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Análise do espaço como personagem e constituidor de identidades na obra Pacamão de Assis Brasil

4 O ESPAÇO NO NEORREGIONALISMO BRASILEIRO

4.3 Análise do espaço como personagem e constituidor de identidades na obra Pacamão de Assis Brasil

Pacamão (1969), de Assis Brasil, narra a história da família de seu Bento e Zuleica, família composta pelos filhos Darcy e Nazinha, Raimunda e Elza, que são a mãe e irmã do Bento, além dos agregados Pepeta e Gervásio (mais conhecido como Pacamão). Os dramas ocorridos no enredo giram em torno da figura do Palacete – a casa aristocrata em que a família de Bento habitava. Notável na obra é que o espaço funciona como personagem influenciador nas vivências dos demais personagens, atuando não só no presente, mas nas outras duas dimensões do tempo: passado e futuro.

Maurice Blanchot, em O Espaço Literário (2011, p. 22), afirma: “na ausência de tempos, o que é novo nada renova; o que é presente é inatual; o que está presente não apresenta nada, representa-se, pertence desde já e desde sempre ao retorno”. Este pensamento converge com a atuação do Palacete, pois ele determina o modus vivendi dos personagens, direciona os roteiros das vidas dos seus habitantes.

A propósito do que destaca Cássia Santos em seu texto Entre Rios: o rural e o urbano na poesia de João Lins Caldas (2010, p. 168), “o espaço é um importante componente nas formas de representação do regional e, assim sendo, ele se torna elemento privilegiado para se pensar esse aspecto frente às mudanças ocasionadas pelo processo de modernização”. Apesar de Cássia Santos tomar como base para o seu pensamento o espaço regional, podemos também trazer essa mesma ideia para nos referirmos ao Palacete, que, a nosso ver, constitui esse elemento que marca a tensão entre o regional e o urbano, o conservadorismo e a modernidade, o passado glorioso e o presente decadente, não só para a família do seu Bento, mas para toda a cidade de Parnaíba. Observamos, portanto, que na obra ele não apenas marca o lugar, mas atua de maneira a tencionar, selecionar e até mesmo determinar as

atuações dos sujeitos da família do Bento sob os olhares da cidade. Por essa razão, há um cuidado maior na conservação da imponência arquitetônica por parte da maioria da família, já que a vida de todos será marcada pelo imóvel: desde o acontecimento trágico com Nazinha, o motivo de indiferença de Darcy diante da vida, da dedicação de toda uma vida por Zuleica, da recusa de uma vida independente por parte de Elza, da resignação de Raimunda, do cuidado de Pepeta com Nazinha e Darcy. Todos diretamente tiveram suas vidas direcionadas pelas subjetividades presentes no mundo do Palacete.

A casa de Bento também servia como elemento de distinção da família diante de todos da cidade. Por conta dessa atuação do Palacete, todos os membros da família tiveram suas vidas marcadas por um presente morto que, segundo Blanchot (2011, p. 22), significa “a impossibilidade de realizar uma presença, impossibilidade que está presente, que está aí como o que duplica todo e qualquer presente, a sombra do presente, que este contém e dissimula em si”. O Palacete esvazia os possíveis sentidos independentes dos seus habitantes, como podemos atestar mediante o diálogo entre Zuleica e Darcy: “O Palacete participou quase unânime das ações. Você foi a única voz discordante, mas não muito discordante, não muita incisiva” (2008, p. 365)8

. Nota-se essa forte presença do Palacete como agente condutor da construção identitária e definidor das vidas dos seus habitantes.

O Palacete, além de ser agente ativo no direcionamento das vidas dos seus membros, também atua no tocante ao imaginário social da população da cidade de Parnaíba. Simboliza, além da marca de opulência da família diante da cidade, também um forte representante dos aspectos de urbanidade e civilidade.

Tomamos de empréstimo o conceito de lugar para situá-lo dentro da estrutura não somente física, mas de forte atuação na subjetividade da cidade, pois, como aponta Lívia de Oliveira (2012, p. 5 e 12), em O Sentido de Lugar, “lugar é tempo lugarizado”; nele solidificamos e estabelecemos sentidos nos quais podemos ver “[...] um mundo de significados organizados, a um tempo estático e a outro dinâmico; caminhos que se tornam lugares significativos”.

