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História de Vida: um estudo sobre família e resiliência na terceira idade

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História de Vida:

um estudo sobre família e resiliência na terceira idade

1 Caroline Bitencourt de Almeida

Jolise Saad Leite Nosimar Ferreira dos Santos Rosa partir do aumento da expectativa de vida e do crescente número de idosos na sociedade – que se aliam às inúmeras transformações econômicas, políticas, sociais e culturais –, constatamos que o idoso da modernidade vive diferentes mudanças de paradigmas, entre elas as novas configurações familiares. Diante da longevidade, o idoso sente necessidade de compartilhar sua história de vida, mas infelizmente poucas pessoas se colocam à disposição para ouvi-lo.

A família é o primeiro grupo social no qual o ser humano é inserido e, no espaço e funções que ocupa e desempenha na vida do indivíduo, exerce influência significativa no processo de envelhecimento. Segundo Correa & Justo (2010), a terceira idade da contemporaneidade passa por um momento de transição, que repercute na vida do idoso. Vive-se em uma sociedade capitalista, na qual as inovações tecnológicas e o consumismo desenfreado influenciam o processo de subjetivação dessa população, impondo um ideal de beleza baseado na juventude, criando estereótipos.

A forma de enfrentamento da velhice baseia-se no aperfeiçoamento e recuperação do corpo perdido. Como afirma Simone Beauvoir (1990, apud Correa & Justo (2010), “o velho é sempre o outro, pois o sujeito não a imagina em si mesmo”. Para ela, “o velho dificilmente se vê como tal, e o jovem ignora a velhice que já reside em seu corpo”.

Os idosos se deparam com ideologias, crenças, valores morais e culturais distintos dos seus. Perdem força o lugar que antes lhe era concedido como pessoa sábia, responsável por transmitir valores às gerações, e o status de respeito e autoridade que exerciam dentro e fora do lar (CORREA & JUSTO, 2010). É imprescindível dizer que embora haja o envelhecimento do corpo, a

1 Trabalho de Conclusão do Curso de Psicologia da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campus do Pantanal (CPAN), orientação da professora Jolise Saad Leite, co-orientadora Nosimar Ferreira dos Santos Rosa. Realizado no Centro de Referência e Assistência Social (CRAS) no município de Corumbá (MS).

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vitalidade psíquica costuma se manter, o que é importante para entender que o idoso é muito mais que um corpo frágil (EIZIRIK, 2008).

Resiliência

A palavra “resiliência” foi cunhada por Thomas Young em 1807. Termo originado da física e engenharia, aplicado às propriedades e à elasticidade contidas em determinados materiais, de tal maneira que ao absorverem energia não passariam por modificação (MACHADO, 2012).

A resiliência é compreendida como a proficiência do indivíduo: ao ser exposto a situações de ameaça e adversidade, e diante dessas circunstâncias, consegue se adaptar positivamente (CÔRTE, 2009). Estudo com quinze idosos, de idade de 65 a 85 anos, dos Centros de Convivência para Idosos de Porto Alegre (Côrte et al., 2009), sobre a influência do apoio social na autoestima e em sua resiliência, revelou que há relação direta entre os vínculos familiares e de amigos e a autoestima mais elevada, e maior resiliência para se adaptar e encarar perdas, doenças e fatos da vida.

Família

Segundo Mello (2002), a família se estrutura de acordo com peculiaridades, contexto e necessidades. Não é viável discorrer sobre um único tipo de família, mas de um polimorfismo familiar. Ainda de acordo com a autora, não convém tratar da existência de um modelo de família ideal: mãe, pais e filhos (o pai como provedor do sustento da casa e a mãe nele permanecendo para cuidar dos filhos e fazer a comida) - família monogâmica. Constantemente, a sociedade é bombardeada por demonstrações de um tipo de família ideal, autêntica e feliz, deixando implícito que as demais estão desorganizadas. Mello (2002) ressalta que se há famílias desorganizadas é possível supor que há um tipo de família organizada, no qual o modelo desorganizado deve se inspirar. Porém, isso não corresponde à realidade histórico-social de cada sujeito. Na representação da família há forte componente subjetivo, o qual interfere na maneira como cada indivíduo a vê. O significado e o sentido de “família” diferem para cada pessoa; por isso é difícil chegar a um conceito, pois ela está mais ligada à representação social que o sujeito dela tem do que “genética” e, muitas vezes, sentimental. O conceito de família é dado, portanto, de acordo com o contexto do sujeito (MELLO, 2002).

