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Análise da (in)aplicabilidade da usucapião de bens públicos em razão do princípio da função social da propriedade

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE DIREITO

JOÃO RODOLFO DE LIMA FURTADO

ANÁLISE DA (IN)APLICABILIDADE DA USUCAPIÃO DE BENS PÚBLICOS EM RAZÃO DO PRINCÍPIO DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE

FORTALEZA 2018

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JOÃO RODOLFO DE LIMA FURTADO

ANÁLISE DA (IN)APLICABILIDADE DA USUCAPIÃO DE BENS PÚBLICOS EM RAZÃO DO PRINCÍPIO DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial à obtenção do Título de Bacharel em Direito. Área de concentração: Direito Civil.

Orientador: Prof. Dr. William Paiva Marques Júnior.

FORTALEZA 2018

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação Universidade Federal do Ceará

Biblioteca Universitária

Gerada automaticamente pelo módulo Catalog, mediante os dados fornecidos pelo(a) autor(a)

F987a Furtado, João Rodolfo de Lima.

Análise da (in)aplicabilidade da usucapião de bens públicos em razão do princípio da função social da propriedade / João Rodolfo de Lima Furtado. – 2018.

61 f.

Trabalho de Conclusão de Curso (graduação) – Universidade Federal do Ceará, Faculdade de Direito, Curso de Direito, Fortaleza, 2018.

Orientação: Prof. Dr. William Paiva Marques Júnior.

1. Usucapião. 2. Função social da propriedade. 3. Supremacia do interesse público. 4. Direito fundamental à moradia. I. Título.

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JOÃO RODOLFO DE LIMA FURTADO

ANÁLISE DA (IN)APLICABILIDADE DA USUCAPIÃO EM BENS PÚBLICOS EM RAZÃO DO PRINCÍPIO DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial à obtenção do Título de Bacharel em Direito. Área de concentração: Direito Civil.

Aprovada em: ___/___/______.

BANCA EXAMINADORA

________________________________________ Prof. Dr. William Paiva Marques Júnior (Orientador)

Universidade Federal do Ceará (UFC)

_________________________________________ Prof. Msc. Fernanda Cláudia Araújo da Silva

Universidade Federal do Ceará (UFC)

_________________________________________ Victor Alves Magalhães

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A Deus, que me guia espiritualmente todos os dias.

Aos meus pais, que sempre me apoiaram em todas as minhas escolhas.

A todos os meus professores, que contribuíram para minha formação e que tanto me inspiram.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, por ter colocado em meu caminho pessoas fantásticas, desde minha família aos meus amigos de infância, colégio e faculdade; além disso, por me dar a força necessária para as minhas maiores realizações e objetivos.

Aos meus pais, Glauber e Regina, por serem exemplo de dedicação, esforço e disciplina, sendo, simultaneamente, rigorosos e amáveis ao mostrar, diariamente, bons caminhos para que eu possa trilhar, além de me darem todas as condições para que possa alcançar meus objetivos.

Ao meu irmão, Igor, pelo companheirismo e pelos momentos de descontração. À minha namorada, Karoline, meu amor e melhor amiga. Obrigada pelo apoio, pela parceria, por sempre ter me ajudado nessa caminhada árdua que é a graduação e por me passar serenidade nas horas de desespero e nos momentos de desânimo.

Ao Eduardo e ao André, por serem grandes amigos durante a graduação e terem acompanhado de perto a grande maioria ou, inclusive, a inteireza das experiências que tive, o que tornou a vida acadêmica bem mais amena.

A todos os demais amigos que pude fazer no decorrer da graduação, como Marcus, Patrícia e Tiago, que influenciaram, cada um com uma parcela, meu amadurecimento durante o curso e tornaram a experiência acadêmica mais enriquecedora.

Aos vários amigos que fiz na Defensoria Pública da União, Saulo, Gustavo, Karla, Guilherme, Wilson, Armando, Randy. À equipe da Defensoria Pública da União, órgão no qual iniciei minha experiência jurídica, por ter contribuído para o meu aprendizado e me oportunizado exercer um trabalho tão nobre e gratificante: a defesa dos direitos das pessoas hipossuficientes. Um especial agradecimento aos meus chefes, Fernando, Filippe e Gislene, não somente por terem me ensinado o que é Direito, mas por terem ido além, transmitindo experiências pessoais e lições de vida.

A todos os professores que contribuíram para que hoje eu estivesse aqui. Em especial, ao meu Orientador, Prof. William Paiva Marques Junior, que tanto admiro como pessoa e profissional, por toda paciência e dedicação dispensadas a mim no processo de realização deste trabalho, além dos valorosos ensinamentos transmitidos na disciplina de Obrigações. Certamente este trabalho não teria sido concluído sem a ajuda essencial dele.

À Professora Fernanda Cláudia, o meu especial e sincero agradecimento, por aceitar o meu convite de participar da Banca Examinadora desta monografia. Sempre solícita,

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revela-se grande exemplo a revela-ser revela-seguido pelos discentes da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará, tanto pela tamanha sabedoria, como pelo caráter.

Ao mestrando Victor Alves Magalhães, por, além de ter aceitado ceder seu tempo para participar da banca examinadora, ter me ajudado de diversas formas no decorrer do curso, sendo uma pessoa ímpar que conheço desde o meu ensino médio e que tenho a honra de chamar de amigo.

Por fim, às demais amizades que construí ao longo da vida – com destaque para meus amigos de colégio –, que me ajudaram de forma imensurável na formação de quem sou hoje.

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“O período de maior ganho em conhecimento e experiência é o período mais difícil da vida de alguém.” (Dalai Lama)

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RESUMO

Em razão da carência de políticas habitacionais e da omissão do Estado em solucionar a referida problemática, investiga-se a aplicabilidade da usucapião de bens públicos que não cumprem sua função social. Para isso, explana-se a respeito do instituto da prescrição aquisitiva, do conceito de bens públicos e do seu regime jurídico, provocando uma reflexão acerca da função social dos referidos bens. O trabalho em tela teve sua pesquisa pautada por análises doutrinárias e jurisprudenciais e buscou, entre outras finalidades, explorar a supremacia do interesse público sobre o privado e seu aparente conflito com o direito fundamental à moradia, de forma que, ao final, concluiu-se que os bens formalmente públicos, os quais não cumprem sua função social, seriam passíveis de usucapião, não obstante a sua prerrogativa de imprescritibilidade. Ademais, constata-se que a prescrição aquisitiva de bens públicos funcionaria como solução à problemática habitacional no Brasil, posto que diversos indivíduos se sujeitam a ocupar bens públicos para suprir suas necessidades de moradia, conferindo a esta propriedade função social.

Palavras-chave: Usucapião. Função social da propriedade. Supremacia do interesse público.

(10)

ABSTRACT

Due to the lack of housing policies and to the State's omission to solve this problem, this monograph presents an approach about the applicability of the usucaption of public goods that do not fulfill their social function. In order to do this, it is explained about the institute of acquisitive prescription, the concept of public goods and its legal regime, provoking a reflection on the social function of that goods. The paper in question had its research based on doctrinal and jurisprudential analyzes and sought, among other purposes, to explore the supremacy of the public interest over the private and its apparent conflict with the fundamental right to housing, so that, in the end, it was concluded that formally public goods, which do not fulfill their social function, would be liable to usucapion, notwithstanding their prerogative of imprescriptibility. Furthermore, it has been noted that the acquisitive prescription of public goods would work as a solution to the housing problem in Brazil, since several individuals are subject to occupy public property to suply their housing needs, giving this property a social function.

Keywords: Usucaption. Social function of property. Supremacy of the public interest.