8 A partir deste trecho do romance Pacamão, todas as citações, neste capítulo, serão seguidas apenas do

Temos, portanto, os significados daquele lugar marcado pelo tempo na determinação do ser feito, pensado, realizado, saudado e esquecido. Assim, a figura do Palacete mantém essa centralidade desde a sua época áurea, até mesmo na sua decadência, com atuação influenciadora do imaginário social da cidade e na vida dos seus habitantes.

Para exemplificar essa forte presença do Palacete sobre a mentalidade da família, podemos ver nas passagens diacrônicas do enredo, através das ações dos personagens Zuleica e da mulher de Darcy. Em diálogo com o filho, Zuleica utiliza-se da narrativa memorialista para evidenciar a imponência do Palacete e sua atuação na conservação, algo “herdado” por ela de dona Raimunda – mãe de Bento:

Eu, quando cheguei em Parnaíba, e vi as duas com aqueles vestidos de modelos antigos, com aqueles braceletes, com toda aquela falsa pompa, achava que era entre esse tipo de gente que se podia viver melhor – a educação do Bento, a sua gentileza, a sua inteligência, a presença suave e limpa de dona Raimunda e Elza, fizeram com que eu me apegasse a seu mundo, talvez mais do que devia. Dona Raimunda vivia dizendo, “a nossa é a melhor família de Parnaíba, o resto é ralé”. Se queixava da invasão do Cassino pelas famílias dos negociantes, “agora ninguém pode ir mais a uma festa, aquelas mal- educadas e maltrapilhas pelo meio do salão”. Falava que dinheiro não modificava a casta de uma pessoa, não modificava o seu berço, e se referia a dona Cota, a filha do meio-quilo, “aquela nem com o dinheiro do marido, nem com os vestidos de fora, tomou jeito” (p. 381).

Nessa descrição, podemos observar a dimensão que cada um se atribuía ao ser inserido na família e consequentemente usufruir do Palacete. Essa manutenção era apenas a continuidade do que dona Raimunda e, depois, Zuleica realizavam:

Raras famílias e alguns homens que tratavam de negócios com seu Bento foram os únicos violadores do Palacete. E mesmo tudo quanto aconteceu ali nunca passou além daquelas paredes velhas. Disso dona Zuleica se encarregara desde a sua chegada (p. 361).

Na mesma linha manteve-se a mulher de Darcy, já idoso. Assim como antes a avó, depois a mãe e agora a esposa, deveriam preservar a exuberância do Palacete, como demonstra o trecho: “Em casa a mulher ainda mantinha todas as empregadas do tempo do Palacete cheio de gritos e intrigas” (p. 349). Podemos constatar com essas passagens que era quase

uma tradição da família agir na conservação desse lugar. A cada nova senhora distinta que se somava, a família se incumbia, não por exigência externa de um homem, mas guiada por um sentimento íntimo, advindo desse domínio subjetivo que o Palacete exercia sobre os indivíduos, de atuar sobre ele no intuito de manter seu brilho e sua distinção. Esse domínio e fascínio não vinham apenas dos novos integrantes da família, mas de toda a cidade.

É interessante, nesse momento, fazermos algumas diferenciações sobre determinados aspectos, como espaço, lugar e lar. Ribeiro (apud MELLO, 2012, p. 37)pondera que

A noção de espaço “indica o universo exterior a cada cultura, pleno de mistério, oportunidades a serem desvendadas e sedução. A incorporação e a reelaboração do espaço são, portanto, constitutivas do universo cultural de cada povo, o que não deveria significar o abandono, mas sim a incorporação mais plena – do lugar de pertencimento, com as suas qualidades de abrigo e de memória compartilhada.

