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Método pragmático de interpretação da Bíblia

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Método pragmático de interpretação

da Bíblia

1. A Identificação d o Lugar

C o m o escreve Georgia Green n u m recente manual de Pragmá-tica, «a pragmática linguística coloca-se na intersecção de numerosos campos de investigação que estão d e n t r o e fora dos limites da ciência cognitiva: não só a linguística, a psicologia cognitiva, a antropologia cultural e a filosofia (lógica, semântica, teoria da a c ç ã o ) , mas t a m b é m a s o c i o l o g i a ( d i n â m i c a i n t e r p e s s o a l e convenções sociais) e a retórica»1.

D e facto, há, da parte dos autores, unanimidade em detectar uma pluralidade de confluências: desde a tríplice matriz filosófica constituída pelo 'Pragmatismo americano', o 'Empirismo lógico' e a ' O r d i n a r y Language P h i l o s o p h y ' , a algumas discussões de base marxista; desde elementos do domínio da psicologia e da sociologia, ao desenvolvimento da gramática transformacional2.

Pela relevância que lhe é reconhecida3, d e t e r m o - n o s - e m o s na análise da tríplice matriz filosófica que está na origem da Pragmática linguística.

1 G . M . G R E E N , Pragmatica, P a d o v a , F r a n c o M u z z i o , 1990, p . 2 .

2 C f r . B . S. L A N G E , Linguistica pragmatica, B o l o g n a , II M u l i n o , 1 9 8 0 , p . 2 9

--77.

3 C f r . J. D . C A P A R R O S , Literatura y actos de lenguaje i n J . A . M A Y O R A L , (ed), Pragmática dela comunicación literaria, M a d r i d , A r c o s , 1 9 8 7 , p . 8 3 - 8 5 .

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138 D I D A S K A L I A

1.1. A descrição da memória

N o ' P r a g m a t i s m o a m e r i c a n o '4 destacam-se os n o m e s de Charles Peirce e de Morris. Peirce f u n d o u u m a doutrina das relações dos sinais5 q u e Morris, na sua teoria semiótica, desenvolveu, c h e g a n d o à famosa tríade relacional: a sintática (a relação formal dos sinais entre si), a semântica (a relação entre os sinais e os objectos aos quais eles são aplicáveis) e a pragmática (a relação entre o sinal e o intérprete).

N o ' E m p i r i s m o lógico', q u e deve a sua o r i g e m ao d e n o m i n a d o ' C í r c u l o de V i e n a ' , t e m o s c o m o autores mais significativos Carnap, Russell e o j o v e m W i t t g e n s t e i n (o do Tractatus logicus philosophicus). Estes filósofos d e f e n d i a m q u e na raiz de m u i t o s problemas filo-sóficos o q u e se encontrava era u m p r o b l e m a de tipo linguístico, sendo p o r t a n t o necessário conseguir a m á x i m a precisão neste d o m í -nio. Deste m o d o instituiu-se c o m o objectivo m a g n o a construção de u m a língua científica e m q u e a f o r m a das frases lógicas fosse a m e s m a para todos os ramos da ciência.

C a r n a p (Introduction to Semantics, 1942), r e t o m a n d o o esquema semiótico p r o p o s t o p o r Morris, d e f e n d e para a pragmática u m papel mais vasto q u e o a t r i b u í d o à sintática e à s e m â n t i c a , pois a pragmática é a base de t u d o o q u e c o n c e r n e à linguística.

P o r seu lado, a ' O r d i n a r y Language P h i l o s o p h y ' partilhando t a m b é m c o m os autores do ' E m p i r i s m o lógico' a ideia que muitos problemas q u e interessaram à filosofia são simplesmente problemas q u e d i z e m respeito ao uso da língua, p r o c u r a não a construção de u m a língua científica, mas analisa a língua c o m u m , ordinária, de todos os dias: «a língua quotidiana é estudada de m o d o proposi-t a d a m e n proposi-t e não preproposi-tensioso, quase ensaísproposi-tico, e m relação aos seus

4 P o d e d i z e r - s e q u e o ' P r a g m a t i s m o a m e r i c a n o ' n a s c e u n o s e i o d o

«Metaphysical C l u b » d e B o s t o n ( 1 8 7 2 - 1 8 7 4 ) , a o q u a l p e r t e n c i a m C . W r i g h t , P e i r c e e J a m e s . A b r a n g e u m a área m u i t o vasta d e temáticas: ' T e o r i a da significação', ' T e o r i a da «natureza da v e r d a d e » ' , ' T e o r i a d o c r i t é r i o da validade d e u m j u í z o ' , ' P r a g m a t i s m o c o m o t e o r i a o n t o l ó g i c a ' , e t c .

