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A experiência de fé de Padre Leão Dehon segundo Notes Quotidiennes e Notes sur l histoire de ma vie

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Academic year: 2021

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T Q

A experiência de fé

de Padre Leão Dehon

segundo Notes Quotidiennes

e Notes sur l’histoire de ma vie

R

ubens

R

ieg1

Resumo: Trata-se de uma leitura da experiência espiritual de Padre Leão Dehon sob o ponto de vista fenomenológico, utilizando os escritos de seu diário, por-que são esses por-que podem mostrar com mais certeza o por-que de fato foi vivido espiritualmente por ele. A conclusão resulta em elementos simples vividos com criatividade segundo os desafios de seu tempo, mergulhado numa profunda entrega pela fé.

Palavras-chave: Padre Dehon. Experiência de fé. Método fenomenológico.

Notes Quotidiennes.

Riassunto: Parliamo di una lettura dell´esperienza spirituale di P. León Dehon sotto il punto di vista fenomenologico, usando i suoi scritti del diario, perché loro sono quelli che possono mostrare con più certezza quello che infatti fu vissuto spi-ritualmente da lui. La conclusione dà luogo ai semplici elementi vissuti con creati-vità secondo le sfide del suo tempo, imerso in una profonda esperienza della fede. Parole-Chiave: P. Dehon. Esperienza della fede. Metodo Fenomenologico. No-tes Quotidiennes

1. Mestre em Filosofia pela PUC-RS e em Teologia pela UNIGRE. Doutor em Teologia, com especialização em Espiritualidade, pela UNIGRE.

Quaestio

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O objetivo desta pesquisa é fazer uma leitura da experiência de fé de Dehon a partir de seu diário, Notes Quotidiennes, e de suas memórias, Notes sur l’histoire de ma vie2. O aproveitamento deste

artigo impõe pelo menos três pressupostos; o primeiro é que este es-tudo faz parte de uma pesquisa mais ampla em Teologia espiritual, especificamente sobre a questão metodológica. Por isso, subenten-de-se que, para esta leitura da experiência de fé de Dehon, se aplica o método fenomenológico aos moldes como sugere Martín Velasco3.

Em segundo lugar, a fenomenologia desenvolvida por Martín Velasco compreende basicamente três fases, a descrição, que possui uma função comparativa e outra classificadora, a fase da descoberta da estrutura significativa dos eventos em questão, e a fase da com-preensão da experiência. Este método, instrumento de trabalho des-ta pesquisa, é aplicado sobre Notes Quotidiennes e Notes sul l’histoire

de ma vie segundo a edição on-line presente na plataforma www.

dehondocs.org. Optou-se em dar preferência a Notes Quotidiennes porque esses escritos têm a característica de serem mais simples e mais próximos da experiência vivida por Dehon.

Por fim, supõe-se que o leitor tenha em mente o contexto da vida de padre Dehon e da espiritualidade do Sagrado Coração de Jesus, pois essa realidade constitui o horizonte histórico da pre-sente experiência de fé.

2. Ainda não há tradução de Notes Quotidiennes (Notas Cotidianas; a par-tir daqui: NQT) em língua portuguesa, enquanto que Notes sul l’histoire

de ma vie (Notas sobre a história da minha vida ou somente sob o título Memórias; a partir daqui: NHV) existe tradução dos cadernos I, II, III,

V, VI e VII, disponível em www.dehondocs.it

3. O tema da pesquisa é a tese doutoral Teologia espiritual e fenomenologia:

a contribuição de Juan de Dios Martín Velasco para o método da Teologia espiritual, defendida na Pontifícia Universidade Gregoriana, em 16 de

junho de 2016. Juan de Dios Martín Velasco nasceu em Santa Cruz del Valle, Ávila, no dia 8 de março de 1934. Foi ordenado sacerdote diocesano de Madri em 1956, licenciou-se em filosofia pela Univer-sidade Católica de Louvaina em 1960. Em seguida, preparou sua tese doutoral em Paris, na Universidade de Sorbonne, porém defendeu-a em 1961, em Louvaina, sob o título de La philosophie de la religion selon

H. Duméry: Études de sa méthode et de ses présupposés philosophiques. E

ainda, continuou seus estudos em Filosofia da religião e fundamentos teológicos em Freiburg im Breisgau. Atualmente, é professor emérito, mas continua a lecionar como professor convidado.

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1. Uma experiência em várias facetas

A descrição que segue abaixo classifica grupos de experiên-cias que possuem traços comuns, ou seja, identificou-se quais são as características mais presentes em padre Dehon no arco histórico que abrange desde ano prévio à sua ordenação sacerdotal até o ano de sua morte (1867-1925).

Ao ler os quarenta e cinco cadernos de Notes Quotidiennes e confrontar os elementos que podem indicar sua experiência de fé, po-de-se afirmar que em padre Dehon existe uma experiência de fé ma-nifestada em ao menos seis facetas ou em seis grandes características.

Estas facetas aparecem descritas por padre Dehon em forma de partilha espiritual ou como simples constatação dos frutos es-pirituais de sua vida. Padre Dehon as descreve ou as deixa transpa-recer nos significados e interpretações dados aos acontecimentos de sua vida ou, ainda, no seu modo de agir diante dos desafios pastorais e da sua relação com o mundo social.

As seis facetas ou grandes dimensões que compõem a ex-periência espiritual cristã de padre Dehon são a vida interior de união com Deus, a Eucaristia e a sua liturgia, o abandono, a dimen-são social, a misdimen-são e a devoção aos santos. Estes seis elementos formam uma realidade integrada e interligada.

1.1 Cultivo da vida interior de união com Deus

A experiência de fé de padre Dehon se realiza em primeiro lugar por uma dimensão interior chamada vida interior4. Esta

con-siste numa realidade interna da pessoa em que acontece toda a di-nâmica de união com Deus. Por isso, ela é capaz de tudo perceber, tanto os sofrimentos quanto as alegrias. Ou seja, a vida interior é o lugar onde se sintetiza a relação da pessoa com Deus e, ao mesmo tempo, o lugar onde se percebe toda relação com o mundo5.

Já no início da descrição da sua experiência de fé em Notes

Quotidiennes, ou seja, pouco tempo antes de sua ordenação

sacer-4. Cf. NQT 39, 93; 41, 2. 5. Cf. NQT 3, 208.

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dotal, padre Dehon percebeu que existem algum elementos que favorecem o cultivo da sua vida interior. Buscava um estado de serenidade que consistia em não alimentar a vanglória, isto é, pro-curava não afeiçoar-se às coisas e às posições de prestígio, usava-as com moderação: “com o esquecimento de si mesmo, a moderação e a paz diante de Deus, vós podeis avançar na vida interior. Estes três elementos serão em vós o fundamento desta grande liberdade interior, que supõe um grande avanço na perfeição”6.

Porém, a liberdade interior é indicada como o sinal mais perceptível da existência de condições de progresso espiritual. Pa-dre Dehon tentou permanecer neste caminho. Neste sentido, vá-rios são os momentos em que apresenta qual é a sua meta, onde quer chegar e qual a razão de seu esforço. Jesus e Maria são os prin-cipais modelos; em Maria consegue ver todas as virtudes de Jesus e, neste, padre Dehon persegue o perfeito modelo de união com o Pai: “Vivamos da vida interior com Jesus; com Maria, que refletia em sua alma as virtudes de seu Divino Filho”7 e logo em seguida

acrescenta “Nosso Senhor é o perfeito modelo da vida interior por sua união perfeita com seu Pai. Imitemo-lo por nossa união doce e fiel ao seu Coração, à sua vontade e àquela de seu Pai. Esta união é a fonte da paz da alma e da caridade pura, discreta, generosa para com o próximo”8.

