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História Moderna Economia e Sociedade Século XVI

1. População e Economia : tendências da evolução da população; a Europa rural; a evolução urbana; expansão europeia e a subida de preços; o comércio internacional; primeiros passos na mundialização da economia.

Facto incontestável, apesar das dificuldades do historiador da demografia do século XVI (especialmente por falta de fontes), é o aumento geral da população europeia aproximadamente desde 1450 (com evoluções e particularismos distintos segundo os Estados e as regiões). Na maior parte dos casos, este aumento não foi mais do que uma recuperação depois dos anos de peste, que a maior parte dos países europeus conheceu depois de 1348, e no caso da França e países vizinhos, desde os começos do longo conflito anglo-francês. Isto só ocorreu devido a uma conjuntura mais favorável: guerras, fomes e pestes não desapareceram mas as crises que provocaram foram até 1560-80 mais raras e menos graves.

No caso da guerra, entre 1450 e 1560, aproximadamente, a Europa não conheceu nenhum conflito comparável à Guerra dos Cem Anos e ao que seria a Guerra dos Trinta Anos (1618-1648). A luta entre a França e a Áustria entre 1519 e 1559 viu-se interrompida por períodos de paz longos. As campanhas militares foram curtas e as deslocações de soldados limitadas. Por outro lado as operações situaram-se na maior parte das vezes na Itália do Norte, que as sofreu com dureza.

As crises de subsistência deviam-se, pelo menos na Europa Ocidental, a uma Primavera e Verão difíceis que originavam uma colheita deficitária e a subida rápida dos preços dos cereais no mercado. Se a colheita seguinte também fosse má, a subida acentuava-se e os poucos cereais disponíveis atingiam preços irrisórios para a maioria da população. Como os cereais constituíam a base da alimentação torna-se compreensível que a carestia fosse o elemento essencial da crise e que pudesse dar lugar à fome e às suas consequências demográficas. Embora muito frequentemente uma epidemia antecedesse uma carestia, ou se juntasse a ela, não se pode ignorar o papel da fome como factor de incremento da mortalidade. A correlativa descida do número de casamentos e de nascimentos explica-se facilmente: os primeiros eram adiados para serem celebrados em tempos melhores, enquanto os nascimentos se viam impossibilitados por fenómenos de esterilidade temporária derivados da extrema miséria fisiológica das mulheres. Mais ou menos por todo o lado, a conjuntura climática dos fins do século XV e inícios do século XVI foi favorável: os anos bons sucederam-se e as más colheitas escassearam, embora ao que parece, a situação se tenha deteriorado um pouco por alturas de 1520-1530. No seu conjunto, a situação era muito melhor do que a da primeira metade do século XV.

Até mesmo a peste pareceu menos mortal do que em tempos anteriores. Continuava a ser uma doença que semeava o terror por causa da extrema facilidade do seu contágio e da sua mortalidade. O agente de propagação, a falta de higiene, explica a sua rápida extensão, especialmente por ocasião das deslocações de tropas, a sua propagação nas cidades a partir dos bairros mais pobres, sujos e superpovoados e a eficiência de algumas das medidas adoptadas pelos municípios, como o isolamento de lugares suspeitos, dos doentes e dos mortos, e sobretudo a quarentena. A outra característica da peste era a sua gravidade. Sob a forma bubónica, provocava a morte entre 60% e 80% dos casos, na maioria das vezes, na primeira semana; sob a forma pulmonar a morte produzia-se, em cerca de 100% dos casos, dois ou três dias depois de se manifestarem os sintomas. Embora os médicos e cirurgiões soubessem reconhecer a doença com segurança e se encarregassem nas cidades de advertir imediatamente as autoridades, em contrapartida, mostravam-se totalmente impotentes para a curar. O único remédio era o preconizado por Hipócrates: fugir rapidamente para longe e regressar tarde. Só os ricos se podiam permitir esse êxodo rápido e prolongado, mas depois de desencadeada a epidemia, ricos e pobres eram iguais perante a morte.

A partir de 1450, parece certo que os assaltos da peste foram menos frequentes e mortíferos que antes. A doença mantinha-se em estado endémico, estalando de certo em certo tempo em

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epidemias brutais, que no entanto não tinham a extensão da peste negra de 1348-49 e das grandes pandemias posteriores.

Neste clima conjuntural, muito menos catastrófico que o do período anterior, um último factor favoreceu o incremento da população: a idade precoce das raparigas no seu primeiro casamento. Esta descida da idade tinha como consequência uma elevação do número médio de filhos por família.

Assim, interrompida com menor frequência pelas crises, favorecida por uma fecundidade elevada, observou-se a subida lenta da população em toda a Europa. Porém após 1560, o século XVI enfrentou novamente o perigo da peste e da mortalidade, o que causou novamente um decréscimo populacional. A mais grave destas pandemias foi a que entre os anos de 1596 e 1604 assolou toda a Europa atlântica, desde o sul de Espanha até ao norte da Alemanha. Seguramente propagada pelas tripulações dos navios mercantes, foi detectada primeiro nos portos marítimos, onde o bacilo da peste avançou para o interior do continente. Viram-se particularmente afectados os portos alemães, as Províncias Unidas, uma parte da Inglaterra, a fachada marítima de França e toda a Península Ibérica, com a excepção da Catalunha e Levante peninsular. À margem destes grandes ataques, diversas epidemias mais localizadas multiplicaram os seus estragos com intervalos muito curtos. A tudo isto veio juntar-se a partir de 1580 o ligeiro arrefecimento do clima europeu que provocou Invernos mais longos e Verões maus, com muito maior frequência do que antes. Esta deterioração das condições climáticas, particularmente sensível entre 1580 e 1600, originou uma série de terríveis crises de subsistência que provocaram fomes um pouco por toda a Europa.

Finalmente, a guerra trouxe a desolação e a morte: na França foram as guerras religiosas, entre 1560 e 1598, nos Países Baixos foi a guerra da independência contra a Espanha, entre 1566 e 1609. Claro que nem todas as províncias francesas foram vítimas por igual das tropelias dos soldados, mas por onde estes passavam semeavam a ruína.

O retorno da paz em 1598 (na França), e pouco mais tarde um curto período de calma no ciclo das pestes e na série de más colheitas, parecem assinalar em França o começo de uma idade de ouro, simbolizada depois com o reinado de Henrique IV. Mas esta feliz conjuntura seria de curta duração. À escala europeia, o balanço destes últimos vinte ou trinta anos do século XVI foi muito duro: o desenvolvimento da população europeia atingiu um interregno durante muito tempo.

