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A configuração do neorregionalismo literário brasileiro

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Academic year: 2021

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(1)1. UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE – UFRN CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES DEPARTAMENTO DE LETRAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DA LINGUAGEM. HERASMO BRAGA DE OLIVEIRA BRITO. A CONFIGURAÇÃO DO NEORREGIONALISMO LITERÁRIO BRASILEIRO. Linha de Pesquisa: Literatura e Memória Cultural Orientador: Prof. Dr. Humberto Hermenegildo de Araújo. NATAL 2016.

(2) 2. HERASMO BRAGA DE OLIVEIRA BRITO. A CONFIGURAÇÃO DO NEORREGIONALISMO LITERÁRIO BRASILEIRO. Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial à obtenção do título de Doutor em Estudos da Linguagem, com área de concentração em Literatura Comparada.. Linha de Pesquisa: Literatura e Memória Cultural Orientador: Prof. Dr. Humberto Hermenegildo de Araújo. NATAL 2016.

(3) 3. Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes - CCHLA. Brito, Herasmo Braga de Oliveira. A configuração do neorregionalismo literário brasileiro / Herasmo Braga de Oliveira Brito. - 2017. 179f.: il. Tese (doutorado) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Programa de Pós-graduação em Estudos da Linguagem, 2017. Orientador: Prof. Dr. Humberto Hermenegildo de Araújo.. 1. Literatura Brasileira. 2. Neorregionalismo. 3. Narrativa. I. Araújo, Humberto Hermenegildo de. II. Título. RN/UF/BS-CCHLA. CDU 821.134.3(81)-3.

(4) 4. HERASMO BRAGA DE OLIVEIRA BRITO. A CONFIGURAÇÃO DO NEORREGIONALISMO LITERÁRIO BRASILEIRO. Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial à obtenção do título de Doutor em Estudos da Linguagem, com área de concentração em Literatura Comparada.. BANCA EXAMINADORA: __________________________________________________________ Prof. Dr. Humberto Hermenegildo de Araújo – Orientador. __________________________________________________________ Prof. Dr. Derivaldo dos Santos – Examinador interno (UFRN). __________________________________________________________ Prof. Dr. José Luiz Ferreira - Examinador interno (UFRN). __________________________________________________________ Prof. Dra. Izabel Cristina da Costa Bezerra Oliveira – Examinador Externo (UERN) __________________________________________________________ Prof. Dr. Wellington Medeiros de Araújo - Examinador Externo (UERN).

(5) 5. Dedico ao mestre e amigo Humberto, à minha mãe Hilda Maria, ao meu pai Francisco Brito, Aos meus filhos Letícea Maria e Herasmo Gabriel..

(6) 6. AGRADECIMENTOS Agradeço a Humberto Hermenegildo de Araújo, pela inteligência e sensibilidade com que me orientou; a Iracilda Braga pela valiosa colaboração, aos meus alunos do NENIN..

(7) 7. ... me chegam vozes que se arrastam do passado e me empurram para a vida ... Francisco Dantas.

(8) 8. RESUMO. Este estudo tem como objetivo analisar a configuração literária do neorregionalismo brasileiro, em observância de alguns dos elementos para base da categorização a autonomia feminina nas obras e a predominância não mais do espaço rural, mas sim urbano. Destaca-se que a maior parte desses romances neorregionalistas segue a tônica da escrita como fator de resistência e memória dos aspectos regionais no tocante a sua valorização. Utiliza-se para estudos da caracterização do Neorregionalismo Brasileiro as obras Beira Rio, Beira Vida; A Filha do Meio-Quilo; Pacamão de Assis Brasil - Sombra Severa de Raimundo Carrero - Dois Irmãos e Cinzas do Norte de Milton Hatoum - Coivara da Memória de Francisco Dantas, Galiléia de Ronaldo Correia de Brito. Pretende-se analisar como o regionalismo surgiu e se desenvolveu em conflito com a modernização; como o Neorregionalismo se constitui um fenômeno urbano; como as personagens femininas no Neorregionalismo se vestem de autonomia ao contrário das obras anteriores; como a escrita memorialista atua como fator de resistência na valorização da cultura regional. A presente pesquisa caracteriza-se, essencialmente, como bibliográfica. Utilizando-se como base os seguintes autores: Araújo (2010), Bachelard (1993), Bakhtin (2011), Bueno (2006), Candido (2000, 2006), Chiappini (2014), Williams (1989). Buscou-se, primeiro, a fundamentação necessária para caracterizar essa nova tendência literária brasileira. Em seguida, a análise da autonomia feminina para configuração do Neorregionalismo Brasileiro. Na terceira parte, abordamos o espaço como elemento não só de composição de análise para a comprovação do neorregionalismo, mas, principalmente, como agente de relevante contribuição para o desenvolvimento das experiências dos personagens, em especial as femininas. E por último, os estudos sobre a memória neorregionalista como instrumento de resistência à crescente globalização da cultura com sua homogeneização. Palavras-chave: Neorregionalismo – Narrativa – Literatura Brasileira – História da Literatura – Autores Neorregionalistas.

(9) 9. ABSTRACT. This study aims to analyze the literary configuration of the Brazilian neorregionalismo in compliance with some of the elements to base the categorization female autonomy in the work and the prevalence no more rural areas, but urban. It is noteworthy that most of these neorregionalistas novels follow the written tonic as resistance factor and memory of the regional aspects regarding their valuation. It is used to study the characterization of Neorregionalismo Brazilian works Beira Rio Beira Vida; Filha de Meio Quilo; Pacamão de Assis Brazil - Sombra Severa Raimundo Carrero - Dois Irmaos and Cinzas do Norte Milton Hatoum - coivara of memory Francisco Dantas, Ronaldo Brito Correia Galilee. It is intended to analyze how regionalism emerged and developed in conflict with modernization; as Neorregionalismo constitutes an urban phenomenon; as the female characters in Neorregionalismo dress autonomy unlike previous works; as the memoirist writing acts as a resistance factor in valuing regional culture. This research is characterized essentially as literature. using as a basis the following authors: Araujo (2010), Bachelard (1993) Bakhtin (2011), Bueno (2006), Candido (2000), (2006), Chiappini (2014), Williams (1989). He attempted to, first, the reasoning necessary to characterize this new Brazilian literary trend. Then the analysis of female autonomy for setting Neorregionalismo Brazilian. In the third part, we address space as an element not only analysis of composition for proof of neorregionalismo, but mainly as a relevant contribution to the development agent of the experiences of the characters, especially female. Finally, studies on the neorregionalista memory as an instrument of resistance to increasing globalization of culture with homogenization. Keywords: Neorregionalismo - Narrative - Brazilian Literature - History of Literature - Authors Neorregionalistas.

