. “ Nos termos do art. 312 deste Código, será admitida a decretação da prisão preventiva: I - nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima

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a revolução industrial e a cada inovação tecnológica, adquire uma percepção de tempo cada vez mais acelerada, uma verdadeira cultura da velocidade (GOMES, 2007. p. 41). Enquanto isso o processo permanece com o seu tempo próprio, sustentado por institutos que necessitam de tempo para se materializar, como a ampla defesa e o contraditório. O autor assevera que dentro de uma lógica em que o processo e seu procedimento é pensado como instrumento de atuação do Estado e não como garantia individual, a sua aceleração acabará por prejudicar ainda mais direitos fundamentais, principalmente relacionado ao próprio processo. “A tensão entre celeridade e garantia, mais uma lamentável vez, rompe do lado daquele que é mais débil.” (GOMES, 2007, p.47). É necessário que o enfoque de qualquer reforma procesusal esteja calcado no indivíduo. Assim, a aceleração processual não suprimirá garantias e as consequências de um dilação indevida do processo será suportada pelo Estado e não pelo réu. (GOMES, 2007)

“A regra do ‘autor-com-razão’ x ‘réu-que-resiste-indevidamente’ (ou abusa do direito de defesa) é desastrosa para os defensores de um processo penal de emancipação. Semelhante pensamento é manancial rico para a parcela dos pensadores e aplicadores do Direito que veêm no processo penal um instrumento de repressão ou de controle social.

O processo com todas as suas grarantias começam a ser incômodo obstáculo àqueles que reputam que o autor tem razão. Por que, por exemplo, gastar tempo com um processo quando o autor é flarado praticando a infração penal?” (GOMES, 2007, p. 57 e 58)

1.2.2 – Aury Lopes Júnior e Gustavo Henrique Badaró

Os autores buscam asseverar que a duração do processo em um prazo razoável tem a natureza jurídica de um direito subjetivo fundamental do acusado, isto é, a demora do processo penal atinge à dignidade do indivíduo, o interesse coletivo, a ordem pública, a confiança que a sociedade deposita na prestação jurisdicional e na efetividade da justiça. O Estado acaba sendo o principal devedor da efetividade desse direito, pois cria deveres para o juiz na medida em que lhe é dado o impulso oficial, para o legislador na medida em que edita as normas de um processo penal que se repute orgânico e compatível com a Constituição e para o poder executivo na medida em que compete a eficiência na administração da justiça (LOPES JR e BADARÓ, 2009. p. 27). O indivíduo por sua vez tem o direito de se abster de colaborar com o tempo do processo penal, já que é protegido pelo princípio do nemo tenetenur se detegere. “A utilização dos meios legais postos por lei para que demonstre a sua inocência e preserve a sua liberdade não pode causar gravame ao acusado” (LOPES JR e BADARÓ, 2009. p. 69).

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Ou seja, o decurso do prazo processual é voltado ao indivíduo, como direito subjetivo (LOPES JR e BADARÓ, 2009. p. 27).

Neste sentido, a própria razoabilidade, o standard a ser observado para julgar um processo ou prisão indevida no tempo, deve ser voltada ao indivíduo, isto é deve ser uma garantia de jurisdição. Isto porque a razoabilidade é um conceito indeterminado que pode servir a qualquer agente e a qualquer interesse. É necessário que seja interpretado tendo em vista que é o elemento integrador de critérios que definem um direito fundamental individual. Determina-se a quem serve a razoabilidade da duração do processo e da prisão. Dessa forma, visualizando uma prisão provisória, por exemplo, a consequência da identificação da dilação indevida desta só pode ser o desencarceramento do réu, ainda que subsistam os fundamentos da manutenção da prisão processual (LOPES JR e BADARÓ, 2009. p. 51).