História de Vida

Ao falar, explicitar e contar histórias há a reestruturação da subjetividade e a construção de nova identidade. A história oral possui componentes terapêuticos que possibilitam a rememoração de experiências, e tem como

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essência permitir um novo sentido e percepção à história contada pelo idoso (CORREA & JUSTO, 2010).

Contar a própria história implica sentimento de pertença e de inclusão na sociedade. O idoso da contemporaneidade sente falta de ouvidos que lhe deem atenção, pois com frequência desejam compartilhar histórias, mas não há quem se disponha a ouvi-los (CORREA & JUSTO, 2010).

O objetivo deste trabalho foi verificar a representação de família para os idosos por meio de histórias de vida, e o nível de adaptação frente às adversidades. Este estudo é uma pesquisa de campo do tipo qualitativo, fundamentado em entrevistas semiestruturadas, que tiveram como balizamento histórias de vida. O público alvo foi composto por quatro idosos com 65 anos ou mais, que frequentavam o CRAS (Centro de Referência de Assistência Social) no município de Corumbá (MS). Participavam de encontros semanais promovidos pela instituição, e se colocaram à disposição para participar da pesquisa.

Para atender aos objetivos desta investigação, diferentes questionários foram utilizados: doze perguntas sociodemográficas sobre os idosos; um questionário semiestruturado contendo oito perguntas relacionadas à família e à história de vida; e uma escala de resiliência. Houve um estudo piloto a fim de ser averiguada a compreensão das perguntas; se preciso, ocorreriam as devidas adaptações.

Depois do trabalho de campo, transcreveu-se a entrevista para maior entendimento das perguntas feitas aos idosos, e uma adaptação das perguntas aos sujeitos participantes da pesquisa. Após as entrevistas, os discursos foram transcritos, sendo elaboradas quatro categorias: Conceito de Família; Percepção de Família; Importância da Família; Relação com a Família. Este trabalho teve como referencial a teoria psicodinâmica de Freud2.

Inicialmente serão mostrados os resultados das percepções familiares e da resiliência, e posteriormente o resultado e a discussão dos dados. Nos resultados cada participante será apresentado mediante a ordem das seguintes categorias: Conceito de Família, Percepção de Família, Importância da Família e Relação com a Família. Para preservar a identidade dos idosos foram nomeados como P1, P2, P3 e P4, sendo P= participante. P1 tem 68 anos, do gênero feminino, viúva, do lar, cinco filhos, nunca foi à escola, mora sozinha. O sujeito P2 tem 70 anos, gênero masculino, casado, aposentado, cursou até a 5º série do ensino fundamental, reside com a família. P3 tem 75 anos, gênero feminino, viúva, foi costureira, é pensionista, oito filhos, tem o ensino médio incompleto, reside com a família. P4 tem 75 anos, gênero feminino, casada, do lar, fez curso de enfermagem, quatro filhos, cursou o ensino superior completo e mora com a família.

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A teoria psicodinâmica refere-se ao estudo dos processos de interação do indivíduo com seu meio e a relação entre suas motivações conscientes e inconscientes (Laplanche, 2001).