(10) 10. RÉSUMÉ Cette étude se propose d‟analyser la configuration littéraire du neorregionalismo brésilien, considérant quelques-uns éléments pour la base de la catégorisation de l'autonomie des femmes dans les œuvres et de la prédominance ne plus de l'espace rural, mais de l'espace urbain. Nous soulignons que la plupart des romans neo-régionalistes suit la tonique de la écriture comme facteur de résistance et mémoire des aspects régionaux quant à sa valorisation. Nous avons utilisé pour étudier la caractérisation du neorégionalisme brésilien l‟œuvres Beira Rio, Beira Vida; A Filha do Meio-Quilo; Pacamão, de Assis Brasil; Sombra Severa, de Raimundo Carrero; Dois Irmãos e Cinzas do Norte, de Milton Hatoum; Coivara da Memória, de Francisco Dantas; Galiléia, de Ronaldo Correia de Brito. On objective d‟analyser comment le régionalisme a surgit et s‟est développé en conflit avec la modernisation; comme le neo-régionalisme constitue un phénomène urbain; comme les personnages féminins, dans le neo-régionalisme, s‟habillent d'autonomie au contraire des oeuvres antérieures; comme l'écriture mémorialiste agit comme facteur de résistance dans valorisation de la culture régionale. La présente recherche se caractérise, essentiellement, comme bibliographique. On utilise comme base les suivants auteurs: Araújo (2010), Bachelard (1993), Bakhtin (2011), Bueno (2006), Candido (2000, 2006), Chiappini (2014), Williams (1989). On cherche, première, la base nécessaire pour caractériser cette nouvelle tendance littéraire brésilienne. Ensuite, on cherche d'analyser l'autonomie des femmes pour la configuration du neo-régionalisme brésilien. Dans la troisième partie, on aborde l'espace comme un élément non seulement de composition de l'analyse pour la confirmation du neo-régionalisme, mais, principalement, comme une agent d‟important contribution pour le développement des expériences des personnages, notamment les femmes. Et enfim, on discute les études sur la mémoire neo-régionaliste comme un instrument de résistance à la croissante globalisation de la culture avec sa homogénéisation. Mots-clés: Régionalisme- Narrative - Littérature Brésilienne - Histoire de la Littérature - Auteurs Neo-régionalistes..

(11) 11. SUMÁRIO. 1. INTRODUÇÃO. 13. 2. A CONFIGURAÇÃO DO NEORREGIONALISMO. 23. 2.1 O Regionalismo e o Neorregionalismo como tendências. 25. literárias brasileiras 2.2 As Escritas Neorregionalistas entre o Real, o Verossímil e. 32. a Alteridade 2.3 As escritas neorregionalistas entre o real, o verossímil e a. 38. alteridade. 3. A AUTONOMIA DAS PERSONAGENS FEMININAS COMO. 49. CONFIGURAÇÃO DO NEORREGIONALISMO BRASILEIRO. 3.1 Autonomia Feminina nas personagens à margem da. 53. sociedade em Beira rio, Beira vida de Assis Brasil 3.2 Resistência e Autonomia Feminina em A filha do meio-. 65. quilo de Assis Brasil 3.3 A Conquista da Autonomia como Instrumento de Vingança. 74. em Sombra Severa de Raimundo Carrero. 4. O ESPAÇO NO NEORREGIONALISMO BRASILEIRO. 83. 4.1 Espaços-Cidades no Neorregionalismo Brasileiro. 84. 4.2 O espaço e o lugar como elementos de transição no. 88. neorregionalismo literário 4.3 Análise do espaço como personagem e constituidor de. 91. identidades na obra Pacamão de Assis Brasil 4.4 A transitoriedade entre o urbano e o rural em Galileia de. 105.

(12) 12. Ronaldo Correia de Brito 4.5 O espaço-lembrança no romance neorregionalista de. 119. Milton Hatoum em Cinzas do norte 5. AS NARRATIVAS MEMORIALISTAS COMO RESISTÊNCIA À. 133. HOMOGENIZAÇÃO DA CULTURA 5.1. A. narrativa. memorialista. como. resistência. a. 141. homogenização da cultura em Coivara da Memória de Francisco Dantas 5.2 Memória, Alteridade e Resistência no Neorregionalismo. 156. Brasileiro através de Dois Irmãos de Milton Hatoum 6. CONCLUSÃO. 171. REFERÊNCIAS. 175.

(13) 13. 1 INTRODUÇÃO. Antonio Candido (2000), em Formação da Literatura Brasileira, divide o Regionalismo em três momentos. O primeiro acontece durante o Romantismo e caracteriza-se pela valorização dos aspectos locais, em que os autores buscavam, por meio desse tipo de descrição, contribuir para a formação da cultura brasileira em um país recém-independente. Nesse período, destacamse Bernardo Guimarães, José de Alencar, Visconde de Taunay e Franklin Távora. O Regionalismo ficou também conhecido como Sertanismo, cuja ideia refere-se ao fato de um país que existe além do litoral. O segundo momento acontece na virada do século XIX para o XX. Nesse instante, a paisagem e o homem, antes exaltados como virtuosos, passam a ser elementos exóticos de um país não civilizado. Assim, ocorre a sobrevalorização do pitoresco sobre a ação humana. Os produtores deste tipo de Regionalismo foram Coelho Neto, Afonso Arinos, Simões Lopes Neto, dentre outros. No dizer de Antonio Candido (2000, p. 267): “[...] é uma verdadeira alienação do homem dentro da literatura, uma reificação da sua substância espiritual [...] para deleite estético do homem da cidade. Não é à toa que a literatura sertaneja [...] deu lugar à pior subliteratura de que há notícia em nossa história”. Subliteratura devido ao seu caráter meramente descritivo e de pouca profundidade estética. O terceiro momento caracteriza-se pela “[...] tomada de consciência do subdesenvolvimento”. A problematização social brasileira passa a compor as narrativas dos romancistas dos anos 30 e 40 do século XX (CANDIDO, 2006). O. Regionalismo,. portanto,. nos. dois. primeiros. momentos,. no. romantismo e na virada do século XIX para o XX, tinha como cerne a abordagem dos aspectos locais, no sentido de valorizar aspectos específicos dos lugares, mas sua atuação se rendeu a certo localismo, pois as produções literárias não tiveram relevante qualidade estética e pouco foram propagadas além das suas fronteiras, como ratifica Alfredo Bosi (2008, p. 141):.

(14) 14. Como o escritor não pode fazer folclore puro, limita-se a projetar os próprios interesses ou frustrações na sua viagem literária à roda do campo. Do enxerto resulta quase sempre uma prosa híbrida onde não alcançam o ponto de fusão artístico o espelhamento da vida agreste e os modelos ideológicos e estéticos do prosador.. A dificuldade de produzir literatura com qualidade, superando os aspectos localistas, marcou não só as produções desses primeiros períodos, mas toda a trajetória do Regionalismo literário, que passou a ser sempre estereotipado como prosa literária de pouco valor estético, com conteúdo reducionista e de efeito meramente local. Estes estigmas se mantiveram até hoje. e,. naturalmente,. provocam. nos. autores. da. atualidade. certo. descontentamento quando referidos como prosadores regionalistas. Passadas essas duas primeiras fases do Regionalismo Literário e sob a égide do Modernismo, em que os autores gozavam de maturidade literária e de certo prestígio social, o Regionalismo se apresentou como tendência na Literatura Brasileira. Assim, durante os anos 1930 – considerados a “Era do romance brasileiro” –, ele ressurgiu com mais expressividade.. As obras. traziam o Nordeste com seus dilemas e seus cenários no cerne dos enredos. Os primeiros a recepcionarem essas obras as consideravam como produções neorrealistas (BOSI, 2008) ou mesmo neonaturalistas de prosa regional. Nesse realismo bruto, como menciona Alfredo Bosi (2008), destacaram-se nomes como Jorge Amado, José Lins do Rêgo, Érico Veríssimo, Graciliano Ramos, Raquel de Queiroz, em cujas obras a linguagem literária se aproximava da linguagem oral, dos costumes e das tradições locais. O sentimento de inquietação que ganhou maior projeção entre os romancistas de 1930 foi a visão crítica daqueles autores em relação à miséria social em que a maioria da população brasileira se encontrava. Também foi superada a incapacidade de uma prosa híbrida, desprovida dos aspectos estéticos, da cultura local e dos aspectos ideológicos por parte dos autores. Os romancistas de 30 deram importante contribuição à prosa regionalista, tornando-a uma tendência de forte valor literário e influenciadora de produções posteriores. É na tensão entre o escritor e a sociedade, com seus problemas, que as produções literárias desse período irão se inserir. A união entre o estético e.