Como se sabe, o século XVI oferece-nos duas visões contraditórias. A primeira apresenta-nos um século ainda muito próximo da Idade Média, com o que isso implica quanto a limitações técnicas, um mundo maciçamente rural em que desaparecem algumas cidades, um mundo de imobilismo. A outra destaca Lisboa, Sevilha, Lyon, Florença e Antuérpia, os Impérios coloniais português e espanhol, os grandes mercadores, o Humanismo, ou seja: a inovação, a cidade, o capitalismo (pelo menos comercial). Nenhuma das imagens é falsa: correspondem em grande parte à diversidade regional da Europa. Mas uma coisa parece ainda certa: a civilização europeia do século XVI era ainda, na sua grande maioria, rural. Aliás, a sua economia era essencialmente rural, apesar dos espectaculares intercâmbios marítimos e dos localizados desenvolvimentos industriais. Não havia outra riqueza senão os homens (pensava-se então) e não sem fundamento: uma maioria esmagadora da população europeia vivia ainda fora das cidades. Tanto produtores como consumidores, salvo para os artigos de luxo, eram gentes do campo. Quase tudo provinha directamente do campo, na maioria das vezes, sem outro intermediário para além de um modesto mercador local. A lã e o pão, o vinho e o azeite, o sal e o trigo, eram objectos de intercâmbios importantes mas enganadores: o conjunto do comércio internacional de cereais, segundo parece, não atingia mais de 1% do consumo. A verdadeira dimensão da economia europeia era a do carro, e não a do navio de alto mar. A produção, o consumo e os intercâmbios organizavam-se num raio de poucas léguas, enquanto só uma parte mínima requeria o âmbito de uma região ou de uma província, e uma porção muito pequena, precisava de uma área geográfica maior. O mundo rural impunha as suas dimensões, os seus horizontes, à economia. Esta situação não se devia só aos múltiplos obstáculos técnicos, fiscais e políticos que

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constituía a obsessão das autoridades citadinas ao menor rumor de má colheita era também a principal produção do campo. Neste aspecto dominava a tradição: cevada, aveia, trigo e centeio eram os cereais de preferência. O milho ainda só se cultivava em Portugal e noroeste espanhol, e era utilizado para o gado. A vinha espalhava-se um pouco por toda a parte na Europa. O maior problema da agricultura do século XVI foi de facto a sua incapacidade de elevar os rendimentos. O obstáculo principal não residia nas técnicas e nos instrumentos de trabalho: os diferentes modelos de arado conservavam os mesmos domínios respectivos que nos fins da Idade Média. Por seu lado, o tiro levantava outra questão: a posse de uma junta de bois e mesmo de quatro animais era um poderoso factor de diferenciação social. Do mesmo modo, o adubo da terra só se podia fazer a partir de um rebanho de importância. Mas para a criação de gado que era ainda universalmente extensiva tinha de se imobilizar muitas terras e conseguir assim um aumento significativo dos rendimentos das terras semeadas, coisa que se tornava impossível, por falta de adubos. Além disso, no século XVI houve uma tendência contrária à redução do espaço cultivado na medida em que o número de homens cresceu consideravelmente. Assim, os rendimentos continuaram a ser baixos. Encontramo-nos ainda numa época em que a crise económica tinha a sua origem na agricultura, o que é mais uma manifestação do peso rural. Os desenvolvimentos deram-se em áreas particulares (enclosures, polders, canais de irrigação) e foram limitados. A situação dos camponeses continuava a ser instável, com a miséria a poder bater-lhes à porta em qualquer altura. Os grandes proprietários determinavam as regras da sua sobrevivência sem atenderem às difíceis condições que as famílias camponesas enfrentavam, especialmente aquando dos maus anos de colheitas. O mundo rural chegou a possuir cada vez menor capacidade para alimentar uma população em crescimento. Os recursos complementares que se desenvolveram, em particular a indústria, eram-lhe de muito menor proveito que aos que detinham o seu domínio, ou seja os empresários urbanos. O acabamento e a distribuição da produção, e até por vezes o fornecimento das matérias-primas eram operações «burguesas», em que residia precisamente o essencial dos lucros. Portanto o trabalho camponês permitia que vivessem os beneficiários deste quadro: nobreza, clero, e de um modo mais limitado, a burguesia. Os assalariados e os numerosos pequenos proprietários ficavam a perder. Os excedentes libertados pelo trabalho agrícola eram utilizados por grupos diferentes dos camponeses e para outras necessidades diversas das da economia rural. O mundo rural continuava a ser a base da subsistência da quase totalidade da sociedade.

Mesmo no seio das classes privilegiadas (a maioria esmagadora da nobreza) eram muitos os que continuavam a ser rurais, continuando apegados aos símbolos e aos ideais de cavalaria. Campo e cidade interligavam-se física e moralmente. O que mantinha em comum a cidade e o campo era com efeito a cultura do mundo rural. Este mundo rural do século XVI continuava a ser profundamente vivo. Mas seria por pouco tempo pois o futuro, esse encontrava-se na cidade. Nem a envergadura nem as funções e actividades eram semelhantes nas várias cidades europeias. Haviam mesmo algumas que não o eram por direito mas tinham muito mais condições para o serem do que outras que o eram.

O estatuto de cidade era o ponto de partida: dava a personalidade política, conferia às comunidades urbanas o direito de erguer a face perante outros poderes temporais: senhores, bispos, príncipes, reis, imperadores. A cidade tinha a sua própria jurisdição e regulava inclusivamente o acesso à cidadania, organizava a administração e podia servir de recurso contra os abusos.

O desenvolvimento dos negócios no século XVI teve diversas causas. As mais evidentes relacionam-se com o descobrimento de novas terras e novas rotas de navegação, em especial a descoberta da América por Cristóvão Colombo e a sua consequente exploração, e a abertura da rota marítima para a Índia, inaugurada por Vasco da Gama, possibilitando assim a instalação dos portugueses em terras do longínquo Oriente.

No século XVI os espanhóis obtiveram da América principalmente metais preciosos; em contrapartida os barcos que saíam de Sevilha sob o controlo da Casa da Contratação, fundada em 1503, transportaram para aquelas terras as mercadorias de que necessitavam os conquistadores e os seus descendentes. Uma parte dessas mercadorias, sobretudo artigos como

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vinho e azeite, provinha da própria Península, enquanto outra parte chegava através de áreas industriais distribuídas por toda a Europa: panos (Inglaterra, Flandres), tecidos (regiões francesas da Bretanha e Normandia, Flandres, Suábia, Silésia), sedas (Itália).

Se medirmos pelo volume dos tesouros americanos, a rota das Índias Ocidentais conheceu um desenvolvimento vertiginoso, que se centrou em Sevilha. As importações de ouro e, a partir de 1520, de prata, elevaram-se extraordinariamente. Mas isto não quer dizer que estas remessas tivessem sido o bastante para alterar a economia do Velho Continente, pelo contrário, só muito tardiamente o seu impacto se revelaria dinâmico (por volta de 1560).