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ADPF Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental CC Código Civil

CEF Caixa Econômica Federal

CRFB Constituição da República Federativa do Brasil CTN Código Tributário Nacional

DER Departamento de Estradas e Rodagens MG Minas Gerais

PIDESC Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais SFH Sistema Financeiro de Habitação

STF Supremo Tribunal Federal STJ Superior Tribunal de Justiça TJ Tribunal de Justiça

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 14

2 USUCAPIÃO: CONSTRUÇÃO HISTÓRICA, DELIMITAÇÃO CONCEITUAL, FUNDAMENTO, REQUISITOS E MODALIDADES ... 16

2.1 Construção histórica ... 16

2.2 Delimitação conceitual e fundamento ... 18

2.3 Requisitos ... 22 2.3.1 Coisa hábil ... 22 2.3.2 Capacidade do adquirente ... 24 2.3.3 Posse ... 25 2.3.4 Tempo ... 27 2.3.5 Justo título ... 28 2.3.6 Boa-fé ... 30 2.4 Modalidades de usucapião ... 30

3 OS BENS PÚBLICOS: DELIMITAÇÃO CONCEITUAL, CLASSIFICAÇÃO E REGIME JURÍDICO ... 35

3.1 Delimitação conceitual de bens públicos ... 37

3.2 Classificação dos bem públicos quanto a sua titularidade e quanto a sua destinação ... 41

3.3 Regime jurídico dos bens públicos ... 44

4 A USUCAPIÃO DE BENS PÚBLICOS E A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE: O CONFLITO ENTRE A SUPREMACIA DO INTERESSE PÚBLICO E O DIREITO FUNDAMENTAL À MORADIA ... 46

4.1 A função social da propriedade e a (im)possibilidade de usucapião de bens públicos ... 46

4.2 A supremacia do interesse público sobre o privado e o direito fundamental à moradia ... 53

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 57

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14

1 INTRODUÇÃO

O direito fundamental à moradia é essencial para a efetivação dos direitos humanos. Ocorre que diariamente o Estado se omite em cumprir suas obrigações constitucionais, especialmente na elaboração de políticas habitacionais. Soma-se a isso o fato de que não é incomum a omissão por parte do Poder Público na coordenação de seus bens, uma vez que, na contemporaneidade, sua inércia não é sancionada.

É de conhecimento comum que a Administração Pública possui diversos bens que, muitas vezes, estão inservíveis, ou seja, não estão afetados a alguma destinação específica. Questiona-se, então, até que ponto pode-se negar a usucapião de bens públicos quando até a própria Administração não possui interesse nos seus próprios bens.

Embora o Texto Constitucional não mencione expressamente o destinatário do dever de dar uma função social à propriedade, é certo que o ente público deve cumpri-lo, uma vez que a referida obrigação está vinculada ao atendimento do interesse público. A prescrição aquisitiva de bens públicos, então, funcionária como instrumento de concretização do direito fundamental à moradia e da função social da propriedade.

É sabido que a Constituição Federal de 1988, a legislação infraconstitucional e a jurisprudência dominante vedam expressamente a usucapião de bens públicos. Todavia, ficará demonstrado que essa interpretação não é a que melhor se coaduna com os princípios constitucionais, posto que, cumpridos certos requisitos, a usucapião de bens formalmente públicos, os quais não cumprem sua função social, seria plenamente possível.

A ocupação irregular de imóvel alheio é uma realidade brasileira, posto que surge como alternativa aos que não podem ter seu direito fundamental à moradia concretizado. Assim, para melhor compreender a problemática, faz-se necessário discutir acerca do instituto da usucapião, do regime jurídico dos bens públicos, da função social da propriedade pública e da supremacia do interesse público sobre o privado.

Não obstante a posição tomada no presente trabalho, não se defende a prescrição aquisitiva de qualquer bem público. Por conseguinte, será discutido se todas as espécies de bens públicos podem ser usucapidas e se todas as modalidades de prescrição aquisitiva são compatíveis para adquiri-los.

A partir do exposto é que se pautam os objetivos da presente monografia, quais sejam: a) analisar o instituto da usucapião, o conceito de bens públicos e o seu regime jurídico; b) analisar quais tipos de bens públicos estariam sujeitos à usucapião; c) Examinar se o descumprimento da função social da propriedade basta para que o particular possa usucapir

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15 bem público; d) analisar se o princípio da supremacia do interesse público é suficiente para obstar a usucapião dos bens públicos; e) discutir se o contexto constitucional brasileiro admite essa interpretação pro particular, tomando como base o direito fundamental à moradia.

Para alcançar os referidos objetivos, a presente monografia pauta-se por pesquisas exploratórias e qualitativas, tendo traçado o seguinte percurso metodológico: a) pesquisa bibliográfica e revisão de literatura (livros, artigos, periódicos, trabalhos científicos e teses de mestrado e doutorado); e b) pesquisa documental (textos legais, decisões judiciais e atos normativos diversos);

Com o propósito de melhor compreender o tema, a monografia está disposta da seguinte forma. No segundo capítulo, aborda-se a construção histórica do instituto da usucapião, bem como sua delimitação conceitual, fundamento, requisitos e modalidades. No terceiro capítulo, por sua vez, apresentam-se o conceito clássico e moderno de bens públicos, sua classificação e seu regime jurídico. Por fim, no quarto capítulo, será conferido enfoque ao tema central do trabalho, qual seja: a (in)aplicabilidade da usucapião de bens públicos, analisando-se o princípio da função social da propriedade e o aparente conflito entre a supremacia do interesse público sobre o privado e o direito fundamental à moradia.

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16

2 USUCAPIÃO: CONSTRUÇÃO HISTÓRICA, DELIMITAÇÃO CONCEITUAL, FUNDAMENTO, REQUISITOS E MODALIDADES

Antes de entrar no mérito acerca da aplicabilidade da usucapião em bens públicos, é necessário compreender um pouco sobre o referido instituto. Vale registrar que o presente capítulo não possui o propósito de esgotar todos os aspectos da usucapião, mas sim de tratar dos pontos necessários para se chegar a uma conclusão acerca da possibilidade ou não de aplicar o referido instituto aos bens públicos que não cumprem sua função social.

2.1 Construção histórica

A usucapião é um instituto bastante antigo. Restou consagrada, inicialmente, na Lei das XII Tábuas, ou seja, no ano de 455 antes de Cristo. Na época, a regulamentação se aplicava tanto aos bens móveis quanto aos imóveis, possuindo o requisito temporal de dois anos para os bens imóveis e de um ano para os móveis.1 Ocorre que o referido instituto só poderia ser

utilizado pelo próprio cidadão romano, tendo em vista que o estrangeiro não gozava dos mesmos direitos daquele.2

Com o passar dos anos, a Lei das XII Tábuas sofreu uma série de restrições, a fim de delimitar a incidência da usucapião. De acordo com os ensinamentos de Benedito Silvério3,

as Leis Atinia, Julia, Plautia e Scribonia trouxeram restrições à Lei das XII Tábuas. A primeira vedou a usucapião de coisas furtadas ou apropriadas. A segunda e a terceira não permitiam a usucapião de coisas obtidas por meio de atos de violência. Por fim, a Lei Scribonia proibiu usucapião de servidões prediais.

Não obstante inicialmente a usucapião apenas fosse destinada ao cidadão romano, após a expansão das fronteiras do império, o referido instituto também pôde ser utilizado pelos estrangeiros. Em outras palavras, com o passar do tempo, as diferenças entre a propriedade do cidadão romano e do estrangeiro foram diminuindo.

Nas lições de Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald4:

Em 528 d.C., Justiniano funde em um só instituto a usucapio e a praescriptio, pois já não mais subsistiam diferenças entre a propriedade civil e a pretoriana (dos

1 NUNES, Pedro. Do usucapião. 4 ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1984, p. 14.

2 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil 5: reais. 13 ed. rev., ampl., e

atual. Salvador: Jus Podivm, 2017, p. 392.