(15) 15. a politização do texto literário será a via norteadora na constituição dos enredos. Destacamos, sobre esse aspecto, como adverte Antonio Candido, que mesmo abordando as questões sociais em seus enredos, as obras ficcionais não devem ser encaradas como documentos que refletem diretamente o aspecto social, isto é, não podemos tomar as produções literárias como meros instrumentos de manifestações de questões ideológicas ou de insatisfações em relação às injustiças acometidas diante dos menos favorecidos. Caso fosse assim, o trabalho estético dessas produções estaria comprometido, já que a linguagem literária deve muito mais sugerir do que afirmar, muito mais divagar do que referenciar. Portanto, mesmo com a aproximação com os dilemas sociais, o trabalho apurado e estético com a produção literária deve acontecer. Com isso, nessa linha construtiva de valorização do trabalho literário, as denúncias são feitas por excelência à luz da estetização do texto. Complementando essas observações, Antonio Candido (2000, p. 19) afirma: “Dizer que ela [a arte] exprime a sociedade constitui hoje verdadeiro truísmo [...]”, sendo assim, a obra literária, como uma expressão artística, resulta da sociedade (modos e costumes) em que foi produzida. Em outras palavras, é possível, na obra, termos um panorama do perfil social ali retratado. Diante desse pensamento, a literatura não pode ficar alheia aos aspectos sociais, históricos e culturais, menos ainda aos problemas existentes sobre os sujeitos, pois exerce papel protagonista nas discussões. Os romancistas de 1930 procuraram vincular elementos sociais, com os seus dilemas, dentro de uma construção narrativa de qualidade estética literária significativa. Esse ponto é um dos que ainda influencia as produções literárias brasileiras atuais e, até mesmo, as de outros países, como Angola e Moçambique. Em relação às características da Literatura Regionalista, em especial a produzida no Nordeste brasileiro, podemos observar que o papel geralmente reservado às personagens femininas é de coadjuvante – subalternas, subservientes e à sombra dos personagens masculinos. Restringem-se à condição de esposa, mãe, filha ou companheira. Pouquíssimos são os enredos em que a personagem principal é uma figura feminina. Quando acontece esse famigerado protagonismo, ela acaba sucumbindo; não se liberta da condição.

(16) 16. subalterna que lhe é imposta. Isso acontece até mesmo em obras escritas por mulheres. Podemos exemplificar essa situação com O Quinze, de Raquel de Queiroz, em que a personagem Conceição esbarra nas predicações femininas. Como destaca Luís Bueno (2006, p. 128), em Uma História do Romance de 30: “Conceição é uma pessoa espremida entre diferentes solicitações: a vida no campo e na cidade, a realização intelectual e a maternidade [...]”, portanto, mesmo ela sendo uma professora que promove o próprio sustento, ainda está impregnada dos ideais, difundidos pela sociedade, sobre o que é ser mulher. Podemos evidenciar que, se antes as mulheres eram menosprezadas, submissas e subservientes, a motivação é menos literária que histórica. Mary Del Priore (2005), em História do Amor no Brasil, afirma que a mulher, conforme os costumes vigentes em nosso país, durante boa parte de sua história, notadamente no Nordeste, era criada para ser boa filha, boa esposa e boa mãe. O adjetivo “boa”, porém, significa “obediente”. Ser boa significa abdicar de si em detrimento dos outros, especialmente da figura masculina. E a personagem Conceição, de O Quinze, sente-se infeliz no decorrer da narrativa por não se casar com Vicente e constituir uma família ao lado dele. Apesar de ter grande estima por ele, imagina-se ter uma vida atrelada apenas ao ambiente doméstico, o que a levaria, portanto, a abdicar de toda uma trajetória de conquistas com dificuldades pelo fato de ser mulher no meio do sertão. Ela acaba por optar em continuar só, mas sentindo sempre a ausência desse viver como esposa e mãe. O Regionalismo da década de 1930 também se beneficiou da proximidade com linguagem oral e coloquial, como destacam Alfredo Bosi (2008) e Luís Bueno (2006). Bosi observa (2008, p. 385): A prosa de ficção encaminhada para o „realismo bruto‟ de Jorge Amado, de José Lins do Rego, de Érico Veríssimo e, em parte, de Graciliano Ramos, beneficiou-se amplamente da „descida‟ à linguagem oral, aos brasileirismos e regionalismos léxicos e sintáticos, que a prosa modernista tinha preparado.. Esse uso da linguagem mais popular presente nos enredos regionais, sem os reducionismos localistas, foi uma conquista significativa dos autores.

(17) 17. dessa fase. Soma-se a isso a visão crítica das relações sociais aliada à excelência literária, o que tornou a tendência regionalista uma parte importante da história da literatura brasileira. A ressonância da força de prosa regionalista perdura até hoje dentro das letras nacionais, só que com nova configuração, que se passa a analisar e a qual se denomina Neorregionalismo. Essa nova tendência literária apresenta como eixo da sua configuração três aspectos que serão abordados ao longo deste trabalho, detalhadamente: o primeiro consiste na autonomia das personagens femininas dentro das obras; o segundo é em relação ao espaço literário, que não situa apenas os personagens sob um dado cenário, mas apresenta outras moldagens dentro do enredo se transmutando, em alguns casos, em personagem; e o terceiro elemento a ser abordado e analisado reside na valorização dos aspectos locais pelo uso do recurso da memória e, mesmo quando não há a utilização desse artefato narrativo, a cultura da região se faz presente no enredo com um forte teor de resistência à homogeneização da cultura. Interessante observarmos as diferenciações das configurações das obras Regionalistas e Neorregionalistas, como, por exemplo, a postura coadjuvante das personagens femininas dentro das obras regionalistas, o que irá mudar a partir da segunda metade do século XX com uma nova tendência literária nas produções brasileiras. As personagens femininas não serão mais tomadas como meras coadjuvantes ou, mesmo quando protagonistas, serem marcadas pela forte influência masculina. Nelas, temos uma grande autonomia no enfrentamento das questões sociais impostas. E esse tipo de produção não irá acontecer tão somente sob as mãos de autores femininos, mas na escritura de autores masculinos como Luíza e Mundoca, em Beira Rio Beira Vida, e Cota, de A Filha do Meio-Quilo, ambas de Assis Brasil; Dina, de Sombra Severa, e Isis, de Somos Pedras que se Consomem, de Raimundo Carrero; e Rosário, mais conhecida como Dona Senhora, de Cartilha do Silêncio, de Francisco Dantas. Observamos que as produções Neorregionalistas acompanham a ideia de Candido (2000, p. 19): “[...] expressão artística, resulta da sociedade [...]”, e, consequentemente, os aspectos históricos também. Com isso, outro elemento.

(18) 18. configurador do Neorregionalismo Brasileiro traz dois aspectos relevantes em relação à questão do espaço em seus enredos: o primeiro, assim como o país deixou de ser predominantemente rural, principalmente depois da segunda metade do século XX, as produções Neorregionalistas, apesar da forte influência do Regionalismo de 1930, trazem em seus enredos não mais predominantemente o meio rural, agora é o meio urbano quem exerce hegemonia. Portanto, as prosas Neorregionalistas acontecem no interior das cidades. Podemos elucidar essa questão com base na teoria de Literatura e Sociedade, de Antonio Candido (2000), devido ao processo de diálogo entre as produções literárias e os seus contextos, sendo assim, as produções Neorregionalistas acompanharam as mudanças sociais e históricas brasileiras do século XX no sentido do deslocamento da maioria da população brasileira do meio rural para o aglomerado urbano. O segundo ponto importante em relação ao espaço, é que ele não deve ser visto mais apenas como elemento de composição do cenário, pois, dentro das obras estudadas, ele atua na formação das personalidades dos personagens ao longo das narrativas. Como Parnaíba, em Pacamão, de Assis Brasil; Recife e o interior do Ceará, em Galileia, de Ronaldo Correia de Brito; Manaus, em Cinzas do Norte, de Milton Hatoum. Podemos constatar isso em todas as obras. Dentro dessa questão espacial no Neorregionalismo, observamos as seguintes configurações: espaços-cidades; o espaço e o lugar como elementos de transição entre o urbano e o rural; o espaço como personagem e constituidor de identidades; e o espaço-lembrança. Essas novas moldagens sob o espaço é mais um dos elementos de diferenciação do Regionalismo de 30 para o Neorregionalismo de hoje. Outro elemento de configuração do Neorregionalismo a ser destacado é que a tônica da exposição das tradições e dos costumes regionais tem como intuito fazer frente à cultura homogeneizadora advinda da globalização. Tal escritura traz em seu bojo sentimentos de resistência e de valorização dos aspectos regionais sem cair na ingenuidade do panfletarismo de defesa da cultura popular nem da pregação de isolamento da cultura local como algo autossuficiente. Escrita valorativa da cultura como elemento de referência dos indivíduos, constituidor de identidades e que aceita os acréscimos de culturas.