A experiência espiritual de padre Dehon, portanto, enquan-to vida interior, se enquan-torna fonte de paz e de caridade pura. Em pou-co tempo a percebe pou-como indispensável para a sua ação pastoral: “A vida interior é a base do apostolado. Uma pessoa ocupada deve mais que uma outra se manter fiel aos exercícios de piedade, colo-car-se profundamente na presença de Deus quando ele os começa [...]. O apostolado deve ser uma irradiação de graça e santidade”9.

Se ao início de seu percurso espiritual a realidade da vida interior ainda está mais no plano da promessa10, ou melhor, se

apresenta ainda como meta, quando padre Dehon alcança uma

6. NQT 1, 116. 7. NQT 1, 45. 8. NQT 1, 185. 9. NQT 25, 33. 10. Cf. NQT 4,155.211.

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maturidade espiritual mais consistente a vida interior continua presente11, mas se acrescentam dois elementos: a contrição e a

cen-tralidade eucarística. Lendo e relendo sua vida e suas anotações, o próprio padre Dehon afirma que “as enfermidades da idade se acentuam. Reprise da vida interior [...]. Tenho perdido tantas gra-ças nestes últimos anos! Tenho, contudo, a impressão de uma nova oferta de misericórdia do Coração de Jesus. Ele quer ainda me per-doar”12. Em outro lugar afirma: “para minha vida interior, eu não

desejo graças extraordinárias. Aspiro a um crescimento cotidiano da graça substancial para a oração, para o dever, para a Eucaristia, para a prática das virtudes”13.

Se a vida interior é a realidade interior onde acontece a di-nâmica espiritual, o elemento central desta realidade é a união com Deus: “a união com Deus implica coração-a-coração com Deus”14. Esta união é condição para a santidade e para se

con-figurar de acordo com a vontade divina. Assim escrevia no seu tempo de estudante: “a santidade consiste na união com Deus e a conformidade à sua vontade. No futuro Deus fará de mim o que ele quiser. Não posso mais que procurar a posição mais humilde e menos invejada. Para o presente, Deus pede claramente de mim que eu seja um estudante perfeito”15.

A união com Deus, enquanto experiência do Coração de Jesus, assume, portanto, durante toda a vida seu constante referencial, como demonstra num propósito feito ao fim de sua vida: “Eu reservarei sufi-ciente tempo para minhas orações a fim de manter a união com Deus. Eu fixarei a ordem de minhas ações, depois sua importância e urgên-cia, e eu me aplicarei a fazê-las diante de Deus na calma e espírito de fé, de amor e de reparação, de acordo com minha vocação”16.

O Coração de Jesus é o lugar seguro, casa de repouso e de reassumir as forças, lugar onde padre Dehon deseja permanecer:

11. Cf. NQT 18, 33.50; 24, 55; 25, 28.31; 35, 44.95.169; 43, 4.45.49-57; 44, 141. 12. NQT 44, 64; cf. NQT 44, 137. 13. NQT 41, 2. 14. NQT 43, 27. 15. NQT 1, 3. 16. NQT 6, 139.

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“a união com Deus no Coração de Jesus, que será para nós ‘domus

refugii et turris fortitudinis’ [Sl 31,3; 61,4]; façamos todas as nossas

ações de modo que o Coração de Jesus as agrade e as ofereça ao Pai ‘cum intentione recta, cum ordine, cum gaudio’17. É a este Coração

que padre Dehon se oferece e com ele tenta agradar a Deus. Con-sequentemente, seu interior se preenche da graça divina, seu cora-ção se embeleza e seu ser se torna testemunha da glória de Deus: “pela união com Deus nossa alma adquire uma sublime grandeza, beleza e glória. ‘In infirmitatibus gloriabor’ [2Cor 12,5]”18.

Todos os esforços pastorais e os seus frutos dependem da li-berdade interior para ação da graça e da intimidade desta união: “a graça de Deus não traz frutos, quando ela encontra nossos corações endurecidos pela negligência, ou distraído pelas inutilidades do mundo ou da curiosidade. Vigiemos firmemente para nos manter em união com Deus e pratiquemos a pobreza de espírito e a obe-diência, descartando todo pensamento e preocupação inúteis”19.

E ainda escreve em suas anotações “como é importante jun-tar a vida interior às nossas ocupações exteriores. Nós produzire-mos frutos em nossas funções na proporção de nossa união com Deus”20. Ou seja, como já se tinha afirmado sobre a vida interior, a

fecundidade e a base de todo apostolado estão na fé, na esperança e caridade, especialmente nesta última que, por sua vez, se vincula estreitamente à relação com Deus: “Tenhamo-nos em união com Deus, união constante, intensa, sempre igual, união que se opera pela fé e esperança, mas principalmente através da caridade”21.

Padre Dehon, em um retiro espiritual, consegue resumir sua experiência vocacional e espiritual novamente como aquela que culmina na Eucaristia. Isto não significa que na história do cultivo da sua vida interior e de sua união com Deus22 o

referen-17. NQT 1, 23. 18. NQT 1, 95. 19. NQT 1, 67. 20. NQT 43, 74. 21. NQT 1, 153.

22. A importância da união com Deus aparece tanto pelo constante desejo de estar unido, quanto pelas anotações feitas de seus retiros e leituras. Cf. NQT 5,19 1; 17, 9; 35, 3; 36, 115; 37, 86.72; 38, 144; 39, 16.93; 40, 133; 41, 114.201; 43, 42.56-57.

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cial eucarístico apareceu somente ao final. Significa, no entanto, que ao chegar à maturidade de sua vida espiritual reconhece que sempre tudo esteve voltado ao Coração de Jesus sacramentado na Eucaristia: “Minha vocação exige a união com Jesus-Hóstia: vida de adoração e de amor, de reparação e de oração, em união com o hóspede do tabernáculo”23.

1.2 A Eucaristia, a oblação reparadora e a vítima

A vida interior é a base, o fundamento onde acontece o en-contro com Deus e a união com Ele configura-se como a sua meta última. A Eucaristia impõe-se como o centro e o motor da vida espiritual de padre Dehon.

A Eucaristia, por ser o centro motivador de todas as dimen-sões da espiritualidade de padre Dehon, será como que um ponto de apoio e de fundamentação das outras realidades vividas por ele. Pela Eucaristia, pode-se viajar em todas as realidades de sua espiritualidade, pois ela se comunica em todas as dimensões da vida interior e do apostolado de padre Dehon. “A Eucaristia é o lar, a base, o centro de toda vida, de toda obra, de todo apostolado. Toda a redenção gira em torno do Calvário, toda a sua aplicação gira em torno do altar. O trabalhador do Evangelho que não vive a vida eucarística, não tem mais que palavras sem vida e uma ação ineficaz”24.

Isto significa que a Eucaristia não é somente o centro da vida interior, mas sim de toda a vida. Cada dimensão exterior de apostolado está motivada, movida pelo sacrifício amoroso da Eu-caristia. De fato, a Eucaristia tem em primeiro lugar um forte signi-ficado de sacrifício e de presença amorosa. Assim expressava padre Dehon na sua juventude sobre a sua experiência com a Eucaristia: Eu me aproximei de Jesus Cristo, ao seu serviço divino, e eu trabalharei para me unir ao seu Coração, às suas virtudes, à sua inalterável doçura, à sua união indissolúvel com o Pai. – O sacramento da Eucaristia é o fruto de seu amor [...]. Jesus quis

23. NQT 43, 132. 24. NQT 25, 33.

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por amor permanecer presente para nós. Ele quis se unir a nós e nos unir ao seu Coração. Ele quis continuar a se sacrificar e a se imolar por nós. – É necessário tomar propósitos, mais nobres e mais sólidos, e os levar, não ao fim, mas aos meios determinados. É necessário, depois das quedas, reerguer-nos humildemente, docemente, pacificamente25.