J u n t o ao p r a g m a t i s m o 'clássico' dos a u t o r e s a c i m a citados, p o d e m incluír-se os t r a b a l h o s s e m i ó t i c o s d e M o r r i s . ( c f r . J . F. M O R A , Diccionario de Filosofia (c.Pragmatismo), M a d r i d , Alianza, 1 9 9 0 , p . 2 6 5 6 - 2 6 5 8 ) .

5 O sinal e n q u a n t o tal t e m três relações: (1) É u m sinal e m relação com u m

p e n s a m e n t o q u e o i n t e r p r e t a ; (2) É u m sinal para u m o b j e c t o para q u e m t e m o m e s m o significado n a q u e l e p e n s a m e n t o ; (3) É u m sinal por u m a q u a l i d a d e q u e o liga à q u e l e o b j e c t o . (cfr.B. S. L A N G E , op.cit., p . 3 1 ) .

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M É T O D O P R A G M Á T I C O D E I N T E R P R E T A Ç Ã O DA BÍBLIA 1 3 9

erros para o uso linguístico filosófico»6. A finalidade é aquilo a q u e

Brigitte Lange chama «intenção filosófico-terapeútica»7.

2. C o m o fazer coisas c o m palavras

2.1. O significado de u m a palavra c o i n c i d e c o m o seu uso

U m m a r c o i m p o r t a n t e para esta viragem, q u e se reflecte n o r u m o do seu p r ó p r i o p r o j e c t o filosófico, é o do W i t t g e n s t e i n das Philosophischen Untersuchungen, q u e r o m p e c o m as teorias expressas n o seu anterior Tractatus.

Aqui8, o filósofo de Viena, escreve q u e o significado de u m a

palavra coincide c o m o seu uso na língua. N ã o há nada o c u l t o na língua. Basta abrir o olhos e v e r c o m o f u n c i o n a . N ã o há q u e perguntar-se, pois, pelas significações: há sim q u e perguntar-se pelos usos.

W i t t g e n s t e i n d e f e n d e t a m b é m q u e n ã o há p r o p r i a m e n t e 'a linguagem', mas sim 'linguagens', e q u e estas são «formas de vida». O que nós c h a m a m o s 'linguagem' são 'jogos de linguagem'.

U m dos n u m e r o s o s 'jogos de l i n g u a g e m ' serve para descrever. Mas há muitos outros: para perguntar, para consolar, para adivinhar, para traduzir, para maldizer, para rezar... N ã o existe u m a f u n ç ã o da linguagem, do m e s m o m o d o q u e não existe u m a f u n ç ã o de u m a caixa de ferramentas. U m a peça de ferramenta serve para serrar, o u t r a para m a r t e l a r , etc. N ã o existe u m a f u n ç ã o c o m u m das expressões de linguagem; o q u e temos são inumeráveis classes de expressões e de m o d o s de usar as palavras, i n c l u i n d o as mesmas palavras ou o que parecem ser as mesmas. D o m e s m o m o d o , n ã o há algo c o m u m aos 'jogos de l i n g u a g e m ' : o q u e há apenas são 'semelhanças', 'ares de família', q u e se c o m b i n a m , i n t e r c a m b i a m , entrecruzam. N ã o há nada oculto p o r detrás dos 'jogos de lingua-g e m ' : os 'jolingua-gos de l i n lingua-g u a lingua-g e m ' são o uso q u e se faz deles, os m o d o s c o m o servem nas «formas de vida».

f' B . S. L A N G E , op.cit., p . 4 1 .