3 RIBEIRO, Benedito Silvério. Tratado de usucapião. Volume 1. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 141.

4 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direitos reais. 6 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010,

(16)

17 peregrinos). Ambos os institutos se unificam na usucapião, concedendo-se ao possuidor longi temporis a ação reivindicatória para obter a propriedade e não uma mera exceção, que não era capaz de retirar o domínio do proprietário.

É essa, portanto, a razão da usucapião ser também chamada de prescrição aquisitiva, tendo em vista que o instituto “se converteu, simultaneamente, em modo de perda e aquisição de propriedade”5. Ademais, foi a partir dessa fusão que emergiu a usucapião extraordinária,

dispensando, à época, tão somente o justo título.

Vale registrar que, apesar da fusão, Justiniano manteve impropriamente as duas denominações, sendo usucapio para bens móveis e praescriptio para bens imóveis.6 Na França, por exemplo, em seu Código Civil, adotou-se o mesmo modelo, ou seja, identificou-se a prescrição e a usucapião sob uma ótica unitária, apenas atentando em nomear a primeira como prescrição extintiva e a segunda como prescrição aquisitiva.

Por outro lado, no ordenamento jurídico brasileiro, a partir da publicação do Código Civil de 1916, seguindo a orientação do Código Civil Alemão (BGB), houve a adoção do modelo dualista, ou seja, a prescrição e a usucapião são tratadas como dois institutos diferentes. Nesse sentido, afirma Washington de Barros Monteiro7 que tanto o Código Civil de 1916 quanto o de 2002 houve adoção do sistema alemão, fundado na tradição romana e segundo o qual a usucapião tem vida própria, apresenta contornos que lhe são peculiares e é autônomo, não obstante as inegáveis afinidades com a prescrição.

Cumpre, por fim, registrar que, no direito brasileiro, a usucapião teve como precedente histórico a Consolidação de Teixeira de Freitas, mas também da Nova Consolidação das Leis Civis, de Carlos de Carvalho. À época, havia três espécies de usucapião: a ordinária, que exigia o lapso temporal de 3, 10 ou 20 anos; a extraordinária, que se consumava em 30 ou 40 anos; e a imemorial, que se tratava de uma presunção de aquisição, em que testemunhas deveriam atestar o prazo de 40 anos.

Com o advento do Código Civil de 1916, várias alterações ocorreram, como a abolição da modalidade imemorial, bem como a redução dos lapsos temporais exigidos. Observa-se, portanto, que o instituto da usucapião sofreu diversas modificações durante a história até chegar à compleição contemporânea, principalmente no que diz respeito ao tratamento da propriedade por sua função social.

5 Ibidem. p. 272.

6 RIBEIRO, Benedito Silvério. Tratado de usucapião. Volume 1. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 154.

7 MONTEIRO, Washington de Barros; MALUF, Carlos Alberto Dabus. Curso de Direito Civil 3: direito das

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18

2.2 Delimitação conceitual e fundamento

A palavra usucapião deriva do latim usucapio, do verbo capio, que significa ganhar, tomar, e usus, que significa uso. Dessa forma, as duas palavras juntas significam tomar pelo uso, isto é, tomar alguma coisa em relação ao seu uso. Originalmente a palavra usus significava a posse (possessio) e estabelecia a regra romana de que o uso poderia fazer as vezes da posse (usus est pro possessione).8

Quanto ao gênero do instituto, há bastante divergência entre os doutrinadores. Muitos estudiosos e dicionaristas utilizam a palavra usucapião em seu gênero masculino. Ocorre, para muitos outros, a palavra é usada no feminino, como ocorre no Código Civil de 2002 e na Lei nº 6.969/81, que trata da usucapião rural. Optou-se, como já pôde se observar, por utilizar, no presente trabalho, a palavra na forma feminina.

No tocante a sua definição, usucapião é uma forma de aquisição da propriedade e de outros direitos reais. No conceito clássico de Modestino, usucapião é o modo de adquirir a propriedade pela posse continuada durante certo lapso de tempo, com os requisitos estabelecidos na lei (usucapio est adjectio dominii per continuationem possessionis temporis lege definit).9

Por sua vez, nas palavras de Caio Mário10, a usucapião pode ser definida da seguinte

forma:

Usucapião é a aquisição da propriedade ou outro direito realpelo decurso do tempo estabelecido e com a observância dos requisitos instituídos em lei. Mais simplificadamente, tendo em vista ser a posse que, no decurso do tempo e associada às outras exigências, se converte em domínio, podemos repetir, embora com a cautela de atentar para a circunstância de que não é qualquer posse senão a qualificada: Usucapião é a aquisição do domínio pela posse prolongada.

Observa-se, portanto, que a usucapião não se presta apenas a adquirir a propriedade de coisa imóvel, mas também de coisa móvel. Inclusive, a referida possibilidade se encontra prevista no art. 126011 do Código Civil de 2002. Ademais, pelo conceito anteriormente

8 RIBEIRO, Benedito Silvério. Tratado de usucapião. Volume 1. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 170. 9 GOMES, Orlando. Direitos reais. 20 ed. rev., atual. e aum. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 180.

10 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Volume IV: direitos reais. 25 ed. rev. e atual.

Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 137-138.

11 Art. 1.260. Aquele que possuir coisa móvel como sua, contínua e incontestadamente durante três anos, com

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19 transcrito, admite-se claramente a aquisição da propriedade de outros direitos reais, como a servidão (art. 1.379, CC)12 e o usufruto (art. 1391, CC)13.

No tocante à procedência, os modos de aquisição da propriedade podem ser originários ou derivados. Quanto à primeira forma, nas palavras de Benedito Silvério14,

“...alguém se torna dono de uma coisa que nunca esteve sob o domínio de outrem, inexistindo transmissão, sob qualquer modo”. Assim, pode-se falar que a aquisição é originária quando o domínio adquirido começa a existir com o ato que diretamente resulta, sem relação de causalidade com o estado jurídico de coisa anterior. Ressalta-se, por conseguinte: aquele que passa a ter a propriedade da coisa a recebe livre de quaisquer ônus.

Por sua vez, a aquisição derivada da propriedade ocorre quando o adquirente sucede o proprietário no seu precedente direito. Em outras palavras, a aquisição é derivada quando resulta de uma relação negocial entre o anterior proprietário e o adquirente, havendo pois uma transmissão do domínio em razão da manifestação de vontade.15 Ademais, diferentemente da aquisição originária, aquele que passa a ter a propriedade da coisa não a recebe livre de quaisquer ônus.

Majoritariamente, a usucapião é considerada modo de aquisição originário da propriedade, uma vez que, para o titular, é considerado um direito novo, sem vinculação com o antecessor.16 O usucapiente torna-se proprietário não por alienação do proprietário precedente, mas em virtude da posse exercida. Todavia, o referido entendimento não é pacífico na doutrina.

Compartilham com entendimento exposto acima, por exemplo, Maria Helena Diniz e Nelson Rosenvald. Nas palavras daquela:

A usucapião é um direito novo, autônomo, independente de qualquer ato negocial provindo de um possível proprietário, tanto assim que o transmitente da coisa objeto de usucapião não é o antecessor, o primitivo proprietário, mas a autoridade judiciária que reconhece e declara por sentença a aquisição por usucapião.17

12 Art. 1.379. O exercício incontestado e contínuo de uma servidão aparente, por dez anos, nos termos do art.

1.242, autoriza o interessado a registrá-la em seu nome no Registro de Imóveis, valendo-lhe como título a sentença que julgar consumado a usucapião.

13 Art. 1.391. O usufruto de imóveis, quando não resulte de usucapião, constituir-se-á mediante registro no

Cartório de Registro de Imóveis.

14 RIBEIRO, Benedito Silvério. Tratado de usucapião. Volume 1. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 167. 15 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil brasileiro. Volume 5: direito das coisas. 11 ed. São Paulo:

Saraiva, 2016, p. 249.