A Eucaristia é dom do Coração de Jesus26 e vítima que

conti-nua a oferecer-se, transbordando e efundindo no coração humano o seu amor27. Ao mesmo tempo, sentindo-se assim amado, padre Dehon

sen-te a necessidade de corresponder no amor: “Se eu creio profundamensen-te que Jesus é amor e que ele me ama com um amor imenso, até a paixão e a morte, até a Eucaristia, como amá-lo friamente? Nada é provocador como o amor, e o amor de Deus é extremamente provocador. É falta de refletir sobre o amor de Jesus que nos deixa medíocres”28.

A adoração é um modo de reconhecer, amar e reparar o Coração de Jesus que quis estar presente pela Eucaristia. Esta é a oração em que padre Dehon tenta repousar sobre o lado de Jesus, ser um amigo, um consolador, como os discípulos do Coração de Jesus29. Pois na adoração acontece o culto de amor e reparação, ou

seja, uma união a Jesus e súplica para o perdão dos pecados. Padre Dehon pede para que sua alma seja adorante30.

A dimensão reparadora se configura concretamente com o voto de vítima que confessou. Junto com sua profissão religiosa padre Dehon quis “viver e morrer como vítima do Sagrado Cora-ção”31. Vítima, neste contexto, significa unir-se à oblação de Jesus

ao seu Pai. Assim unido, seria capaz de entrar “nos sentimentos nos quais Nosso Senhor se ofertou a seu Pai como vítima. Estes são os sentimentos mais puros e mais elevados”32, ou seja, ter os mesmos

sentimentos de Jesus Cristo (cf. Fl 2, 5).

25. NQT 2,10. 26. Cf. NQT 10, 10. 27. Cf. NQT 1, 40.143; 6, 156. 28. NQT 37, 138. 29. Cf. NQT 43, 132. 30. Cf. NQT 38, 44. 31. NQT 3, 320. Cf. NQT 3, 194. 32. NQT 2, 38.

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O reconhecimento de que Jesus, na sua entrega ao Pai, é a única vítima faz nascer em padre Dehon o desejo de imitar33 seu

Mestre ao ponto de afirmar:

Eu sou sacerdote e vítima. Eu vivo para os quatro fins do sacrifício. Eu renovo bem estas disposições da fé, na jornada. Mas o altar para oferecer este sacrifício é o Coração de Jesus. Jesus é para a fé o sacerdote e o cordeiro vítima. Somente seu sacrifício é verdadeiramente e plenamente eficaz e agra-dável ao seu Pai. Eu ofereço meu coração com o dele todo o dia. Minha é a gota d’água misturada ao vinho. Eu vivo no Coração de Jesus e lá eu encontro meus amigos do céu e da terra: a Santíssima Virgem, os anjos e os santos, os justos da terra e sobretudo as almas que me são unidas por uma fraternidade especial de vocação...34.

Em padre Dehon a disposição de vítima torna fecunda sua vida e apostolado, pois exige dele que se entregue ou se abandone nas mãos da Providência. A vítima tem “a missão de reproduzir as disposições sacrificais de Jesus, na sua vida sobre a terra e na Eucaristia”35. Os sacrifícios, penitências ou as provas não tem seu

objetivo em si mesmas, mas tomam significado enquanto são ex-pressão de amor, enquanto estão fundados no amor de oblação de Jesus a seu Pai36. Assim escreve padre Dehon:

Uma alma, impressionada pela paixão do Nosso Senhor e pela visão dos pecados do mundo, pode se oferecer a Deus como vítima de justiça, para se unir à Paixão de Nosso Se-nhor, para reparar os ultrajes feitos a Deus, para salvar as al-mas na expiação de suas faltas. A Providência permitirá que estas almas passem por quaisquer sofrimentos reparadores37.

A vítima passa como que por um martírio sem sangue por meio do seu sofrimento e de suas cruzes. Interessante notar que a experiên-cia de fé de padre Dehon, enquanto oblação e vítima, não permanece

33. Cf. NQT 39, 41. 34. NQT 40, 87. 35. NQT 39, 38. 36. Cf. NQT 41, 29. 37. NQT 45, 68.

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nas chagas do Jesus morto. Todo sofrimento suportado, todo apostolado empreendido com motivação reparadora tem como perspectiva a pro-messa de vida. “As cicatrizes gloriosas de Jesus nos ensinam a via que conduz à ressurreição [...]. As chagas de Jesus intercedem sem cessar por nós e nos são um refúgio onde nós encontramos sempre um tesou-ro infinito de reparações e de méritos a oferecer a seu Pai”38.

Testemunham isso principalmente os seus escritos que co-mentam o Consummatum est da Congregação por ele fundada. Quando ela novamente renasce, padre Dehon usa a expressão

res-surreição da nossa Obra39: “Eu aceito tudo da mão de Nosso

Se-nhor com amor. As provas são graças. É uma reparação necessária. Eu me abandono nas mãos de Jesus”40. Mais tarde, padre Dehon

comenta o acontecimento, expressando nas entrelinhas, como ele mesmo enfrentou as provas que advinham:

Meu apelo à Roma, o estudo do Santo Oficio dos escritos da Irmã Ignace, uma condenação, um Consummatum est, porque nós chamamos revelações aquilo que não foi em grande parte mais do que iluminação de oração, pois então a ressurreição em 29 de março pelo decreto que nos autorizava a viver como con-gregação diocesana na espera de algo melhor... o

Consumma-tum est foi realizado como me haviam dito. A Obra do Sagrado

Coração devia reproduzir estes mistérios de Nosso Senhor41.

A Eucaristia é fruto do amor de Cristo. O Coração de Jesus é a porta aberta que dá acesso a este amor. Em padre Dehon a ex-periência deste amor se concretiza em uma disposição à adoração e a unir-se ao Coração de Jesus em forma de vítima, confiando, entregando e abandonando-se a Deus numa resposta de amor.

1.3 O abandono

O abandono, que compreende a confiança e o fiat, emerge como a expressão forte da espiritualidade de padre Dehon. A rea-lidade do abandono aparece especialmente em três fases

específi-38. NQT 1, 128. Cf. NQT 2, 4; 5, 55.

39. Cf. Cf. NQT 40, 95.105.113; 44, 13.140; 45, 65.78. 40. NQT 4, 374.

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cas de sua vida: durante os anos de sua preparação ao sacerdócio e primeiros anos como padre; o período de tribulações em relação ao Consummatum est; e durante as últimas décadas de sua vida.

Durante o período de preparação para o sacerdócio, padre Dehon era todo esperança e pleno de um sentimento de amor que ardia dentro de si42. Isso porque finalmente se aproximava a

orde-nação sacerdotal e a realização da vocação pela qual tanto lutou, enfrentando a contrariedade de seu pai e esperando a maior idade para abraçá-la43.