Dessa maneira, podemos situar a cidade de Parnaíba como o espaço em que as manifestações culturais com suas estruturas de pensamento se manifestam, produzindo discursos dos sentimentos coletivos, como os aspectos de ostentação e de segregação, vistos anteriormente ao exemplificarmos a exclusão social sofrida por Cremilda, quando ao comprar uma casa na cidade, mesmo com dinheiro suficiente para isso, não ter quem a vendesse, pois os moradores da região central de Parnaíba não queriam ter pessoas indesejadas naquele espaço. Do outro lado, temos o sentido de lugar, como aborda Edward Relph (2012, p. 29), dialogando com o pensamento de Jeff Malpas, em Reflexões sobre a emergência, aspectos e essência de lugar, ao dizer:

Lugar, argumenta Malpas, refere-se à particularidade e à conectividade com a qual sempre experienciamos o mundo. Às vezes é rico, às vezes é fraco, mas é uma inescapável parte do ser. Um lugar especial é a reunião que, em sentido geográfico, reúne a fisionomia de lugar, atividades econômicas e sociais, história local e seus significados. Em sentido mais psicológico, reunião integra nosso corpo, o estado do nosso bem-estar, a imaginação, o envolvimento com os outros e nossas experiências ambientais.

Nesse momento, inserimos o Palacete como lugar, pois ele reúne essas características ao direcionar sobre os seus moradores a maneira de ver e experenciar o mundo, marcando os significados das coisas a partir do seu juízo de valor, o que podemos atestar diante do diálogo entre Bento e Zuleica em que ela aceita que o seu filho Darcy estude em outro estado.

– Ele vai estudar no Rio. – Longe da gente, Bento?

– Sacudo ele lá e ele tem que virar homem. A mãe veio em socorro pronta para um chilique.

O velho Bento, sentado na poltrona de couro, a bengala batendo no assoalho, já tinha decidido:

– Não sei como não tive a ideia antes. Aqui em Parnaíba toda família que se preza tem um filho estudando fora. Você não viu o filho do Clark, mulher?

Dona Zuleica se acalmou com aquela perspectiva de aparecer mais uma vez como a esposa de um homem rico, importante, que tinha um filho estudando fora.

Seu Bento já andava de bengala naquela época, mas as pernas ainda podiam sustentar todo o azedume de sua vida.

– Darcy vai ver o que é viver longe da família.

– Não tem outro jeito, aqui vai acabar atrás de um balcão qualquer e se casando com uma rapariga da Coroa. (p. 350)

Diante dessa passagem, podemos ver inserido o sentimento que o lugar, no caso o Palacete, promove: simbolizar sempre a distinção e jamais concordar com o comum ou o nivelamento social por baixo. Assim, o sentimento que move Bento e Zuleica não são de realizar primeiramente algo benéfico ao filho, e sim promover mais uma ação de distinção da família sobre as demais da cidade. Essa passagem também comprova a visão e experimentação que o lugar, no caso o Palacete, oferece.

Destacamos que o Palacete, aos olhares da cidade e dos seus moradores, como já abordamos, constitui-se lugar e não lar. Segundo Lívia Oliveira (2012, p. 24), “lar é onde as raízes são mais profundas e mais fortes, onde se conhece e se é conhecido pelos outros, onde se pertence”, e esse sentimento de pertencimento não se fazia presente em todos os membros da família de Bento. Darcy, Zuleica, Nazinha e Elza não se sentem em casa, na presença de um lar, mas tão somente diante de um lugar em que suas vidas são direcionadas sem qualquer possibilidade de fuga ou mudança. Vidas esvaziadas de sentidos, de descobertas, de vivências diferenciadas, de destinos escolhidos. Isto podemos constatar em cada um dos personagens.

Zuleica, esposa de Bento, gostava de ostentar a sua condição, que ela supunha diferenciada das demais famílias de Parnaíba pelo símbolo maior: o Palacete. O seu maior prazer era na manutenção e conservação dele:

O grande prazer de dona Zuleica era conservar os azulejos da frente do Palacete, a única casa de Parnaíba enfeitada assim. Às vezes dizia, quando alguém sugeria tirar os azulejos para dar uma pintura em toda fachada, “esta é a única casa aristocrática de Parnaíba, não me desfaço não dos meus azulejos” (p. 360).