7 Ibid., p . 3 9 .

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140 DIDASKALIA

2.2. Dizer é fazer algo

Mas o principal m e n t o r da ' O r d i n a r y Language Philosophy' é, sem dúvida, Austin, a u t o r de u m a obra f u n d a m e n t a l , How to do things with words (1962). Ele c o m e ç a p o r colocar as afirmações n o q u a d r o dos c h a m a d o s e n u n c i a d o s constativos (enunciados decla-rativos, q u e t ê m «a p r o p r i e d a d e de ser verdadeiros o u falsos»9) e chama, seguidamente, a atenção para u m o u t r o tipo de enunciados, os p e r f o r m a t i v o s ( e n u n c i a d o s q u e n u n c a p o d e m ser verdadeiros n e m falsos, p o r q u e t ê m u m a outra f u n ç ã o : «servem para efectuar u m a acção. F o r m u l a r u m e n u n c i a d o deste tipo é efectuar a acção, acção que, possivelmente, n ã o p o d e r í a m o s levar a cabo, pelo m e n o s c o m a m e s m a precisão, de n e n h u m a outra maneira»10). Exemplos de e n u n c i a d o s performativos são as expressões: «Cala-te, e sai dele» (Lc 4,35), «Lançai as vossas redes» (Lc 5,4) «Hoje estarás c o m i g o n o paraíso» (Lc 23,43), «O seu n o m e é João» (Lc 1,63).

E m b o r a n ã o analisáveis e m t e r m o s de verdade e falsidade, estes enunciados s ã o n o n u m a outra dimensão: a da satisfação ou n ã o -satisfação das c o n d i ç õ e s necessárias e suficientes para o seu uso a d e q u a d o o u feliz. Surge assim a chamada «teoria das infelicidades», u m a teoria d a q u i l o q u e p o d e ' c o r r e r m a l ' c o m u m e n u n c i a d o performativo1 1:

1. Deve haver um procedimento, reconhecido conven-cionalmente, que possua determinado efeito convencional; esse procedimento tem de incluir a enunciação de certas palavras, por certas pessoas, em certas circunstâncias.

2. E necessário que, nesse procedimento, as pessoas e as circunstâncias sejam as apropriadas para desempenhar a função.

3. O procedimento deve ser executado por todos os partici-pantes, tanto de forma correcta, como

4. completa.

5. Devo acreditar no que digo e 6. não devo contradizer-me depois.

9 J . L. A U S T I N , Performativo — Constativo in J . P . L I M A , (ed), Linguagem e

acção, Lisboa, Apaginastantas, 1989, p . 4 3 .

10 Ibidem.

11 cfr. J . L. A U S T I N , Come fare cose con le parole, G é n o v a , M a r i e t t i , 1987, p . 2 0 - 2 3 .

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MÉTODO PRAGMÁTICO DE INTERPRETAÇÃO DA BÍBLIA 141 Gradualmente, p o r é m , Austin chega à conclusão de q u e t a m -b é m as afirmações são susceptíveis de u m a análise e m t e r m o s de condições de 'felicidade'.

A b a n d o n a então a distinção entre e n u n c i a d o c o n s t a t i v o \ e n u n -ciado p e r f o r m a t i v o , acentua o carácter performativo de toda a linguagem e sugere a f u n d a ç ã o de u m a teoria geral e completa do q u e se faz ao dizer qualquer coisa, isto é, uma teoria pragmática da linguagem.

Mas o q u e é que, s e g u n d o Austin, nós fazemos ao dizermos algo?

U m a coisa q u e fazemos p r e c i s a m e n t e é dizer algo, o u seja, enunciamos palavras c o m u m dado significado e certas referências. Isto é o q u e o autor designa p o r acto locutivo.

P o r o u t r o lado, ao dizermos algo, nós estamos — simultanea-m e n t e e c o n f o r simultanea-m e as circunstâncias — a praticar acções c o simultanea-m o , p o r exemplo, n o m e a r , p r o m e t e r , baptizar, perguntar, declarar, etc. E o acto ilocutivo.

Ainda o u t r o tipo de coisas q u e fazemos - e q u e Austin d e n o m i n a c o m o acto perlocutivo- t e m a ver c o m a p r o d u ç ã o de determinados efeitos n o ouvinte: ao dizer algo, p o d e m o s , c o m o q u e dizemos, ofender, encorajar, acalmar, alarmar, irritar, convencer, alegrar.

