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A SANÇÃO COERCITIVA COMO INSTRUMENTO DE EFICÁCIA DA NORMA NO DIREITO INTERNACIONAL - DOI: 10.12818/P.0304-2340.2015v67p341

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Academic year: 2021

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ABSTRACT

The nature of international law is marked by a certain normative fluidity due to the discretionary competence held by its subjects. However, it is observed that such fluidity does not imply at the non-binding nature of the international rules, which have its scope defined independently from its acceptance or reception. Thus, it can be inferred that the effectiveness of the international law relies on both the acknowledgment of the international society members’ need to relate with one another, as well as the strength of the coercive sanctioning element. In this sense, the hereby presented article analyses the role of the coercive sanction regarding the effectiveness of international law, based on its fragmented nature. Finally, the adequacy of the international coercive system is analysed in its various spheres: the international commerce and the WTO dispute settlement system, the international criminal jurisdiction, and the human rights protection system represented by the operation of the European Court of Human Rights, the Interamerican Court of Human Rights and, above all, the International Court of Justice.

A SANÇÃO COERCITIVA COMO

INSTRUMENTO DE EFICÁCIA DA NORMA

NO DIREITO INTERNACIONAL

THE PUNITIVE SANCTION AS AN EFFECTIVINESS

INSTRUMENT OF A RULE IN INTERNATIONAL LAW

Leonardo nemer CaLdeira Brant*

Laura CaBraLde aveLar marques** RESUMO

O direito internacional é marcado por certa fluidez normativa decorrente da competência discricionária conservada por seus destinatários. No entanto, observa-se que tal fluidez não implica na não-vinculação da norma internacional, que tem seu alcance definido independentemente de sua aceitação ou recepção. Sendo assim, infere-se que a eficácia da norma internacional decorre tanto do reconhecimento objetivo da necessidade social dos membros da sociedade internacional de se relacionarem com seus pares de boa-fé, quanto da força do elemento coercitivo sancionatório. Nesse sentido, o presente artigo analisa o papel do constrangimento e da sanção coercitiva na eficácia do direito internacional tendo como base a sua natureza fragmentada. Por fim, analisa-se a adequação do sistema coercitivo internacional em seus diversos âmbitos, quais sejam o comércio internacional e o sistema de solução de controvérsias da OMC, a jurisdição penal internacional, e o sistema universal de proteção aos direitos humanos, representado pela atuação da Corte Europeia de Direitos Humanos, da Corte Interamericana de Direitos Humanos e,

* Professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais. Doutor em Direito Internacional.

Email: leonardo@cedin.com.br

** Aluna do Curso de Graduação da Faculdade de Direito da UFMG.

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KEYWORDS: Sanction. International Law.

Coercive System. Human Rights. sobretudo, da Corte Internacional de Justiça.

PALAVRAS-CHAVE: Sanção. Direito Internacional. Sistema Coercitivo. Direitos Humanos.

SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO. 2. A NATUREZA FRAGMENTADA DO SISTEMA DE SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS INTERNACIONAL E DE SEUS RESPECTIVOS MODELOS COERCITIVOS. 2.1. O modelo particular de solução de controvérsias na esfera do comércio internacional e a existência de um sistema coercitivo ajustado às suas exigências. 2.2. Certas particularidades da jurisdição penal internacional e a existência de um sistema coercitivo internacional adaptado aos seus fundamentos. 3. A PROTEÇÃO INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS E A EXISTÊNCIA DE UM SISTEMA COERCITIVO INTERNACIONAL FORMATADO SEGUNDO SEUS PRINCÍPIOS. 3.1. O sistema universal de proteção dos direitos humanos e as particularidades de seu mecanismo coercitivo e sancionatório. 3.2. O mecanismo coercitivo no universo da Corte Europeia de Direitos Humanos. 3.3. O mecanismo coercitivo no universo da Corte Interamericana de Direitos Humanos. 3.4. O sistema coercitivo decorrente do processo na Corte internacional de justiça. 4. CONCLUSÃO.

1. INTRODUÇÃO

Começamos o presente artigo com uma indagação: por que os membros da sociedade internacional executam uma obrigação normativa ou qual a eficácia do Direito Internacional? A questão que se coloca aqui é simples: por que finalmente estas entidades soberanas implementam uma obrigação normativa, ainda que esta venha a hipoteticamente contrariar os seus próprios interesses imediatos? Qual o elemento que conduz os destinatários da norma

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internacional a uma adequação de seu comportamento, conforme determinação normativa? Como uma ordem normativa, sem um poder de polícia nos moldes do direito interno e sem que exista o monopólio do uso da força a ser exercido de forma uniforme por uma entidade superior aos seus membros, pode ter suas obrigações executadas de forma eficaz? Como uma norma que corresponde a um ato de soberania pode ser eficaz se esta está sujeita a uma forte apreciação justamente em função das prerrogativas dessa soberania? Assim, se a pergunta é elementar, a resposta não é.

A eficácia da norma internacional tem como origem dois componentes centrais que serão realizados por intermédio de um terceiro. O processo se dá, portanto, a partir da união da força do elemento coercitivo sancionatório com o reconhecimento objetivo da necessidade social dos membros da sociedade internacional de se relacionarem com seus pares de boa fé. Neste contexto, surge um elemento de ordem subjetiva, ou seja, a avaliação do custo e do benefício da execução da obrigação normativa. A efetividade de uma obrigação internacional é, portanto, oriunda da atuação dos mecanismos coercitivos e sancionatórios aliados à necessidade social de se relacionar de boa fé.

Desta forma, é verdade que a recusa na implementação de uma norma internacional decorre da competência discricionária conservada por seu destinatário. Em outras palavras, se procuramos os fundamentos da eficácia da norma internacional, somos obrigados a reconhecer que os Estados podem escolher dar ou não seguimento a uma ordem normativa. Esta não implementação do direito não significa, porém, sua inexistência. Deixar de aplicá-lo não significa retirar da norma seu componente vinculante, ou seja, o comportamento negativo de um Estado não afeta o alcance da norma, uma vez que este alcance não depende da aceitação ou da recepção. Com efeito, os delitos não anulam o direito, mas, pelo contrário, o afirmam. Todavia, se a existência da norma não está ligada a sua execução, por que exatamente estas entidades soberanas executam a norma e a implementam ainda que esta seja eventualmente contrária a seus interesses?

Será que tal situação ocorre por força do elemento coercitivo? De fato, Kelsen, uma vez afirmou que “nenhum direito

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pode contar unicamente sobre sua força moral para se fazer respeitar. É necessário a existência de um sistema coercivo organizado”. Esta ênfase no elemento sancionatório não produz mais nenhum eco atualmente. É óbvio que a estrutura sancionatória e coercitiva internacional está na base do cumprimento da norma internacional. Mas ela não é nem condição de existência da qualidade normativa do Direito nem tampouco o único elemento capaz de fazê-lo ser respeitado. Contrariamente ao que dizia Kelsen, a aplicação da sanção representa apenas uma ferramenta com o intuito de conduzir o destinatário da norma a um comportamento derivado de sua obrigação. A sanção tem, portanto, uma função indutora da eficácia da norma. Nesse sentido, qual seria de fato o seu alcance na realização de sua finalidade? De que maneira ela se estrutura na esfera internacional? Como ela se desenha e se manifesta e de que modo age? Afinal, qual é o papel do constrangimento e da sanção coercitiva na eficácia do Direito Internacional?

Em primeiro lugar, ela é geralmente o resultado de um modelo de solução de controvérsias, cuja dinâmica deve ser compreendida à luz de três dimensões distintas: a primeira deve enfocar sua natureza fragmentada, a segunda sua forma concentrada, a terceira sua concepção descentralizada. No presente artigo, trataremos da primeira dimensão, explicando desde seu conceito até sua aplicação prática. A partir desta natureza fragmentada, verifica-se a adequação do sistema de solução de controvérsias de cada esfera internacional à sua realidade fática. Deste modo, procede-se à análise do comércio internacional e o sistema de solução de controvérsias da OMC, da jurisdição penal internacional, e do sistema universal de proteção aos direitos humanos, representado pela atuação da Corte Europeia de Direitos Humanos, da Corte Interamericana de Direitos Humanos e, sobretudo, da Corte Internacional de Justiça.