Apesar disto o ouro e prata que chegavam à Europa não fez subir os preços, mas impediu-os de descer, fazendo também baixar o juro do dinheiro.

A geografia das trocas comerciais não tardou a modificar-se em consequência da navegação directa dos portugueses. O acesso directo às especiarias permitia obtê-las mais baratas que através da tradicional rota do Mar Mediterrâneo Oriental. Veneza, principal intermediária europeia deste comércio, viu-se muito prejudicada, tal como na Ásia o foram os árabes. Os portugueses não se contentaram em ir buscar a pimenta à costa do Malabar nem os tecidos de algodão. Arranjaram também maneira de conseguir o cravinho e a noz-moscada das Molucas (quer directamente, quer através de Malaca), já para não falar da prata japonesa e das porcelanas e sedas chinesas, cujo comércio se fazia sobretudo através de Macau (cedido aos portugueses). Por razões complexas em que misturavam o peso logístico do Império, a falta crónica de capitais por parte do rei, que se encontrava teoricamente na posse do monopólio comercial, e também os custos humanos, os portugueses não conseguiram manter o seu domínio absoluto sobre o mundo asiático.

Ao mesmo tempo que a pimenta chegava ao Tejo, organizava-se toda uma rede para a distribuir aos consumidores, cujo centro era Antuérpia. Diversas casas italianas interessavam-se pelo negócio, assim como famílias alemãs, entre as quais a dos Fugger.

A grande vitalidade do comércio europeu parecia então centrar-se em Antuérpia, para onde Lisboa e Sevilha enviavam géneros valiosos, mas não eram as únicas. Chegavam produtos da Inglaterra, França, Alemanha e Itália. Antuérpia participava na distribuição de uma parte dos carregamentos bálticos que entravam nos Países Baixos, em Amesterdão.

O comércio estava, nestas paragens, muito activo. Somava-se às rotas atlânticas (para sul – Cabo Bojador, para ocidente – América Latina, e para norte – América Central e do Norte), a rota para o norte da Europa (Londres, Antuérpia), a rota do Mediterrâneo e ainda as rotas terrestres importantes.

O século XVI conheceu o auge de Antuérpia mas também assistiu ao seu declínio. Apanhada no meio da revolta dos Países Baixos, e posteriormente privada do tranquilo acesso ao mar, a cidade flamenga viu-se despojada do seu papel de armazém de depósito e re-distribuidora. Abriram-se então as possibilidades de expansão para Amesterdão que herdou este papel, e também para Londres.

Estava praticamente implantado o comercial alargado ao mundo inteiro, cujo factor-chave foi o aparecimento não do capitalismo, mas de vários capitalismos europeus.

A história do capitalismo inicia-se portanto nos séculos XV e XVI com a circulação de mercadorias num mercado mundial. A moeda tornara-se indispensável à economia europeia, mas o seu stock era escasso, provindo sobretudo da Europa central e do norte de África. Após os inícios da expansão portuguesa e espanhola, intensificou-se a afluência do ouro e prata na Europa, vindos da América e da Guiné.

Segundo Hamilton, a revolução dos preços que entretanto se operou no século XVI está directamente relacionada com a abundância de metais preciosos, porém outros historiadores divergem desta teoria, sugerindo antes que o aumento da actividade económica é que implicou a subida dos preços e consequentemente a procura de metais preciosos.

O sector agrícola, apesar do seu peso tradicional, é estimulado pelo acréscimo demográfico e pela vitalidade da economia. Introduzem-se culturas novas originárias da América (milho, feijão, tomate) e do Oriente (cana-de-açúcar, leguminosas, vários frutos). A alimentação

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torna-se mais rica, mas o impacto destorna-ses produtos é reduzido porque torna-se difundem lentamente e apenas na Europa do sul. A vinha e a oliveira em expansão constituem as fontes de maior riqueza. Alterações mais fecundas no sector agrícola verificam-se nos métodos de cultivo, aplicados a plantas antigas como os cereais, que continuam a ser o grande suporte alimentar. Através de uma rotação de culturas bem planeada, certas zonas da Europa de noroeste conseguem recuar o pousio e aumentar o índice de produtividade. A devastação de florestas e a secagem de pântanos, as irrigações, a substituição do consumo local por culturas intensivas e mais viradas para o comércio, fazem parte do quadro da renovação agrícola dos séculos XV e XVI.

Ainda assim, os rendimentos da produção agrícola distribuem-se no Antigo Regime de modo desigual; no século XVI os lucros são grandes para o explorador da terra, quer seja senhorio ou rendeiro, desde que a sua propriedade seja extensa. Os salários depreciam-se: à maior oferta de mão-de-obra vai corresponder um pagamento do trabalho que não acompanha o aumento dos preços agrícolas.

A criação de gado é impulsionada, porque fertiliza a terra, auxilia a lavra, enriquece a alimentação, acelera os transportes terrestres e fornece matéria-prima a indústrias em expansão como os lanifícios. Quanto ao modo de produção agrária, podemos distinguir na Europa três zonas: Europa dos alódios, onde os poderes senhoriais são reduzidos, limitando-se quase ao aspecto jurídico, a instabilidade político-social permitiu converter os camponeses em foreiros livres ou proprietários de alódios e fez crescer o número de assalariados; Europa dos senhorios, onde persistem a propriedade senhorial e a dependência dos camponeses quer no aspecto judicial e policial, quer nas múltiplas rendas em géneros, dinheiro e trabalho; Europa feudal, caracterizada pelo reforço da servidão, onde os camponeses dependem de grandes senhores que se sobrepõem ao Estado, exigindo-lhes grandes prestações em trabalho e impedindo-os de abandonarem as aldeias.

No sector industrial, a Europa encontra-se também em expansão, registando-se importantes progressos tecnológicos. Contudo, as fontes energéticas continuam a ser tradicionais, não permitindo que se fale ainda de uma «revolução», pois a própria produção permanece limitada. As grandes indústrias situam-se no sector mineiro-metalúrgico e no têxtil. Desde meados do século XV usa-se o chumbo na separação do cobre argênteo, e no fim do século usa-se o mercúrio. Estas inovações vão provocar um aumento da produção de prata, cobre e latão. O ferro generaliza-se nas alfaias agrícolas, e ainda na artilharia e armas de fogo, essenciais aos Estados modernos.

Porém são os têxteis que constituem a indústria mais dinâmica: mobilizam maior quantidade de mão-de-obra, matéria-prima e energia hidráulica. Alimentam um consumo de luxo e de massas, criando novas necessidades, dinamizam a construção de estradas e portos. Um dos maiores núcleos de produção têxtil situava-se na Itália do norte, especialmente a lã e seda de Florença, e ainda na Flandres, famosa pelos seus tecidos, e em estreita dependência dos produtos vindos de Espanha (não nos podemos esquecer que os Países Baixos estavam na altura sujeitos ao poderio dos Habsburgos). Porém insurgia-se também a concorrência inglesa.