Assim, ela dedicou-se muito mais em cuidar do símbolo maior da família. Quando se importava com os filhos Darcy ou Nazinha, era quando havia a possibilidade de alguma ação deles que pudesse macular o Palacete. Durante quase toda a vida, ela exibiu este cuidado, até quando da morte de Nazinha e de Bento. Com a chegada da velhice, é que viu que agora ele não mais a pertencia. Era uma estranha habitando aquela casa a que tanto se dedicara, como podemos observar no seu diálogo com o filho Darcy:

Não meu filho, não posso ficar aqui desse jeito, esta casa não mais me pertence. Devolvo-a como a recebi, sem que ninguém me consultasse. Devolvo-a sem constrangimento algum. Só lamento ter ficado assim, como a testemunha final de tantas e tantas coisas (p. 364).

Sua missão herdada de Raimunda, mãe de Bento, estava cumprida. Agora era hora de entregar os cuidados do que podemos chamar de casa- tradição para a esposa de Darcy. Seria ela agora quem daria continuidade aos cuidados da marca maior da família.

Interessante observarmos que uma das marcas da escrita dos escritores neorregionalistas, como Assis Brasil, constitui, como já mencionamos, esta forte presença do espaço na condução das narrativas. Não serve apenas como instrumento de situacionalidade espacial dos personagens, mas como um agente condutor de subjetividades que atingem os personagens. Anteriormente, o espaço marcava e determinava a carga de vivência das personagens. No Neorregionalismo, ele compõe os imaginários dos personagens, marcados não só pelas lembranças, mas também pelas

inquietações que o passado traz e atua no presente determinando o futuro, conforme aconteceu anos depois na fala de Darcy:

– Gervásio, você nunca mais limpou os azulejos da dona Zuleica? A casa está mais velha, os azulejos também, mas eles não precisam de limpeza, naquele seu brilho natural. Às vezes a mulher dele se lembra de que a casa já foi mais limpa, mais conservada, e manda limpar, dar uma mão de cal, avivar os frisos das paredes, e põe todas as empregadas para remover as casas de aranha que se emaranham nos salões fechados. Mas isso não acontece sempre. Acontece sempre que Darcy reclama da sujeira [...] (p. 363).

Nessa passagem, podemos ver como Darcy, mesmo sendo o sujeito a desdenhar do Palacete, é levado a requerer os cuidados. Isso se deve à sua subjetividade atrelada à tradição constituída na casa, mesmo que de maneira irônica, ao apontar a ausência da limpeza dos azulejos, marca de prestígio por parte de Zuleica, e também porque, quando criança, Gervársio (Pacamão) era quem tinha essa responsabilidade maior.

Com a modernidade e seus avanços, Darcy tem como um dos seus vetores de condução a ruptura com a tradição. Desqualifica-a para constituir novos hábitos. Por essa razão, a esposa de Darcy tinha e não tinha tanto empenho na sua conservação. Gostava, sim, da ostentação que a casa exercia sobre o imaginário social da cidade, mas não tinha tanto apego aos costumes e às tradições de outrora.

Raimunda teve, assim como Zuleica, uma vida dedicada ao Palacete. A tudo sacrificou e sacrificaria para que as “aparências de superioridade” diante da população de Parnaíba fossem mantidas. E quem ditava isso era a vida no Palacete, como registra a seguinte passagem de diálogo com Elza, sua filha:

Você também não criou obstáculos para que sua vida se passasse entre as paredes do Palacete. Habituou-se com a solidão, com a nossa vida quase parada, enquanto o Bento ganhava dinheiro para nos sustentar e manter limpo o nome da nossa família (p. 385).

Manter o nome limpo era continuar a ser uma família modelo para as demais de Parnaíba. Vê-se como o espaço, no caso da obra, o Palacete, atua

sobre os personagens, conduzindo-os sempre, conforme podemos ver na continuidade do diálogo entre Raimunda e Elza:

– É, minha filha, você ficando solteirona não perdeu coisa alguma. Quem sabe o que poderia ter acontecido à sua vida? Talvez até um desastre, como aconteceu com a pobre Nazinha. Aqui, pelo menos, embora recolhidas em nossa casa, ajudamos a criar Darcy e Nazinha, apoiamos Bento nos seus desacertos, apoiamos Zuleica na sua mania de querer reviver os velhos tempos do Palacete, mas as festas não poderiam ser mais as mesmas. [...] Zuleica fez apenas um arremedo do que foi o meu tempo – creio que se influenciou pelo que lhe contei, e certa vez, me apontando o lustre da sala, disse assim: – Dona Raimunda, o Palacete parece que já teve os seus tempos, não?