2. A NATUREZA FRAGMENTADA DO SISTEMA DE

SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS INTERNACIONAL E

DE SEUS RESPECTIVOS MODELOS COERCITIVOS

A natureza fragmentada do sistema coercitivo internacional segue a tendência de diversificação institucional, multiplicação de

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jurisdições internacionais e expansão do Direito Internacional na direção da consolidação de regimes jurídicos próprios relativos a matérias determinadas1. A descentralização do Direito Internacional

em ordens jurídicas específicas e concorrentes implica, portanto, a adequação necessária de sistemas desenhados segundo as exigências de cada área temática. Assim, os mecanismos coercitivos no Direito Internacional atual podem assumir feições variadas2, respondendo

às necessidades da matéria regulamentada3.

Isto significa que, embora exista um mecanismo coercitivo concentrado e universal agindo na esfera das Nações Unidas, a arquitetura sancionatória internacional é mutável, pois é adaptada às características elementares de cada uma das áreas temáticas internacionais. Deste modo, é natural que haja um sistema coercitivo ajustado às exigências do comércio internacional, outro adaptado aos fundamentos do Direito Internacional penal, outro formatado segundo a natureza do sistema internacional de proteção dos direitos humanos, e assim por diante.

1 Vide INTERNATIONAL LAW COMISSION. Report of the Study Group on

Fragmentation of International Law: Difficulties Arising from the Diversification and

Expansion of International Law. UN Doc A/CN.4/L.682, 13 de abril de 2006. 2 DAMROSCH, Lori F. Enforcing International Law Through Non-forcible Measures.

Haia: RCADI, 1997.

3 Vide DREZNER, D. Bargaining, Enforcement and Multilateral Sanctions: When is Cooperation Counterproductive? International Organization, 2000, v. 54, n. 1, p. 73- 102.

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2.1. O MODELO PARTICULAR DE SOLUÇÃO DE

CONTROVÉRSIAS NA ESFERA DO COMÉRCIO

INTERNACIONAL E A EXISTÊNCIA DE UM SISTEMA

COERCITIVO AJUSTADO ÀS SUAS EXIGÊNCIAS

O acordo instaurado na Organização Mundial do Comércio como um “quadro institucional comum para a condução das relações comerciais entre seus membros”4 responde às negociações

comerciais multilaterais decorrentes da Rodada do Uruguai. Assinado ad referendum, em 15 de dezembro de 1993, em Genebra, pelos representantes dos governos das partes contratantes no Acordo Geral sobre as Tarifas Alfandegárias e Comércio (G.A.T.T.), e as Comunidades Europeias, o Acordo foi definitivamente instituído em Marrakesh, em 15 de abril de 1994, e entrou em vigor em 1º de janeiro de 19955. A Organização Mundial do Comércio (O.M.C.)

não apenas substituiu o G.A.T.T. e os acordos da Rodada de Tóquio, esta também forneceu um quadro jurídico à quase totalidade dos intercâmbios comerciais do globo6 e estabeleceu mecanismos

mais sofisticados de solução das controvérsias7 assentados em

instrumentos coercitivos mais adaptados à realidade do comércio internacional.

A natureza do sistema de solução de controvérsias prescrito pela O.M.C. é, portanto, dual. Por um lado, ele retoma um

4 Ver OMC: ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMÉRCIO. Agreement Establishing

the World Trade Organization. 1994. Disponível em <http://www.wto.org/english/

docs_e/legal_e/04-wto.pdf, acesso em 23/04/2015, notadamente o artigo II>. 5 117 países participaram da Rodada do Uruguai.

6 Ver o artigo VIII do Acordo criando a O.M.C. (vide nota de rodapé n. 4), no qual um verdadeiro sistema jurídico comercial parece estar sendo criado.

7 Ver RENOUF, Yves. Les mécanismes d’adoption et de mise en oeuvre du règlement des différends dans le cadre de l’O.M.C sont-ils viables. V. 40. A.F.D.I; 1994, p. 776-791; KOHONA, P.T.B. Dispute Resolution under the World Trade Organization. Journal

of World Trade. vol. 28, n°2, Genebra, abril de 1994, p. 23; WILCOX, C. A Charter for World Trade. Nova Iorque: Macmillan, 1949; PLAISANT, R.. L’Organisation

internationale du commerce. R.G.D.I.P; 1950, pp. 168-176; CARREAU, D; JULLIARD, P. Droit international économique. Paris: L.G.D.J; 1999, pp. 95 ss.

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certo número de disposições codificadas em textos precedentes8,

preservando a possibilidade da solução jurisdicional ou não jurisdicional. Ele prevê, assim, a solução de controvérsia por via da negociação9, dos bons ofícios10, da mediação11, da conciliação,

do inquérito12, da solução arbitral13 e da forma jurisdicional14. Em

contrapartida, ele constitui igualmente uma mudança excepcional em relação ao sistema precedente15. A inovação reside no emprego

de uma linguagem semijurídica e semidiplomática16. O sistema de

solução de controvérsias no âmbito da O.M.C. seria, portanto,

8 Ver o artigo 3, parágrafo 1o, do Memorando do Acordo.

9 O Acordo geral não utiliza o termo ‘negociação’. No entanto, em diversas ocasiões, ele emprega a expressão consulta, no sentido de negociação.Ver os artigos 22 e 23 do Acordo geral. Ver: KASS, Stephen L. Obligatory Negotiation in International

Organization. 3 Can Y.B.Int’L.36. 1965. pp. 43-46.

10 O Memorando do Acordo parece reconhecer a competência do Secretário geral de agir como intermediário na solução dos litígios.

11 Ver o artigo 5 do Memorando do Acordo. 12 Ibid.

13 O Memorando do Acordo reconhece formalmente a arbitragem como uma alternativa à solução de controvérsias no seio da O.M.C. A arbitragem também sempre esteve disponível no seio do G.A.T.T. Os exemplos são raros mas pode-se citar o caso da “guerre des poulets”. Ver: VIGNE, Daniel. Le fonctionnement d’une procédure de conciliation: A propos de la guerre de poulets. V. 9. A.F.D.I; 1963, p. 473-479. Ver igualmente IWASAWA, Y. Settlement of Disputes Concerning the W.T.O. Agreement: Various Means Other Than Pannel Procedures. IN: YOUNG, M. K (Org.); IWASAWA, Y. (Org.). Trilateral Perspectives on International Legal Issues: Relevance of Domestic Law and Policy. Nova Iorque: Transnational Publishers. 1996. p. 403-417; WALKER, Herman. The Chicken war: steps toward arbitration. Arb. J. 19, 38. 1964. pp. 43-44. 14 É certo que a jurisdição contenciosa da C.I.J. está aberta às partes litigantes.

Ver: JAENICKE, G. International Trade Conflicts before the Permanent Court of International Justice and International Court of Justice. IN: PETERSMAN, E-U (Ed.); JAENICKE, G. (Ed.). Adjudication of International Trade Dispute in International and National Economic Law. 1992, pp. 56-57.

15 SAIKI, N. W.T.O., Rules and Procedures for Settlement of Disputes - Their Formation: a Practitione’s View. IN: YOUNG, M. K (Org.); IWASAWA, Y. (Org.). Trilateral Perspectives on International Legal Issues: Relevance of Domestic Law and Policy. Nova Iorque: Transnational Publishers. 1996, p. 403.

16 CANAL-FORGUES, Eric. Le système de règlement des différends de l’Organisation Mondiale du Commerce. R.G.D.I.P; vol. 98, 1994, p. 699.