Indústrias urbanas por excelência são as confecções, os vidros, a cerveja, couros que continuam uma tradição medieval, onde são introduzidas certas inovações. Instrumentos de precisão requerem uma mão-de-obra especializada em áreas como a ourivesaria, escultura, pintura, astronomia, óptica, cartografia, música. Em Nuremberga constrói-se a primeira tipografia em 1470. O livro incita o fabrico do papel e exige um trabalho rigorosamente planificado e executado.

A mercantilização da agricultura e da indústria constitui um estímulo à produção. Reis, nobres, eclesiásticos e burgueses investem o seu capital na agricultura porque a subida dos preços constitui um aliciante ao investimento e até ao recurso ao crédito. A vedação dos campos ingleses (enclosures) representa uma opção capitalista: diminui os pastos comunais, aduba melhor os campos, acautela a produção. Na actividade industrial a produção para o mercado provoca frequentemente o domínio do fabricante pelo mercador, que o torna assalariado ou lhe

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controla a produção domiciliária, concedendo-lhe empréstimos de dinheiro, ou seja, endividando-o.

O capitalismo comercial resulta da abundância de metais preciosos e o manejo de instrumentos técnicos adequados à sua eficácia (letras, cédulas, arrendamentos de tributos, empréstimos hipotecários). Os seus agentes são grandes companhias familiares como os Fugger, que através de uma ampla rede de filiais, alicerçam a sua fortuna têxtil, no comércio italiano, nas explorações mineiras da Alemanha e Tirol, especulam com a transferência de dinheiros para a cúria romana e imiscuem-se nos negócios ultramarinos portugueses e espanhóis.

Na segunda metade do século XVI surgem companhias (abertas a capitais não apenas familiares), privilegiadas por concessões de monopólios pelos Estados. A grande burguesia que agrega o comércio à actividade bancária adquire, com a fortuna, prestígio social, gosto pela magnificência e influência política ao mais alto nível. O meio urbano estimula e é estimulado pela actividade capitalista quer se trate de Lisboa, onde impera um mercantilismo estatal; Sevilha que monopoliza o comércio com a América; Augsburg e Nuremberga, na zona metalúrgica por excelência; Lyon, sede de feiras internacionais e praça bancária ou Londres onde o capitalismo se revela nacionalista.

Outras cidades serão mesmo o eixo da economia-mundo. Para explicar a evolução do capitalismo, Wallerstein propõe esta expressão, definida por um espaço geográfico com um pólo ou centro, uma semi-periferia e uma periferia. Terá sido Veneza, no século XV, o centro da economia-mundo (irradiando depois a partir de Génova, Florença e Milão).

No século XVI o papel passa para Lisboa e Sevilha, secundadas por Antuérpia, consequência da expansão marítima dos países ibéricos. O comércio abrangia agora um espaço económico muito mais vasto.

Antuérpia era uma placa giratória dos capitais europeus, redistribuindo produtos continentais e coloniais e atraindo os maiores comerciantes e financeiros da Europa. Através de Portugal estabelece contacto entre as especiarias orientais e a prata alemã; através de Sevilha consegue distribuir grandes quantidades da prata americana; com a indústria consegue colmatar as dificuldades comerciais.

Apesar do dinamismo atingido pelo comércio no século XVI, só uma pequena parte dos produtos consumidos resulta desta actividade. A dinâmica do capitalismo provoca processos cumulativos assim como processos de regressão. Assim, diferenças consideráveis separam duas Europas: uma, a de Leste, que responde à recessão dos séculos XIV e XV por uma reacção senhorial, uma refeudalização, que a torna fornecedora de matérias-primas e alimentos, obtidos por trabalho servil, e uma Europa ocidental, densamente povoada, fortemente urbana, orientando um comércio regular à escala do mundo em vias de se industrializar.

O movimento capitalista provoca ainda reajustamentos constantes, uns mal sucedidos (caso da Península Ibérica que se auto-bloqueia sob o controlo de um Estado onde pesa uma sociedade nobiliárquico-eclesiástica), outros mais pragmáticos como a Itália do norte transitando de um comércio Oriente/Ocidente para a actividade industrial e, posteriormente, para a agricultura. Conclui-se então que o crescimento económico do século XVI não se revela uniforme, nem se manterá no mesmo ritmo, por todo o século, até à fase de depressão posterior. Já na segunda metade do século (desde 1560) se verifica uma diminuição do crescimento a vários níveis. No plano demográfico há paragens e declínios por toda a parte, salvo talvez na Itália. Anos de má colheita, fomes, pestes, subidas de preços mais acentuadas no sector agrícola, crises nas indústrias, retracção no comércio, inclusive no colonial. Há grandes comerciantes e Estados que acusam falências. Mas há sobretudo uma população trabalhadora que vive cada vez pior, já que o aumento dos salários não acompanha o aumento do custo de vida (provocando vagabundagem, banditismo, revoltas). As razões dessa regressão encadeiam-se umas nas outras, mas passam certamente por quebras nos afluxos da prata americana, por situações duradouras de guerra, por oscilações climáticas prejudiciais à produção de bens e à saúde do homem. Certamente, o crescimento demográfico não foi acompanhado de um salto tecnológico capaz de satisfazer as suas necessidades.

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2. Representação da Sociedade

2.1.“Sociedade de Ordens” e relações sociais: as dimensões familiares, comunitárias e cortesãs; a família: relações de poder e de género; ciclos de vida: infância, idade adulta e velhice;

2.2.Elites mercantis e elites locais;

2.3.Culturas populares e culturas de elite; o significado social da formação dos colégios Jesuítas; sociologia da produção intelectual e artística; relações de vizinhança e os enquadramentos locais: confrarias, paróquias e instituições urbanas;

2.4.As cortes europeias do Renascimento; Castiglione e o Manual do Perfeito Cortesão; público e privado: etiqueta de corte e a sua difusão;

2.5.Alguns grupos sociais paradigmáticos: criados e cortesãos; as prostitutas; as minorias étnicas: judeus e ciganos; pobres e vagabundos; os escravos; as profissões liberais: médicos, notários e juristas; pobreza e assistência: as reformas do século XVI e o aparecimento do hospital moderno. Século XVII

1. População e Economia : a população europeia (depressão, estagnação ou crescimento?); o momento holandês: linhas de força da supremacia económica da Holanda; alterações dos equilíbrios económicos europeus; a rivalidade económica e colonial na segunda metade do século XVII e no século XVIII – a política proteccionista dos Estados europeus e o reforço das economias nacionais; as críticas ao mercantilismo; dos conflitos imperialistas à afirmação do poderio naval e colonial inglês; o conflito anglo-holandês; a concorrência francesa e inglesa na América do Norte e no Índico; a Inglaterra como primeira potência marítima e colonial.