(19) 19. externas, mas de maneira natural, sem imposição de uma indústria cultural, como acontece nas obras Dois Irmãos, de Milton Hatoum, com a cultura libanesa em contato com a indígena, em Manaus; e Coivara da Memória, de Francisco Dantas,da cultura rural com a da cidade, nas quais a defesa da cultura regional acontece por meio da memória, ou seja, o uso da memória como atuação de alteridade e como valorização das questões regionais – resistência. da. manutenção. das. singularidades. do. lugar. frente. à. homogeneização da cultura. Diante desses aspectos iniciais, temos como linha condutora para este trabalho analisar a configuração dessa tendência literária que denominamos de Neorregionalismo Brasileiro. Tomaremos como base, para esta configuração, os elementos expostos, como: autonomia feminina, o espaço urbano como cenário predominante e como partícipe da composição das identidades das personagens; a escrita memorialista como instrumento de resistência frente à homogeneização da cultura pela globalização. Utilizaremos para estudos da caracterização do Neorregionalismo Brasileiro as obras Beira Rio, Beira Vida, A Filha do Meio-Quilo e Pacamão, de Assis Brasil;Sombra Severa,de Raimundo Carrero;Dois Irmãos e Cinzas do Norte,de Milton Hatoum; Coivara da Memória,de Francisco Dantas; e Galileia, de Ronaldo Correia de Brito. Francisco de Assis Almeida Brasil, mais conhecido como Assis Brasil, nasceu na cidade de Parnaíba, no Piauí, no ano de 1932. Trabalhou como jornalista, romancista, cronista e crítico literário em suplementos culturais importantes, como os do Jornal do Brasil, do Diário de Notícias, do Correio da Manhã e do Globo durante anos. É autor de mais de 130 livros. Dentre suas obras, destacam-se: a Tetralogia Piauiense – Beira Rio Beira Vida (1965), A Filha do Meio-Quilo (1966), O salto do cavalo cobridor (1968) e Pacamão (1969); e as do Ciclo do Terror –Os que bebem como os cães (1975), O aprendizado da morte (1976), Deus, o Sol, Shakespeare (1978) e Os crocodilos (1980); além de outras destinadas ao público adulto. Também possui 54 publicações voltadas para o leitor infanto-juvenil. Ronaldo Correia de Brito nasceu na fazenda Lajedo, município de Saboeiro, no Ceará, sertão dos Inhamuns, em 1951. Em sua trajetória, além de escritor,. também. atua. como. dramaturgo,. documentarista,. médico. e.

(20) 20. psicanalista. Suas produções artísticas são exercidas nos mais diferentes gêneros e nas mais variadas formas, tais como literatura, teatro e música. São de sua autoria: Baile do Menino Deus (teatro, 1993), Lua Cambará (disco em parceria com Antúlio Madureira, 1990), Faca (livro de contos, 2003), Galileia (romance ganhador do Prêmio São Paulo de Literatura, 2008), Estive lá fora (romance, 2012) e O amor das sombras (contos, 2015). Raimundo Carrero nasceu em Salgueiro, Pernambuco, no ano de 1947. Jornalista, crítico literário e escritor. Como jornalista, trabalhou em rádio, televisão e no jornal Diário de Pernambuco. Foi um dos participantes do movimento Armorial, idealizado por Ariano Suassuna, que buscava a valorização da cultura popular.. Teve o seu livro Somos pedras que se. consomem como um dos dez melhores livros de 1995, escolhido pelo jornal O Globo, e entre as dez melhores obras de ficção de 1995, pelo Jornal do Brasil. Lançou: As sombrias ruínas da alma (Premio Jabuti, 1999), Os segredos da ficção: um guia na arte de escrever narrativas (2005), A minha alma é irmã de Deus (Prêmio São Paulo de Literatura, 2010), Tangolomango, ritual das paixões deste mundo (2013). Pouco depois da publicação de Tangolomango, sofreu um acidente vascular cerebral (AVC) e aproveitou a experiência para escrever O Senhor Agora Vai Mudar de Corpo– premiado pela Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA) como o melhor romance de 2015. Francisco José Costa Dantas nasceu no engenho de um avô, no município de Riachão do Dantas, em Sergipe, no ano de 1941. Seu primeiro romance foi Coivara da Memória (1991), lançado quando o autor contava 50 anos de idade. Professor da Universidade Federal de Sergipe e fazendeiro. Autor dos livros: Os Desvalidos (1993), Cartilha do silêncio (1997), Sob o peso das Sombras (2004), Cabo Josino Viloso (2005), Caderno de Ruminações (2012). Recebeu, em 2000, o Prêmio Internacional da União Latina de Literaturas Românicas. Milton Hatoum nasceu em Manaus, Amazonas, no ano de 1952. Foi professor de literatura francesa da Universidade Federal do Amazonas. Sua primeira obra, Relato de um certo Oriente, ganhou o prêmio Jabuti de melhor romance, em 1989. Dois irmãos ficou em 1º lugar na categoria romance no prêmio Jabuti e foi indicado para o prêmio IMPAC-DUBLIN, 2000.Seu terceiro.

(21) 21. romance, Cinzas do Norte, foi contemplado com: Prêmio Portugal Telecom; Grande Prêmio da Crítica/APCA-2005;Prêmio Jabuti/2006 de melhor romance; Prêmio Livro do Ano da CBL;Prêmio BRAVO! de Literatura. A quarta obra, Órfãos do Eldorado, ganhou Prêmio Jabuti – 2º lugar na categoria romance, em 2008. Publicou o livro de contos A cidade ilhada (2009) e uma seleção de crônicas publicadas em jornais e revistas no livro Um solitário à espreita (2013). As. obras. utilizadas. para. estudo. desta. configuração. do. Neorregionalismo Brasileiro tiveram como recorte temporal a partir dos anos 1960, devido à observação do surgimento destes elementos configuradores que mantiveram a tradição regionalista dos romances de 1930 com a presença de novos aspectos que as singularizam, como podemos exemplificar nas produções de Assis Brasil que começaram a ser publicadas neste período. Apesar de reconhecermos em Jorge Amado um precursor desta nova configuração, para efeitos metodológicos, restringimo-nos a autores com publicações da década de 1960 aos dias atuais. A. presente. pesquisa. caracteriza-se,. essencialmente,. como. bibliográfica. Buscamos, no primeiro capítulo, a fundamentação necessária para que pudéssemos caracterizar essa nova tendência literária brasileira, discutindo. os. aspectos. convergentes. e. divergentes. em. relação. ao. Regionalismo, bem como os que fundamentam a existência da ideia do Neorregionalismo. Em seguida, desenvolvemos a ideia do primeiro elemento configurador do Neorregionalismo, que é a caracterização do que vem a ser a autonomia feminina nas obras estudadas. Utilizaremos, para a discussão sobre autonomia das personagens femininas, as seguintes produções: Beira Rio Beira Vida; A Filha do Meio-Quilo, de Assis Brasil; Sombra Severa, de Raimundo Carrero. Na terceira instância, abordaremos a questão do espaço como elemento não só de composição de análise para a comprovação do Neorregionalismo, mas, principalmente, como agente de relevante contribuição para o desenvolvimento das experiências das personagens, em especial, as femininas. Teremos como base para estudos dessa categoria as seguintes obras: Pacamão, de Assis Brasil; Galileia, de Ronaldo Correia de Brito; e.