16 MONTEIRO, Washington de Barros; MALUF, Carlos Alberto Dabus. Curso de Direito Civil 3: direito das

coisas. 44 ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 151.

17 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil brasileiro: direito das coisas. 30 ed. São Paulo: Saraiva, 2015,

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20 De forma diversa, Caio Mário entende que a usucapião se trata de aquisição derivada da propriedade. Nas suas palavras:

[...]considera-se originária a aquisição, quando o indivíduo, num dado momento, torna-se dono de uma coisa que jamais esteve sob o senhorio de outrem. Assim entendendo, não se pode atribuir à usucapião esta qualificação, porque é modalidade aquisitiva que pressupõe a perda do domínio de outrem, em benefício do usucapiente. Levando, pois, em conta a circunstância de ser a aquisição por usucapião relacionada com outra pessoa que já era proprietária da mesma coisa, e que perde a titularidade da relação jurídica dominial em proveito do adquirente, conclui-se ser ele uma forma de aquisição derivada.18

Ocorre que o mesmo autor, após a exposição do seu entendimento, reconhece que falta na usucapião o requisito da transmissão voluntária, o qual se encontra ordinariamente presente na aquisição derivada. Inclusive, está sedimentado na jurisprudência que, em razão da inexistência de transmissão, não há incidência do Imposto de Transmissão de Bens Imóveis (ITBI), previsto no art. 35, I,19 do CTN. Ora, se não há transmissão, o fato gerador do referido imposto não ocorre.

A existência da usucapião pode ser justificada como a consolidação de uma situação jurídica por ter a posse sem contestação, em nome da segurança jurídica. Nas palavras de Fábio Ulhoa20:

Por outro lado, é racional, econômico e justo que a posse reiterada de uma pessoa sobre certo bem, quando ninguém se opõe a essa situação, implique a atribuição ao possuidor do direito de propriedade. Como afirmado no estudo da prescrição, o decurso de tempo consolida situações jurídicas. A aquisição da propriedade por meio da usucapião, importa essa consolidação. Por ter a posse da coisa, sem contestação, o possuidor torna-se seu proprietário. Esvai-se, então, o desconforto da ordem jurídica. Além disso, dependendo da modalidade de usucapião, a finalidade do referido instituto está intimamente ligada a um fim social, pode-se citar como exemplo a usucapião pro labore e pro misero. Tais modalidades, além de penalizar o proprietário inerte, busca-se garantir os princípios constitucionais, especialmente o da função social da propriedade, o qual impõe a utilização adequada do espaço rural e urbano.

Formaram-se, então, duas linhas para explicar o fundamento da usucapião: a subjetiva e a objetiva. As teorias subjetivas tentam fundamentar a usucapião na presunção de

18 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Volume IV: direitos reais. 25 ed. rev. e atual.

Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 138.

19 Art. 35. O imposto, de competência dos Estados, sobre a transmissão de bens imóveis e de direitos a eles

relativos tem como fato gerador: I - a transmissão, a qualquer título, da propriedade ou do domínio útil de bens imóveis por natureza ou por acessão física, como definidos na lei civil; [...]

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21 que há o ânimo de renúncia ao direito por parte do proprietário que não exerce. Em outras palavram, fundamentam a usucapião na passividade do proprietário. Todavia, a referida corrente é bastante criticada. Ora, não se pode presumir que abandono ocorreu em razão da vontade do antigo dono. Nas palavras de Orlando Gomes, “a negligência do proprietário não é propriamente uma razão determinante da prescrição aquisitiva”21.

No mesmo sentido, há julgados do STJ que ressaltam a importância de se distinguir abandono de ausência. No caso do abandono, o possuidor se priva definitivamente de sua disponibilidade física e de não mais exercer sobre a coisa atos possessórios. Em outras palavras, abdica-se de sua situação jurídica com o bem. Por sua vez, na ausência, o proprietário, tanto eventual como habitualmente, perde apenas transitoriamente o contato físico com o imóvel, mantendo-se, no entanto, a vontade de exercer a posse.22

Por outro lado, a teoria objetiva, a mais aceita entre os doutrinadores civilistas, fundamenta a usucapião “em considerações de utilidade social”23. Melhor dizendo, a corrente

objetivista fundamenta a usucapião como um instituto apto a premiar àquele que cuida do bem e, consequentemente, pune o proprietário desidioso. Dar segurança e estabilidade à propriedade, bem como consolidar as aquisições e facilitar a prova do domínio, é socialmente conveniente.24

Pode-se afirmar, portanto, que a teoria objetiva é a que mais se aproxima dos princípios do direito, tendo em vista que apresenta um fundamento mais lógico. Ora, nada mais justo que punir aquele que atua de forma negligente ou desinteressada e beneficiar quem dá uma destinação útil ao imóvel.

É importante ressaltar que, seguindo a corrente objetivista, a inércia do proprietário, mesmo que prolongada, não é suficiente para perda do direito. É necessária, portanto, a conjugação de dois comportamentos: o negativo (do proprietário) e o positivo (do usucapiente).

Com base na teoria objetiva, Carlos Roberto Gonçalves25 afirma o seguinte:

O fundamento da usucapião está assentado, assim, no princípio da utilidade social, na conveniência de se dar segurança e estabilidade à propriedade bem como de se consolidar as aquisições e facilitar a prova do domínio. Tal instituto, segundo consagrada doutrina, repousa na paz social e estabelece a firmeza da propriedade, libertando-a de reivindicações inesperadas, corta pela raiz um grande problema de pleitos, planta a paz e a tranquilidade na vida social: tem a aprovação dos séculos e o consenso unânime dos povos antigos e modernos.

21 GOMES, Orlando. Direitos reais. 20 ed. rev., atual. e aum. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 181.

22 STJ. REsp 1003.305/DF, Relator Min. Nancy Andrigui, Data de Julgamento: 18/11/2010, 3ª Turma, Data da

publicação: DJe 24/11/2010, p. 74.

23 FACHIN, Luiz Edson. A função social da posse e a propriedade contemporânea (uma perspectiva da usucapião imobiliária rural). Porto Alegre: Fabris, 1988, p. 37.

24 GOMES, Orlando. Direitos reais. 20 ed. rev., atual. e aum. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 181.

25 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil brasileiro. Volume 5: direito das coisas. 11 ed. São Paulo:

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22

No mesmo sentido, Flávio Tartuce26 explicita o seguinte:

Pode-se afirmar que a usucapião garante a estabilidade da propriedade, fixando um

prazo, além do qual não se pode mais levantar dúvidas a respeito de ausência ou vícios do título de posse. De certo modo, a função social da propriedade acaba sendo atendida por meio da usucapião.

Observa-se, portanto, que a usucapião é um importante instrumento para dar efetividade ao princípio da função social da propriedade, o qual está previsto no art. 5º, inciso XXIII27 da Constituição Federal. Assim, será demonstrado, em momento oportuno, que não só a propriedade privada precisa cumprir sua função social, mas também a propriedade pública. Por conseguinte, será analisada a (im)possiblidade da usucapião em bens públicos em razão do descumprimento da sua função social.

2.3 Requisitos

A usucapião é o modo de adquirir a propriedade pela posse continuada durante certo lapso de tempo, com os requisitos estabelecidos na lei. Dessa forma, para que o instituto produza seus efeitos, é necessário que os pressupostos legais estejam presentes.

Os requisitos exigidos são: coisa hábil, capacidade do adquirente, posse, tempo, justo título e boa-fé. Os quatro primeiros são requisitos comuns a todas as modalidades de usucapião. Por outro lado, o justo título e a boa-fé são específicos a algumas espécies do instituto.

2.3.1 Coisa hábil

A doutrina conceitua coisa hábil como aquela do domínio privado, prescritível e suscetível à apropriação ou alienação. Em outras palavras a coisa possível de usucapião precisa ser hábil de ser adquirida.