As dificuldades demográficas que se acentuaram durante o século XVII já tinham começado na Europa por volta de 1570/1580. Porém, se alguns países sentiram duramente um decréscimo populacional outros quase não o sentiram. As situações variavam de Estado para Estado, de região para região. A segunda metade do século XVII parece também ter sido mais fácil de suportar devido ao desaparecimento da peste e atenuação de males originados pela guerra. As crises demográficas de que o século XVII se revestiu não se manifestaram portanto de igual modo ao longo de todo o século e muito menos em todos os países da Europa.

Houve sem dúvida, em várias partes da Europa uma ruptura do crescimento, mesmo que tenha sido variável e escalonada. É que por esta altura se conjugaram factores adversos ao crescimento populacional com a eclosão da Guerra dos Trinta Anos em 1618, o surgimento da peste e depois os surtos de epidemias (não identificadas), que causaram grandes devastações.

Porém, parece também certo que foi por esta altura que se acelera a evolução para um regime demográfico novo: os casamentos tardios, menor número de filhos por casal, e baixa da mortalidade.

Assim, a idade média do primeiro casamento, para os dois sexos, teve tendência para aumentar ao longo do século XVII. Esta foi sem dúvida a grande arma anticoncepcional da Europa na altura, reduzindo em quase cerca de dez anos a duração da vida fecunda da mulher e o número de potenciais nascimentos. Por outro lado, nos períodos de crise, a nupcialidade deu provas de uma surpreendente elasticidade: os casamentos, cujo número descia durante as semanas ou meses em que durava a crise, multiplicavam-se no momento em que esta cessava, na medida em que a mortandade, ao dizimar o conjunto de casais de idade avançada e quebrar numerosas uniões de casais jovens, abria novas possibilidades de constituir família que anteriormente não existiam ou que sem a sua intervenção teriam demorado vários anos a constituir-se.

O número médio de filhos por família era entre 4 e 5, muito abaixo dos nascimentos anuais de uma fecundidade presumivelmente natural. Estes 4 ou 5 nascimentos eram rigorosamente importantes para assegurar o render das gerações, já que por esta altura pouco mais de metade das crianças ultrapassava os 10 anos de idade. Numa família com 4 ou 5 filhos, apenas 3 (na melhor das hipóteses) chegava à idade adulta, daí se poder constatar que no século XVII as famílias raramente eram numerosas.

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Não se pode dar muita importância mas também não se pode ignorar os movimentos das populações durante este século, quer se tratassem de êxodos rurais, migrações sazonais ou mesmo derivadas de perseguições religiosas e políticas, quer se tratassem do movimento migratório colonial. Ainda assim, no seu conjunto, estes movimentos não afectaram se não um número muito reduzido de europeus.

O século XVII apresenta um número de homens, soma total de riquezas e meios, distâncias terrestres e marítimas, técnicas de produção, técnicas de troca, equilíbrios alimentares, numa palavra, toda a civilização material deste século, apesar de um conjunto de micro-modificações, está solidária com os séculos que a precedem, não com o século que se lhe segue. A grande maioria da população continua a viver no quadro da comunidade camponesa e do senhorio. Mantém-se a solidariedade nos laços de homem para homem. O topo da estrutura pode alterar-se, mas a base permanece imóvel.

A Europa é, no século XVII em essência revolucionária porque permanecera conservadora. A total rigidez das infra-estruturas, a imobilidade do quadro económico e social são a condição necessária, não suficiente, da mutação do pensamento. Superficialmente, nada aí existe salvo ordem, regras e limitações.

Em 1618 inicia-se a Guerra dos Trinta Anos, em que o principal factor além de ser religioso (oposição entre católicos e protestantes) também se baseou em confrontos políticos, sobretudo relacionados com a vontade dos franceses em desmembrar e fragilizar a Casa de Áustria e não permitir que se voltasse a formar o Império de Carlos V. A Espanha, ainda sob o domínio dos Habsburgos alinhava, claro está, com os seus primos de Viena, enquanto que a Inglaterra manteve sempre uma posição «elástica» a raiar a neutralidade. Os custos desta guerra foram, para todos os envolvidos, bastante duros de suportar, mas o território alemão, por ser o grande palco da guerra, viu-se muito fragilizado, assistindo-se mesmo a um despovoamento de certas regiões. Entretanto os combates extravasaram as fronteiras alemãs, sobretudo para o norte de Itália, França e Portugal (onde se preparava a revolta da independência, adquirida em 1640, mas não automaticamente reconhecida a nível internacional).

Entretanto na Inglaterra, que se manteve mais ou menos neutra até 1642, assiste-se às más relações entre os soberanos (pelo menos os dois primeiros Stuarts) com os seus Parlamentos. É Carlos I, que consegue dispensar-se de convocar os deputados durante onze anos do seu reinado. Da Escócia, em 1637 ouvem-se vozes de revolta contra um livro de orações anglicano. Foram hostilidades de pouca duração mas suficientes para esgotar as curtas reservas do tesouro e voltar a colocar o rei na dependência dos deputados chamados ao Parlamento sempre que um novo «acidente» se produzia, tal como aconteceu durante a revolta dos Irlandeses em 1641. De seguida os acontecimentos encadearam-se em forma de guerra: entre um soberano e os seus súbditos rebeldes, entre ingleses que defendiam os seus direitos e a Commom Law e um opressor. As desordens, batalhas e perseguições sucederam-se durante uma dezena de anos, resultando no processo e execução de Carlos I em 1649 e foram tão imperfeitamente solucionadas durante a ditadura de Cromwell que recomeçaram em 1659, para serem reabsorvidas pela restauração dos Stuarts no trono de Inglaterra em 1660, com Carlos II a ocupar o trono.

Os conflitos generalizam-se: Províncias Unidas (1650), Liège e Suíça (revoltas camponesas a partir de 1653). Em 1652-54 e 1665-67 é a vez de se acenderem os primeiros conflitos anglo-holandeses.

Eram estas as condições políticas que se viviam no século XVII, às quais se juntam ainda as revoltas camponesas, frequentes na Europa (tendo alguns Estados sido mais atingidos do que outros), originadas sobretudo pelo agravamento constante da situação material e jurídica dos campos.

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A área designada por Países Baixos estava subordinada, desde o século XV ao rei de Espanha, igualmente imperador da Alemanha. Dividiam-se em Países Baixos do Sul e Países Baixos do Norte.