(22) 22. Cinzas do Norte, de Milton Hatoum. No quarto momento, faremos os estudos sobre a memória Neorregionalista como instrumento de resistência à crescente globalização com a padronização. Para isso, contaremos com Coivara da Memória, de Francisco Dantas, e Dois Irmãos, de Milton Hatoum..

(23) 23. 2 A CONFIGURAÇÃO DO NEORREGIONALISMO. Analisando as produções literárias contemporâneas, observamos o surgimento de uma nova tendência na Literatura Brasileira a partir de 1960, denominamo-la Neorregionalismo, pois ela constitui a manutenção de aspectos da tradição regionalista brasileira do modernismo, como, por exemplo, os diálogos entre a Literatura e a Sociedade, as problematizações sociais, certo engajamento estético-social nas obras, assim como mantém a mesma dinâmica de se trabalhar a ideia do regional como algo meramente local, desprovido de questões universais como os dilemas éticos humanos. Soma-se ao Neorregionalismo, além destes aspectos da tradição regionalista literária modernista, outros elementos que a singularizam, tais como a questão da autonomia das personagens femininas nas produções literárias,. independente. do. gênero. do. autor,. pois. a. interpretação. neorregionalista das obras, que propomos, fundamenta-se em pontos mais abrangentes, mediante a história e tradição literária brasileira contemporânea, não se restringindo aos debates sobre questões de gênero. Desta maneira, observamos nos enredos essa autonomia feminina não só no sentido de ser apenas protagonistas nas narrativas, mas, sobretudo, no exercício da posse de si tanto nas questões subjetivas como os sentimentos, desejos, vontades, como na defesa das suas ideias, na valorização pela igualdade de ser mulher. Outro elemento de diferenciação do regionalismo modernista é a questão do espaço. O cenário dos enredos não acontece mais dentro do universo rural, ele agora se situa no ambiente urbano. Além desta mudança espacial, que irá promover outras posturas das personagens nas ficções, também o espaço é um elemento coparticipante, não no sentido peremptório de determinação dos sujeitos-personagens, mas de atuação na condução das experiências vivenciadas pelas personagens ao longo da narrativa. Esse espaço também se constitui como elo entre o ser interno dos personagens com a exterioridade das experiências vividas por eles, isto é, como um dos componentes da substância da formação identitária das personagens. Sendo assim, a estaticidade do espaço não é algo presente nas obras e nem se.

(24) 24. restringe apenas à materialidade geográfica ou física. Também há outras modalidades presentes como espaço-personagem, espaço-memória, espaçoconflito das quais iremos desenvolver melhor essas ideias no capítulo “O Espaço no Neorregionalismo Brasileiro”. Com a identificação do espaço, os personagens conseguem se situar consigo e com o meio externo envolvido. Do contrário, acontece a perda de referencialidade e sentido na condução dos personagens diante da realidade ficcional vivenciada por eles. Diante desta situação, as personagens acabam gerando. diversos. conflitos. internos.. Com. esse. sentimento. de. não. pertencimento a um espaço, acabam tornando-se sujeitos-personagens alheios ao mundo ficcional que os cercam. Outra linha de configuração desta nova tendência literária brasileira ocorre nos traços memorialistas. Nas narrativas, quando a memória atua, ou por meio do narrador-personagem ou mesmo da memória individual de uma das personagens, ela exerce a ação não só de representar um passado, mas, principalmente, de servir como instrumento de resistência ao valorizar aspectos regionais que enriquecem a cultura nacional diante da massificação de uma cultura globalizante de massa. Além disso, cria conjuntamente com o espaço laços de pertencimento dos sujeitos-personagens. Portanto, o Neorregionalismo se configura por ter entre as suas características a presença dos elementos da tradição regionalista modernista com as singularizações da autonomia das personagens femininas, da mudança do espaço rural para o urbano, em que também o espaço é coparticipante, além de não ser algo estático ou apenas material; some-se a isto a presença das linhas das memórias nas narrativas que contribuem no enriquecimento das personagens na valorização da cultura advindo da tradição, exercendo resistência à massificação pela cultura consumista. Todos estes aspectos serão devidamente analisados através das obras que compõe esta nova tendência na literatura brasileira: o Neorregionalismo. Mas, antes, iremos realizar uma contextualização histórico-literária da literatura regionalista no Brasil..

(25) 25. 2.1 Regionalismo e Neorregionalismo na tradição literária brasileira. Quando são abordadas as questões referentes às caracterizações de determinado arquétipo estético de escrita, temos a natural tendência de considerar a presença de certa homogeneidade. Todavia, esse “nivelamento” propriamente dito é algo inexistente. Temos, na nossa própria tradição literária, casos exemplificadores disso. Não há determinação para que se constitua um padrão estético impositivo por meio de formulações de conjuntos de regras ou de normas em que todos se comprometem a seguir. Assim, a nossa história literária é marcada por atuações distintas, mesmo estando em voga modelos estéticos. Gregório de Matos, por exemplo, não segue os mesmos procedimentos de construção literária de Pe. Antonio Vieira; assim também Machado de Assis em relação aos demais escritores realistas. Com isso, é impossível pensarmos que uma escola ou um movimento literário significa apenas uma maneira de ver a hegemonia de determinadas tendências estéticas, que acabam aproximando autores que, por sua vez, fazem com que críticos literários sejam orientados a selecioná-los sob uma determinada ótica. Cada crítico ou estudioso da literatura deve estar atento às possíveis mudanças na tradição, pois, como destaca Lúcia Miguel Pereira (apud BUENO, 2006, p. 15), devemos “[...] ver a tradição literária como algo em andamento e não um objeto estático capaz de ser capturado e congelado sem traumas num livro de história literária”. Essa observação evidencia o que deveria ser óbvio, no entanto, na prática, acabamos nos tornando reféns da manutenção de determinadas concepções sem uma devida reflexão. E, menos ainda, atentando-nos para o surgimento de novas tendências dentro da nossa tradição literária. Diante dessas observações iniciais, destacamos o surgimento, a partir da segunda metade do século XX, de uma nova tendência na nossa literatura, mais especificamente a partir dos anos 1960 e que perdura até os dias atuais, à qual denominamos de Neorregionalismo, por apresentar significativos aspectos. vinculados. ao. Regionalismo. particularidades conforme já citadas.. de. 1930,. mas. com. algumas.