O tempo que passou na expectativa do sacerdócio é todo marcado por um desejo de responder ao chamado de Deus e de fazer crescer a vocação que Deus tinha lhe confiado. “Nosso Se-nhor procura almas que se abandonem a ele, se doem a ele plena-mente para viver de sua vida, de sua graça, de suas luzes, de sua vontade”44. Nos seus primeiros anos de sacerdócio, padre Dehon se

consumia nos trabalhos pastorais e, apesar disso, continuava atento ao que o Deus lhe comunicava no seu coração45.

Na experiência de fé de padre Dehon, nesta fase de sua vida, o abandono foi vivido como conteúdo de sua oração e se traduzia como entrega à vontade de Deus46, como a atitude que o coloca

in-teiramente à ação do Espírito Santo47 e o faz instrumento nas mãos

do Senhor. Ou seja, o abandono assume uma característica forte de disponibilidade, colaboração, docilidade, disposição, abertura à vontade do Senhor que o chamou48.

O abandono vivido no período do Consummatum est, expe-riência da supressão da congregação dos Oblatos do Coração de Jesus, se caracteriza pelo sofrimento de sentir-se pequeno e frá-gil, de não ter correspondido ao que o Senhor lhe tinha pedido: “Quanto eu sou inferior à minha grande missão! Eu não tenho nem a santidade, nem o talento, nem a energia necessária. Eu devo

42. Cf. NQT 1, 7.64. 43. Cf. NHV 5, 34.65. 44. NQT 2, 23. 45. Cf. NHV 12, 1. 46. Cf. NQT 3, 45.186.423. 47. Cf. NQT 1, 99. 48. Cf. NQT 2, 1.

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me abandonar especialmente à vontade de Nosso Senhor e colocar nele toda minha confiança. É sua obra, Ele fará tudo”49.

Esse mesmo período é marcado ainda pela expressão fiat50,

faça-se, como atitude de aceitação das provas por causa da

limi-tação pessoal e por não ter entendido a vontade do Senhor. Por isso, pede constantemente perdão de suas falhas e pecados, porém, sem deixar-se desencorajar: “Nosso Senhor me envia advertências providenciais para que eu me corrija de minhas falhas. ‘Senhor, ajuda-nos” (Sl 44, 27)’51. A atitude do abandono vivida como

ex-periência de fé em padre Dehon gera dentro dele uma confiança na vontade e providência divinas52: “A tristeza é uma má

conse-lheira. Ela traz mil tentações. Eu quero reagir contra ela por meio da confiança em Nosso Senhor, o abandono e a generosidade na imolação”53.

O Consummatum est significava não somente a supressão de uma obra exterior, mas sobretudo uma falha interior54. Por isso,

padre Dehon tentou estar muito atento à escuta da vontade do Se-nhor e à releitura das inspirações iniciais do período da formação da Obra, que o levaram a reassumir mais vivamente o espírito de imolação e de vítima, próprios da devoção do Coração de Jesus.

Meu propósito é viver e morrer realmente vítima do Co-ração de Jesus. Por isso, eu me manterei em um completo abandono de todo meu ser ao Coração de Jesus. Eu terei nele uma confiança filial, me encomendarei à toda sua von-tade e seu bom prazer. Eu farei tudo por amor em espírito de reparação. Eu renuncio a toda afeição desregrada ou pu-ramente natural – eu me aplicarei a dirigir a Obra do Sagra-do Coração para sua meta e no espírito que lhe é próprio55.

49. NQT 4, 26. 50. Cf. NQT 4, 219. 51. NQT 4, 229. 52. Cf. NQT 4, 33. 53. NQT 4, 49.

54. Os cadernos NHV, em modo particular, tem um caráter que relata de modo muito preciso esta atitude de atenção interior ao chamado e von-tade de Deus (cf. NHV 14, 203-210; 15, 9).

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Nas últimas décadas de sua vida, se encontra um padre Dehon mais consciente do declínio de suas forças físicas. Esta cons-ciência o fez reafirmar sua experiência de confiança e de abandono na misericórdia do Coração de Jesus: “este é o último caderno e pode ser o último ano. Fiat! [...] Minha carreira se conclui, é o cre-púsculo de minha vida... eu cometi uma infinidade de faltas, mas eu confio na misericórdia do Sagrado Coração”56.

Padre Dehon passa o tempo da Primeira Guerra Mundial como um período de exílio, sofre com o sofrimento do povo e se esforça em entender o porquê de tanta miséria57. As grandes

ofensas feitas pelos pecados e pelo desprezo ao Coração de Jesus levam padre Dehon a oferecer-se novamente como vítima58 e a

empenhar-se mais veemente na reparação: “Como Jesus eu quero fazer adoração reparadora e deplorar os pecados do mundo. Com ele eu quero rezar. Com ele quero me oferecer e me abandonar a Deus em vítima de amor e de reparação”59.

A atitude do abandono neste contexto assume o significado de forte confiança e portadora de paz imperturbável60, mas exige

pa-ciência para suportar o peso das cruzes e a oferta de si mesmo: “Se a prova é dura, podemos dizer um momento como nosso Senhor: ‘Que este cálice passe de mim’, mas nós sempre acrescentaremos: ‘Senhor, que vossa vontade seja feita e não a minha’ [Mt 26, 39]”61.

Portanto, a experiência do abandono em padre Dehon é ca-racterizada dentro de uma esfera de intimidade com Deus que o leva a buscar e entregar-se à vontade divina numa docilidade à Pro-vidência62. O abandono é o elemento próprio da vítima e, por isso,

56. Interessante como inicia seus últimos cadernos, sempre afirmando ser aquele o último. “C’est le dernier cahier et peut-être la dernière année.

Fiat! Ma carrière s’achève, c’est le crépuscule de ma vie... J’ai commis

une infinité de fautes, mais j’ai confiance dans la miséricorde du Sacré Cœur”. NQT 45, 1

57. Destaca-se particularmente o tempo em que não pode sair de Saint--Quintin entre os anos de 1915 a 1919. Cf. NQT 37, 1; 40, 141.158. 58. Cf. NQT 35, 17.89.

59. NQT 35, 63.

60. Cf. NQT 39, 103.104.134. 61. NQT 39,85.

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requer confiança, discernimento, humildade, paciência, imolação e oferecimento total de si mesmo63. Padre Dehon vive o abandono

como sua vocação e missão64 porque o percebe intimamente

liga-do ao mistério liga-do Ecce Venio de Cristo e liga-do Ecce Ancilla de Maria65.

O santo abandono: não é próprio de uma vítima colocar-se totalmente, sem reserva ou preocupação para o futuro, à dis-posição daquele a quem ela é ofertada? Sim, é bem isto o ecce

venio [Sl 40, 8 e Hb 10, 7.9], o voto de abandono que Nosso

Senhor fez fazer a suas vítimas privilegiadas, Margarida Ma-ria, a Madre santa Teresa de Jesus, etc. Dá-me este espírito, ó divino Coração de Jesus!66.

1.4 O reino social de Jesus Cristo

As dimensões espirituais da união com Deus, da Eucaristia e do abandono acima apresentadas, fazem parte da dimensão interior da ex-periência de padre Dehon. O reino social de Jesus Cristo é a expressão exterior e concreta de todo um movimento interior de vida da fé67.