A o p r ó p r i o Austin a distinção entre acto ilocutivo e p e r l o -cutico suscitou grandes dificuldades até q u e c h e g o u à distinção: «Os actos ilocutivos são c o n v e n c i o n a i s , os actos p e r l o c u t i v o s não»12. N ã o posso, p o r e x e m p l o , p r o m e t e r nada a alguém se n ã o usar a linguagem (concebida c o m o u m c o n j u n t o de convenções) mas n ã o é indispensável usar a l i n g u a g e m q u a n d o se trata de irritar a l g u é m (posso irritá-lo através da f o r m u l a ç ã o de u m p e d i d o q u e a m b o s sabemos ele não p o d e r atender; mas t a m b é m posso irritar a l g u é m se m e vestir exactamente c o m o ele repetidas vezes).

2.3. Os actos de linguagem

O u t r o i m p o r t a n t e n o m e da ' O r d i n a r y Language P h i l o s o p h y ' é Searle, q u e r e t o m a o p r o j e c t o austiniano de constituir u m a teoria geral da acção linguística, na obra Speech Acts (1969).

Para Searle13 toda a c o m u n i c a ç ã o de natureza linguística implica actos de natureza linguística. A u n i d a d e de c o m u n i c a ç ã o literária

12 J . L. A U S T I N , Come fare cose con le parole, p . 8 9 .

13 cfr. J . R . S E A R L . , O que é um acto linguístico? i n J . P. L I M A , Linguagem e

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142 DIDASKALIA

não é — c o m o geralmente se supõe — o símbolo, a palavra ou a frase — n e m sequer u m a manifestação de símbolo, palavra ou frase — , mas a p r o d u ç ã o o u a emissão do símbolo, da palavra o u da frase n o m o m e n t o e m q u e se realiza o acto de linguagem. Q u e r dizer, a p r o d u ç ã o o u a emissão de u m a o c o r r ê n c i a de frase e m certas condições é u m acto de linguagem, e actos de linguagem são as unidades mínimas de base de toda a comunicação linguística.

M o d i f i c a u m p o u c o a c o n c e p ç ã o de Austin (não aceita, p o r e x e m p l o , a distinção e n t r e acto ilocutivo e acto locutivo) e p r o p õ e q u e se distinga, d e n t r o do acto de linguagem, três tipos de actos: Actos de expressão (enunciar palavras, morfemas, orações); Actos proposicionais (referir, pregar); Actos ilocutivos (afirmar, ordenar, p r o m e t e r . . . ) . A estes há ainda a ajuntar a n o ç ã o de Actos p e r l o -cutivos, tal c o m o os caracterizara Austin.

U m dos aspectos importantes da teoria apresentada p o r Searle é o q u e diz r e s p e i t o à relação e n t r e q u e r e r dizer e significado, r e s p o n d e n d o assim à tese defendida p o r Grice1 4.

Paul Grice e m p r e e n d e r a u m a análise do querer dizer e m termos de intenções. S e g u n d o ele, u m falante F quer dizer qualquer coisa c o m o e n u n c i a d o X, se e só se F t e m as seguintes intenções: (1) q u e a enunciação £ de X p r o d u z a u m dado efeito no ouvinte O; (2) q u e O r e c o n h e ç a a intenção (1) de F; (3) que este r e c o -n h e c i m e -n t o seja, pelo m e -n o s e m parte, a razão pela qual o efeito p r e t e n d i d o p o r F se p r o d u z a e m O. E x e m p l i f i q u e m o s :

(Lc 4,35):

JESUS d i z a o Demónio

SAI DELE!

(e o demónio...saiu dele)

S e g u n d o Grice, se Jesus enuncia 'Sai dele!' e c o m isso quer d i z e r q u a l q u e r coisa, e n t ã o é p o r q u e Jesus t e m as s e g u i n t e s i n t e n ç õ e s : (1) p r o d u z i r u m d a d o e f e i t o , n o m e a d a m e n t e q u e o demónio saia do h o m e m ; (2) q u e o demónio r e c o n h e ç a a intenção (1) de Jesus; (3) q u e este r e c o n h e c i m e n t o seja, pelo m e n o s e m parte, o m o t i v o q u e leva o demónio a deixar o h o m e m .