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uma quase jurisdição. Porém, o que isto significa? Esse termo traduziria uma atenuação do caráter obrigatório e definitivo de uma eventual sentença internacional? Ou, ao contrário, designaria um aprofundamento da autoridade de uma decisão de um órgão político? Na realidade, almeja-se criar alternativas susceptíveis de conciliar o caráter coercitivo de uma decisão sem ter que submetê-la à lógica inflexível da coisa julgada. Essa conciliação pode ser observada em duas situações distintas.

1 – Antes da criação da O.M.C., a adoção do relatório redigido por um grupo especial ou painel17 expressava claramente

uma decisão política. Qualquer parte podia bloquear a adoção de um relatório simplesmente opondo seu veto ao consenso necessário à sua adoção. Sem a adoção, o relatório não era aplicável juridicamente e a parte condenada não era obrigada a adequar sua legislação em conformidade com o interpretado pelo painel. A O.M.C., contudo, parte de uma premissa oposta. O consenso deixa de ser requisito necessário para a adoção do relatório, passando, inclusive, a ser exigido para impedir a adoção deste. Assim, ele deixa de ser positivo e passa a ser negativo. Sua finalidade se inverte e a autoridade da decisão do painel, embora não seja jurisdicional, terá forte apelo coercitivo. Na realidade, há uma dificuldade em perceber como os membros da O.M.C., cujos interesses são sensivelmente diferentes, poderiam encontrar um consenso sobre um dado assunto.

2 – Após a decisão do painel, a matéria pode ser encaminhada ainda ao Órgão de Apelação, cuja natureza jurisdicional é claramente mais acentuada. Na verdade, o exame da apelação não constitui um segundo processo de conciliação, uma vez que o Órgão de Apelação não está habilitado a reexaminar a integralidade do caso18, tendo

a liberdade para apreciar apenas matéria de direito. Além disso, o Órgão poderá confirmar, modificar ou invalidar as constatações

17 O painel é um órgão formado por especialistas independentes. Sua função é a de examinar os argumentos das partes do ponto de vista legal e produzir considerações e recomendações na forma de um relatório ao Órgão de Solução de Controvérsias (O.R.D.) da O.M.C.

18 O Órgão de Apelação está encarregado de examinar as questões de direito apreciadas pelo relatório do Grupo Especial.

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e as conclusões apenas de natureza jurídica oriundas do grupo especial inicialmente convocado. Seus relatórios, contudo, devem ser adotados finalmente pelo Órgão de Solução das Controvérsias.

Essa mistura entre o político e o jurídico permite observar a que ponto a confusão entre os modos de solução jurisdicional e diplomática são reais. Por um lado, concede-se uma autoridade considerável às decisões dos painéis e uma competência real de análise jurídica ao Órgão de Apelação. Por outro, não se chega a admitir que essas decisões estabeleçam a coisa julgada. Na realidade, tenta-se contornar indiretamente o caráter obrigatório e definitivo da sentença jurisdicional, acrescentando uma certa força coercitiva à decisão política. Demonstra-se, assim, o desejo de se encontrar uma solução equilibrada entre a autoridade inflexível de uma decisão jurisdicional e a instabilidade de uma decisão política.

É dentro deste contexto que certos mecanismos coercitivos serão adaptados à esfera do comércio internacional. Medidas compensatórias ou mesmo a suspensão de concessões comerciais são, em situações excepcionais, perfeitamente cabíveis. É o que demonstra o artigo 3 paragrafo 7 e 22 do acordo constitutivo da O.M.C. Tal mecanismo é próprio à realidade comercial. Do mesmo modo, se uma das partes condenadas se recusar a eliminar as medidas litigiosas geradoras de medidas compensatórias legítimas, ou se houver um desacordo quanto à compatibilidade de medidas corretivas com os acordos da O.M.C., o caso pode ser levado novamente às mesmas instâncias ou a um árbitro internacional, como prevê o artigo 25 e 21. Finalmente, o reclamante pode ser autorizado a suspender eventuais concessões ou outras obrigações cujo valor seria equivalente à redução das vantagens a que foi submetido. Esta forma de contra medida cruzada é uma especificidade própria ao sistema coercitivo do comércio internacional. A especificidade do sistema criado pelos acordos de Marrakesh implica a real possibilidade de adoção de contra medidas, mas, conforme dispõe o artigo 23, parágrafo 2 (b) e (c), estas somente serão possíveis após uma autorização do órgão de solução de controvérsias19.

19 Ver o relatório do grupo especial do órgão de solução de controvérsias de 22 de dezembro de 1999, no caso Estados Unidos – Artigos 301 a 310 de lei de 1974 sobre

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Consequentemente, as contra medidas preventivas são proibidas e as partes litigantes devem imperativamente recorrer ao sistema multilateral para obter uma reparação.

2.2. CERTAS PARTICULARIDADES DA JURISDIÇÃO PENAL

INTERNACIONAL E A EXISTÊNCIA DE UM SISTEMA

COERCITIVO INTERNACIONAL ADAPTADO AOS

SEUS FUNDAMENTOS

Os fundamentos do Direito Internacional penal têm suas especificidades, que em larga medida influenciarão a forma de atuação repressiva do Direito Internacional. Em primeiro lugar trata-se de uma ordem normativa cujo campo de atuação, em grande medida, interessa a toda a comunidade internacional e não apenas aos Estados partes a um acordo determinado. A competência material do Tribunal Penal Internacional é, portanto, imposta aos crimes mais graves reconhecidos pela comunidade internacional, ou seja, os crimes de genocídio, os crimes contra a humanidade, os crimes de guerra e os crimes de agressão 20. Não se trata de sustentar

a existência, no Direito Internacional, de graus variados de ilicitude, mas de reconhecer que um ato de genocídio, por exemplo, é contrário à consciência que temos dos valores mínimos da humanidade e atinge os fundamentos da comunidade internacional. É neste sentido que se deve compreender o posicionamento da Corte Internacional de Justiça (CIJ) que, no caso Barcelona Traction, ao tratar do crime de genocídio, o considera como jus cogens e sustenta que todos os Estados devem ser considerados como tendo um interesse jurídico a que estes direitos sejam protegidos: as obrigações decorrentes são erga omnes 21.

o comércio exterior.

20 Artigo 5 parágrafo 1 do Estatuto de Roma de 17 de julho de 1998 (BRASIL, Decreto n. 4.388. Promulga o Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional. Brasília, DF: Planalto, 25 set. 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ decreto/2002/D4388.htm>. Acesso em 23 abril 2015.

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Tal princípio está na base de uma estrutura processual de competências no âmbito do Tribunal Penal Internacional, que impõe uma reorientação dos princípios clássicos do consentimento na esfera internacional. A abertura do processo, portanto, poderá ser realizada por solicitação do Conselho de Segurança que, representando a comunidade internacional, poderá identificar um indivíduo suspeito da prática de crime internacional previsto no Estatuto do Tribunal. De tal situação decorre também do princípio segundo o qual um indivíduo de nacionalidade de um Estado não parte do Estatuto poderá igualmente ser levado à justiça penal, quando o crime for praticado em território de um Estado parte. A importância da natureza do crime internacional aliada ao empenho de impedir a impunidade permitiu uma adaptação extraordinária, pois a coerção a um determinado comportamento ilícito não é mais absolutamente dependente das regras que orientam o consentimento.

Outra consequência importante desta adaptação decorre do fato de o Direito Internacional penal ter como polo passivo o indivíduo. Tal fenômeno implica em consequências processuais importantes. Talvez a mais relevante delas seja a concepção de uma estrutura de apelação nas jurisdições penais. De fato, se considerarmos o caráter esporádico da possibilidade de recurso das decisões arbitrais22 e a total impossibilidade de apelação

das sentenças da Corte internacional de justiça23, assim como

das que emanam dos T.M.I.24, constata-se que a criação de uma

22 Ver o artigo X do compromisso entre a Tchecoslováquia, a Iugoslávia e a Romênia de um lado e a Hungria de outro. C.P.J.I., Série C, N°68, p. 217. Ver igualmente o caso da Université Peter Pazmany, C.P.J.I., Série A/B, n°61, pp. 220. Ver: GERMANY. The Mixed Commission to the Arbitral Tribunal for the Agreement on German External Debts. Londes: The Mixed Commission to the Arbitral Tribunal for the Agreement on German External Debts n°1, 1953, Cmd. 8781, article 31, (7). O tribunal para a Alta Silésia é um bom exemplo recente de um tribunal internacional dotado de competência para julgar recurso de jurisdições internas. Ver igualmente os artigos 51 e 52 da Convenção do C.I.R.D.I. de 18 de março de 1965.