(26) 26. Não devemos ver os aspectos que caracterizam as produções que denominamos como neorregionalistas dentro de uma camisa de força ou de um procedimento literário normativo. Como advertimos anteriormente sobre a inexistência de um padrão estético impositivo ao longo da nossa tradição literária, com as obras neorregionalistas também não será diferente. Portanto, partindo dessas observações iniciais, podemos afirmar que, assim como não houve uma unidade entre os romancistas de 30, não o há entre os escritores neorregionalistas. Cada um vai apresentar suas particularidades nas configurações das suas obras, como, também, feitios em que possamos vê-los sob a ideia do Neorregionalismo. Assim, o termo Neorregionalismo não vem marcado pelas limitações impostas de subliteratura ou de desenvolvimento estético e temático anacrônicos. As novas produções dos autores neorregionalistas não se resumem a meros continuadores dos trabalhos dos romancistas de 30. Eles trazem, em seus textos, novos elementos que os colocam, hoje, entre os grandes produtores literários pertencentes à nossa história literária. Como destaca Luís Bueno (2006), em História do Romance de 30, o historiador da literatura deve atuar de forma seletiva sobre determinado dado significativo, e assim nos colocamos, sem compelir as obras para que elas atendam apenas àquilo que apontamos como elementos configuradores do Neorregionalismo. Nosso compromisso reside em trazer à tona, nas obras, aquilo que naturalmente está presente nos seus enredos. Sem a pretensão única de apenas apontar uma nova tendência literária sem qualquer embasamento teórico que, de fato, não esteja refletido nas produções literárias. Interessa-nos, portanto, reconhecer e valorizar o dinamismo literário e suas tradições. E aproveitar o momento favorável, como adverte Luis Bueno (2006, p.12): [...] a tarefa de se escrever história literária no Brasil é muito diferente da que enfrentaram intelectuais do porte de Silvio Romero e José Veríssimo, que se preocupavam, em grande medida, em colaborar, com o seu trabalho, para o estabelecimento de um conceito de “nacional” que pudesse nos representar..

(27) 27. Dessa maneira, devemos atentar ao momento histórico e literário de que dispomos e perceber que as nossas grandes obras não ficaram só no passado, há outras de significativa relevância sendo produzidas na contemporaneidade. Outro ponto a complementar esse pensamento apoia-se em desfazer estereótipos que, devido a uma postura muitas vezes mais ideológica do que estética, consagraram determinados autores em detrimento de outros e, pelos mesmos motivos, destacaram algumas obras e fizeram “esquecer” de outras, além de constituírem rótulos e limitações não condizentes com determinados movimentos ou tendências literárias, tais como aconteceu com as obras e os autores do Regionalismo do romance de 30, em que, só aos poucos, alguns conseguiram romper tais fronteiras. Contribuindo com o debate da insistência reducionista aos autores regionalistas, apresentamos as ideias acerca do tema na obra A Produção Social da Escrita, de Raymond Williams (2014), mais especificamente no texto “Região e Classe no Romance”, no qual debate a questão do Regionalismo ambientado em regiões como Lake District, South Devon ou o Centro do País de Gales; suas reflexões elucidam alguns pontos que podemos inserir na questão do Regionalismo no Brasil: Há três repostas possíveis, cada uma ideologicamente significativa. Em primeiro lugar, alguns lugares são “regiões”, com um caráter local ou provincial reconhecido, e outros não. Em segundo lugar, alguns romances são “regionais” no sentido de que falam, sobretudo, ou apenas, desses lugares e da vida neles, e não de uma vida mais geral. Em terceiro lugar, certo tipo de romance é “regional” porque é “sobre” ou “retrata” uma vida social específica, ao contrário dos romances que se dirigem experiências humanas mais amplas e permanentes. (WILLIAMS, 2014, p. 299).. Diante do dilema vigente, as obras regionalistas dos romancistas de 30 não ficaram entregues ao provincianismo ou ao localismo. Foram obras que abordaram a realidade dos autores nos seus lugares e que ofuscaram as obras tidas como intimistas, como destaca Luís Bueno (2006, p. 19):.

(28) 28. É claro que, nesse tempo, houve também uma outra tendência na qual pouco se fala, uma “segunda via” do romance brasileiro, para usar a significativa expressão de Luciana Stegagno Picchio, o chamado romance intimista ou psicológico,mas tão secundária que não teve forças para estabelecer-se como forma possível de desenvolvimento do romance no Brasil.. Podemos apontar duas linhas interpretativas para. justificar a. hegemonia da tendência das obras sociais regionalistas em detrimento de outras, como as dos intimistas. Primeiro, devido à saturação da nossa tradição retórica de apelação aos sentidos, como destaca Bueno (2006). As obras regionalistas são algumas que se distanciam, nas suas escritas, desses recursos ao aproximar a linguagem mais do coloquial e do cotidiano, dando vez à certa oralidade, sem comprometer a qualidade da linguagem literária, abordando questões mais ligadas aos dilemas sociais, apresentando personagens de tipos de sujeitos mais comuns, as obras regionalistas acabaram conquistando mais leitores. Outra linha interpretativa, para justificar a ascensão do Regionalismo literário, advém da nossa tradição da proximidade da ficção com o real, por meio da verossimilhança1 nas produções em prosa. Essa tradição vem desde o período Romântico e acentuou-se no Realismo, quando a aproximação entre o real e o ficcional ficou mais intensa. Assim, essa tradição de obras relacionadas mais a aspectos da nossa realidade na Literatura Brasileira acabou contribuindo para o Regionalismo, mesmo como tendência, ser tão valorizado. Nos registros literários, só a partir da segunda metade do século XX, mais precisamente na vigência de regimes políticos que promoviam com rigidez a censura, aconteceu o reconhecimento das obras inverossímeis, como a Literatura Fantástica, em obras como as de Murilo Rubião e de J. J. Veiga. Sabemos que a ordem espacial não se restringe apenas ao elemento geográfico, implica fortemente as vivências e os aspectos sociais, históricos e culturais na formação de autores e de leitores. E isso se refletiu esteticamente nas produções literárias. O que concorre para esse reducionismo valorativo das. 1. A verossimilhança aqui deve ser entendida como uma escrita/narrativa próxima à realidade ordinária, pois segundo A Poética de Aristóteles a verossimilhança é responsável tanto pela lógica interna da obra, como também, por essa aproximidade com a vida comum..

(29) 29. obras tidas como regionalistas, como complementa Raymond Williams (2014, p. 300): E o que é notável, na questão da descrição cultural, é a contínua discriminação de certas regiões nesse sentido limitado de “regional”, que só pode ser retida se outras regiões não forem vistas dessa forma. Ela é, por sua vez, uma função da centralização cultural, uma forma moderna de discriminação entre o campo e a cidade, e está intimamente vinculada à distinção entre cultura “metropolitana” e “provincial”, que se tornou significativa a partir do século XVIII.. Apesar de Williams fazer referência a regiões do Reino Unido, essa mesma situação é condizente quando se pensa a questão do regional no Brasil. Na maioria das vezes, tomamos o regional como algo ultrapassado, de uma determinada província, parada diante dos progressos propostos pela modernidade. Essa caracterização tem como base ideológica apenas a questão do “juízo de valor”. Como os nossos campos literários se centram em dois estados do Sudeste, estes acabam ganhando, em seus elementos, status de nacional, e os demais, de regionais, com sentido de provinciano. E com esse gradual rompimento tardio em prol do reconhecimento de grandes autores do Regionalismo de 30, é que temos, nos escritores neorregionalistas, o reconhecimento literário de suas obras, ao tempo das suas divulgações. Esse aspecto fica evidenciado nas premiações literárias, nas constantes entrevistas lançadas nacionalmente, nas divulgações de suas obras e na participação deles nos festivais literários, cujas palestras e debates abordam os escritores dos romances de 30, possibilitando, assim, um círculo virtuoso de reconhecimento da estética regionalista de antes e de hoje. Lígia Chiappini, no texto Regionalismo(s) e Regionalidade(s) num mundo supostamente global, da sua conferência de abertura do XIII Congresso Internacional da Associação Brasileira de Literatura Comparada, em 2014 – o evento tinha como tema a Internacionalização do Regional –, destaca dois pontos importantes acerca do regionalismo: 1. Do ponto de vista prático: a escassez, nos estudos brasileiros, de bibliografia atualizada sobre os regionalismos, especialmente na literatura, e a necessidade de rever meus próprios trabalhos sobre o tema, bem como de reorientar os pesquisadores mais jovens que a ele se dedicavam sob minha responsabilidade..