Parece evidente a necessidade da c o n d i ç ã o (1). A condição (2) é necessária p o r q u e , caso o Demónio tivesse saído do h o m e m sem

14 cfr. H . P . G R I C E , Querer dizer in J . P. L I M A , linguagem e acção, Lisboa,

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M É T O D O P R A G M Á T I C O D E I N T E R P R E T A Ç Ã O D A BÍBLIA 143

sequer ter o u v i d o o q u e Jesus tinha dito, n ã o diríamos q u e tinha atendido ao q u e Jesus tinha querido dizer. P o r seu lado, m e s m o q u e o demónio reconheça, p o r via da enunciação de Jesus, q u e este q u e r que ele saia, ele não a t e n d e u ao q u e Jesus quis dizer se o m o t i v o q u e o levou a sair do h o m e m foi u n i c a m e n t e , p o r e x e m p l o , o seu desejo de m u d a r de território.

A crítica de Searle a esta análise faz n o t a r q u e q u e r e r dizer algo não é só u m a questão de intenções, mas t a m b é m de convenções: a análise de Grice não faz referência às c o n v e n ç õ e s o u regras q u e relacionam as palavras enunciadas p o r Jesus c o m o q u e ele quer dizer, isto é, não faz referência à i m p o r t â n c i a do significado das palavras de Jesus para o q u e Jesus q u e r dizer c o m «Sai dele!».

A julgar p o r Grice, ficar-se-ia c o m a ideia de q u e Jesus poderia querer dizer fosse o q u e fosse c o m essa expressão, se as circuns-tâncias lho permitissem. D o n d e se concluiria q u e as palavras «Sai dele!» seriam apenas mais u m a circunstância. Mas isso n ã o é assim. E m n e n h u m a circunstância p o r e x e m p l o é imaginável q u e o efeito p r e t e n d i d o p o r Jesus c o m «Sai dele!» seja q u e o demónio p e r m a n e ç a n o h o m e m .

Para Searle falar u m a língua é adoptar u m a f o r m a de c o m p o r t a m e n t o regida p o r regras e estas regras são de u m a grande c o m -plexidade.

Estas regras são f u n d a m e n t a l m e n t e de dois tipos: R e g r a s r e g u -ladoras (regulam formas de c o m p o r t a m e n t o a n t e r i o r m e n t e exis-tentes: p o r exemplo, as regras de etiqueta r e g u l a m relações interpes-soais, mas estas relações existem i n d e p e n d e n t e m e n t e das regras de etiqueta) e R e g r a s c o n s t i t u t i v a s (regras q u e n ã o se l i m i t a m a regular, mas criam ou d e f i n e m novas regras de c o m p o r t a m e n t o : p o r exemplo, 'a missão confiada aos D o z e ' ( L c 9.1-6)). E Searle d e f e n d e q u e «há regras constitutivas subjacentes aos actos linguísticos»15.

3. Q u e traz de n o v o a pragmático-linguística?

Estas várias teorias q u e f o m o s apresentando, ajustamse e c o m -p l e m e n t a m - s e n u m a nova visão da linguagem.

O principal vector de r u p t u r a c o m as c o n c e p ç õ e s linguísticas tradicionais é que, q u e r a dita 'linguagem natural', q u e r a

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144 DIDASKALIA

g e m literária'1 6 são identificadas c o m o comunicação: «a ideia de falar n o seu sentido p l e n o , q u e é o q u e interessa à linguística, é indisso-ciável da de querer dizer algo a alguém; indissoindisso-ciável da ideia da p r e s e n ç a de u m interlocutor (...) q u e compreende o q u e se q u e r dizer»17, indissociável p o r t a n t o da n o ç ã o de comunicação.