Durante os séculos XV e XVI os povos ibéricos transformaram-se em senhores do comércio mundial e fizeram dos seus portos, os maiores entrepostos comerciais da Europa. Porém, continuavam a ser as cidades do norte europeu como Bruges, na Flandres e depois Antuérpia, a comandar o grande comércio mundial. Era aqui que se fazia a distribuição europeia da maioria dos produtos coloniais trazidos pelos portugueses e espanhóis. Também era aqui que estes se abasteciam dos produtos necessários ao tráfico com as Américas e o Oriente. Foi ainda em Antuérpia que, portugueses e espanhóis procuraram os financiamentos necessários à prossecução das suas empresas ultramarinas quando o aumento das despesas se tornou insustentável para os seus tesouros públicos.

Assim, ainda no século XVI, Antuérpia afirma-se como um grande centro mercantil, possuindo o maior mercado de capitais. Para esta posição de destaque contribuíram os seguintes factores: elevado desenvolvimento tecnológico aplicado às actividades produtivas; alta taxa de produtividade agrícola e manufactureira; grande progresso mercantil; estrutura social e demográfica avançada (crescimento populacional, artesãos, burguesia empreendedora); condições políticas e religiosas favoráveis.

A partir dos finais do século XVI, Antuérpia enfrentará alguns percalços que farão com que perca o seu papel central, que se transferirá para norte, para a cidade de Amesterdão. Essa decadência foi precipitada pela guerra entre os Países Baixos e a Espanha (1568-1648), que através da Casa de Áustria dominava o conjunto dessas regiões. Esta guerra castigou severamente os Países Baixos, acarretando consigo a ruína das províncias do sul, que se mantiveram mais tempo sob o domínio espanhol. Por outro lado a oposição da Inglaterra à Espanha originou durante este conflito (1569), o bloqueio naval sobre o canal da Mancha, impedindo o acesso dos barcos portugueses e espanhóis aos portos da região que serviam Antuérpia.

A guerra destruiu campos, indústrias manufactureiras, deu origem a saques, fomes, epidemias. A alta dos preços e dos impostos e o abandono de importantes colónias mercantis pelas populações não permitiram que os Países Baixos do Sul se restabelecessem. A partir de 1579, através da União de Utreque, as sete províncias do norte proclamaram-se como república autónoma, a República das Províncias Unidas da Holanda. A Espanha só reconheceu oficialmente a sua independência em 1609. Apesar da guerra que encetou contra a Espanha, a liberdade política e religiosa que a paz de 1609 trouxe a esta região deu-lhe novo alento e fez dela a região económica mais dinâmica da Europa durante o século XVII. A actividade agrícola apresentou grandes progressos, permitindo rentabilizar a sua produção, pondo de lado o pousio e a dependência em relação às culturas cerealíferas. Começou-se por aumentar a superfície de cultivo, através da secagem e bonificação de terras à custa das turfeiras e do próprio mar, de onde mediante a construção de um complexo sistema de canais, diques e moinhos de drenagem, conseguiram retirar vastas planícies cultiváveis, os polders.

A produtividade agrícola aumentou também devido à rotação contínua das culturas, a introdução de novas culturas e a importância dada à criação de gado. Uma agricultura excedentária permitiu a sua mercantilização, enquanto que a decadência do senhorio tradicional que nunca apresentou características puramente feudais permitiu o uso da terra pelos individuais (camponeses ou gente com posses), interessando apenas os lucros.

Nesta altura a Holanda possuía ainda uma desenvolvida indústria manufactureira, internamente ligada ao comércio internacional.

A sua frota era uma das mais eficientes do mundo, os seus estaleiros construíam e equipavam navios para toda a Europa e para as colónias holandesas da América. Construíram barcos maiores, e de maior tonelagem, contudo de estrutura mais leve e rápida. Eram nos navios holandeses que se fazia a maior parte do transporte de mercadorias de e

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para a Europa. Através da sua evoluída marinha mercante, a Holanda tornou-se a principal transportadora dos fretes comerciais europeus.

Podemos então concluir que a república das Províncias Unidas nasceu de uma revolta em 1568 contra a autoridade dos governos espanhóis, acto político de um homem, Guilherme de Orange, sobre o fundo de um apego às liberdades tradicionais e de um processo religioso que tivera como resultado o aparecimento de uma pluralidade de confissões num país oficialmente católico e romano, mas com uma forte percentagem de calvinistas. Em 1572, por meio de um desembarque surpresa, a revolta entrou numa fase decisiva. A Holanda e a Zelândia, sublevadas conjuntamente constituíram o primeiro espaço libertado e pouco depois ambas se uniram por meio de uma aliança. Os excessos das tropas espanholas generalizaram a revolta no conjunto dos Países Baixos: sob a direcção dos Estados Gerais, reunidos em Bruxelas, teria sido possível constituir-se uma entidade autónoma, mas os acontecimentos levaram outro rumo. Apesar de terem prometido aceitar a situação, os espanhóis não estavam dispostos a retirar-se sem luta, até porque no seio dos revoltosos estalavam disputas entre os da ala católica e os da ala reformista. Em 1579 assinava-se a União de Utreque, acto constitutivo da Confederação das Províncias Unidas.

Entretanto os espanhóis foram reconquistando algum território, apoderando-se em 1584 das cidades flamengas, e em 1585 de Bruxelas e Antuérpia. A situação só não piorou devido à alteração da política externa do soberano espanhol, que entretanto decidiu ser mais urgente combater a Inglaterra (em 1588 dá-se o desastre da Invencível Armada). Assim a plena soberania da Holanda apenas seria reconhecida em 1648 no âmbito dos Tratados de Vestefália.

O desenvolvimento da navegação e do comércio que se tinha produzido paralelamente às guerras da independência beneficiou sobretudo a Holanda. Amesterdão era agora uma das principais cidades comerciais da Europa e podia até ser apelidada de uma «cidade de mercadores».

Presentes no mundo inteiro, os holandeses dominavam o Báltico, introduziram-se no Mediterrâneo e no Império Turco. Fundaram ainda feitorias na América, África e Ásia sendo os únicos europeus admitidos a aportar no Japão. Os agentes desta expansão foram as companhias as Índias Orientais e Ocidentais. Sociedades por acções, de duração limitada, a primeira destas empresas conseguiu conservar permanentemente o seu capital, condição imprescindível para a estabilidade e eficácia de qualquer grande empresa moderna como esta o era. Uma rede comercial à escala do globo aliada a sólidas finanças públicas fez de Amesterdão o centro do sistema financeiro internacional, sobretudo após a fundação do Wisselbank em 1609.