23 Ver os artigos 59 e 60 do Estatuto da C.I.J. que indicam a natureza definitiva de suas sentenças.

24 O artigo 26 do Tribunal Militar Internacional afirma que o julgamento do T.M.I. “deve ser definitivo e sem recurso”. Assim, ainda que o General MacArthur, se reservasse o direito de revisar as decisões do T.M.I. (Tribunal de Tokyo), admite-se

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Corte de Apelação, nas Jurisdições Penais Internacionais para a ex-Iugoslávia25, para Ruanda26, e no âmbito do Tribunal penal

internacional27, é uma experiência inovadora. A justificativa para

tal evolução é quase evidente. Com efeito, é certo que no Direito Internacional penal o erro jurisdicional poderia adquirir dimensões desastrosas e, de alguma forma, irreversíveis. Assim, o argumento moral, em favor da possibilidade de vias de recurso, resulta da adaptação do Direito Internacional à evolução dos desafios impostos à comunidade internacional. Ela reflete a influência, sobre o processo jurisdicional, de regras e valores fundados na proteção dos direitos do homem28, que traduzem menos a necessidade de segurança

jurídica do que o dever de a sentença corresponder ao bien jugée. Assimilando a possibilidade de apelação à manifestação de um direito do homem, o Direito Internacional Penal transforma a preocupação clássica de segurança jurídica na necessidade objetiva de que a sentença se aproxime o máximo possível da verdade (res judicata pro veritate accipitur). O Direito Internacional Penal “testemunha o equilíbrio entre a necessidade de garantia máxima dos direitos do acusado e a indispensável eficácia da justiça”29. De fato,

o espírito de criação do Direito Internacional Penal desenvolveu-se paralelamente à intensa atividade normativa no domínio dos direitos do homem após 1945. Assim, o artigo 14, §5 do Pacto Internacional

que esta competência se explicava por uma capacidade executiva de revisão, o que não é sinônimo de um recurso jurisdicional. A mesma argumentação pode ser aplicada às decisões do T.M.I., instituída pelo Allied Control Council Law n° 10. De fato, o governo militar da zona de ocupação americana na Alemanha se julgava no direito de revisar as decisões e, em certos casos, de comutar as penas. No entanto, tratava-se de uma revisão executiva e não de um recurso, nem tampouco de uma revisão jurisdicional.

25 Ver o artigo 11 do Estatuto do T.P.I.Y. 26 Ver o artigo 10 do Estatuto do T.P.I.R.

27 O artigo 34 do Estatuto da Corte Penal Internacional estabelece uma seção de apelações na composição e na administração da Corte.

28 CASSESE, Antonio. The International Criminal Tribunal for the Former Yugoslavia and Human Rights. European Human Rights Law Review, vol. 4, 1997, pp. 329-352. 29 ASCENCIO, Hervé; PELLET, Alain. L’activité du Tribunal Pénal Pour L’Ex-Yougoslavie

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Relativo aos Direitos Civis e Políticos afirma que “Toda pessoa declarada culpada de uma infração tem o direito de fazer examinar, por uma jurisdição superior, a declaração de culpabilidade e a condenação, conforme a lei.”. O mesmo princípio está inserido no artigo 2 do Protocolo nº 7 da Convenção de Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais. O artigo 8, §2, h, da Convenção Americana, relativa aos direitos do homem, institui igualmente o direito de introduzir uma apelação de um julgamento diante de um tribunal superior.30 Como observa a Corte

de apelação do T.P.I.Y., no caso Tadic, “o artigo 25, do Estatuto do Tribunal Internacional [...] prevê um processo de apelação interna ao Tribunal Internacional. Essa disposição está de acordo com o Pacto Internacional Relativo aos Direitos Civis e Políticos.”31.

Por fim, o Direito Internacional Penal impõe uma ordem normativa voltada para a punibilidade de indivíduos cujo comportamento, capaz de engajar sua responsabilidade, é certamente distinto daquele reservado aos Estados. Todo o mecanismo de cerceamento de liberdade, de entrega do acusado, de garantias processuais oriundas da proteção dos direitos humanos, ou mesmo de coerção para o cumprimento da pena, seguem uma sua própria dinâmica.

3. A PROTEÇÃO INTERNACIONAL DOS DIREITOS

HUMANOS E A EXISTÊNCIA DE UM SISTEMA

COERCITIVO INTERNACIONAL FORMATADO

SEGUNDO SEUS PRINCÍPIOS

Embora o Direito Internacional tenha como destinatário final o ser humano e a realização de suas potencialidades em

30 WYNGAERT, Christine Van Den; STESSENS, Guy. International Criminal Law: A Collection of International and European Instruments. Haia: Kluwer Law International. 1996, p. 621.

31 Ver o caso Dusko Tadic, n°IT-94-1-AR72 de 2 de outubro de 1995. Ver igualmente SASSOLI, Marco. La première Décision de la Chambre D’Appel du Tribunal Pénal International pour L’Ex-Yougoslavie: Tadic (Compétence). R.G.D.I.P; Vol. 100, 1, 1996, pp. 101-133.

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todas as suas dimensões, é certo que a norma internacional não é produzida, em grande medida, de forma a poder ser acolhida diante de uma pretensão de um indivíduo. Em razão de sua competência pessoal e territorial, cabe ao Estado o poder de agir face aos indivíduos nacionais ou estrangeiros vivendo em seu território. Consequentemente, a norma internacional não obriga, em geral, as autoridades públicas nacionais de um determinado Estado e, com raras exceções, como no caso da proteção diplomática de seu Estado nacional, os indivíduos dispõem de mecanismos capazes de suprir este vazio. Em outras palavras, é certo que os Estados são, ainda nos dias de hoje, profundamente ciosos da sua qualidade de agentes soberanos, e, portanto, reticentes a qualquer legislação que pudesse agir contra eles mesmos 32.

Dentre estas exceções, se situa todo o sistema internacional de proteção dos direitos do homem. Neste caso, ocorre um movimento particularmente interessante. Visando harmonizar suas ambições soberanas com os anseios de uma comunidade internacional que passa, a cada dia, a reconhecer com mais insistência o indivíduo como destinatário final do direito, os Estados procuram estabelecer um método de legislação por via paralela. Por meio deste mecanismo, os Estados procuram equilibrar seu direito interno com as convenções internacionais e, deste modo, evitar a intervenção de organismos internacionais teoricamente independentes. Tal metodologia, contudo, não é suficiente para se possa excluir a ação internacional na garantia e proteção dos direitos do homem. Afinal, a preservação dos direitos dos indivíduos no plano internacional deve superar os problemas decorrentes da diversidade dos sistemas jurídicos nacionais.

É neste sentido que a Carta das Nações Unidas impõe, sob a ótica de princípios gerais, o respeito universal dos direitos humanos e das liberdades fundamentais já em seu preâmbulo e nos artigos 1, 13, 55, 62, 68, 76. Tal previsão legal é complementada em forte medida pela Declaração Universal dos Direitos do Homem de 10 de dezembro de 1948 e pelos pactos de 16 de dezembro de 1966

32 DAILLIER, P; FORTEAU, M; PELLET, A. Droit international public. Paris: LGDJ, 8 ed. pp. 723-727.

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relativos aos direitos econômicos sociais e culturais e direitos civis e políticos. Temas específicos passaram então a ser tratados por convenções particulares. Este é o caso, por exemplo, da Convenção para Prevenção e Repressão do crime de Genocídio de 1948, da Convenção para abolição da escravatura de 1953 e 1956, da Convenção para eliminação de todas as formas de discriminação racial de 1966, daquela contrária ao Apartheid de 1973, ou daquela relativa a luta contra a tortura ou tratamentos inumanos ou degradantes de 1984. Os exemplos, como se vê, são inúmeros.