26 TARTUCE, Flávio. Direito Civil. Volume 4: direito das coisas. 9ª ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro:

Forense, 2017, p. 114.

27 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos

estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] XXIII - a propriedade atenderá a sua função social; [...]

(22)

23 Assim, inicialmente deve-se analisar se o bem que se pretende usucapir é suscetível de prescrição aquisitiva, tendo em vista que a doutrina e a jurisprudência trazem bens que não podem ser objeto de usucapião, como os bens fora do comércio e os bens públicos.

Os bens fora de comércio são aqueles naturalmente indisponíveis, ou seja, insuscetíveis de apropriação pelo homem, como o ar atmosférico e o mar, os legalmente indisponíveis, como os direitos da personalidade, e os indisponíveis pela vontade humana, como aqueles deixados em testamento ou doados, com cláusula de inalienabilidade.28

Esses últimos (indisponíveis pela vontade humana), no entanto, segundo a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, não podem impedir que um bem seja objeto de usucapião, uma vez que “poderia ensejar a burla da lei se o proprietário instituísse o gravame sobre o imóvel possuído por terceiro, apenas para afastar a possível pretensão aquisitiva deste”.29

Contudo, a questão não é pacífica. Parte da doutrina, como Orlando Gomes e Washington de Barros Monteiro, por outro lado, entendem ser impossível a usucapião de bens com cláusula de inalienabilidade. Inclusive, já decidiu nesse sentido o Supremo Tribunal Federal quando possuía competência para julgar as ações dessa natureza. De qualquer forma, tende a prevalecer que a usucapião não é aplicável aos bens inalienáveis.

Não obstante, deve-se concordar com a posição do STJ. Ora, a usucapião é forma originária de aquisição da propriedade. Dessa forma, os direitos reais que o antigo proprietário tiver constituído serão extintos, uma vez que o adquirente receberá o bem sem qualquer ônus.

No tocante aos bens públicos, a esmagadora maioria da doutrina e da jurisprudência é pacífica em entender que aqueles são absolutamente insuscetíveis de aquisição por usucapião. Existem vários dispositivos espalhados no nosso ordenamento jurídico que corroboram com o referido entendimento. Pode-se citar, então, o art. 183, § 3º30 e o art. 191, parágrafo único31,

ambos da Constituição Federal, o art. 10232 do Código Civil e a Súmula nº 34033 do STF.

Vale registrar que nem sempre se negou de forma absoluta a usucapião de bens públicos. O art. 2º34 da Lei nº 6.969/81, por exemplo, autorizava a usucapião rural em áreas de

28 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil brasileiro. Volume 5: direito das coisas. 11 ed. São Paulo:

Saraiva, 2016, p. 275

29 STJ. REsp 418.945/SP, Relator Min. Ruy Rosado de Aguiar Júnior, Data de Julgamento: 15/08/2002, 4ª Turma,

Data da publicação: DJ 30/09/2002, p. 268.

30 Art. 183, § 3º. Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião.

31 Art. 191, parágrafo único. Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião. 32 Art. 102. Os bens públicos não estão sujeitos a usucapião.

33 Súmula nº 340: Desde a vigência do Código Civil, os bens dominicais, como os demais bens públicos, não

podem ser adquiridos por usucapião.

(23)

24 terras devolutas, que são bens públicos dominicais. Todavia, com advento da nova ordem jurídica constitucional, promovida pela Constituição Federal de 1988, o referido artigo não foi recepcionado.

Apesar da proibição, cumpre ressaltar que há doutrinadores que discordam com a referida posição. A absoluta impossibilidade de usucapião de bens públicos feriria valores constitucionais, como o da função social da propriedade, que será tratado em momento oportuno. Para Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald35, os bens públicos deveriam ser

divididos em materialmente e formalmente públicos, podendo estes últimos ser objetos de usucapião:

Detecta-se, ademais, em análise civil-constitucional, que a absoluta impossibilidade de usucapião sobre bens públicos é equivocada, por ofensa ao valor (constitucionalmente contemplado) da função social da posse e, em última instância, ao próprio princípio da proporcionalidade. Os bens públicos poderiam ser divididos em materialmente e formalmente públicos. Estes seriam aqueles registrados em nome da pessoa jurídica de Direito Público, porém excluídos de qualquer forma de ocupação, seja para moradia ou exercício de atividade produtiva. Já os bens materialmente públicos seriam aqueles aptos a preencher critérios de legitimidade e merecimento, postos dotados de alguma função social.

Afirma-se que a corrente minoritária desenvolve o tema a partir de um raciocínio condizente com os ditames principiológicos constitucionais e com a triste realidade social vivida em nosso país. Não seria razoável deixar de assegurar o direito à moradia, o qual também é garantido pela Constituição Federal, na qualidade de direito fundamental social (art. 6º da CRFB/88), em razão de um suposto interesse público que muitas vezes não existe.

2.3.2 Capacidade do adquirente

Quanto ao segundo requisito, este diz respeito à necessidade do usucapiente ser capaz. A referida capacidade deve ser aferida no campo jurídico.36 Assim, tanto as pessoas

naturais quanto as jurídicas gozam do direito de usucapir.

É importante registrar que, segundo o art. 1.24437 do Código Civil, as causas

suspensivas e impeditivas ao curso da prescrição também se estendem aos possuidores. Ora,

geral, sem prejuízo de outros direitos conferidos ao posseiro, pelo Estatuto da Terra ou pelas leis que dispõem sobre processo discriminatório de terras devolutas.

35 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil 5: reais. 13 ed. rev., ampl., e

atual. Salvador: Jus Podivm, 2017, p. 401.

36 RIBEIRO, Benedito Silvério. Tratado de usucapião. Volume 1. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 246. 37 Art. 1.244. Estende-se ao possuidor o disposto quanto ao devedor acerca das causas que obstam, suspendem ou

(24)

25 por não correr a prescrição entre marido e mulher, entre ascendente e descendente, entre incapazes e seus representantes, nenhum deles poderá adquirir o bem do outro por meio da usucapião.38

Quanto ao marido e a mulher, é preciso fazer uma ressalva. Como dito, a regra é que não corra prazo prescricional entre cônjuges. Ocorre que, no caso da usucapião familiar, o requisito do abandono do lar por um dos consortes é o marco inicial da contagem do prazo da usucapião. Em outras palavras, o prazo começa a fluir ainda na constância do casamento.

O art. 20239 do CC traz as causas interruptivas da prescrição. Ocorre que, nas

palavras de Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald40, nem todos os incisos do referido artigo

poderiam ser aplicados à usucapião, uma vez que não há perfeita simetria entre os dois institutos. Além disso, a usucapião seria um importante instrumento para dar efetividade ao direito constitucional à moradia, não podendo, portanto, ser paralisada por qualquer via judicial ou extrajudicial.

2.3.3 Posse

A posse é imprescindível para a configuração da usucapião. Para Rubens Limongi França41, “...posse é o conjunto dos atos, não defesos em lei (posse justa), exercidos sobre a

coisa pelo sujeito, ou por terceiro em seu nome (fâmulos da posse), tal como se dela fosse o proprietário, ou titular de algum respectivo direito real (quase-pose)”.

Cumpre registrar, no entanto, que não é qualquer posse que enseja o direito à prescrição aquisitiva. É necessária a denominada “posse ad usucapionem”. Para que se configure a referida espécie de posse, é imprescindível a presença de três requisitos: ânimo de dono, posse mansa, pacífica e contínua.