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Conceito de família

Pelos resultados obtidos referentes à categoria Conceito de Família observa-se que para o idoso P1 a família é vista como de total relação de dependência, sendo indispensável ao seu desenvolvimento. No discurso de P1 ora a família é fonte de dependência e proteção, ora ameaça à sua independência, responsável pelos conflitos vivenciados:

A família é meu apoio, é meu anjo de guarda, sem eles eu não sei viver. Dependo muito deles, mesmo que a gente está muito estressado, deixo passar um pouco e vou de novo. Minha família é minha joia, sem eles eu não sou nada. [...]. (P1)

Percebe-se que a família do discurso de P2 é nuclear, com características da família extensa. A família é produtora de satisfação, ambiente em que pode se desenvolver e, por meio desse relacionamento, obter o respeito e a admiração que lhe são significativamente importantes:

Família pra mim, quando é família como a minha, é grandes coisas. É... você vê que a família da gente vai... tem família que é problema, cada caso é um... porque eu pelo menos com a minha família eu acho... que são pra mim é um grande prazer, porque eu não tenho como botar falha em família minha, nem meus filhos, nem minhas filhas pra mim, comigo. E é depois que eu fiquei mais velho que eles ficaram melhor, o respeito deles, as coisas deles, tudo eu achei que melhorou ainda mais. É... assim que é... (P2)

Para P3, a família é formada por um casal, o que representa a visão de família nuclear, constituída por mãe, pai e filhos. Seu modo de perceber a família é representado em analogia à aliança que os países possuem entre si, e essa comparação contém elementos afetivos imbricados por uma relação de laços permanentes. Para a idosa, a visão de mãe não é apenas a de cuidadora do lar, mas a de uma mulher que tem a arte do diálogo, que educa os filhos e atende às demandas do esposo. Ter permanecido casada por 30 anos lhe dá orgulho e satisfação.

A família é assim, eu acho assim que a família é formada por um casal, né? [...] ter união mesmo, respeitar a aliança do casamento, e quantos muito isso já nem têm, em pouco tempo, ah, num deu certo, mas gente eu não aceito falar que não deu certo, eu não aceito porque a aliança é que as pessoas não entendem, até os países têm aliança com outro, não é verdade? [...]. (P3)

A família que se sobressaiu no discurso de P4 é a nuclear, representada por um forte ideal de valores. Para ela, na constituição da família deve haver amor e respeito.

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Ah, família é muito importante, inclusive tem é... é... muito bom falar da família [...] a família é muito importante pra gente [...] Temos que saber respeitar a nossa família, com amor, com humildade, com respeito acima de tudo, e com compreensão, assim que eu vejo. (P4)

Percepção de família

Em relação à categoria, P1 ressalta que a família possui forte componente relacional com os filhos, o que ratifica sua dependência em relação a eles.

A importância dela é... que ela tem muito problema, bastante... tem que se ajudar, mas elas são muito assim, a mãe não sabia, a mãe é a última de saber. [...] Minha filha mais sofrida é a caçula, então tá tudo bem, graças a Deus. (P1)

No discurso de P2 nota-se a importância da transmissão dos valores às demais gerações. Houve obstáculos no decorrer do caminho, que dificultaram a relação, mas não refutou seu valor. Percebem-se o destaque e a importância da família extensa para P2.

Eu vejo bem. Eu vejo a minha família... ah, tem algumas coisas que às vezes a gente, mas pra mim, da minha família, eu não tenho o que dizer nada. Eu vejo bem. É... às vezes tem alguma coisa que a gente vê e não gosta, mas fica quieto, né? E eu... me sinto bem com a minha família em casa... vixi, é filho, neto. Quando chega a netaiada lá faz fila assim... atrás um do outro, eu sento lá na minha cadeira e eles tomando a benção e vão passando pra outra sala que tem assim... assim é que é. (P2)

A percepção de família para o sujeito P3 envolve principalmente ajuda mútua e respeito. A família é vista com senso de humildade, e que exige o outro para se desenvolver:

Como que eu vejo a minha família? Eu vejo assim: ela conviveu comigo assim, época, né?, de jovem, tudo jovem, depois todo mundo teve marido, teve outra família, os filhos mudaram, mas uma respeita a outra, uma respeita a outra. Assim que vejo minha família até humilde, sabe, humilde [...] Quando um está numa situação boa acolhe quem tá na pior, sabe, assim que é, vem remédio, vem recurso, vem tudo [...]. (P3)

A percepção de família vem ao encontro do modelo de reciprocidade citado por Falcão e Araújo (2009):

[...] não é só cuidar de você não, nós temos obrigação com o vizinho, né? (P3)

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[...] Então eu vejo assim minha família, com amor, com doçura, com paz, com orgulho materno, não orgulho de ferir, mas orgulho de amar. (P4)

Importância da família

Em relação à importância da família evidenciou-se que a resposta do sujeito P1 não foi colocada nessa categoria pelo fato de ter sido contaminada, ou seja, a resposta dada pela idosa teve influência da pergunta anterior, na qual se referiu à percepção de família, por isso não foi analisada.

O respeito foi o principal sentimento emergente na fala de P2. Para esse idoso, é muito importante a família que ele e sua esposa formaram. O fato de envelhecer lhe trouxe o respeito dos filhos, com sentido de reconhecimento e mérito.

Olha, a família da gente é uma coisa de uma grande importância, eu acho. Inclusive assim pelo tempo de vivência, ver os meus filhos, têm um grande respeito por mim... (chorou)... me emocionei... (risada). É... os meus filhos, da minha família, das meninas, tudo pra mim é só os amor da minha vida. É...(risada). (P2)

A importância da família para P3 abrange uma relação de reciprocidade nas ações, expressa em sua fala por meio de sentimento de ajuda.

[...] Porque tem um dizer aí que o pai falou assim, é até uma historinha, o pai falou para os filhos assim: vocês têm que ficar junto para ter força, porque vocês são cinco famílias, cinco irmãos, né?; se você fica só, um afastado dos outros, você quebra o pacto, agora vocês tudo junto já fica mais forte, já é difícil de quebrar [...]. (P3)

Para P4, a família representa a importância da transmissão dos valores, pois sua disseminação e imitação são de extrema importância ao reconhecimento dos feitos. Há o senso de satisfação e engrandecimento quanto à família, que corrobora o processo de identificação.

A situação, vamos dizer assim... que ela, que acontece algo que precisa da presença deles, que precisa saber resolver alguma coisa para os filhos, para o esposo, para a própria família deles, e eu sinto que até eles chegam de falar... minha mãe me ensinou assim, minha mãe me fez isso [...]. (P4)

Relação com a família

Em relação à categoria relação com a família obtivemos as seguintes considerações:

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Para P1, a relação com a família é meio ambivalente. Há sentimento de solidão em sua fala e certo temor em perder a autonomia.

É mais assim... eu só.... do que mais junto com elas. (P1)

No que se refere ao relacionamento com a família evidenciou-se para P2 que o relacionamento com a família é satisfatório, e há troca entre os membros, favorecendo o fortalecimento de vínculos.

É, bem, minha relação com minha família é bem [...] Nós somos é... como se diz, dez, porque a gente suporta um ao outro com o que pode [...]. (P2)

O relacionamento familiar para P3 é marcado principalmente pelo sentimento de solidão, e um dos fatores que impulsionariam esse sentimento é a ausência do esposo e do filho, ambos falecidos.

Ah, a minha é assim, silêncio, muito silêncio [...] porque o meu marido teve problema do coração, ele era nervoso, sabe...? Então as crianças foi criando assim quieta, aí veio essa fatalidade com meu filho, ele saiu embora pra voltar, e morreu, aí que o silêncio comandou [...]. (P3)

A relação com a família, para P4, é satisfatória, porém houve intenso esforço de sua parte em manter o vínculo familiar. Em sua fala se constata a introjeção de regras para existir uma relação satisfatória.

É muito boa, existe os pós e os contra, porque muitas vezes a gente pela criação que eu tive com minha mãe e meu avô [...]. (P4)

Nas falas de P1, P2, P3 e P4 evidenciou-se a presença da família nuclear no que se refere à categoria conceito de família.