Isto significa que o apostolado social de padre Dehon é mer-gulhado dentro do contexto do Sagrado Coração de Jesus e tem no mistério da Eucaristia a referência concreta do amor de Deus. Em particular é interessante notar que, em Florença, padre Dehon encontra no umbral do Palazzo Vecchio (Palácio Velho) a represen-tação artística da Eucaristia sobre um trono, que para ele era a clara expressão do reino social de Jesus: “O reino social de nosso Senhor é também proclamado em Florença. Acima da porta do Palazzo Vec-chio os antigos duques da Toscana representaram a hóstia eucarística sobre um trono com esta inscrição: ‘Rex regum, Dominus

dominan-tium’. É o reconhecimento da realeza social de Jesus Cristo”68. Ficou

assim impressionado com esta arte que, em uma segunda passagem

63. Cf. NQT 2, 13; 4, 42.115; 39, 103.134; 44, 63. 64. Cf. NQT 3, 423; 40, 113. 65. Cf. NQT 6, 119.125. 66. NQT 3, 32. 67. Cf. NQT 42, 155. 68. NQT 4, 274.

(15)

por Florença, expressou como que uma necessidade de revê-la: ‘Eu tinha que rever o sinal do reino social de Jesus-Eucaristia que é gra-vado acima da porta do Palazzo Vecchio’”69.

Foram muitas as iniciativas que marcaram o apostolado social de padre Dehon: reuniões de estudos sociais70, congressos71, conferências

na França e em Roma72 e várias publicações73. Além de que a

concreti-zação da sua vocação à vida religiosa e da Congregação por ele fundada aconteceram em torno de uma obra social, o colégio São João74.

O trabalho social de padre Dehon tem, portanto, a Euca-ristia como ponto central, mas foi motivado pelo apelo de uma sociedade em profunda transformação na qual alguns segmentos, como a classe operária, não tinham direitos estabelecidos. Padre Dehon quis ser, neste contexto, eco dos ensinamentos sociais do papa Leão XIII, como quando comenta na sua obra Catecismo

so-cial cristão: “possa este pequeno livro se tornar clássico e

popula-rizar os ensinamentos de Leão XIII”75. Nesta mesma obra, na sua

conclusão, padre Dehon comenta que o único remédio para o mal social é o amor superabundante do Coração de Jesus:

A própria imagem do Sagrado Coração, a cruz que ela nos lembra, a Eucaristia ao qual ela nos conduz, não são as melhores fontes de amor, as primícias do fogo sagrado? Esta abençoada imagem, que invade tudo, nossos santuários, nossos altares, nossas lares, e logo nossas bandeiras, não findará por iluminar a caridade e solidificar a união? Ah! Nós esperamos e vemos os mesmos presságios nas palavras do bom Mestre que disse à Margarida Maria: ‘Esta devo-ção aportará como uma nova redendevo-ção’. [...] Por fim neste prog-nóstico de Leão XIII: ‘Existe uma abundante efusão de caridade que é principalmente preciso esperar a salvação, e esta caridade não pode que vir a ser retirada do Coração de Jesus Cristo’76.

69. NQT 5, 92. 70. Cf. NQT 10, 100; 16, 108.114. 71. Cf. NQT 4, 370; 10, 107; 11, 91; 39, 120.122.124. 72. Cf. NQT 11, 3.12.116; 12, 32; 16, 43; 34, 123; 39, 123. 73. Cf. NQT 10,118; 12,110; 13,143. 74. Cf. NHV 12, 153. Conferir também NQT 39, 119. 75. NQT 12,110.

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Em um ato de recordar seu apostolado social, padre Dehon comenta que foi verdadeiramente uma vocação e uma missão provi-dencial77. Depois de elencar e comentar os seus vários trabalhos,

con-clui com humildade: “Em todo este apostolado eu não vi que o ergui-mento dos pequenos e humildes, segundo o espírito do Evangelho”78. 1.5 A missão

Para padre Dehon a missão ocupa uma posição especial. É verdade que ele nunca desenvolveu a função de missionário no sentido estrito, porém a viveu intensamente como testemunhou no último caderno de Notes Quotidiennes, como que fazendo uma revisão de tudo o que viveu:

O ideal de minha vida, o voto que eu fiz com lágrimas na mi-nha juventude, era de ser missionário e mártir. Parece-me que este voto eu cumpri. Missionário, eu sou pelos mais de cem missionários que eu mantenho em todas as partes do mundo. Mártir, eu o sou, pela série de provas que Nosso Senhor deu a meu voto de vítima, sobretudo de 1878 a 1884, por todos os despojamentos e os aniquilamentos entre o Consummatum

est até as ondas de sangue perdidas em diversas ocasiões79.

De fato, a intenção missionária estava já presente desde o início da fundação da Congregação quando padre Dehon, em uma audiência com o Sumo Pontífice, pede a benção para o projeto de missão no Equador80. No ano de 1925, padre Dehon já tinha

enviado missionários para a América Latina, África e Oceania81.

Colocava em cada missionário a esperança de levar a Igreja para aquela terra necessitada do Evangelho82; sonhava em contribuir

com a formação do clero da região: “Nós desejamos lá missioná-rios franceses que vão se dedicar à formação do clero na América

77. Cf. NQT 39, 119. 78. NQT 39, 125. 79. NQT 45, 1 80. Cf. NQT 4, 291.302. 81. Cf. NQT 6, 44; 11, 122; 12, 35; 18, 54; 44, 136. 82. Cf. NQT 35, 173.

(17)

do Sul”83; sofria com a notícia da enfermidade ou morte dos seus

religiosos em missão84; acompanhava com atenção cada missão85,

quando possível até com sua visita86.

Padre Dehon entendia a missão sempre em estreita união e comunhão com a Igreja e já no início da sua obra pedia a Roma “para obter uma missão distante. Este dado será sem dúvida o co-meço de uma grande coisa”87. Além do mais, descrevia com

deta-lhes as visitas que fazia a essas missões, como demostram os vários cadernos dedicados a este fim88.

1.6 A devoção aos santos

A experiência de fé de padre Dehon, além de ter suas bali-zas no abandono, na união com Deus, na Eucaristia e externamen-te concretizado no apostolado social e nas missões, externamen-tem também um apelo aos santos.

O ponto central da sua devoção aos santos acontece parti-cularmente pela união aos mistérios de Deus que eles conseguiram viver e que são almejadas igualmente por padre Dehon. Ou seja, é como se o santo tivesse conquistado um tesouro pela união com Deus. “Os santos são nossos verdadeiros amigos. Quantas graças, quantos tesouros no céu nós lhes devemos, pelos seus exemplos, sua intercessão! Procurar amigos e tesouros exclusivamente de Deus, é uma loucura...”89. Padre Dehon, quando venera o santo, tem

cons-ciência que acessa este tesouro vital e de graça. Por isso, seu modo de se aproximar dos santos geralmente acontece com a fórmula eu me

uno a, que evidencia claramente a individualidade de um e de outro,

objetivando o mesmo caminho ou a mesma união com Deus90.

Na prática, a experiência de fé em união com os santos

reco-83. NQT 3, 370. 84. Cf. NQT 17, 111.

85. Cf. NQT 18, 118; 43, 112. 86. Cf. NQT 20, 41.46-47. 87. NQT 4, 100.

88. Conferir, por exemplo, a visita na América Latina, que compreende os cadernos NQT 21; 22; 23.

89. NHV 8, 133.

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nhece neles um modelo, exemplo ou resumo de vida dos mistérios de Deus91. No caso de padre Dehon, trata-se particularmente dos

mistérios do Coração de Jesus.

Com Irmã Teresa nós nos abandonamos inteiramente à von-tade divina [...]. Com ela e Santa Margarida Maria nós ofere-cemos a Deus nossas preces, nossos trabalhos e nossas penas em união ao Sagrado Coração de Jesus em espírito de louvor, amor, holocausto e reparação [...]. Com São João eu repouso minha cabeça sobre o Coração de Jesus, tão frequentemente quanto eu posso, de dia e de noite. Eu quero ser para Jesus uma pequena parte disto que São João foi para ele92.