38 GOMES, Orlando. Direitos reais. 20 ed. rev., atual. e aum. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 182. 39 Art. 202. A interrupção da prescrição, que somente poderá ocorrer uma vez, dar-se-á:

I - por despacho do juiz, mesmo incompetente, que ordenar a citação, se o interessado a promover no prazo e na forma da lei processual;

II - por protesto, nas condições do inciso antecedente; III - por protesto cambial;

IV - pela apresentação do título de crédito em juízo de inventário ou em concurso de credores; V - por qualquer ato judicial que constitua em mora o devedor;

VI - por qualquer ato inequívoco, ainda que extrajudicial, que importe reconhecimento do direito pelo devedor. Parágrafo único. A prescrição interrompida recomeça a correr da data do ato que a interrompeu, ou do último ato do processo para a interromper.

40 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil 5: reais. 13 ed. rev., ampl., e

atual. Salvador: Jus Podivm, 2017, p. 398.

(25)

26 Quando se fala em ânimo de dono (ou animus domini), quer-se dizer que o usucapiente deve possuir um comportamento positivo, exercendo os poderes inerentes à propriedade. Conjugado a isso, deve-se haver o comportamento negativo do proprietário, que, “com sua omissão, colabora para que determinada situação de fato se prolongue no tempo”42.

Assim, nas palavras de Carlos Roberto Gonçalves43:

Exigem os aludidos dispositivos, com efeito, que o usucapiente possua o imóvel “como seu”. Não tem ânimo de dono o locatário, o comodatário, o arrendatário e todos aqueles que exercem posse direta sobre a coisa, sabendo que não lhe pertence e com reconhecimento do direito dominial de outrem, obrigando-se a devolvê-la.

Não obstante o entendimento ora analisado, é importante registrar que o locatário e o comodatário, por exemplo, podem utilizar as ações possessórias contra àqueles que indevidamente perturbarem a suas posses.

Quanto ao segundo requisito, a posse deve ser mansa e pacífica, ou seja, é exercida sem oposição. Em outras palavras, se durante o período no qual o usucapiente se encontra na posse do imóvel houver contestação pelo proprietário do bem, a posse ad usucapionem ficará descaracterizada.

Cumpre ressaltar, no entanto, que meras providências extrajudiciais não possuem o condão de afastar o reconhecimento da usucapião. Dessa forma, é necessário que sejam tomadas providências judiciais. Ademais, de acordo com a doutrina majoritária, o simples ajuizamento da ação não é suficiente para descaracterizar a posse mansa e pacífica. Assim, a interrupção só ocorreria se, ao final, a ação de esbulho fosse julgada procedente.

Veja-se o que assevera Benedito Silvério Ribeiro44 quanto ao significado de

oposição:

Oposição, no sentido que lhe emprestou o legislador, não significa inconformidade, nem tratativas com o fim de convencer alguém a demitir de si a posse de determinado imóvel. Antes, isso sim, traduz medidas efetivas, perfeitamente identificáveis na área judicial, visando quebrar a continuidade da posse, opondo à vontade do possuidor uma outra vontade que lhe contesta o exercício dos poderes inerentes ao domínio qualificador da posse.

Além disso, não se pode falar em oposição capaz de afastar a posse mansa e pacífica quando ela for arguida após a consumação do prazo da usucapião. Ora, não se pode interromper algo que já se consumou.

42 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil brasileiro. Volume 5: direito das coisas. 11 ed. São Paulo:

Saraiva, 2016, p. 280.

43 Ibidem. p. 280.

(26)

27 Por fim, no tocante ao terceiro requisito, a posse também precisa ser contínua. Isso quer dizer que o possuidor não pode possuir a coisa por períodos intercalados, isto é, por intervalos. Apesar disso, o simples fato do usucapiente se mudar para outra localidade não significa, necessariamente, abandono da posse, se continuou comportando-se como dono em relação à coisa.45

Cumpre registrar que, de acordo com a accessio possessionis, para que seja caracterizada a continuidade, não é necessário que a posse seja exercida pela mesma pessoa. De acordo com o art. 1.24346 do Código Civil, é permitido a soma de posses sucessivas para

contagem da prescrição aquisitiva, desde que sejam cumpridos os requisitos legais.

2.3.4 Tempo

Assim como a posse, o tempo é um requisito imprescindível da usucapião. Conforme já relatado no tópico da construção histórica, o referido instituto sofreu gradativas alterações durante a evolução histórica. O requisito temporal não foi diferente.

A mudança de pensamento em relação à propriedade pode explicar a diminuição gradativa do tempo para usucapir, uma vez que, antigamente, a propriedade possuía um caráter mais absoluto do que é hoje. No Código Civil de 1916, por exemplo, ficaram estabelecidos os prazos de trinta e vinte anos.

Por sua vez, com a entrada em vigor do CC de 2002, os referidos prazos foram reduzidos. Para a usucapião extraordinária, exige-se o prazo de quinze anos, o qual poderá ser reduzido a dez anos, caso o possuidor tenha estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele tenha realizado obras ou serviços de caráter produtivo. Já para a usucapião ordinária, tendo em vista que exige-se também a demonstração de justo título e boa-fé, o prazo será de dez anos, o qual poderá ser reduzido a cinco anos, caso o imóvel tenha sido adquirido, onerosamente, com base no registro constante do respectivo cartório, cancelada posteriormente, desde que os possuidores nele tiverem estabelecido a sua moradia, ou realizado investimentos de interesse social e econômico.47

45 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil brasileiro. Volume 5: direito das coisas. 11 ed. São Paulo:

Saraiva, 2016, p. 283.

46 Art. 1.243. O possuidor pode, para o fim de contar o tempo exigido pelos artigos antecedentes, acrescentar à

sua posse a dos seus antecessores (art. 1.207), contanto que todas sejam contínuas, pacíficas e, nos casos do art. 1.242, com justo título e de boa-fé.

47 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil brasileiro. Volume 5: direito das coisas. 11 ed. São Paulo:

(27)

28 Quanto ao lapso temporal dos bens móveis e imóveis, Orlando Gomes48 assevera o

seguinte:

Em relação aos bens móveis, o prazo é mais curto. O encurtamento justifica-se pela dificuldade de individualização de tais bens e facilidade de sua circulação. Verdadeiramente, inspira-se na ideia de que as coisas móveis têm menor importância econômica, o que, aliás, é falso como generalização. Mais logo o prazo para usucapir bens imóveis, por se entender que maior deve ser o lapso de tempo no qual o proprietário fique com a possiblidade de opor-se à posse do prescribente, reivindicando o bem, Supõe-se que o dono de um imóvel tenha maior interesse em conservá-lo, de modo que sua inércia deve ficar sujeita à prova durante maior lapso de tempo.

Por fim, é importante ressaltar que, segundo o Enunciado nº 497 da V Jornada de Direito Civil, o prazo na ação de usucapião pode ser completada no curso do processo, ressalvadas as hipóteses de má-fé processual do autor. Dessa forma, mesmo que possuidor não tenha completado o tempo exigido na lei, ele poderá ajuizar a ação, desde que o prazo já esteja perto do seu fim.

2.3.5 Justo título

O requisito do justo título não é exigido para qualquer modalidade de usucapião. Na verdade, a usucapião ordinária é a única espécie que necessita do referido requisito.

Nas palavras de Lenine Nequete49, pode-se entender justo título como qualquer ato

que seja adequado a transferir o domínio ou o direito real de que trata, mas que, todavia, deixa de produzir o referido efeito, uma vez que o transmitente não é o senhor da coisa ou do direito, ou de faltar-lhe o poder de alienar.

Em outras palavras, em razão de vícios formais ou substanciais, o ato translativo é inapto a transferir a propriedade. Assim, o ato conduz o possuidor a acreditar que lhe foi outorgada a condição de proprietário. Ora, se o título fosse legítimo, isto é, sem vícios, não caberia valer-se, em tese, da usucapião

No mesmo sentido, asseveram Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald50:

Importa que contenha aparência de legítimo e válido, com potencialidade de transferir direito real, a ponto de induzir qualquer pessoa normalmente cautelosa a incidir em equívoco sobre a sua real situação jurídica perante a coisa.