No entanto, cabe ressaltar que uma coisa é afirmar direitos, outra, muito diferente, é garantir o seu respeito e a sua implementação. Para tanto, um duplo sistema de natureza universal e regional se estabeleceu.

3.1. O SISTEMA UNIVERSAL DE PROTEÇÃO DOS

DIREITOS HUMANOS E AS PARTICULARIDADES DE

SEU MECANISMO COERCITIVO E SANCIONATÓRIO

O sistema universal de proteção e garantia de implementação dos direitos humanos não tem uma construção única. Ele pode ser encontrado tanto na Organização Internacional do Trabalho, que trata de questões relativas aos direitos humanos em matéria de trabalho33, quanto na UNESCO, cujo foco é cultural. Porém, é

no âmbito das Nações Unidas que o sistema se apresenta de forma mais complexa e integral. A ONU dispõe de três órgãos distintos, cuja função é dar efetividade aos direitos humanos. O primeiro deles é a Terceira Comissão da Assembleia Geral. Esta tem a função de examinar os relatórios do Conselho de Direitos Humanos e de tratar das questões de natureza social, humanitária e cultural. Neste sentido, a Terceira Comissão se ocupa basicamente de temas como a juventude, a família, o envelhecimento, as pessoas com

33 Faz-se necessário observar, em particular, as técnicas de vigilância e investigação. Elas se situam normalmente dentro do sistema de proteção dos direitos humanos, notadamente em matéria de liberdade sindical, não discriminação, proteção de crianças, etc. VALTICOS, Nicolas. Un systemme de contrôle international, la mise en ouvre des conventions internationals du travail, R.C.A.D.I. v. 123. 1968. p. 321.

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necessidades especiais, a prevenção do crime, a justiça penal e o controle internacional de drogas.

Em uma perspectiva complementar, observa-se que, pela resolução 60/251 da Assembleia Geral de 15 de março de 2006, foi criado o Conselho de Direitos Humanos. Este órgão subsidiário da Assembleia Geral é composto por 47 Estados. Sua função é a de examinar a situação dos direitos humanos em cada um dos 192 Estados membros das Nações Unidas e emitir, caso necessário, recomendações a eles destinadas. Para tanto, o Conselho criou um novo mecanismo de exame periódico universal, que deverá permitir a reanalise dos dados em matéria de direitos humanos de todos os Estados membros das Nações Unidas. Tal mecanismo permite que cada Estado declare quais as ações tem sido efetivamente tomadas em seus respectivos países com a intenção de promover a implementação dos direitos humanos e o cumprimento de suas obrigações decorrentes disso. A execução de tal mecanismo é de natureza cooperativa, mas, em outubro de 2011, permitiu a avaliação dos dados relativos aos direitos humanos em 193 Estados membros das Nações Unidas. Este é um mecanismo muito particular de avaliação da implementação de obrigações internacionais por intermédio de um sistema de controle34. Tal modelo vem ainda

acompanhado da criação de um Comitê Consultivo cuja função é a de servir como instrumento de apoio e de reflexão do Conselho de Direitos Humanos. Este deve, portanto, fornecer expertise necessária

34 Embora tenha uma natureza particular, o sistema de proteção internacional dos direitos humanos na perspectiva universal não é a única forma de monitoramento de execução de suas decisões existente na esfera internacional. Estes podem adquirir as mais variadas formas. Os instrumentos de monitoramento podem ser efetivados pelas próprias partes, como, por exemplo, em relação ao cumprimento das normas da OMC. CHARPENTIER, Jean. Le contrôle par les organisations internationales de l’exécution des obligations des états. R.C.A.D.I. 1983. v. 182, pp. 143-245. Ocasionalmente, o monitoramento pode ocorrer com o auxílio de um órgão independente, como pode ser observado na ação da Agência Internacional de Energia Atômica no monitoramento do desenvolvimento de tecnologia nuclear por parte dos signatários do TNP. SHAKER, M. I. The evolving international regime of nuclear non-proliferation. 2006, pp. 43-82. A efetividade destes modelos depende, em grande medida, da sua capacidade de adaptação às necessidades da matéria regulamentada. DREZNER, D. Bargaining, Enforcement and Multilateral Sanctions: When is Cooperation Counterproductive?

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e uma consultoria sobre questões temáticas dos direitos humanos. Ao Comitê Consultivo cabe ainda analisar as demandas oriundas dos indivíduos ou de certas organizações não governamentais que pretendem chamar a atenção do Conselho sobre casos de violações dos direitos humanos 35.

Existem, ainda, nove órgãos criados por tratados de direitos humanos com a função de vigiar e zelar pela correta implementação dos principais tratados em matéria de direitos humanos:

O Comitê de Direitos Humanos;

O Comitê de Direitos Econômicos Sociais e Culturais; O Comitê para Eliminação da Discriminação Racial; O Comitê para eliminação da discriminação relativa as Mulheres;

O Comitê contra a Tortura e o Sub Comitê para Prevenção da Tortura;

O Comitê dos Direitos da Criança; O Comitê dos Trabalhadores Migrantes;

O Comitê do Direito das Pessoas com Necessidades Especiais;

O Comitê dos Desaparecidos Forçados.

Dentro deste contexto, o controle da execução das obri-gações em matéria de direitos humanos se dá por meio de um procedimento especial implementado pelo Conselho de Direitos Humanos que deve avaliar a situação específica de um país ou as questões temáticas em todas as regiões do globo. Existiam em 2013 36 mandatos temáticos e 13 mandatos por país. Estes mandatos devem examinar, aconselhar, supervisionar e preparar um relatório sobre as questões de direitos humanos. Tais mandatos podem ser o resultado de uma ação promovida por indivíduos ou organizações não governamentais. No uso de suas atribuições, os responsáveis pelos procedimentos especiais de controle devem receber as

infor-35 ALSTON, P (Ed.).; CRAWFORD, J. (Ed.). The future of the UN Human Rights

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mações acerca das alegações de violação dos direitos humanos e encaminhar aos governos demandas urgentes de explicações. Em 2010, 604 comunicações foram encaminhadas aos governos de 110 países.

O controle pode ser igualmente exercido por meio de visitas diretas aos países e realizado a partir da utilização de mecanismos domésticos 36. Tal processo permite uma visão in loco da realidade

dos direitos humanos em uma determinada região. Para tanto, os titulares do mandato enviam ao governo de um país uma carta solicitando o direito de visita, que evidentemente poderá ser negado. Por outro lado, os Estados podem reconhecer a natureza permanente de tal direito. Ao final da visita, um relatório com conclusões e recomendações é redigido. Observa-se, assim, que os instrumentos de monitoramento, no Direito Internacional, agem no universo da execução normativa, mas não são propriamente sanções. Estas poderão advir das consequências e das pressões sociais após o reconhecimento da existência de violações dos direitos humanos.

Obviamente, por sua importância, os mecanismos de implementação dos direitos humanos não poderiam ficar unicamente restritos ao sistema de controle universal. Uma via jurisdicional, imposta dentro de uma perspectiva regional, veio, então, a ser então estabelecida por intermédio de dois tratados base: A Convenção Europeia e a Convenção Interamericana de Direitos Humanos.

3.2. O MECANISMO COERCITIVO NO UNIVERSO DA

CORTE EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS

Originalmente, o sistema europeu era fundado em dois órgãos distintos: a Comissão Europeia, que tinha a finalidade de instruir as demandas, e a Corte Europeia de Direitos Humanos, cujo papel era restrito unicamente ao de decidir de forma jurisdicional a matéria. Tal modelo, que inspirou o sistema interamericano que veio a ser desenhado nas mesmas bases, deixou de existir após a

36 SLAUGHTER, A-M; BURKE-WHITE, W. The future of International Law is domestic, Princeton: Princeton University Press. 2007.