Na verdade, parece que padre Dehon não só se une aos santos e aos seus méritos, mas quando os invoca, toma o tesouro vital deles e os oferece a Deus junto com as própriaspreces e intenções93:

Eu vos ofereço [ó Maria,] de início, a grande saudação que o anjo Gabriel vos trouxe [...]. Eu vos ofereço a saudação que Deus vos deu da parte da Santíssima Trindade. - A saudação divina que vos fez Mãe de Deus [...]. Eu me aproprio deste pensamento de Santa Margarida Maria: ‘Ó Coração de Jesus, eu anseio estar unida a vós, de vos possuir e de me consumir em vós, que sejas minha demora para sempre’94.

Padre Dehon, ainda, invoca seu anjo da guarda e por meio dele Maria, “com ela e nossos anjos e santos protetores, eu ofereço à Santa Trindade o belo sacrifício do Coração de Jesus para o lou-vor de Deus e por todas as intenções pelas quais eu devo rezar”95.

A experiência de fé de padre Dehon com os santos, portanto, se caracteriza pela união e configuração com as preces e os méritos deles. A admiração e o entusiasmo pela virtude do santo provoca em padre Dehon o mesmo desejo de configurar sua vida. Em suma, pelos santos, ele invoca, louva, honra e consola o Coração de Jesus96.

91. Cf. NQT 1, 6.136; 2, 31; 3, 347; 18, 45. 92. NQT 45, 71-72. 93. Cf. NQT 39, 33-34. 94. NQT 45, 73.78. 95. NQT 41, 2; conferir ainda NQT 6, 151. 96. Cf. NQT 6, 94; 45, 66.

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2. Algumas conclusões da função comparativa

A vivência da fé cristã na pessoa de padre Dehon é unificada no amor ao Coração de Jesus. A base de sua experiência de fé está no Coração de Cristo97. Este Coração é modelo de sua vida e de

sua relação com Deus e é a graça do tempo presente98. 2.1 A vida interior

Neste sentido, a faceta vida interior, tão valorizada por padre Dehon, fonte de liberdade interior99 e de puro amor100, tem seu

ponto nevrálgico na Eucaristia101. O cultivo da vida interior é

con-dição para o encontro com Deus, ou, como prefere padre Dehon, a vida interior é imprescindível para a união com Nosso Senhor e, é ao mesmo tempo, o lugar onde se percebe e se aferra a relação com o mundo102.

A vida interior em padre Dehon está em continuidade com a tradição da espiritualidade do Coração de Jesus como o lugar onde acontece toda a relação com esse Coração. Um interessante exemplo é a troca de corações presente em Catarina de Sena ou a impressão das chagas de Jesus no coração de Gertrudes103. Mas em

padre Dehon, neste lugar não acontece somente uma relação amo-rosa com Deus, ou seja, a originalidade de padre Dehon é que a re-lação amorosa cultivada na vida interior é lugar de fermentação da sua relação com o mundo, preparando toda a sua ação pastoral104.

A tradição até então fazia a relação entre o coração ferido de Jesus pelo desprezo e pecados e a necessidade de repará-lo por meio de sacrifícios e ações litúrgicas.

97. Cf. NQT 37, 138. 98. Cf. NQT 22, 69. 99. Cf. NQT 1, 16. 100. Cf. NQT 1, 185. 101. Cf. NQT 25, 33. 102. Cf. NQT 43, 74.

103. Cf. rAimondo dA cApuA, S. Caterina da Siena..., 1992, p. 178-182; GERTRUDE D’ HELFTA, Le Héraut de l’amour divin , 2016, II, 4 (242). 104. Cf. NQT 4, 211; 43, 74; NHV 6, 62.

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2.2 A Eucaristia

A Eucaristia não tem somente o significado de um sacra-mento. Na Eucaristia o Coração de Jesus está aberto e transbor-dante de amor. Neste sentido, o Coração de Cristo é lugar seguro e de repouso, ponto referencial para qualquer e todo apostolado. A adoração eucarística era indispensável para padre Dehon porque encontrava nela um meio de renovar suas forças ou de simples-mente permanecer com o Senhor105.

A continuidade com a tradição, quanto à faceta da Eucaris-tia, se realiza no modo de concebê-la a partir de Gertrudes. Ou seja, se em Lutgarda e Matilde de Magdeburg a relação com o Coração de Jesus acontecia na oração, com Gertrudes e confirma-do com Margarida Maria, inaugura-se um tipo de relação com o Coração de Jesus que acontece preferencialmente na Eucaristia: o Coração de Jesus está na Eucaristia106. Neste sentido, padre Dehon

usa a vasta simbologia e expressões presentes em Matilde de Ha-ckeborn, como por exemplo lugar de refúgio e repouso, e vive as revelações de Margarida Maria da missa e adoração reparadoras. A originalidade de padre Dehon está em conceber a Eucaristia como o lugar de referência e de maturação de qualquer e todo apostolado, no sentido de ponderar a ação, pensar novas estratégias e oferecê-las ao Coração de Jesus107.

2.3 O abandono

A relação e, consequentemente, a comum implicação entre estas facetas acontecem propriamente como resposta amorosa a um amor que precede padre Dehon sob a imagem do Coração de Cristo. O abandono se configura neste caminho de resposta, de atitude e de disposição interior que concretamente implicará no seu comportamento exterior nas inúmeras iniciativas que padre

105. Cf. NQT 37, 25.32.

106. Cf. MARGUERITE-MARIE ALACOQUE, “Vie de Sainte Margue-rite-Marie écrite par elle-même”, in _______, Sainte MargueMargue-rite-Marie:

ouvres choisies, 1962, p. 92 (97).

(21)

Dehon pode operar108. Ou seja, na vida interior, pela oração, padre

Dehon entra no Coração de Jesus, faz experiência inebriante do amor de gratidão e de compaixão. Por causa desta experiência, pa-dre Dehon se lança em uma atitude confiante de abandono.

Abandonar-se com um máximo de disponibilidade e con-fiança, demonstrando intimidade e profundo puro amor, com o objetivo de atualizar na sua pessoa o mistério pascal de Jesus, sen-do vítima como ele foi; Padre Dehon procurava cultivar, no seu interior, uma configuração de sentimentos com os de Cristo, por isso professou particularmente o voto de vítima.

Este voto, porém, não tinha como objetivo a procura do so-frimento. Quando a dor, doenças, calúnias, problemas e dificulda-des apareciam, eram ofertados em sacrifício, revestidos de amor, unidos ao sacrifício da cruz de Cristo, para serem transformados em vida, em ressurreição109. Todas as provações são, para padre

Dehon, uma promessa de graça e de vida quando unidas ao sacri-fício de Cristo110.

A continuidade em relação ao abandono e consequente-mente com seu voto de vítima seguem os traços deixados por Gertrudes e Margarida Maria111. No abandono procurava estar

ponível, fazer a vontade do Senhor. O grande exemplo desta dis-ponibilidade e obediência é Jesus, com o seu ecce venio que padre Dehon perseguia. O voto de vítima de padre Dehon se caracteriza, além do sofrer provações, como uma consequência do abandono como quem se entrega sem reservas. Talvez seja esta a originalida-de originalida-de padre Dehon quanto à faceta do abandono: abandonar-se segundo a vontade do Senhor ao ponto de unir-se a Cristo vítima, mas sempre olhando além da cruz, acreditando na ressurreição112.