48 GOMES, Orlando. Direitos reais. 20 ed. rev., atual. e aum. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 182. 49 NEQUETE, Lenine. Da prescrição aquisitiva (usucapião). 3 ed. Porto Alegre: Ajuris, 1991, p. 207.

50 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil 5: reais. 13 ed. rev., ampl., e

(28)

29 Registre-se ainda que, em que pesem algumas divergências, o justo título dispensa a formalidade do registro para fins de usucapião. Nas palavras de Caio Mário51, não se pode

levar ao extremo de se exigir registro, pois o instituto da usucapião se destina a consolidar tractu temporis a aquisição fundada em título que apenas em tese era hábil a gerar a aquisição.

Seguindo a mesma orientação, Benedito Silvério Ribeiro52 assevera exigir que o

requisito da qualificação da expressão “justo título”:

...deva, além de válido, certo e real, ser registrado, chegaríamos a conclusão de que o domínio já estaria cabalmente adquirido, pois obedecida todas as formalidades legais intrínsecas e extrínsecas. Estaria afastada a possiblidade de promover-se usucapião ordinária, salvo mínimas exceções.

Nesse mesmo sentido, o Enunciado nº 86 da Jornada de Direito Civil ressalta que a expressão “justo título” abrange todo e qualquer ato jurídico hábil, em tese, a transferir a propriedade, independentemente de registro. Devo registrar que esse é realmente o entendimento mais acertado. Exigir o registro é limitar demasiadamente o campo de incidência da usucapião ordinária, o que prejudicaria, principalmente, a população mais carente, que muitas vezes não utiliza o referido instrumento.

A doutrina apresenta três vícios que podem converter um ato jurídico defeituoso em justo título para efeitos de prescrição aquisitiva.

O primeiro é chamado de aquisição a non domino, que nada mais é do que a transmissão de determinado bem por aquele que não é dono da coisa. Ora, trata-se de um negócio jurídico ineficaz, uma vez que ninguém pode transferir mais direito do que detém.

Não obstante, “...se o adquirente está na convicção de que trata com o dono da coisa, o título que serve de causa à aquisição serve como elemento para que realmente adquira o bem mediante usucapião ordinária...”53, desde que também sejam respeitados os demais requisitos

exigidos por lei.

Por sua vez, o segundo vício é a aquisição a domino, que nada mais é do que a transmissão de um bem por quem não goza do direito de dispô-lo. Nesse caso, o indivíduo é dono da coisa, todavia, por alguma questão jurídica, não é permitida a transmissão da propriedade. Pode-se citar como exemplo, o marido, que necessita da outorga uxória, e o menor relativamente incapaz, que necessita de assistência.

51 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Volume IV: direitos reais. 25 ed. rev. e atual.

Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 146.

52 RIBEIRO, Benedito Silvério. Tratado de usucapião. Volume 2. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 781. 53 GOMES, Orlando. Direitos reais. 20 ed. rev., atual. e aum. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 186.

(29)

30 Importante registrar que, se a transmissão apresentar nulidade absoluta, a aquisição só se verificará mediante usucapião extraordinária, uma vez que a finalidade da usucapião ordinária “é sanar o defeito que resulta da falta de qualidade do transmitente e não todos os que tornam ineficaz a transmissão”54.

Por fim, o terceiro vício diz respeito ao erro no modo de aquisição. É a hipótese de quem adquire por instrumento particular bem cuja transmissão requer escritura pública. Orlando Gomes55 afirma que, apesar de ser um negócio nulo, a boa-fé do adquirente deve ser

considerada.

2.3.6 Boa-fé

A boa-fé, assim como o justo título, não é exigida em todas as espécies de usucapião. Na verdade, a usucapião ordinária é a única espécie que necessita do referido requisito, conforme prevê o art. 1.24256 do CC.

É considerada de boa-fé a posse quando o possuidor tem a certeza de que não está ferindo nenhum direito alheio, desconsiderando qualquer vício ou obstáculo que possa impedir a aquisição da coisa.

A partir dessa definição, pode-se levar a crer que a presença de boa-fé implicaria necessariamente na existência de justo título. Todavia, essa afirmativa não é verdadeira. Na verdade, é cediço que a boa-fé se presume quando há justo título, no entanto este pode subsistir sem aquela. Inclusive, é isso que dispõe o parágrafo único57 do art. 1.201 do Código Civil.

É importante registrar que o requisito da boa-fé deve “existir no começo da posse e permanecer durante todo o decurso do prazo. Se o possuidor vem a saber da existência do vício, deixa de existir a boa-fé, não ficando sanada a mácula”58.

54 Ibidem. p. 186. 55 Ibidem. p. 186.

56 Art. 1.242. Adquire também a propriedade do imóvel aquele que, contínua e incontestadamente, com justo título

e boa-fé, o possuir por dez anos.

57 Art. 1.201. Parágrafo único. O possuidor com justo título tem por si a presunção de boa-fé, salvo prova em

contrário, ou quando a lei expressamente não admite esta presunção.

58 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil brasileiro. Volume 5: direito das coisas. 11 ed. São Paulo:

(30)

31

2.4 Modalidades de usucapião

Cumpre registrar, no entanto, que o propósito não é de esgotar todos os aspectos de cada espécie do instituto. Propõe-se, na verdade, apresentar os principais pontos, a fim de conseguirmos responder acerca da possibilidade ou não de usucapir bens públicos que não cumprem sua função social. E saber ainda, caso seja possível, se qualquer modalidade do instituto pode ser utilizada.

Assim, mencionam-se as seguintes espécies de usucapião: a ordinária, a extraordinária, a especial rural e a especial urbana individual, coletivo e familiar.

A primeira está disciplinada no art. 1.24259 do Código Civil. Pela leitura do

dispositivo legal, percebe-se que, para que um indivíduo adquira um imóvel por meio da usucapião ordinária, é necessário a posse pacífica e ininterrupta, com animus domini (ânimo de dono), por pelo menos 10 (dez) anos. Soma-se a esses requisitos a exigência de justo título e de boa-fé, conforme já mencionado quando se falou de cada um deles separadamente.

Ademais, registre-se que o prazo de 10 (dez) anos pode ser reduzido para 5 (cinco) anos se o imóvel houver sido adquirido, onerosamente, com base no registro constante do respectivo cartório, cancelada posteriormente, desde que os possuidores nele tiverem estabelecido a sua moradia, ou realizado investimentos de interesse social e econômico. Ressalta-se que a doutrina denomina a referida usucapião como “tabular”.

Vale registrar que, na sistemática do Código Civil de 191660 , havia requisitos

temporais diferenciados, em razão da presença do proprietário no município em que estiver localizado o imóvel objeto da usucapião. Se ele estivesse no mesmo município do bem, o prazo da usucapião se reduzia a 10 (dez) anos. Por outro, se o proprietário se encontrasse em município distinto do imóvel, o prazo seria de 15 (quinze) anos.

Observe, portanto, que, nas palavras de Nelson Rosenvald61,

além da redução dos prazos de quinze ou dez anos de posse para dez ou cinco anos, respectivamente, a aferição temporal não mais será produto do fator presença ou

59 Art. 1.242. Adquire também a propriedade do imóvel aquele que, contínua e incontestadamente, com justo título

e boa-fé, o possuir por dez anos. Parágrafo único. Será de cinco anos o prazo previsto neste artigo se o imóvel houver sido adquirido, onerosamente, com base no registro constante do respectivo cartório, cancelada posteriormente, desde que os possuidores nele tiverem estabelecido a sua moradia, ou realizado investimentos de interesse social e econômico.

60 Art. 551. Adquire também o domínio do imóvel aquele que, por dez anos entre presentes, ou quinze entre

ausentes, o possuir como seu, contínua e incontestadamente, com justo título e boa fé. Parágrafo único. Reputam-se preReputam-sentes os moradores do mesmo município e auReputam-sentes os que habitem município diverso.