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entrada em vigor, em 1º de novembro de 1998, do décimo primeiro protocolo adicional da Convenção de Salvaguardas de 1994. O papel da Comissão foi, então, eliminado e o da Corte expandido.

A Corte é formada por um número de juízes igual ao dos Estados contratantes (em 2013, eram quarenta e sete). Diferentemente da CIJ, não existe nenhuma restrição quanto ao número de juízes com a mesma nacionalidade, mas estes exercem as suas funções a título individual e não representam os respectivos Estados. Os juízes são eleitos, assim como no Tribunal Penal Internacional, por um mandato não renovável de nove anos. A eleição se dá na Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa. O Tribunal pode ter formações variadas dependendo das circunstâncias. Portanto, ele pode ser composto, em uma determinada situação, por apenas um juiz, por um comitê de três juízes, em seções de sete juízes ou em uma grande câmara de dezessete juízes. O processo é realizado por meio do contraditório e público, salvo se o tribunal pleno decidir de maneira diferente em virtude de circunstâncias excepcionais.

A Corte, por outro lado, pode ser solicitada a se pronunciar por qualquer Estado parte da Convenção ou qualquer pessoa física, organização não governamental ou grupo de particulares que se consideram vitimas de uma violação de direitos humanos (artigo 34 da Convenção). Os requerentes individuais podem apresentar as suas próprias queixas, mas a representação por advogado é aconselhada, e mesmo obrigatória para as audiências ou depois de a queixa ser declarada admissível. O requisito fundamental é o de esgotamento dos recursos internos e o da compatibilidade da demanda com os dispositivos da Convenção (artigo 35 da Convenção).

Um único juiz pode declarar uma queixa inadmissível ou arquivá-la. Esta decisão é definitiva. Caso ele não esteja convencido da inadmissibilidade da demanda ou da conveniência do arquiva-mento, ele a transmite a um comitê ou a uma seção para exame complementar. Do mesmo modo, um comitê que tenha recebido a queixa pode declará-la inadmissível ou arquivá-la, se esta decisão puder ser adoptada sem exame complementar. Se o caso for simples ou se existir jurisprudência firmada, o comitê pode reconhecer a admissibilidade ao mérito e proferir sentença. Não existindo de-cisão anterior sobre tal reconhecimento, cabe a secção de decidir

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podendo separar a questão de fundo daquela de admissibilidade. A seção pode remeter o caso para a grande câmara, sempre que uma questão importante de interpretação esteja colocada.

Com a competência primordial de avaliar se há ou não violação dos preceitos estabelecidos na Convenção, as decisões da Corte se contentam em princípio de constatar o agravo de um Estado as suas obrigações. Neste sentido, elas são puramente declaratórias. Ocorre que a Corte poderá igualmente impor a parte lesada uma satisfação equitável na medida em que o direito interno do Estado interessado permita por um fim unicamente de forma parcial e imperfeita as consequências da violação. Deste modo, a Corte passou a decidir igualmente acerca da reparação devida sem necessidade de verificar se a imperfeição estava presente. As decisões da Corte são obrigatórias e, embora seja possível o encaminhamento excepcional à grande Câmara conforme dispõe os novos artigos 43 e 44 da Convenção, elas são igualmente definitivas.

A observação relativa à execução das sentenças da Corte recai ao Comitê de Ministros do Conselho da Europa. Este é o órgão responsável pela verificação da atitude dos Estados diante de uma sentença do Tribunal reconhecendo a violação da Convenção. Cabe, assim, ao Comitê de Ministros do Conselho da Europa, tomar as medidas necessárias para que os Estados se conformem com as obrigações específicas ou gerais resultantes dos acórdãos do Tribunal. Um Estado condenado por violação deve zelar para que, no futuro, uma nova violação não volte a ocorrer, sob pena de o Tribunal poder vir a proferir nova sentença contra o mesmo. Em alguns casos, o Estado terá que alterar a sua legislação a fim de garantir a sua conformidade com a Convenção.

3.3. O MECANISMO COERCITIVO NO UNIVERSO DA

CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS

De acordo com a Convenção Americana de Direitos Huma-nos, apenas os Estados partes da Convenção e a Comissão de direitos humanos possuem o direito de pleitear junto à Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH). No universo interamericano não se repetiu o proposto pelo protocolo 11 a Convenção Europeia, que

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delega de forma direta tal prerrogativa aos indivíduos ou organi-zações. Deste modo, caso um indivíduo de nacionalidade de um Estado membro, ou mesmo uma organização não governamental reconhecida, considerar que um determinado direito, garantido pela Convenção, veio a ser violado, este deve dirigir sua denúncia à Comissão Interamericana. Este órgão de natureza política bus-cará exercer seu papel de mediador e assim obter uma solução da controvérsia prioritariamente sem encaminhamento jurisdicional.

Entretanto, a Comissão pode igualmente remeter o litigio à Corte Interamericana de Direitos Humanos para que esta venha a se pronunciar em uma perspectiva contenciosa por meio de uma sentença. A competência material da Corte Interamericana é delimitada pela Convenção. Deste modo, a Corte pode receber qualquer caso cuja natureza material seja referente à interpretação ou aplicação da Convenção. Neste sentido, a Corte, na sua perspectiva contenciosa, tem tratado, sobretudo, matérias referentes aos direitos humanos vis à vis do sistema carcerário de um determinado país, da garantia do devido processo legal, do direito de associação, do direito de circulação e de residência, do direito a um defensor legal, do direito à honra, à dignidade e à igualdade perante a lei, do desenvolvimento progressivo dos direitos econômicos sociais e culturais, do direito à liberdade de consciência e de religião, do direito à integridade pessoal, do direito à liberdade de expressão e de pensamento, do direito ao acesso a informação, e do combate ao desaparecimento forçado e ao tratamento cruel, inumano ou degradante, dentre inúmeros outros.

A competência pessoal da CIDH é bem delimitada. De fato, para que a Corte possa se pronunciar, é necessário que os Estados partes no litígio tenham reconhecido sua competência contenciosa por meio de um instrumento normativo. Tal manifestação pode se dar no instante do depósito do instrumento de ratificação ou adesão à Convenção Americana ou em qualquer momento posterior, desde que o Estado venha a declarar que reconhece de pleno direito e como obrigatória a competência da CIDH37.

37 A declaração de reconhecimento da competência pode ser feita de forma incondicional. Ela pode igualmente impor a necessidade de reciprocidade, ter um prazo determinado

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A CIDH, enquanto jurisdição internacional, produz uma sentença que tem uma natureza definitiva. Tal fato está impresso na impossibilidade de apelação. Mas a sentença é igualmente vinculante. Ela segue um processo de deliberação muito particular. Após amplos debates, é lido um projeto de sentença que será colocado novamente em debate para análise das questões controvertidas. Tal sistema permite que se examine à exaustão os temas relacionados na sentença e que esta possa refletir a visão imparcial e solida da Corte. A sentença será, assim, discutida e aprovada em partes até ser, permanentemente e em toda a sua dimensão, adotada quando o consenso atingir, no mínimo, 5 membros da Corte. No caso da inexistência de unanimidade, os juízes podem ainda encaminhar suas opiniões dissidentes, caso discordem do dispositivo. O adensamento de opiniões individuais é sempre possível, caso algum membro da Corte concorde com o teor da sentença mas deseje apresentar novos argumentos.