A reparação, portanto, era tanto um exercício espiritual de adoração e celebração da missa, quanto uma luta social pela digni-dade de trabalhadores explorados e pela educação de crianças sem oportunidades. A experiência espiritual transformante e

transbor-108. Cf. NQT 35, 63; 38, 23.97 109. Cf. NQT 1, 128; 4, 345. 110. Cf. NQT 36, 42. 111. Cf. NQT 3, 19.32. 112. Cf. NQT 1, 128; 40, 149.

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dante o impelia para o social, para a missão. Parece impossível, em padre Dehon, reter somente para si, em uma espiritualidade inti-mista e devocional, a experiência do amor do Coração de Jesus113. 2.4 A missão

A missão não foi algo que padre Dehon viveu pessoalmente, ou seja, a sua vocação missionária foi realizada através dos missio-nários enviados por ele. O caráter principal era este transborda-mento de uma experiência amorosa que precisava ser comunicada. Neste sentido, procura entender a real necessidade pastoral de cada local, enviando missionários em sintonia com a Igreja, levando o Coração de Jesus àquelas regiões114. Aqui, trata-se de uma

confor-midade e continuidade com uma certeza, uma vontade divina da parte de padre Dehon, e depois, da parte dos missionários, uma conformidade e continuidade no sentido de assimilar o carisma de fundador e testemunhar o mesmo amor do fundador. A missão é impulsionada por uma experiência que impele a testemunhar, comunicar: o amor do Coração de Jesus115.

2.5 O reino social do Coração de Jesus

A reparação, por isso, está muito implicada com o aposto-lado social. A expressão Reino social do Coração de Jesus, muito presente em padre Dehon, é o sonho de uma sociedade reparada, inspirada nos princípios do Evangelho116. Talvez este seja um dos

motivos que o fez enviar tantos missionários já no início da funda-ção da Congregafunda-ção. Ou seja, espalhar por todo mundo o amor do Coração de Jesus, reparar os males da sociedade, dar a toda pessoa a possibilidade de conhecer o dom do Coração de Jesus117.

A continuidade em relação à reparação está em conformidade

113. Cf. NQT 12, 24.

114. Cf. NQT 4, 100; 12, 109; 20, 27. 115. Cf. NQT 45, 2.

116. Cf. NQT 3, 255; 4, 177. 117. Cf. NQT 38, 86.93.

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com a tradição de Eudes e Margarida Maria, de fazer uma emenda de honra ao Coração de Jesus como obra de justiça para expiação dos pe-cados e ofensas e outra de oferta de amor para compensar os pepe-cados, particularmente na celebração da missa e na adoração118. Contudo,

a originalidade cai decisivamente na escolha de seus meios, isto é, o como realizar a reparação. Se por um lado padre Dehon pratica a missa e adoração reparadoras pelas ofensas e desprezo dos pecadores para com o Coração de Jesus, por outro lado sente a necessidade de formar, ensinar, resgatar os homens de sua época em espírito de repa-ração. Suas obras e discursos demonstram a ponte ou síntese que faz entre espiritualidade e atividade social119. Uma expressão forte desta

realidade é o Reino social do Coração de Jesus que tinha como gesto simbólico a entronização da imagem do Sagrado Coração de Jesus nas famílias120 e o desejo de ver esta mesma imagem presente nos

santuá-rios, bandeiras, a fim de iluminar a caridade121. 2.6 A devoção aos santos

A devoção aos santos presente em padre Dehon tinha este fim. Eram exemplos virtuosos de prática de caridade, de puro amor. Poderiam ser imitados e invocados porque fizeram de suas vidas um resumo da vida dos mistérios de Cristo e, por isso, padre Dehon evocava este tesouro vital para aprender e impulsionar sua vida espiritual122.

Quanto à devoção aos santos, se pode falar de uma ação de conformidade, isto é, não somente de continuidade, porque a re-lação que tem com os santos é de admiração e desejo de estar em profunda comunhão com eles. Eles são santos, conquistaram um

118. Cf. J. EUDES, Euvres complètes du vénérable Jean Eudes VII: le Cœur

admirable de la Très Sacrèe Mère de Dieu. Livres V-IX, 1908, p. 20-22;

MARGUERITE-MARIE ALACOQUE, “Vie de Sainte Marguerite-Ma-rie écrite par elle-même”, in _______, Sainte Marguerite-MaMarguerite-Ma-rie: ouvres

choisies, 1962, p. 57-58; NHV 6, 77.

119. Orfanatos, escolas, operários, círculos de estudos sociais, publicações, missões... Cf. NQT 10, 107.118; 16, 108; 39, 119-124;

120. Cf. NQT 42, 13.16.

121. Cf. l. DEHON, Catéchisme social, 1898, p. 307-308. 122. Cf. NQT 24, 62; 45, 4.66.71.78.

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rico tesouro, estão no céu, podem interceder para comunicar mui-tas graças. Padre Dehon tenta acessar, participar do carisma deles, principalmente na sua relação com o Coração de Jesus123.

3. A estrutura de experiência de fé cristã de padre Dehon

Oferecer uma descrição que permaneça somente na enume-ração de elementos e características não oferece ao leitor o aces-so à realidade central ou aos elementos que fundamentam todas as características acima descritas. Por isso, impõe-se uma questão: qual é a experiência culminante à qual todas as outras experiências apontam? Ou qual seria o elemento originário de onde provém to-das estas características denominato-das facetas? O que elas querem responder? Para onde elas apontam?

As seis facetas acima apresentadas formam como que um con-junto que representa a experiência de fé no Sagrado Coração de Je-sus de padre Dehon. É através delas que se encontrarão respostas às perguntas acima formuladas. Desta forma, é interessante notar que cada uma das seis facetas, anteriormente apresentadas, possuem uma espécie de vínculo uma com as outras e inclusive com todas as demais dimensões da vida de padre Dehon. Tais respostas colocarão em evi-dência a estrutura ou o núcleo da experiência de fé de padre Dehon.

3.1 Um homem prático

As diversas características, tanto as objetivas quanto as sub-jetivas, evidenciam que padre Dehon é um homem prático. Este é o primeiro elemento. O incansável padre Dehon age como fruto da atitude teologal, fruto da sua fé, esperança e caridade. Ou seja, todas as evoluções interiores, orações, devoções, pedidos de per-dão, de uma ou de outra forma, cedo ou tarde, desembocam em uma prática apostólica124. Neste sentido, em padre Dehon, tudo é

123. Cf. NQT 6, 178; 24, 62; 36, 98; 39, 35; 41, 4; 45, 2.4.14.78; NHV 8, 133. 124. Cf. NQT 25, 22; 38, 86.93.

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possível de ser vivido e a oração tem sua expressão em uma ação: a situação de guerra, por exemplo, o motivou a reafirmar seu voto de vítima e a celebrar as missas e a realizar as adorações repara-doras125; e sua experiência de repousar no Coração de Jesus, de

experimentar seu amor, sua verdade, moveu-o a amar os homens, lutando pela justiça e causa social deles126.

3.2 O amor

Outro fator que parece reunir, direcionar e formar os principais elementos característicos da experiência cristã de padre Dehon, e que expressa sua intenção interior, é o amor. Eis o elemento central: Deus é amor, a criação do homem é transbordamento deste amor. Contu-do, a prova deste amor acontece na encarnação do Filho, sendo que a expressão mais evocadora é o coração que se abre na cruz. Padre Dehon experimenta este amor e reage animado deste amor, tentando compartilhar com os homens o precioso dom que experimentou127.