Ao dissertar sobre o que seria então “dilação indevida” os autores fazem uma interpretação gramatical do termo. Dilação seria a demora em relação aos prazos e termos previamente fixados em lei, tendo a noção de que cabe ao Estado promover o regular andamento do processo. Indevida tornar-se a qualidade dessa dilação fundamental para se chegar a um processo irrazoável no tempo. A dilação por si só do processo penal ou da prisão provisória não é um problema em si, pois pode ser fundamentada e por vezes bem vinda. Indevida deve ser entendida como a dilação referente à inatividade, dolosa ou culposa (negligente ou fortuita) do órgão jurisdicional. Nesse sentido a carga de trabalho não constitui argumento para legitimar uma dilação, tornando o indevido em devido (LOPES JR e BADARÓ, 2009. p. 52).

Ao tratar sobre o tema da duração das prisões provisórias, a obra adverte que seu decurso indevido no tempo subverte a lógica de ser essa uma medida excepcional e que, portanto a sua banalização traz a violação à presunção de inocência e serve como instrumento de antecipação da pena. O juiz no caso concreto deve utilizar-se do princípio da razoabilidade ou proporcionalidade, para aferir a razoabilidade da duração de uma prisão cautelar, isto é, verificar a adequação – a medida deve ser apta aos seus motivos, se houver outra menos dolorosa e apta deve o juiz substituir – a necessidade - a medida deve atender somente aos seus fins, relacionando-se assim com os princípios da provisoriedade e provisionalidade – e a proporcionalidade em sentido estrito – sopesamento dos bens jurídicos em jogo, utilizando a técnica da ponderação levando-se em conta a gravidade do tempo da prisão para a dignidade do acusado (LOPES JR e

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A obra ainda adverte sobre a consideração da relação entre a natureza do delito e a pena cominada servir como critério essencial para aferir a razoabilidade da prisão. Esse critério foi levantado pela jurisprudência inicialmente e depois passou a ser considerado pela legislação processual19. Em processos em que se apuram delitos de menor gravidade o critério é interessante, pois limita objetivamente a duração desarrazoada da prisão. No entanto, se levarmos em consideração esse critério de forma absoluta poder-se-á legitimar uma prisão de longa duração sob o fundamento de que está a se tratar de um delito grave ou de um concurso de crimes. Se a razoabilidade deve ser interpretada levando-se em conta o indivíduo, esse tipo de interpretação deve ser repelido (LOPES JR e BADARÓ, 2009. p. 62-63).

1.2.4 – Daniel Pastor

Daniel Pastor enfoca a necessidade de limitação normativa ao tempo do processo e da prisão cautelar como essência de um Estado Democrático de Direito. O autor tece críticas a doutrina do não-prazo e à opinião dominante de que é incabível estabelecer prazos para o processo e para a prisão processual (2004. p. 60-67). Segue a mesma linha dos referidos professores e não indica qual seria o tempo razoável do processo penal ou de uma prisão processual, mas dispõe que os tratados internacionais que consubstanciam a razoabilidade processual como um direito fundamental serve como um mandado internacional aos países para que dentro de suas legislações se estabeleçam critérios específicos para garantir a efetividade do direito. Na visão do autor os direitos fundamentais e princípios abertos, insculpidos em tratados e constituições se tornam efetivos quando há uma regulamentação legal em que se determine com clareza o alcance dos conceitos e se estabeleça limites expressos de atuação do Estado. Essa é a essência de um Estado Democrático de Direito, onde uma divisão de poderes se faz efetiva. Uma Constituição ou um tratado internacional não tem a possibilidade de se profundar na regulamentação temporal dos seus isntitutos, apenas prescrevem direitos fundamentais. Deve a legislação de cada país e infraconstitucional regulamentar os limites de atuação do Estado e o tempo é um deles. O princípio da

19 Art. 282 do Código de Processo Penal: “As medidas cautelares previstas neste Título deverão ser

aplicadas observando-se a (...) II - adequação da medida à gravidade do crime, circunstâncias do fato e

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legalidade é um consectário do direito público e com mais vigor do direito processual penal e penal (2004. p. 63-64).