As sentenças da CIDH são igualmente vinculantes. Elas geram norma de natureza obrigatória na perspectiva internacional, engajando as partes e impõem um comportamento determinado. Contudo, o sistema de supervisão do cumprimento da obrigação normativa é bastante particular. A Corte, se julgar conveniente, pode convocar o Estado parte, bem como os representantes das vítimas para uma audiência visando supervisionar a implementação de suas decisões. Tanto o Estado como o representante das vítimas, e mesmo a Comissão Interamericana, apresentam suas considerações acerca do cumprimento da sentença. O juízes podem, então, formular questões de ordem variada e o papel da Corte, mesmo após a sentença ter sido pronunciada de forma vinculante e definitiva, pode ser o de buscar conciliar os interesses das partes. Esta característica especial da jurisdição interamericana de direitos humanos traduz um certo pragmatismo em detrimento de uma visão jurisdicional clássica, na qual o Tribunal se desinteressa da execução da sentença e sua atividade se limita ao seu pronunciamento.

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Neste sentido, de forma bem particular, o Tribunal pode sugerir alternativas de solução da controvérsia. Assim, ele pode chamar a atenção das partes para a falta de vontade no cumprimento da sentença, promover o estabelecimento de cronogramas de implementação da sua decisão, dirigindo uma obrigação a todas as partes envolvidas, ou disponibilizar suas instalações materiais para que se dê o acerto entre as partes. Em outras palavras, a Corte agiria inicialmente como jurisdição e, posteriormente, como conciliador ou mesmo agente oferecendo seus bons ofícios. As decisões da Corte são evidentemente inter-partes e se localizam na esfera do Direito Internacional. Estas limitações, contudo, não enfraquecem sua autoridade. Em primeiro lugar, elas serão vistas como uma interpretação das disposições previstas na Convenção. Tal fato impõe um impacto que vai muito além dos limites específicos de cada caso concreto e mesmo da esfera internacional. Interpretações sucessivas da Convenção tornam-se fonte de inspiração para a doutrina e para a jurisprudência dos tribunais nacionais. Neste sentido, é comum observarmos reformas legais que tendem a incorporar os ditames previstos pela Corte. Além do mais, obviamente, os Estados partes não desejam demonstrar a existência de má fé desconhecendo a autoridade de uma norma internacional. O princípio da reciprocidade está na essência do direito e implica a necessidade de execução.

3.4. O SISTEMA COERCITIVO DECORRENTE DO

PROCESSO NA CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA

Uma sentença da Corte Internacional de Justiça tem, em princípio, uma dupla natureza. Na sua perspectiva passiva, ela pode exigir apenas a aceitação e a submissão a uma obrigação definida. Assim, como observa L. G. Merrils, quando os Estados encaminham um caso à Corte, eles podem não estar procurando uma solução definitiva, mas meramente uma decisão que irá diminuir as diferenças entre eles, ou de alguma outra maneira, aproximar a controvérsia de uma solução definitiva. No caso “Ambatielos”, por exemplo, a única questão levantado foi a de saber se o Reino Unido

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estaria obrigado a encaminhar à arbitragem, uma determinada disputa comercial existente com a Grécia. A Corte decidiu que tal procedimento seria necessário e uma arbitragem foi estabelecida. Do mesmo modo, no caso da Plataforma Continental do Mar do Norte, as partes, ao invés de demandarem a Corte que delimitasse as fronteiras de suas plataformas continentais no Mar do Norte, pediram apenas uma indicação dos “princípios e normas” relevantes, deixando a determinação em si para uma negociação subsequente38

.

Nesse caso, a Corte dá indicações que auxiliam na consolidação de uma solução futura, ou que, somado a outros modelos de solução de controvérsias, contribuem para uma solução definitiva. A execução é parte integrante de um processo mais amplo cuja solução final virá por outros meios.

Porém, uma decisão da Corte Internacional de Justiça tem, igualmente, em forte medida, uma vocação de afirmação de um direito que exige implementação e que deve impor um comportamento ativo dos destinatários da norma39. Nestes casos,

que são grande parte de sua jurisprudência, a Corte determina uma solução final ao litígio e exige uma ação determinada. O dispositivo jurisdicional representa a solução pacífica indicada e cabe aos Estados executá-lo de boa fé.

Essa distinção entre os dois modelos tratados, contudo, em nada modifica a natureza da sentença da Corte Internacional de Justiça. Certamente, em ambos os casos, seus julgamentos são obrigatórios e definitivos para as partes e constituem, sem dúvida alguma, uma obrigação jurídica40. A Corte tira dos artigos 59 e 60

do Estatuto tal competência41. Ora se as decisões são obrigatórias

38 MERRILLS, J.G. International Dispute Settlement. 3a ed. Cambridge: Cambridge University Press. 1998, pp. 159-160.

39 WECKEL, Phillipe. Les suites des décisions de la Cour internationale de Justice. v. 42, A.F.D.I; 1996, p. 429.

40 Ver o caso da Demande en interprétation de l’arrêt du 11 juin 1998 en l’affaire de la frontière terrestre et maritime entre le Cameroun et le Nigéria (exceptions préliminaires), C.I.J., Rec. 1999, §12.

41 CONDORELLI, L. L’autorité de la décision des juridictions internationales permanentes. IN: Colloque de Lyon, S.F.D.I. La Juridiction Internationale Permanente. Paris: Pédone. 1987, p. 289.

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e definitivas, é natural que disso decorra o dever de executá-las42.

É neste sentido que deve ser lida a decisão da C.P.J.I. que, no caso da Sociedade comercial da Bélgica, a sentença de 15 de junho de 1939 afirma: “Se as sentenças são definitivas, é certo que o governo helênico é obrigado a executá-las, e executá-las tais como são.”.43

O problema, portanto, não tem origem nem nas diferentes obrigações decorrentes da sentença, nem no reconhecimento da necessidade de execução de uma decisão da CIJ. De fato, independentemente de seu conteúdo material, qualquer dispositivo jurisdicional oriundo de um processo contencioso na CIJ deve ser implementado. A dificuldade de avaliar a força de conformação de uma sentença da CIJ reside no fato de que a Corte não extrai do mesmo Estatuto nenhum poder para prescrever as medidas necessárias à execução de suas sentenças. No Direito Internacional, embora seja claro o conceito de que uma norma obrigatória deve ser respeitada, que as obrigações que dela decorrem devem ser executadas44 e que caso isto não ocorra a responsabilidade

internacional deve ser engajada45, a realidade é a de que a jurisdição

internacional dispõe da capacidade de dizer o direito, mas está limitada quanto ao poder de punir o Estado recalcitrante.

De fato, a Carta das Nações Unidas trata da matéria basicamente no artigo 94, §2. Partindo do princípio de que os Estados, em suas relações mútuas, não podem nem fazer justiça

42 C.P.J.I., Série A/B. n° 78, p. 175. Ver também o caso Wimbledon, C.P.J.I., Série A, n°2, p. 32; o caso da Usine de Chorzow, C.P.J.I., Série A, n°17, p.29; o caso Haya de la Torre, C.I.J., Rec. 1951, p. 77; o caso Barcelona Traction, C.I.J. Rec. 1964, p.20; o caso da Demande en révision et en interprétation de l’arrêt du 24 février en l’affaire du Plateau Continental, C.I.J., Rec. 1985, p. 223; o caso da Demande en interprétation de l’arrêt du 11 juin 1998 en l’affaire de la frontière terrestre et maritime entre le Cameroun et le Nigéria (exceptions préliminaires), C.I.J., Rec. 1999, §12.

43 C.P.J.I., Série A/B. n° 78, p. 175.

44 Ver os artigos 1 et 3 da primeira parte do projeto de artigos sobre a responsabilidade adotado em primeira leitura pela C.D.I. Para o texto e o comentário destes artigos, ver o C.D.I. Relatório da C.D.I. sobre os trabalhos de sua trigésima segunda seção .

Annuaire C.D.I. 1980, vol. II. p. 33 ss.

45 O Estado demandante que não considera como vinculado pela sentença deverá ter engajada sua responsabilidade. A C.P.J.I. elaborou esta jurisprudência na sua sentença de 15 de junho de 1939 no caso da Socièté commerciale de Belgique.