(30) 30. 2. Do ponto de vista teórico: a necessidade de, com base nessa atualização e tendo em vista a reorganização das nacionalidades e das hegemonias na Europa, repensar a tese bastante aceita pela crítica brasileira de que o problema do regionalismo seria decorrência do subdesenvolvimento e, como tal, irrelevante nos países do primeiro mundo, especialmente aqueles cuja identidade não seria problemática, pois estaria sedimentada pelo poderio econômico-político e já longa tradição cultural. (CHIAPPINI, 2014, p.35).. Esse pensamento também converge com outros teóricos da literatura que ratificam a necessidade de se apontar novos caminhos de entendimento dessas obras, como propõem Humberto Araújo (2013), Juliana Santini (2014) e Diógenes Maciel (2014). A partir desses pressupostos, podemos evidenciar que a ideia-conceito do Neorregionalismo surge da necessidade de reinvenção conceitual. com. novas. perspectivas. metodológicas. de. análise. e. de. caracterização de obras continuadoras de uma tradição literária brasileira, que nunca foi estagnada e que hoje se encontra sob o prisma do Regionalismo. A abordagem e a análise do tema refletem na necessidade de se lançar novas ideias no intuito de compreender o momento em estudo, com as devidas fundamentação e força argumentativa. Com base nessas inquietações, é que inserimos a noção de Neorregionalismo. Destacamos que o Neorregionalismo não se constitui apenas como neologismo com ideia literária, mas como formulação de uma percepção visando à compreensão da vigência de aspectos regionalistas da atualidade sob outros pilares, que rompem com qualquer reducionismo ou mesmo limitação espacial ou estética a um dado local específico. Portanto, é a partir das leituras das obras dos autores mencionados, que percebemos configurações que os aproximam, sob a égide de uma estética neorregional porque, em suas produções literárias, não há a presença apenas de aspectos formais e estruturais do que foi produzido na década de 1930 do século XX, o que seria anacrônico. Encontramos traços significativos que evidenciam a força do Regionalismo com suas dimensões universalizantes e com as devidas singularidades. Queremos destacar outro aspecto, mencionado por Chiappini (2014), que reside na discordância, também nossa, de que o Regionalismo literário estaria ligado a uma questão econômica de subdesenvolvimento. Sobre este.

(31) 31. ponto, a referida autora assim se posiciona: “[...] a economia não explica tudo e os regionalismos estão estreitamente vinculados às tradicionais lutas pela hegemonia e contra determinadas hegemonias, ao longo da história europeia.” (CHIAPPINI, 2014, p. 50). Portanto, não será o regionalismo o reflexo do atraso social, da estagnação econômica. Não são fatores econômicos que proporcionaram o seu surgimento e a presença do Regionalismo até hoje. Menos ainda, o Neorregionalismo servirá como símbolo que atesta a ausência de superação desse atraso social. A marca no Regionalismo de algo pitoresco e exótico ficou bastante evidente nas primeiras obras do Regionalismo romântico que, ao longo do tempo, foi perdendo essas características. Os romances da década de 1930 exemplificam a perda desse caráter. Todavia, ocorre a manutenção equivocada dessas ideias dentro da nossa tradição crítica. A presença desses estigmas faz com que diversos autores, tidos por nós como neorregionalistas, rejeitem tal ideia, como podemos ilustrar na obra Galileia, de Ronaldo Correia de Brito, em que ele se utiliza da discussão entre os personagens para desqualificar o regional: “– Tio Salomão é um regionalista. Existe coisa mais fora de moda do que um regionalista?” (2009, p. 163). Essa rejeição se justifica principalmente pelos estigmas que podem impedir a compreensão e o reconhecimento devido das obras. Portanto, analisar a configuração e a presença do Neorregionalismo na nossa tradição literária constitui um desafio por força da presença de ideias reducionistas acerca do Regionalismo. Ao longo do trabalho, apresentaremos elementos que possam suplantar esse olhar equivocado de parte da crítica literária brasileira. Mostraremos que o Regionalismo não “morreu” nem tampouco permanece “vivo” devido ao nosso atraso econômico. E, mesmo como tendência literária, a construção estética provinda dele não só demonstra a sua relevância para a tradição literária brasileira ao longo dos anos, como também se mantém por meio do Neorregionalismo, só que com algumas outras particularidades..

(32) 32. 2.2 O Regionalismo e o Neorregionalismo como tendências literárias brasileiras. O Regionalismo surgiu primeiro em nossas letras no Romantismo e foi muito marcado pela mera descrição localista dos costumes e dos aspectos geográficos do lugar. Lúcia Miguel Pereira (1988, p. 176), em Prosa de Ficção (de 1870 a 1920), apresenta uma das características fundamentais desse período: “[...] o indivíduo apenas como síntese do meio a que pertence, [...], busca nas personagens, não o que encerram de pessoal e relativamente livre, mas o que as liga ao seu ambiente [...]”. Essa marca descritiva foi uma das tônicas do Regionalismo no período romântico. A construção descritiva pela “cor local” que, segundo Lúcia Miguel Pereira (1988, p. 175), “[...] se limita e se vincula ao ruralismo e ao provincialismo, tendo por principal atributo o pitoresco [...]”, acontecia porque os seus autores estavam comprometidos com a criação de uma identidade nacional e viam, na apresentação dos lugares brasileiros, uma maneira de construção no imaginário social e a possibilidade de identificação do sujeito com a nova nação, recém-independente. Nessa linha de pensamento, Pereira também irá afirmar que: “[...] o sertanismo revela o anseio, num país onde a cultura é importada, de valorizar os elementos mais genuinamente nacionais [...]” (p. 179), ou seja, os autores produziram uma literatura, no dizer de Antonio Candido (2000), empenhada. Esse empenho consistia em valorizar os aspectos nacionais a partir dos elementos locais, para que assim fosse nutrida, no imaginário social, uma identidade brasileira. Todavia, as primeiras produções literárias desse período tiveram fraco desempenho estético, pois o tom descritivo foi mais predominante. A partir de Hugo Carvalho Ramos, com Tropas e boiadas, em 1917, o Regionalismo não se fez mais apenas pela via da descrição, mas inseriu-se, como destaca Lúcia Miguel Pereira (1988, p. 182), “com intenções denunciadoras”. Essa tônica amadureceu ao longo dos anos e com a contribuição do Movimento Modernista de 1922, que abriu novas possibilidades ao meio literário, com uma “[...] atitude interessada diante da vida contemporânea [...].” (BOSI, 2008, p. 384), reclamada e estimulada por um dos.

(33) 33. modernistas, Mário de Andrade, em 1930, quando aconteceu a consolidação do Regionalismo, momento em que os romancistas estiveram voltados para uma das relações sociais, por meio das produções literárias de significativa qualidade estética. Essa tensão entre o escritor e a sociedade, no que toca aos problemas sociais, será a linha construtora dos romances, que, segundo Alfredo Bosi (2008, p. 389), estará marcada por “anos fecundos para a prosa narrativa”. Diante desse percurso sintético do Regionalismo, é importante observamos que os aspectos que aproximam as obras regionalistas das neorregionalistas consistem em ambas não serem apresentadas como escolas, períodos ou movimentos literários, mas, sim, como tendências literárias. O Regionalismo, dentro do Modernismo; e o Neorregionalismo, no Modernismo Tardio ou Pós-Modernidade. Concordamos com Humberto Araújo (2013) quando afirma que o Regionalismo não consiste em um movimento, mas em uma tendência que perpassa toda a nossa tradição literária brasileira, iniciada a partir do Romantismo. Diz ele: “[...] o regionalismo sobrevive como uma tendência que se nutre da tensão dialética entre o local e o universal. Assim caracterizada, essa tendência se apresenta sob as mais diversas formas.” (ARAÚJO, 2013, p. 102). Mediante essa ideia, vemos que o Regionalismo não ficou marcado, em nenhum momento, de maneira hegemônica na nossa tradição literária, mas esteve sempre presente nas nossas letras desde o Romantismo aos dias atuais, com diferentes formas e configurações. Observamos, por exemplo, que o Regionalismo dentro do Romantismo se efetivou como um movimento dedicado ao local, que buscava, por meio das produções ficcionais, a elaboração de aspectos identitários que pudessem concretizar o processo de independência recente e a construção de uma identidade. nacional.. Assim,. os. autores. evidenciaram. mais. aspectos. particulares do meio local e produziram uma literatura, quase que exclusiva, daquele espaço geográfico. Já o Regionalismo literário produzido na década de 30 do século XX, que se realizou dentro do Modernismo, produziu obras, no seu início, marcadas pela superação do exótico e do pitoresco, voltando-se para uma produção mais.