Resiliência

Na vida de P1, conforme se observa, aconteceram vários eventos que, direta ou indiretamente, compõem sua trajetória. Ela nasceu em São Paulo, e aos sete anos mudou-se para Dourados. Sua infância foi marcada pelo trabalho no campo; com 19 anos casou-se. A partir do casamento a vida mudou significativamente, pois foi fonte de sofrimento e desprazer.

Na aplicação da escala, P1 apresentou escore de 130 pontos. Sua pontuação ficou acima do ponto de corte, que é de 110,58 pontos. Contudo, se comparada aos demais idosos, ela obteve a menor pontuação. Na fala da entrevistada percebeu-se que o CRAS, por meio das atividades de pintura, danças, oficinas de memória e artesanato, é fator de proteção, e possibilita o enfrentamento das

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Escala de Resiliência 115 120 125 130 135 140 145 150 155 160 P1 P2 P3 P4 ve is de R es ili ênc ia

adversidades. Esse espaço, como várias pessoas relatam, é o lugar onde eles chegam e “esquecem os problemas”.

P2 obteve escore de 132 pontos. Presume-se que ele, igualmente, tem elevada resiliência. Em sua história de vida evidenciam-se alguns fatores de risco, como dificuldade econômica. Contudo, houve reciprocidade no relacionamento interpessoal, principalmente pelos filhos e a esposa, e isso parece ter intensificado sua resiliência.

Em relação a P3 pode-se afirmar que passou por diversas crises. Entre elas, estão a ida para a escola (o que gerou a saída do sítio onde residia), vivenciar a guerra e a perda do filho. A substituição da figura materna pela avó foi muito importante para P3 continuar a se desenvolver sem sofrer danos na estruturação de sua personalidade. P3 obteve escore de 154 pontos e conjectura-se que ela, do mesmo modo, tem elevada resiliência. Outro aspecto revelado em sua fala, que levantaria indícios de alta resiliência, refere-se à carta que uma de suas irmãs lhe enviou: “Olha, eu tô enviando essa carta pra mulher de ferro”.

P4 obteve o maior escore, com 155 pontos. Ela parece ter apresentado recursos internos significativos diante das crises vividas, como a adaptação à ausência do marido no lar e dificuldades financeiras. Apresentou significativa autonomia para suas coisas, e isso a ajudou a não desistir do sonho de estudar.

Constatou-se ainda que os fatores de proteção, como vínculos sociais e elevado nível de escolaridade, impulsionaram níveis maiores de resiliência. Em contrapartida, os idosos que estiveram mais expostos aos fatores de risco, como crises adaptativas, rompimento de vínculos e perdas familiares, obtiveram menor resiliência, conforme o Gráfico 1.

Gráfico 1- Pontuação dos níveis de resiliência

Com base nos conceitos desenvolvidos no corpo teórico deste trabalho e na teoria psicodinâmica, obtém-se melhor entendimento do processo perceptual de família e da resiliência para a idade adulta avançada.

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É essencial afirmar que foi importante a construção de vínculo entre os idosos e a pesquisadora, a partir das idas ao CRAS para observação e diálogo. Conforme citam Ferreira e Amado (2001), sem o investimento relacional não há construção de vínculo, comprometendo a fala dos entrevistados.

Verificou-se que P1 passou por diversas situações de risco, sempre protegendo os filhos, mesmo não existindo amor pelo marido. Ela procurou se adaptar à realidade, usando a passividade como meio de suportar o sofrimento. A forma como se deram os eventos em sua vida deixou marcas na dinâmica psíquica, até hoje relembradas com amargura e desgosto.