Especial importância se constata quando se está diante da privação de liberdade do indivíduo. Não por menos que o direito penal segue o princípio da legalidade expressa, da tipicidade, em que não há exercício legítimo do Estado contrariando o direito primordial à liberdade individual se expressamente lei não o autorize. Daí o brocardo “Nullo Coato Sine Lege”. A reserva dada ao poder legislativo de restringir e disciplinar o exercício de direitos fundamentais se consubstancia na carcterística da atividade legislativa, que pressupõe a participação e discussão de todas as vertentes ideológicas da sociedade, com a necessária abertura de todos os afetados. Por isso a lei é o único instrumento idôneo capaz de legitimar a atuação punitiva do Estado, pois se pressupõe que essa atuação tenha passado por um filtro democrático. Quando se transfere ao judiciário essa atividade enclausura-se a discussão e dá a possibildiade do Estado agir ou não agir pelo entendimento de um juiz ou tribunal. Deixar ao arbítrio de um colegiado de juízes decidir caso a caso sobre um direito fundamental é desvirturar o próprio princípio democrático e de legalidade. Assim assevera o autor (2004, p. 63)

“El principio del Estado constitucional de derecho reclama que toda la actividad estatal esté regulada (autorizada, pero por ello también limitada) por la ley. El ejercicio del poder estatal, lo cual incluye muy especialmente a las decisiones de la Judicatura, siempre debe tener un fundamento legal que representa a la vez el respeto por la preeminencia del derecho pero también por el principio democrático. La regla de derecho, como instrumento limitador del poder del Estado, es ante todo un imperativo para lograr el mayor campo de libertad para las personas (seguridad), en tanto que les garantiza que sólo deberán omitir (o ejecutar) aquellas acciones que están prohibidas (o mandadas).”

1.2.5 – André Nicolitt

O professor André Nicolitt, por sua vez, em sua obra “A Duração Razoável do Processo” ressalta que é necessário estabelecer distinção entre a duração razoável do processo e a duração razoável da prisão preventiva. O processo para o autor, contrariando as opiniões de Daniel Pastor, não deve ter marcos temporais previamente definidos pelo legislador. O autor assevera que o poder legislativo pode ser muito mais autoritário e menos garantista que o poder judiciário na defesa dos direitos fundamentais, como a duração razoável do processo. Entre diversas normas autoritárias e inconstitucionais produzidas pelo legislativo pode-se citar o estabelecimento de regime inicial fechado e a vedação à liberdade provisória na lei de crimes hediondos; a

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vedação à substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos na lei de tóxicos; desproporções no quantum da pena em determinados crimes no código penal; imposição de limite mínimo de pena, etc. Ademais, a duração razoável do processo é norma de eficácia plena e deve ser de imediato aplicado pelo judiciário e não contida pelo legislativo. Para o autor ainda, não há qualquer violação ao princípio da legalidade atribuir que o juiz determine o prazo razoável do processo, pois a própria pena de um delito possui um mínimo e um máximo de forma que será o juiz quem a determinará no caso concreto. O controle dessa garantia pelo judiciário alinha-se à própria individualização da pena, outro direito que necessariamente deve ser garantido pelo Estado-juiz. Enquanto o legislativo tem legitimidade por eleição direta e por critérios majoritários, o Juiz exerce legitimação pela necessidade de tutelar os direitos da minoria em uma democracia. Neste sentido não há uma prevalência de qual o poder mais investido em garantir a efetividade dos direitos fundamentais. Recaem sobre todos essa missão e a depender do direito em questão, a Constituição determina o mais adequado (2014, p. 41-42)

No entanto, ao abordar o tema da prisão provisória e sua desregulamentação no tempo o autor assevera que ainda que se trate de medida cautelar servindo a propósitos diversos, a prisão provisória na prática é pena e, dessa forma, como a prisão definitiva possui prazo máximo de duração, não pode a prisão provisória não ter qualquer limite temporal. Trata-se de um contrassenso que reclama constitucionalmente uma solução. “(...) o legislador deve fixar um prazo máximo para a prisão provisória, pois o princípio da legalidade não poderia atuar para a providência final e ser olvidado para a providência provisória (cautelar)” (2014, p. 118). Nesse sentido o autor dá importante colaboração ao afirmar que a lei 12.850/13 pode servir de base para uma fixação de prazo para a prisão. A lei 12.850/13 ao tratar sobre o crime de Organização Criminosa estabelece em seu art. 22, parágrafo único, diz que o prazo da instrução criminal para réu preso não poderá exercer o prazo de 120 dias, prorrogáveis por mais 120 em decisão fundamentada na complexidade ou em fato procrastinatório atribuído ao réu. Como a lei regula o prazo de instrução de um crime de intensa complexidade como a Organização Criminosa, o autor assevera que nenhuma prisão processual poderá exceder os 120 dias, prorrogáveis por mais 120 desde que fundamentada nas hipóteses acima (2014, p. 124- 126). Se for incorporada a tese nos Tribunais Superiores pode-se inaugurar uma nova fase no sistema processual penal e no sistema carcerário brasileiro.