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a si mesmos, nem usar individualmente da violência com vistas a assegurar a execução das sentenças judiciárias proferidas em seu favor46, a Carta delega ao Conselho de Segurança, se ele o julgar

necessário, o poder de fazer recomendações ou de decidir medidas a tomar para fazer executar a sentença da Corte Internacional de Justiça47. A linguagem utilizada pela Carta é imprópria e pouco

reveladora. O resultado dessa falta de cuidado é, não obstante, uma série de dúvidas e questionamentos sobre o texto.

Em primeiro lugar, pode-se questionar se a não execução de uma decisão da C.I.J. constituiria uma das situações previstas no artigo 39 da Carta, ou seja, situações que justificam a aplicação de medidas coletivas, militares ou não, que o Conselho de Segurança estaria autorizado a tomar, em virtude do capítulo VII da Carta. Na realidade, a Carta não estabelece nenhum elo entre a ação que pode acontecer em caso de ameaça contra a paz, e as medidas possíveis em consequência da não execução de uma decisão da Corte48.

Além disso, um debate fervoroso busca definir se o artigo 94 §2 da Carta das Nações Unidas recai sobre as medidas cautelares, ou se ele concerne unicamente às sentenças de mérito49.

Em seguida, percebe-se que a Carta utiliza o termo “recomendações” ao tratar da competência do Conselho para agir. Tal postura parece expressar uma intenção concreta de conter a natureza vinculante da decisão. Outra limitação importante advém do desejo de delegar ao Conselho uma possibilidade de ação, mas não uma obrigação concreta de agir. O Conselho deve, portanto, avaliar e, apenas se ele julgar necessário, é que deverá agir. A inexecução não gera de forma automática a atuação do Conselho, havendo ainda dúvidas acerca da natureza vinculante de sua decisão.

46 No caso do Détroit de Corfou, a C.I.J. declara ilícita a operação de retirada das minas efetuada pela marinha de guerra britânica nas aguas albanesas. C.I.J., Rec. 1949, pp. 32-35.

47 Ver os artigos 418 do Tratado de Versalhes, artigo 13, alínea 4 do Pacto da Sociedade das Nações, e o artigo 5 do Tratado de Locarno.

48 GUGGENHEIM, Paul. Traité de droit international public. T. II, Genebra: Georg & Cie. 1954, p. 170.

49 Ver: ROSENNE, Shabtai. The Law and Practice of the International Court. Haia: Martinus Nijhoff. 1997. pp. 214-216.

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Tal incerteza teve como consequência o fato de que, na prática, o Conselho de Segurança veio a ser invocado apenas uma vez, na base do artigo 94 §2 da Carta das Nações Unidas. Essa apelação foi realizada pela Nicarágua, em consequência da decisão de mérito a seu favor, esta tomada pela Corte em 27 de junho de 1986, no caso relativo a certas atividades militares e paramilitares operadas em seu território ou contra ele. Tal caso, hoje clássico, opunha este país aos Estados Unidos50. Evidentemente, a resolução

proposta por Manágua, exigindo a execução da sentença, chocou-se com um voto negativo dos Estados Unidos, resultando em sua não adoção. A questão foi então apresentada na Assembleia Geral que, na base do artigo 10 da Carta, formulou diversas recomendações em favor das partes. Obviamente, a força dessas recomendações é limitada e sua natureza facultativa51.

O exemplo é profundamente esclarecedor da dificuldade de implementação forçada de uma sentença da CIJ. Na realidade, vê-se mal como um Estado membro do Conselho de Segurança poderia deixar de vetar uma resolução cujo conteúdo seria “condenatório” e destinado a reprimir um comportamento recalcitrante de sua parte. Além do mais, em um contexto internacional, no qual os interesses dos países membros do Conselho de Segurança ultrapassam os seus limites territoriais, parece natural prever que, mesmo diante da não execução de uma obrigação jurisdicional de um outro Estado, que não é membro permanente do Conselho de Segurança, o veto possa se justificar pelo grau de tutela ou pelos simples interesses estratégicos, econômicos, comerciais ou militares.

Por essa razão, o único exemplo de intervenção positiva das Nações Unidas com a finalidade de verificar à execução de uma sentença da CIJ encontra-se no caso da Controvérsia territorial entre a Líbia e o Tchad52. Em 4 de abril de 1994, o Tchad e a Líbia

50 Documentos S/18230, 1825O et 18428; S/PV 2700-2704 et 2718; A/41/L 22, A/ 4I/PV 52-53, A/42/L 23, A/42/PV 68; Resoluções 41/31 et 42/18, julho, outubro, novembro 1986 e novembro 1987.

51 GUILLAUME, Gilbert. De l’exécution des décisions de la Cour internationale de Justice. Revue Suisse de Droit International. vol. 4, 1997. pp. 431-437.

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concluíram um acordo sobre as modalidades práticas de execução da sentença proferida pela Corte Internacional de Justiça53. Por esse

acordo, a Líbia aceitou retirar suas tropas da Bande d’Aouzou, sob a vigilância de observadores das Nações Unidas, em fins de maio de 1994. Os dois Estados concordaram, igualmente, em proceder à demarcação da fronteira, em conformidade com a sentença da Corte, à constituição de patrulhas mistas a fim de controlar a fronteira, à determinação de certos pontos de passagem, e à definição de um processo, devendo permitir desarmar as minas do território. O Conselho de Segurança, por sua vez, autorizou a abertura, por um período de quarenta dias, de uma equipe de observadores (o Grupo de observadores das Nações Unidas na Bande d’Aouzou – GONUBA), conforme uma recomendação do Secretário Geral. Por uma declaração comum, de 30 de maio de 1994, os dois Estados constataram que, “para a satisfação das partes”, a administração e as forças líbias retiraram-se da Bande d’Aouzou.54

4. CONCLUSÃO

A natureza fragmentada do Direito Internacional implica uma natureza igualmente fragmentada dos diversos sistemas de solução de controvérsias estabelecidos em cada uma de suas esferas. Em um contexto de multiplicação de jurisdições internacionais, diversificação institucional e expansão do Direito Internacional na direção da consolidação de regimes jurídicos próprios relativos a matérias determinadas, verifica-se que a própria natureza da sociedade internacional impede a existência de um sistema único de solução de controvérsias. Evidentemente, as sanções aplicadas por estes mecanismos serão mais eficientes quanto mais forem adaptadas e próximas à realidade fática de cada âmbito da esfera internacional. Isso não significa, no entanto, que o diálogo entre cada uma dessas esferas não deva ser estimulado. Pelo contrário, pontua-se a

53 S/1994/402 et 424. R.G.D.I.P; 13 de abril de 1994, pp. 801-802.

54 KOSKENNIEMI, Martti. L’affaire du différend territorial: Jamahiriya Arabe Libyenne c. Tchad, arrêt de la C.I.J. du 3 février 1994. Paris: A.F.D.I. 1994, pp. 442-464.

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necessidade de que elas observem e analisem umas às outras, visando compreender suas diferentes formas de atuação e verificar quais institutos se mostram mais eficazes para que, dessa forma, possam ser adaptados. Neste sentido, destaca-se que a Organização Mundial do Comércio, por exemplo, apresenta avançado sistema de solução de controvérsias, que pode servir de exemplo para adaptação para outras esferas do Direito Internacional.

Na esfera dos direitos humanos, por sua vez, conclui-se que, por um lado, o sistema coercitivo das Nações Unidas, no âmbito da Corte Internacional de Justiça, parece inadaptado e ineficiente, mas, por outro, nada impede que as partes tenham previamente consentido a um determinado modelo de execução forçada ou execução dos julgamentos. Neste sentido, a experiência da OMC e da jurisdição penal internacional podem servir como exemplo de aplicação de sanções para o aprimoramento do sistema de proteção aos direitos humanos, ressaltando-se mais uma vez a importância da comunicação entre as diferentes esferas do Direito Internacional e adaptação de suas práticas exitosas.

REFERÊNCIAS

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Recebido em 24/04/2015. Aprovado em 03/06/2015.

Referências

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