61 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil 5: reais. 13 ed. rev., ampl., e

(31)

32 ausência do proprietário, e sim da qualidade do justo título do possuidor e da forma de posse por ele praticada.

Quanto à usucapião extraordinária, ela está prevista no art. 1.23862 do CC. De

acordo com o referido dispositivo, a presente modalidade se caracteriza pela posse contínua, mansa e pacífica do bem, com animus domini, pelo período de 15 (quinze) anos, sem qualquer oposição. Ademais, diferentemente da usucapião ordinária, não se exige justo título e boa-fé.

Vale registrar que, caso o possuidor tenha estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo, o prazo de 15 (quinze) anos será reduzido para 10 (dez) anos. Observa-se, portanto, que o legislador quis premiar aqueles que efetivam a função social da propriedade.

Então, pode-se extrair que a moradia não é requisito essencial para aquisição da propriedade na modalidade da usucapião extraordinária, mas sim requisito para diminuição do lapso temporal exigido. Assim, o possuidor pode deixar outra pessoa morando no referido bem por força contratual. Basta, portanto, o exercício da posse simples, ou seja, a utilização de quaisquer dos poderes referentes à propriedade.

No mesmo sentido, afirma Caio Mário63 que

...não é imprescindível que o usucapiente exerça por si mesmo e por tempo de sua duração os atos possessórios, tais como cultivo do terreno, presença do imóvel, conservação da coisa, pagamento de tributos, manutenção de tapumes, defesa contra vias de fato de terceiros, e outros. Consideram-se úteis e igualmente legítimos os atos praticados por intermédio de prepostos, agregados ou empregados.

Por fim, a título de informação, no Código Civil de 1916, a usucapião extraordinária, incialmente, exigia o lapso temporal de 30 (trinta) anos, o qual depois foi reduzido para 20 (vinte) anos com o advento da Lei nº 2.437/55.64

No tocante à usucapião especial rural, também conhecida como usucapião constitucional rural ou pro labore, ela está prevista no art. 19165 da Constituição Federal, no

art. 1.238 do Código Civil e na Lei nº 6.969/81.

62 Art. 1.238. Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel,

adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis. Parágrafo único. O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-á a dez anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo.

63 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Volume IV: direitos reais. 25 ed. rev. e atual.

Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 143.

64 Art. 550. Aquele que, por vinte anos sem interrupção, nem oposição, possuir como seu, um imóvel,

adquirir-lhe-á o domínio independentemente de título de boa fé que, em tal caso, se presume, podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual lhe servirá de título para a transcrição no registro de imóveis.

(32)

33 A referida modalidade se caracteriza pela posse, mansa e pacífica, com animus domini, de área de terra, em zona rural, de até 50 (cinquenta) hectares, pelo prazo de 5 (cinco) anos ininterruptos. Além disso, exige-se que o possuidor não seja proprietário de imóvel urbano ou rural e que torne a terra, objeto da usucapião, produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia.

Observe-se, portanto, que “...a usucapião especial rural não se contenta com a simples posse. O seu objetivo é a fixação do homem no campo, exigindo ocupação produtiva do imóvel, devendo neste morar e trabalhar o usucapiente”66.

A existência da usucapião especial rural é deveras importante, em razão da carência de políticas agrárias que beneficiam a população mais vulnerável. Assim, o dispositivo constitucional supramencionado objetiva fixar o homem no campo e privilegiar aquele que dá ao imóvel destinação compatível com sua função social da propriedade. Daí a denominação de usucapião “pro labore”.

Por fim, ainda quanto à usucapião especial rural, é importante registrar que a doutrina e a jurisprudência não têm admitido a acessio possessionis, ou seja, a soma de posses, tendo em vista que há requisitos personalíssimos que são incompatíveis com a aludida adição, como moradia no local e produtividade do trabalho do possuidor ou de sua família.67

No tocante à usucapião especial urbana individual, ela se encontra disciplinada no art. 18368 da Constituição Federal, no art. 1.240 do Código Civil e na Lei nº 10.257/01, que é

conhecida como Estatuto da Cidade.

A referida espécie de usucapião foi uma inovação trazida pela Constituição Federal de 1988. De acordo com o dispositivo constitucional supramencionado, exige-se a posse mansa e pacífica, com animus domini, de imóvel, localizado em área urbana, de até 250 (duzentos e cinquenta) metros quadrados, pelo lapso temporal de no mínimo 5 (cinco) anos. Além disso, impõe-se que possuidor comprove que se estabeleceu no imóvel para construir sua moradia ou de sua família e que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.

ininterruptos, sem oposição, área de terra, em zona rural, não superior a cinqüenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade.

66 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil brasileiro. Volume 5: direito das coisas. 11 ed. São Paulo:

Saraiva, 2016, p. 258.

67 Ibidem. p. 259.

68 Art. 183. Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco

anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.

§ 1º O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil.

(33)

34 Observa-se, portanto, que, assim como as demais modalidades de usucapião, a especial urbana beneficia o possuidor que atende a função social da propriedade e sanciona o proprietário desidioso.

Por sua vez, no tocante à usucapião especial urbana coletiva, ela está prevista no art. 1069 do Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/01). Nessa modalidade, população de baixa renda

ocupa área urbana de mais de 250 m² (duzentos e cinquenta metros quadrados), onde não seja possível identificar os terrenos ocupados individualmente, para sua moradia, por no mínimo 5 (cinco) anos.

Além desses requisitos, é necessário que os possuidores não sejam proprietários de outro imóvel urbano ou rural. Ademais, ressalta-se que, diferentemente da usucapião especial urbana individual, a usucapião coletiva admite a acessio possessionis, em razão de expressa previsão legal.

Por fim, quanto à usucapião familiar, ela foi criada pela Lei nº 12.424/11, encontrando-se disciplinada, atualmente, no art. 1.240-A70 do Código Civil. De acordo com o

referido dispositivo legal, adquirirá o domínio integral do bem, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural, aquele que exerça por 2 (dois) anos ininterruptamente e sem oposição, posse direta, com exclusividade, sobre imóvel urbano de até 250m² (duzentos e cinquenta metros quadrados) cuja propriedade dívida com ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar, utilizando-o para sua moradia ou de sua família.

69 Art. 10. Os núcleos urbanos informais existentes sem oposição há mais de cinco anos e cuja área total dividida

pelo número de possuidores seja inferior a duzentos e cinquenta metros quadrados por possuidor são suscetíveis de serem usucapidos coletivamente, desde que os possuidores não sejam proprietários de outro imóvel urbano ou rural.

§ 1o O possuidor pode, para o fim de contar o prazo exigido por este artigo, acrescentar sua posse à de seu

antecessor, contanto que ambas sejam contínuas.

§ 2o A usucapião especial coletiva de imóvel urbano será declarada pelo juiz, mediante sentença, a qual servirá de

título para registro no cartório de registro de imóveis.

§ 3o Na sentença, o juiz atribuirá igual fração ideal de terreno a cada possuidor, independentemente da dimensão

do terreno que cada um ocupe, salvo hipótese de acordo escrito entre os condôminos, estabelecendo frações ideais diferenciadas.

§ 4o O condomínio especial constituído é indivisível, não sendo passível de extinção, salvo deliberação favorável

tomada por, no mínimo, dois terços dos condôminos, no caso de execução de urbanização posterior à constituição do condomínio.

§ 5o As deliberações relativas à administração do condomínio especial serão tomadas por maioria de votos dos

condôminos presentes, obrigando também os demais, discordantes ou ausentes.

70 Art. 1.240-A. Aquele que exercer, por 2 (dois) anos ininterruptamente e sem oposição, posse direta, com

exclusividade, sobre imóvel urbano de até 250m² (duzentos e cinquenta metros quadrados) cuja propriedade dívida com ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio integral, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.

§ 1o O direito previsto no caput não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez.

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