Nesta dimensão do amor se justificam os esforços de emenda de honra, reparação ao Coração de Jesus e afirmação da fecundidade do apostolado somente quanto tem fundamento no Coração de Jesus. As obras sociais de padre Dehon tem como pressuposto a restauração pessoal do homem pelo amor128. Ou ainda, por mais

numerosos que sejam os trabalhos, proporcionalmente deve ser o repouso e a renovação das forças no coração eucarístico de Jesus129.

O ecce venio de Jesus e o ecce ancilla de Maria estão nesta li-nha de compreensão. São expressões concretas de amor, de doação, de serviço, de obediência e abandono, que têm como sustentação o amor. Padre Dehon vê na obediência e abandono de Jesus e no sim de Maria a plenitude de uma resposta de amor que também ele deveria dar130.

125. Cf. NQT 3, 192; 18, 68; 25, 7; 26, 112; 35, 63.89.112.133.140-141; 41, 62; NHV 15, 98. 126. Cf. NQT 6, 188; 35, 102; NHV 5, 150.197. 127. Cf. NQT 37, 25.138; NHV 5, 196-197; 11, 37. 128. Cf. NQT 3, 313; 36, 46; 41, 29. 129. Cf. NQT 2, 10; 6, 51; 25, 33. 130. Cf. NQT 3, 32.51.143; 40, 104; NHV 13, 71.75; 14, 41-43.89.

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3.3 A hipótese de estrutura da experiência de fé de padre Dehon

Por fim, a hipótese de estrutura da experiência de fé cristã de padre Dehon poderia ser identificada como aquela que pos-sui, enquanto elemento central e fundamental, a intensa presença de Deus, caracterizado como amor profundamente enraizado na pessoa de padre Dehon, capaz de configurar e renovar sua pessoa segundo o Coração de Jesus, e fazer, ainda, com que sua pessoa se voltasse aos outros numa prática incansável de restauração da humanidade e da sociedade131.

Alguns traços mais particulares deste amor encarnado são a certeza indubitável deste amor para com a sua própria pessoa132;

reconhecimento de que este amor ainda não é conhecido e, muitas vezes, é desprezado133; que a presença deste amor é remédio e

ga-rantia de paz e fraternidade para o homem e à sociedade134; e um

amor que, por isso, precisa ser difundido135.

4. A compreensão da vivência cristã de padre Dehon

Assim sendo, poder-se-ia descrever a experiência cristã da fé de padre Dehon como aquela vivência de profunda presen-ça136 e comunhão espiritual com Deus realizada em sentimentos

e ideais, ritos e gestos ao Sagrado Coração de Jesus. Esta expe-riência de amor e vida, não contendo em si, sentiu a obrigação de concretamente compartilhar com o outro e com a sociedade.

Para se chegar a esta compreensão passou-se por um cami-nho que sempre teve a totalidade como horizonte. Ou seja, desde a seleção das experiências a serem descritas, desde a tipificação em

131. Cf. NQT 1, 65.139; 6, 94-95; 37, 138; 40, 92; NHV 5, 144-145. 132. Cf. NQT 4,172. 133. Cf. NQT 41, 5-6; NHV 11, 108. 134. Cf. NQT 11, 91; 12, 32; NHV 2, 214; 11, 107-108. 135. Cf. NQT 36, 92; 38, 129; 45, 68. 136. Cf. NQT 39, 134.

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facetas, procurou-se sempre abertura para a totalidade de signifi-cação. Por isso, nesta fase da compreensão, a descrição da definição da experiência de fé cristã vivida por padre Dehon também pos-sui significação com horizonte holístico. Pode-se afirmar, portanto, que nesta descrição acima apresentada, está compreendida a expe-riência toda de fé de padre Dehon.

De fato, sua experiência foi vivida de modo profundo impli-cando toda a sua vida. Iniciou-se com aquele acontecimento mar-cante na noite de natal, enquanto era um adolescente estudante em Hazebrouck137. Uma vocação acolhida que se aprofundou

radi-calmente na sua vida. Enfrentou com respeito seus pais, suportou incompreensões e falimentos como o Consumatum est138, padeceu

guerra139, perdas140, doenças141. Foi uma experiência tão profunda

ao ponto de padre Dehon tudo nela investir e nela ter sua única riqueza142.

A presença de Deus na vida cotidiana de padre Dehon e a

comunhão com Ele foram se intensificando na medida em que o

tempo passava e de acordo com a complexidade dos desafios e problemas enfrentados, como por exemplo o fato do Consumatum

est. A comunhão ou a união com Nosso Senhor era a garantia de

que a providência divina não o abandonaria. Por isso, insistia tanto na vida interior, pois a experimentava como lugar da presença divi-na, lugar onde se desenvolve a amizade e intimidade com Deus143.

Tratava-se de uma certeza e de uma convicção reais ao ponto de englobar a pessoa inteira de padre Dehon. A sua reação ou a sua resposta incidia em seus sentimentos, ideais, gestos e fé. Tudo absorvido e acalentado com o foyer do Coração de Jesus144.

Era a configuração pessoal com o Coração de Jesus que o fazia conformar seus sentimentos com aquele de Cristo na Paixão; sua

137. Cf. NQT 40, 118; 44, 135. 138. Cf. NQT 44, 136.

139. Cf. NQT 35, 73.86. 140. Cf. NQT 40, 112-113. 141. Cf. NQT 45, 1.

142. Cf. NQT 3, 339; l. DEHON, Directoire spirituel, 1936, p.138. 143. Cf. NQT 41, 2.

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oração repousava no Coração de Jesus145 e as celebrações tinham

neste Coração o seu endereço; seus ideais, sua inteligência estavam voltados para entender e descobrir como melhor viver a proposta evangélica.

Esta certeza e convicção, absorvidas e acalentadas pelo amor do Coração de Jesus, em primeiro lugar gera vida na pessoa de padre Dehon, um sentimento de alargamento de seu coração; e o permite constatar que a falta de reconhecimento e de reflexão des-te amor faz o homem viver mediocramendes-te, sem que suas facul-dades e potências sejam levadas a perfeição146. Este mesmo amor

tem a característica de ser curativo, restaurador, reparador, gerador de uma civilização de fraternidade e de amor147.

A experiência de padre Dehon era sobretudo de

transborda-mento148. Isto é, padre Dehon se encontrava em uma situação de,

pes-soalmente, não poder conter a experiência que tinha vivido. Era uma experiência espiritual que o deixava inquieto e explorava seu aspecto prático de realização de obras para fazer conhecer o amor e a vida contidos no Coração de Jesus. Compartilhar significa mais que sim-plesmente partilhar ou dividir, significa uma doação onde o sujeito participa do conteúdo partilhado, e por isso, existe uma implicação pessoal. Assim, padre Dehon foi impulsionado pelo coração de Cristo a testemunhar aos homens o amor deste Coração e lutar para que as estruturas da sociedade sejam justas, capazes de fomentar uma comu-nidade unida no amor, isto é o Reino do Coração de Jesus149.

Referências

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______. Directoire spirituel des Prêtres du Sacré-Cœur de Jésus. Turnhout: Anciens Etablissements Splichal, 1936.

145. Cf. NQT 45, 72.

146. Cf. NQT 1, 40; 37, 138; 40, 68; 43, 81; NHV 5, 133.169. 147. Cf. NQT 3, 269; 4, 166; 35, 80; 37, 152; 43, 81.

148. Cf. NQT 45, 77.

(29)

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Referências

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