E sublinhe-se q u e , c o m o d e f e n d e Green, «a c o m u n i c a ç ã o não se r e d u z a u m i n t e r c â m b i o de expressões simbólicas: trata-se antes da correcta interpretação, p o r parte de u m destinatário, da intenção q u e guia u m falante n o c u m p r i m e n t o de u m acto linguístico»18. N e m a c o m u n i c a ç ã o p o d e ser reduzida a u m processo de ' c o d i f i -cação' e 'descodifi-cação': este processo explica apenas c o m o é q u e o o u v i n t e M e i t o r v e m a saber o q u e o f a l a n t e \ a u t o r diz, mas não c o m o ele c o m p r e e n d e o q u e o f a l a n t e \ a u t o r quis dizer. A o simples esquema ' c o d i f i c a ç ã o ' \ ' d e s c o d i f i c a ç ã o ' escapam, p o r e x e m p l o , todos os usos n ã o - d i r e c t o s da linguagem: a metáfora, a ironia, a insi-n u a ç ã o , a coinsi-ntradição apareinsi-nte,etc. Esse esquema t e insi-n d e a coinsi-nsiderar a l i n g u a g e m c o m o u m m e r o veículo para transmitir informações.

C o n t r a este r e d u c i o n i s m o colocou-se, c o m o acima vimos, o W i t t g e n s t e i n das 'Investigações filosóficas', t o m a n d o posições que f i z e r a m d e l e u m p r e c u r s o r d o p o n t o de vista p r a g m á t i c o nos e s t u d o s l i n g u í s t i c o s ( s o b r e t u d o ao i n t r o d u z i r a identificação do significado com o uso e ao criar a n o ç ã o de jogo de linguagem).

Mas a f o r m u l a ç ã o q u e decidiria, e m grande parte, a fortuna crítica da Pragmática linguística é a do carácter performativo de toda a linguagem o u dos actos de linguagem (speech acts). U m ' a c t o de l i n g u a g e m ' «é u m acto levado a cabo q u a n d o u m falante p r o d u z u m e n u n c i a d o . . . n u m tipo específico de situação c o m u n i c a t i v a . . . U m acto de fala n ã o é apenas u m acto de falar o u de ' q u e r e r dizer', mas é s o b r e t u d o , e de maneira decisiva, um acto social, p o r m e i o do qual os m e m b r o s de u m a c o m u n i d a d e falante e n t r a m e m interacção

16 R e m e t o a discussão s o b r e ' A c t o s d e l i n g u a g e m ' e ' n a t u r e z a da literatura'

p a r a dois interessantes ensaios i n c l u í d o s n a a n t o l o g i a d e J. A. M A Y O R A L (ed),

Pragmática de la comunicación literaria, M a d r i d , A r c o , 1987: r e f i r o - m e a Los actos de habla y la definición de la Literatura ( p . 1 1 - 3 4 ) , d e R . O h m a n n (aqui se d e f e n d e ,

n o m e a d a m e n t e , q u e a l i t e r a t u r a faz u m u s o « m i m é t i c o » dos actos d e l i n g u a g e m ' n a t u r a i s ' ) e a La Pragmática de la Comunicación Literaria ( p . 1 7 1 - 1 9 4 ) , d e T . V a n D i j K ( o n d e se diz q u e a literatura c o n s t i t u i u m ' a c t o d e habla particular).

17 J . P . L I M A , Uma Linguística Pragmática ou uma Pragmática em Linguística? in

J . P. L I M A , (ed), Linguagem e acção, Lisboa, A p a g i n a s t a n t a s , 1 9 8 9 , p . 1 0 - 1 1 .

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MÉTODO PRAGMÁTICO DE INTERPRETAÇÃO DA BÍBLIA 145 mútua»1''. P o r q u e «no a u t o r se p r e s u m e não só u m a ' m e r a ' i n t e n ç ã o de informar; pelo contrário, a sua i n t e n ç ã o 'narrativa' de transmitir está ao serviço de u m efeito j á previsto c o m o verdadeira finalidade, e que ele q u e r provocar n o receptor»2 0.

Este é, sem dúvida, u m m o d o m u i t o n o v o e rico de possibi-lidades para a leitura, e m Igreja, d o t e x t o bíblico.

JOSÉ T O L E N T I N O M E N D O N Ç A

19 V A N D I J K , T . A . , La Pragmática de la comunicaciónliteraria i n M A Y O R A L ,

J o s é A., Pragmática de la comunicación literaria, M a d r i d , A r c o , 1 9 8 7 , p . 1 7 2 .

20 L E N T Z E N - D E I S , Avances metodologicos de la exegesis para la praxis de hoy, B o g o t á , Paulinas, 1990, p . 1 4 .

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