As rotas comerciais tinham-se entretanto centrado especialmente no Norte da Europa. Enquanto isso, os holandeses conquistaram parte do Brasil aos portugueses, mas por pouco tempo, já que em 1654 foram expulsos daquelas terras. Ao mesmo tempo perdiam os seus estabelecimentos de Nova Amesterdão (actual Nova Iorque) em 1664, e o Suriname só começaria a ser realmente explorado a partir de 1683. Nos finais do século XVII, Curaçau, como centro do tráfico de escravos negros e do contrabando com a Venezuela, era o único trunfo importante dos holandeses naquela zona. O longínquo Atlântico não era a fonte fundamental da prosperidade das Províncias Unidas, que visavam mais para leste, para a Ásia, onde a sua Companhia das Índias captava os produtos e assediava algumas ilhas. O comércio holandês baseava-se em primeiro lugar numa sólida capacidade de exportar produtos próprios como lã, chumbo, estanho e trigo, ao que veio juntar-se no século XVII um importante ramo de comércio de armazenagem. Por altura de 1700, a Companhia Holandesa das Índias Orientais começou a ceder posições perante a sua homóloga inglesa. Diversos Estados europeus conduzem então uma política económica intervencionista que visa responder aos seus problemas conjunturais, sobretudo à falta de ouro e prata em espécies, perturbando as trocas comerciais numa altura em que as necessidades dos

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mercantilismo toma várias formas conforme os países e os problemas dos seus respectivos governos.

Assim, numa França sem minas de metais preciosos, o mercantilismo desenvolveu-se no sentido de os obter fomentando as exportações de produtos manufacturados. O Estado intervém, primeiro com Richelieu e depois com Colbert, protegendo a produção industrial e procurando fazer dela uma produção de qualidade, desenvolvendo a marinha e o comércio, levantando pesadas tarifas alfandegárias aos artigos estrangeiros.

Em Inglaterra o mercantilismo orienta-se no sentido do problema da balança comercial. Considera-se que o essencial é um saldo favorável mesmo que nalguns casos se tenha de comprar mais a determinado país para se fabricarem produtos que depois serão vendidos com lucro. Esse pragmatismo leva ao desenvolvimento da produção industrial e agrícola e ao apoio da marinha e comércio nacional através dos Actos de Navegação1.

Na Península Ibérica procurou-se evitar a saída de metais preciosos (bulionismo) proibindo as mercadorias estrangeiras e regulamentado as alfândegas. Enquanto isso na Holanda defende-se a liberdade de fabrico e comércio e propõem-se tarifas alfandegárias moderadas o que torna o mercantilismo holandês tão evoluído quanto incompleto. Podemos mesmo afirmar que as Províncias Unidas (Holanda) constituem quase uma excepção numa época de restrições mercantilistas. Aqui os metais preciosos entram e saem livremente. Assim o banco atrai todos os capitais estrangeiros que se sentem ameaçados. Realizando inicialmente operações de depósito e de câmbio, a solidez dos seus fundos permite o empreendimento de operações de crédito a partir de 1683. A moeda holandesa oferece garantias de estabilidade e qualidade tornando-se o meio de pagamento preferido do grande comércio internacional o que, juntamente com o banco e a bolsa de valores, contribuiu para transformar Amesterdão no centro da economia-mundo.

Na segunda metade do século XVII, a tensão entre os Estados europeus agravou-se. Este clima de conflitos quase permanentes ficou a dever-se a um conjunto de factores interligados: conjuntura económica desfavorável (a Europa vivia um clima de abrandamento em termos económicos, a crise cerealífera acentuou-se e o fluxo da prata americana reduziu-se; diminuiu também o volume de trocas com o Báltico e o Oriente); efeito conjugado das medidas mercantilistas (a procura da auto-suficiência e os entraves postos à entrada de mercadorias por vários Estados em simultâneo criaram dificuldades acrescidas ao comércio internacional, acentuando-se também as rivalidades europeias pela posse das zonas periféricas); reforço do poder do Estado em torno da figura régia (característica dos regimes absolutos, a divinização do rei e do seu poder conduziu a desmedidas ambições expansionistas).

Neste contexto as guerras sucederam-se e entrelaçaram-se num conjunto complexo em que os tratados de paz, por vezes não eram mais do que simples actos de tréguas mal firmadas.

1 Medida proteccionista adoptada pelo estado inglês em 1651, segundo o qual as mercadorias estrangeiras só podiam ser transportadas para a Inglaterra em navios dos países de origem. Procurava-se atacar a actividade de intermediária comercial exercida pela Holanda. Mais tarde reservou-se à marinha inglesa o transporte de e para as colónias. Os Actos de Navegação foram acompanhados por uma política de expansão colonial sobretudo na América do Norte e nas Antilhas. O sector comercial foi ainda reforçado com companhias de comércio, às quais se concederam numerosos monopólios.

Críticas ao Mercantilismo:

1. Dificultou as trocas comerciais e agravou a exploração colonial;

2. Não beneficiou os comerciantes, com as suas sucessivas proibições de exportações; 3. Haviam muitos produtos e pouca entrada de dinheiro (lucro) devido à dificuldade de

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Assim, iniciam-se os conflitos anglo-holandeses, entre 1651 e 1689. A guerra económica que a Inglaterra desencadeou contra as Províncias Unidas desenvolveu-se em três frentes: no comércio europeu (Actos de Navegação); no Oriente e América; e junto aos Estados Ibéricos. A luta armada deu origem a três guerras: 1652-1654, 1665-1667 e 1672-1674. O resultado destas guerras foi a perda dos Holandeses das suas colónias americanas e parte das suas possessões na Índia e no Oriente.

Na segunda metade do século XVII, a tonelagem da frota mercante da Inglaterra triplicou e os seus portos tornaram-se activos centros de comércio de produtos coloniais. Em 1688, a Revolução Gloriosa, que instalou no trono inglês, Guilherme de Orange (casado com a filha mais velha de Jaime II de Inglaterra), arrastou a Holanda para a esfera inglesa, tornando-a aliada da sua anterior inimiga.

Em 1689 intensificam-se as lutas entre a França e a Inglaterra, que duraram até, pelo menos 1763. A França tinha, segundo consta, uma população e um exército muito maiores, contando ainda com excelentes portos e bases navais. A rivalidade entre as duas potências manifestou-se numa série de guerras, por questões de território, mercados e abastecimentos de produtos coloniais.

O primeiro grande confronto surgiu com a Guerra da Sucessão de Espanha (1700-1714), que colocou em jogo o valioso império que a Espanha possuía. No fim do conflito, Luís XIV conseguiu sentar no trono ibérico o seu neto, duque d’Anjou (Filipe V), mas a Inglaterra obteve numerosas vantagens coloniais. A França cedeu-lhes a Acádia (Nova Escócia), as margens do Hudson no Canadá, a Terra Nova, a ilha de S.Cristóvão nas Antilhas, além de reduzir os direitos aduaneiros sobre as mercadorias inglesas importadas.

A Espanha, que fora aliada da França entregava à Inglaterra, Gibraltar e o monopólio do fornecimento de escravos à América espanhola.