(34) 34. próxima da realidade com a problematização de questões sociais, como destaca Luís Bueno (2006, p. 55): A geração de autores que apareceram nos anos 30 é ao mesmo tempo herdeira e legitimadora do movimento de 22, cuja grande contribuição foi abrir a porteira para o que se realizaria em seguida: os novos romances, os estudos sobre os problemas brasileiros.. Interessante observarmos que a caracterização em relação à geração de 30 consiste em abordar a questão da problemática nacional, algo ainda não bem evidenciado. Inclusive, há, entre os que estudam esse período das nossas letras, uma possível divisão entre os que rompiam com os padrões estéticos e os outros, que se associavam a questões ideológicas. Alfredo Bosi, em Histórica Concisa de Literatura Brasileira (2008), é um dos teóricos que apontam para essa cisão. Em relação a isso, Luís Bueno (2006, p. 58) posiciona-se da seguinte maneira: No caso do modernismo, é inegável que a geração dos autores que participaram da Semana de Arte Moderna se preocupava sobretudo com uma revolução estética, enquanto os que estrearam nos anos 30 centravam sua atenção nas questões ideológicas. Não é muito fácil, no entanto, admitir uma continuidade dos projetos estético e ideológico de uma geração para outra de forma a que a ênfase num ou noutro dê conta dos desacordos que separam duas gerações.. Observamos, portanto, que não há uma vinculação direta entre a Semana de Arte Moderna e os Escritores de 30, mas uma preparação involuntária dos primeiros para que pudessem surgir os segundos. Isso acontece, a nosso ver, por três motivos. Primeiro, pela liberdade de atuação na escrita, em que o autor, mesmo em períodos conturbados na nossa história política, como os dos anos 1930, não iria sofrer tantas interferências formais ou até mesmo de censura. Segundo, devido à inserção do social, não de maneira reivindicativa ou panfletária, mas com um diálogo forte entre os problemas sociais e as concepções estéticas narrativas de qualidade. Nesses dois primeiros aspectos, podemos perceber certa aproximação literária do que se fazia na Rússia, no final do século XIX e início do século XX, em que autores como Dostoievski, Tolstoi, Gogol utilizavam seus escritos como instrumento de.

(35) 35. aproximação do estético e do social. É mais do que natural a influência destes em alguns autores do Romance de 30. Esse nosso posicionamento acerca da ação involuntária da Semana de Arte Moderna para o surgimento dos Escritores de 30 é uma ideia também defendida por Lúcia Miguel Pereira (apud BUENO, 2006, p. 65): O papel do movimento, que o modernismo não teve influência direta sobre a geração que o sucedeu, mas estabeleceu um ambiente literário, distante do academismo e próximo de uma atitude de busca de uma forma brasileira de fazer arte, que permitiu o aparecimento do romance de 30.. Com isso, as bases foram montadas na Semana de Arte Moderna 2 para o surgimento do Regionalismo como tendência literária brasileira, que não se configurou de maneira hegemônica, mas influenciou e continua a influir as nossas artes, em especial, a literatura Neorregionalista. O terceiro ponto, que destacamos nesta discussão, refere-se ao desenvolvimento de uma consciência não só dos problemas nacionais, mas de ordem estética que fez com que os autores estivessem imbuídos não só do sentimento de uma literatura empenhada, como diz Candido (2000), em Formação da Literatura Brasileira, mas do entendimento, como também afirma José Guilherme Merquior (2015), em Formalismo e Tradição Moderna, de que o discurso literário constitui uma produção intelectual inserida dentro de um processo histórico-social do qual não se deve ausentar. É com esse sentimento de uso engajado da produção literária, não só do ponto de vista artístico, mas, sobretudo, de inquietação diante dos dilemas brasileiros, é que os autores dessa tendência estética irão se diferenciar dos modernistas de primeira hora. Os autores do Neorregionalismo Brasileiro irão herdar esse sentimento e essa consciência. Continuaram a fazer dialogar o estético com o social. Problematizaram os dilemas nacionais sem cair em discursos reivindicativos distantes do trabalho de produção literária. Podemos constatar isso com a 2. O movimento modernista, articulado principalmente por Mário de Andrade e Oswald de Andrade, proporcionou a liberdade criativa nas estruturas, formas e temas na Literatura Brasileira. Esse rompimento com as formas tradicionais possibilitou que o Regionalismo de 1930 tivesse maiores recursos para serem trabalhados em suas obras tais como a liberdade temática, de forma e de conteúdo, além de uma melhor receptividade pelo público..

(36) 36. presença, por exemplo, em seus enredos, de sujeitos marginalizados, como também de traços da linguagem oral e da memória, marcando a identificação dos sujeitos dentro do seu lugar cultural em oposição à homogeneização da cultura globalizante. Diante do legado do registro literário construído pelo chamado “Romance de 30”, tomamos como objeto de estudo o processo de amadurecimento do que denominamos de Neorregionalismo nas produções literárias contemporâneas, a partir da década de1960 até os dias atuais. Assim como a Semana de Arte Moderna proporcionou o surgimento da tendência literária do Regionalismo Literário Brasileiro, as produções contemporâneas, pautadas na pluralidade de construções narrativas e de temáticas, serviram para a retomada do Regionalismo de maneira mais valorativa, sendo visto sem os estigmas de narrativa exótica ou pitoresca. Podemos constatar tal situação favorável ao observarmos que os autores neorregionalistas têm maior reconhecimento e sofrem menos críticas reducionistas daqueles que poderiam ainda insistir na ideia de suas produções serem locais, restritas a uma dada região, como se deu, de certa forma, com o Regionalismo. Além disso, essa tensão dialética entre o local e o universal constitui uma abordagem interessante para se debater. Erich Auerbach (2007, p. 357), no texto “Filologia da literatura mundial”, presente no livro Ensaios de Literatura Ocidental, destaca que “[...] a literatura mundial não se refere simplesmente aos traços comuns da humanidade, e sim a esta enquanto fecundação recíproca de elementos diversos [...]”. Já Machado de Assis, em 1873, no texto “Notícia da atual literatura brasileira. Instinto de nacionalidade”, ao observar a questão do romance em nossas letras, afirma: Busca sempre a cor local. A substância, não menos que os acessórios, reproduzem geralmente a vida brasileira em seus diferentes aspectos e situações. Naturalmente os costumes do interior são os que conservam melhor a tradição nacional; os da capital do país, e em parte, os de algumas cidades, muito chegados à influência européia, trazem já uma feição mista e ademanes diferentes. (ASSIS, 1994, p. 137).. Na junção dessas duas concepções, de Auerbach e Machado de Assis, a respeito do que vem a ser literatura mundial, como alguns costumam se.

Referências

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