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1.2.6 – Visão da Pesquisa “Excesso de Prisão Provisória no Brasil: Um estudo empírico sobre a duração da prisão nos crimes de furto, roubo e tráfico”

Um importante ponto de vista levantado pela pesquisa “Excesso de Prisão Provisória no Brasil” é a necessidade de se conjugar a duração da prisão provisória com a duração do processo penal. Pugna a dita pesquisa que é ineficaz tentar estabelecer um prazo da prisão processual pensando na gravidade do delito, pois a prisão cautelar possui um significado diverso que não se relaciona com o delito cometido e sim com o processo. É necessário que se pense na estipulação de um prazo da prisão pensando no tipo de processo que se está lidando, assim como pensar em medidas que diminuam o excesso de prazo dos próprios processos, como a introdução de hipóteses de produção antecipada de provas, por exemplo, já aventada por Luigi Ferrajoli (IPEA, 2015. p. 64). No entanto, feitas essas importantes ressalvas, ainda é pacífico na doutrina a necessidade de estipulação de prazo para as prisões provisórias no sentido de ser a medida mais eficiente para coibir a duração excessiva dessas medidas.

A pesquisa “Excesso de Prisão Provisória no Brasil” indica ainda algumas sugestões legislativas para contornar a questão do prazo excessivo do processo penal e da prisão provisória (2015, p. 95 e 96). São elas:

1. Que o Estado brasileiro, em cumprimento às obrigações internacionais assumidas em torno às garantias do devido processo legal, regulamente de forma positiva, por meio de instrumentos legais, as matérias da duração razoável do processo e da duração razoável da prisão preventiva;

2. Que o Estado brasileiro, dando seguimento ao processo de reforma da legislação processual penal em curso nas duas últimas décadas no país, fixe, por meio de lei, o limite temporal máximo de validade da prisão provisória, a contar da data da prisão em flagrante ou da decretação da prisão preventiva, estipulando o referido prazo em 120 dias. A instituição de um limite máximo para a validade da prisão provisória sugere a fixação de outros, menores, compatíveis com ritos processuais mais céleres, típicos de processos menos complexos. O controle jurídico da violação a esse prazo será feito por meio de habeas corpus, como sói acontecer nos casos de infração aos prazos estipulados para a prática dos atos pré-processuais (comunicado da prisão em flagrante, envio do Auto de Prisão, conclusão do inquérito e remessa da denúncia);

3. Que a lei defina, de maneira expressa, o cabimento da via do habeas corpus para o controle da violação de todos os prazos normativos assinados aos juízes criminais, seja na fase pré-processual, seja ao longo do processo, em respeito aos dispositivos do Código de Processo Penal, especialmente seu art. 800 e incisos.

(...)

7. Que, em razão das evidências estatísticas a respeito da ausência de prestação de defesa aos presos provisó- rios, o juiz seja, por lei, obrigado a revisar a cada 45 dias a medida de prisão cautelar decretada;

8. Que a lei determine a criação de um rito processual especial, de tipo sumário, nos casos dos feitos com réu preso, e que a repercussão da urgência

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pelo fim desse tipo de processo se manifeste na redução dos prazos para a prática dos respectivos atos processuais. (...).

1.3- VISÃO LEGISLATIVA

Foi dito que os ordenamentos jurídicos estabeleceram cláusula aberta e indeterminada ao cominar apenas o direito fundamental ao prazo razoável do processo penal e da prisão provisória. Necessário então que se aprofunde como os países e o Brasil lidam, na sua legislação infraconstitucional com essa questão, se de alguma forma estabelecem limitação ao processo e principalmente à prisão ou se essa tarefa de fato atribui-se majoritariamente ao julgador.