Nas décadas seguintes, as rivalidades económicas e políticas intensificaram-se. Na Índia e na América do Norte, as hostilidades anglo-francesas estiveram na origem da Guerra dos Sete Anos.

Guerra dos Sete Anos (1756-1763)

Iniciou-se com a tentativa de recuperação, pela parte da Prússia, da região da Silésia, que pertencia aos Habsburgos.

A Áustria consegue o apoio da França, da Rússia e da Espanha (que desde a Guerra da Sucessão tem um género de obrigação familiar para com a França), cujo objectivo era abrandar o ímpeto expansionista da Prússia, que ameaçava a hegemonia austríaca. À Prússia alia-se a Grã-Bretanha.

Para Portugal a guerra revelou-se preocupante por dois motivos: primeiro, porque houve combates nas colónias das potências europeias (Inglaterra, Portugal, Espanha e França), segundo, porque a Espanha e a França tentam atrair Portugal para o seu lado, em 1761, quando o país se tinha tentado manter neutro. Em consequência deste pedido franco-espanhol e face à recusa portuguesa, a Espanha invade Portugal, em 1762. A Inglaterra vem em nosso socorro, enviando armamento e tropas.

Com a paz de Fontainebleau, em 1762, as hostilidades acabam, embora seja só com o Tratado de Paris, de 1763, que a guerra termina. Com este Tratado e a vitória da Prússia e da Grã-Bretanha, Portugal fica de novo com a colónia do Sacramento, que tinha perdido em consequência do Tratado de Madrid de 1750. De um modo geral, pode-se apontar o fim da guerra dos Sete Anos como o marco da acentuação do declínio da França, do triunfo da Grã-Bretanha e da emergência da Prússia. A França teve ainda de abandonar as suas possessões nas Índias. Na América cedeu à Inglaterra o Canadá, a margem esquerda do Mississípi; em África cedeu as feitorias do Senegal. Entregou ainda a Luisiana à Espanha para a compensar da perda da Florida, anexada pelos ingleses.

2. Sociedade : Barroco e Classicismo; a Revolução Científica; formas de observância religiosa; formas de leitura individual e colectiva; o absolutismo monárquico no quotidiano do palácio real: Versalhes e a sociedade de corte.

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No sentido estrito do termo, o barroco, movimento artístico original, nasceu em Itália por volta de 1600 e dali passou aos países vizinhos. Era uma arte do movimento (que em arquitectura propunha fachadas onduladas e reentrantes ou colunas torsas, e em pintura, ilusões de volume, jogos de luz e sombra e uma grande variedade de cores). Era igualmente uma arte de espectáculo e ostentação que rejeitava o equilíbrio e a razão e exaltava o patético, o excessivo, o irracional. Era, enfim uma arte católica, inseparável do triunfo da Igreja Romana depois do Concílio de Trento e da glorificação dos grandes dogmas que o Concílio reafirmara. Os iniciadores da nova arte foram os romanos Borromini e principalmente Bernini, autor do arranjo da praça de S.Pedro de Roma e da decoração interior da basílica. Partindo de Roma, o barroco chegou aos outros centros italianos, designadamente Veneza, aos dois reinos Ibéricos, à parte meridional dos Países Baixos, onde Rubens foi o maior pintor do seu tempo, e à França de Luís XIII e Mazarino. Quanto à Europa Central (Alemanha e regiões danubianas) esteve despedaçada pela guerra entre 1618-1648, e só na segunda metade do século XVII é que a arte barroca ali encontrou uma das suas terras de eleição.

O barroco contudo não triunfou de igual modo em toda a Europa. Mesmo nos países onde pareceu levar a melhor houve certos artistas que dificilmente lhe podem ser ligados. Outros países, mesmo acolhendo-o, opuseram-lhe uma estética diferente: foi o caso da França, onde o ideal clássico começava a instalar-se na literatura e na pintura. Já a Inglaterra puritana e as Províncias Unidas, rejeitaram por completo a nova arte.

O ideal clássico, lentamente elaborado na primeira metade do século XVII, vingou em França a partir de 1660. Respondia a um tempo, ao desejo de ordem e unidade de Luís XIV e ao gosto de uma burguesia cuja riqueza e influência não cessavam de aumentar. O classicismo baseava-se no culto da Antiguidade, modelo inigualado. Esse culto encontra-se, em literatura, na imitação dos géneros e dos modos de escrever dos Antigos. Em arquitectura, para lá da fantasia que o barroco aqui ou além havia conseguido introduzir, voltava-se às fórmulas antigas depois de revistas pelo Renascimento: o frontão triangular, as ordens sobrepostas, as colunatas e as cúpulas. Em escultura e em pintura, as alegorias mitológicas voltaram, mais que nunca, a estar na moda, como também os retratos à maneira antiga. O desejo de clareza e de rigor, pelo domínio da razão, caracterizou ainda mais o ideal clássico. Obedecer à razão e às regras por ela ditadas era rejeitar tudo quanto fosse excepcional, excessivo, espontâneo, irreflectido e procurar, pelo contrário, o que fosse claro, sóbrio, verosímil e que tivesse um valor geral. Era também preciso tender para o grandioso e o majestoso sem nunca porém, cair por esse motivo no desmedido. O classicismo é, de um modo geral, um ideal de vida, o do homem de bem, que constantemente se faz guiar pela razão, pela medida, pelo domínio de si próprio. Nos anos de 1660-1685, muitos escritores, servindo-se desse admirável instrumento, em que entretanto se havia transformado a língua francesa, resplandeceram nos mais variados géneros e forneceram modelos a toda a Europa.

Ao mesmo tempo, Luís XIV pedia aos melhores artistas do seu tempo que lhe construíssem uma moradia digna. A partir de 1662, Versalhes foi um imenso estaleiro, mesmo depois da corte se ter ali instalado definitivamente em 1682. A majestade, a simetria, o comedimento: eis as características de um todo em que tudo concorre para a glória do soberano. Os edifícios e os jardins estão organizados em redor de um grande eixo e a fachada do palácio é de uma ordenação toda ela clássica. Apesar de certas sobrevivências da estética barroca na efémera cenografia das festas e em muitos elementos da decoração dos interiores e dos jardins, Versalhes é a maior das manifestações da arte clássica.

Século XVIII

1. População e Economia : O fim de uma Era; uma nova economia-mundo no século XVIII; a hegemonia britânica; o surto demográfico inglês; a expansão do comércio internacional; as Revoluções industrial e agrícola em marcha na segunda metade do século XVIII; Fisiocratas e progressos agrícolas; ventos da revolução burguesa.

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2. Sociedade : sociedade do século XVIII e pensamento Iluminista; o Iluminismo e os seus agentes: academias, salões, sociedades de leitura, publicações periódicas, franco-maçonaria.

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