O modo como a família é vista, ou seja, em relação de dependência e/ou independência, se atribui à influência dos aspectos biológicos, físicos, afetivos e sociais do envelhecimento vividos por ela. Há a percepção de inferioridade dessa idosa, sendo ela mesma vista como um “dejeto”, que não possui autonomia para reger a própria vida. Constata-se que P1 tem baixa autoestima, e necessita da atenção e apoio dos familiares. O relacionamento com a família é marcado pelo distanciamento dos filhos, fator que corroboraria seu sentimento de solidão e a

significativa necessidade de falar, pois o marido faleceu, e é o neto quem mora ao lado da sua residência.

Vimos que P1 esteve exposta aos vários fatores de risco citados, porém a atenção da família, especialmente a presença do neto e a perseverança na vida, ajudou-a a superar adversidades.

O modelo de família que sobressai em P2 é a de três gerações ou extensa, citado por Minuchin (2003). Existe nessa atmosfera familiar a especialização das funções de cada membro, e há a retribuição dos filhos diante da figura que P1 tem dentro do lar. Verificou-se que P2 teve sete filhos biológicos e oito filhos de criação. Para ele, paternidade e maternidade estão muito além de vínculos biológicos, pois são igualmente formadas pelos vínculos afetivos.

A família, na percepção de P2, é cercada de respeito, orgulho e a possibilidade de ver os filhos construindo o próprio espaço, com laços permanentes. Para ele, são muito importantes a união e a ajuda mútua dos membros. Observou-se que P2 é conservador e dá significativa importância aos aspectos culturais tradicionais. Por ter crescido e vivido em um contexto com essas características, ele traz para o seu relacionamento as marcas da família vivida, conforme cita Gomes (1992). Sua fala está imbuída de valores como respeito, pudor e regras.

Em relação a P3, constata-se que o conceito de família é análogo ao que vive, e isso possibilitou visualizar nela a grande influência do modelo nuclear de família: “A família é assim, eu acho assim que a família é formada por um

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casal, né?”. No que disse há discrepância entre o modelo de família pensada e a família vivida, conforme cita Gomes, (1992). A importância da família inclui a exigência de ter o outro, para a família se formar como tal. A relação com a família está primordialmente ligada à ausência do marido e do filho, o que causaria sentimento de solidão. O relacionamento familiar caracterizado pelo silêncio se subverte como medida de proteção, mecanismo pelo qual a idosa procura refugiar-se a fim de amenizar o sentimento de perda.

Na história de P4 evidencia-se o sofrimento vivenciado pela ausência do marido. Seu pai faleceu quando tinha nove anos, ficando aos cuidados da mãe. Seu esposo foi militar, e desde o namoro e noivado, ele viajava constantemente para outras cidades e exterior. A ausência do marido a obrigava a exercer o papel de pai, o que lhe trouxe sofrimento. Sua mãe lhe delegava toda a responsabilidade e não a ajudava em suas decisões. Não tinha o apoio da mãe, tida como pessoa tradicional e rigorosa. Para essa idosa, o amor parece ser a base da formação de uma família, o que vai ao encontro da tese de Gomes (1992), de que a família da contemporaneidade se constrói sobre vínculos de ajuda mútua e amor.

Considerações finais

A família é a base de formação de todo ser humano, e por meio dela o indivíduo aprende a introjetar valores, regras, normas sociais e linguagem, entre outras diversas funções. Pelas histórias de vida percebeu-se como cada idoso formou a própria família e perseverou para o desenvolvimento da mesma. Por meio das histórias constatou-se a importância dos vínculos familiares na idade adulta avançada.

A família nuclear predomina na percepção dos idosos e, independentemente do tipo de família vivida, é importante que cada uma seja analisada em sua singularidade, e se levem em consideração a realidade, a disposição interna e o espaço psíquico responsável pela constituição dos mesmos. O idoso é um ser biopsicosocioemocional, e como tal deve ser estudado, em suas várias facetas, não sendo possível reduzi-lo a nenhuma dessas instâncias.