1.3.1- Breve Escorço Histórico

A previsão positivada de um processo célere é constada inicialmente na Magna Charta Libertatum de 1215. Esse é o diploma normativo em que se pode afirmar a origem do devido processo legal, ou due processo of law. O siginificado inicial desse princípio era conter o poder do rei sobre os senhores feudais, asseverando que a restrição de direitos e bens deveria passar por um procedimento justo, adequado e célere20, onde o rei inglês se comprometia a não denegar nem retardar direito e justiça. O tema perpassa pelo o rei Alfonso X, que estebeleceu em sua “Sete Partidas” que nenhum processo penal poderia durar mais de 2 (dois) anos. O tema chega às obras de Beccaria que destaca a vinculação da justiça a um processo sem dilações indevidas, já que o processo deve terminar no tempo mais breve possível porque quanto mais perto é a sua pena da sua conduta mais justa e útil será (PASTOR, 2004. p. 54). Imbuída desses preceitos iluminstas as colônias inglesas da América do Norte com a Declaração dos Direitos da Virgínia de 1776 passam a observar os ideais de devido processo e a duração razoável do processo de forma associada. A Constituição dos EUA incorporam esse direito na emenda 6: “Em todos os juízos penaiso acusado gozará do direito a um processo rápido” (PASTOR, 2004. p. 54)

Mas foi somente a partir do Pós-Guerra que esse direito passou a ser alçado como norma e consubstanciado nos principais diplomas internacionais de direitos humanos. Está incluso na segunda geração de direitos fundamentais, na tentativa de 20 Assim expunha o art. 40 da Carta Magna Libertatum: “Para ninguém nós venderemos, recusaremos ou

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garantir o acesso à justiça não somente no sentido ao acesso a um processo legal, mas sobretudo a um processo justo e adequado. Desse marco a duração razoável do processo eleva-se à categoria de direito fundamental e dá especial enfoque ao processo penal e à questão da duração prisão processual.

1.3.2- Cenário Legislativo Internacional

O primeiro documento a tratar do tema foi a Convenção Europeia de Direitos Humanos em seu art. 6º, § 1º, aplicável aos processos de qualquer natureza, e no art. 5º, § 3º, aplicável ao processo penal e à prisões cautelares.

“Toda pessoa tem o direito a a que sua causa seja ouvida com justiça, publicamente e dentro de um prazo razoável (...) (Apud, LOPES JR e BADARÓ, 2009, p.30)

Toda pessoa presa ou detida nas condições previstas no parágrafo 1º, c, do presente artigo, deve ser trazida prontamente perante um juiz ou um outro magistrado autorizado pela lei a exercer função judiciária, e tem o direito de ser julgado em um prazo razoável ou de ser posto em liberdade durante a instrução. O desencarceramente pode ser subordinado a uma garantia que assegure o comparecimento da pessoa à audiência” (Apud, LOPES JR e BADARÓ, 2009, p. 31)

Posteriormente, o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos de 1966 adota de forma genérica em seu art. 14, nº 3, c e de forma específica, ambos ao processo penal e à prisão, em seu art. 9º, nº 1, respetivamente.

Art. 14. (...)

3. Qualquer pessoa acusada de uma infracção penal terá direito, em plena igualdade, pelo menos às seguintes garantias:

a) A ser prontamente informada, numa língua que ela compreenda, de modo detalhado, acerca da natureza e dos motivos da acusação apresentada contra ela;

b) A dispor do tempo e das facilidades necessárias para a preparação da defesa e a comunicar com um advogado da sua escolha;

c) A ser julgada sem demora excessiva; Art. 9.

(...)

3. Todo o indivíduo preso ou detido sob acusação de uma infracção penal será prontamente conduzido perante um juiz ou uma outra autoridade habilitada pela lei a exercer funções judiciárias e deverá ser julgado num prazo razoável ou libertado. A detenção prisional de pessoas aguardando julgamento não deve ser regra geral, mas a sua libertação pode ser subordinada a garantir que assegurem a presença do interessado no julgamento em qualquer outra fase do processo e, se for caso disso, para

Referências

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