Um número considerável de palavras foi proferido pelos sujeitos, e mais do que isso, distintos processos psicológicos emergiram no ato de relembrar e contar a história de vida. É possível afirmar, portanto, que a psicoterapia é grande aliada na biografia dos idosos, pois possui eficácia, e como tal deve ser respeitada e estimulada cada vez mais dentro da sociedade (EIZIRIK, 2008).

Em decorrência da escuta fragilizada e falta de espaços de trocas e compartilhamentos de ideias, a psicoterapia, se trabalhada com perspectivas realistas e atuais, colaboraria significativamente para o idoso obter melhor compreensão dos aspectos psicológicos do envelhecimento, conferindo novo sentido ao self (EIZIRIK, 2008).

Ao contar histórias foi possível visualizar o novo sentido do self, mesmo parcialmente, pois, como assinalado, a fala contém muitos sentidos, e a história

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de vida procurou investigar as entrelinhas do discurso e ainda trazer à superfície o que estava oculto, possibilitando novos sentidos, principalmente no que concerne ao relacionamento familiar. Ainda que esteja em modificação o “conceito” de família na contemporaneidade, constatou-se que os idosos da pesquisa possuem forte representação ligada ao modelo nuclear de família. A família possui, para cada um dos entrevistados, um aspecto singular, e os valores são significativamente importantes em sua formação.

Diante do panorama histórico cultural do envelhecimento na modernidade, e apesar de todas as dificuldades enfrentadas, da infância aos dias atuais, os idosos apresentaram alta resiliência, que repercute nos relacionamentos familiares, favorecendo o enfrentamento das adversidades, principalmente as concernentes ao envelhecimento. Enfrentamento baseado, sobretudo, nas trocas interpessoais.

Referências

CORREA, M.R. JUSTO, J.S. Oficinas de Psicologia: memória e experiência narrativa com idosos. Estudos Interdisciplinares em Psicologia, Londrina, v. 1, n. 2, p. 249-256, dez. 2010.

CÔRTE, B. GOLDFARB, D.C. LOPES, R.G.C. Psicogerontologia: fundamentos e práticas. Curitiba: Juruá, 2009.

EIZIRIK, C.L; KNIJNIK, J; VASCONCELOS, M.C.G. Psicoterapia na Velhice. In: CORDIOLI, A.V. Psicoterapias: abordagens atuais. Porto Alegre: Artmed, 2008, 792-804.

FALCÃO, D.V.S; ARAÚJO, L.F. Psicologia do envelhecimento: relações sociais, bem-estar subjetivo e atuação profissional em contextos diferenciados. Campinas: Alínea, 2009.

FERREIRA, M. M; AMADO, J. Usos e abusos da história oral. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2001.

GOMES, H. S. R. Trabalhando com famílias. São Paulo, CBIA/SP, IEE – PUC/SP, 1992.

LAPLANCHE, J. Vocabulário da Psicanálise, São Paulo: Martins Fontes, 2001. MACHADO, A.P.O. Resiliência e Promoção de Saúde: uma relação possível. PSICOLOGIA.COM.PT, Juiz de Fora, fev. 2010. O Portal dos Psicólogos. Disponível em: http://www.psicologia.pt/artigos/textos/A0516.pdf. Acesso em: 19 nov. 2012.

MELLO, S.L. Família: perspectiva teórica e observação factual. São Paulo: Ed. Educ, 2002.

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MINUCHIN, Salvador; FISHMAN, H. Charles. Técnicas de terapia familiar. Porto Alegre: Artmed, 2003.

Data de recebimento: 08/01/2013; Data de aceite: 13/02/2013. __________________________

Caroline Bitencourt de Almeida - Graduada em Psicologia pela Universidade Federal de Mato Grosso de Sul (UFMS). E-mail: caroline_bitencourt89@hotmail.com

Jolise Saad Leite - Doutorado em Psicologia Social pela Universidade Santiago de Compostela, Espanha (2007). Professora da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Brasil.

Nosimar Ferreira dos Santos Rosa - Mestrado em Psicologia pela Universidade Católica Dom Bosco, Brasil (2003).

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