– Aí fui e lhe contei a nossa vida, quando o Palacete ainda era um palacete. Zuleica ouviu tudo deslumbrada, como se não acreditasse no esplendor daquelas festas.

– Tudo pode voltar, dona Raimunda. – Qual nada. E Zuleica não fez de rogada:

– Vou fazer esses lustres brilharem de novo, dona Raimunda.

– Deixei que ela agisse; estava tão entusiasmada que me entusiasmou também. E conseguiu logo que o Bento contratasse pintores e eletricistas, e até modificou a cozinha para os pratos que ela pretendia fazer e exibir. E as tais festas – o Palacete novamente iluminado – foram aquilo que vimos, um fiasco. Ela, para justificar o fracasso, disse que Parnaíba era uma aldeia, o Palacete não cabia aqui, no meio “desses selvagens” (p. 386).

Mais duas vidas determinadas pelo Palacete. Raimundo contentou-se em viver sob uma época áurea quando a casa oferecia grandes festas para demonstração de superioridade da família em relação às demais de Parnaíba. Zuleica, que a princípio sofria com certa desconfiança por parte de Raimunda por não advir de outra família aristocrata, acabou conquistando a sogra quando ousou restabelecer o grande momento do Palacete diante da sociedade parnaibana. Tentativa em vão, pois os tempos já não eram mais os mesmos. Mesmo diante da frustração de ambas, a responsabilidade do insucesso veio não da decadência do Palacete, mas, tão somente, de o povo não estar a sua altura, como afirma Zuleica ao referir-se ao fato de a casa estar em meio aos “selvagens”.

A dedicação ao Palacete era tanta que foi considerado por todos uma grande heresia quando Bento, diante das dificuldades financeiras que enfrentava, cogitou vendê-lo. Assim menciona Raimunda no diálogo com Elza: “Você não sabe, Elza, mas seu irmão um dia chegou a me dizer que tínhamos

que vender o Palacete. O Palacete, imagine a loucura” (p. 387). Isto era algo inconcebível, segundo ela mesma completa em seguida: “Vender o Palacete, ora essa, era o mesmo que vender a nossa dignidade, a nossa posição social. Disse ao Bento, firme: trate de dar um jeito, de dar um jeito, o Palacete não se vende” (p. 387). Portanto, para o imaginário da família de Bento, morar no Palacete era se diferenciar dos demais sujeitos “selvagens”. Ele simbolizava a dignidade da família: mesmo que os tempos fossem outros de casas menores, apartamentos, estar sob a égide do Palacete era pertencer a um mundo dos deuses e não dos reles mortais.

Elza fora outra usurpada de uma vida própria para viver perto da sua mãe, mas, principalmente, ter uma vida dedicada ao Palacete. Ao lado da mãe e no Palacete viveu seus dias no cuidado da casa, reinando na cozinha e auxiliando na criação dos sobrinhos: Darcy e Nazinha. Mas, quando da rememoração do que acontecera a Nazinha, em diálogo com a mãe, depois de anos do acontecimento, Elza manifesta certo arrependimento por não ter buscado outra vida, independente.

No desenrolar do romance de Nazinha com o carteiro Leandro, a sobrinha tinha em Elza a sua confidente e ela, por sua vez, via na sobrinha a maneira de concretizar o seu arrependimento de não ter se permitido viver. Elza via na construção romântica de Nazinha a oportunidade de ela viver de alguma maneira o que ela marginalizou devido ao convencimento da mãe Raimunda e da hegemonia do Palacete:

– A senhora bem sabe que o caso só poderia ser contornado afastando Leandro da vida de Nazinha. Essa era a ideia fixa de todo mundo. Ninguém pensou em contornar o caso, por exemplo, fazendo o casamento dos dois. Por que não? Ah, mas isso era inadmissível por toda a família, essa família... essa família superior.

– Claro, minha filha, você queria um zé-ninguém em nosso meio? Convivendo com nossa família? Palitando os dentes na sala? (p. 393).

Nesse diálogo, observamos a necessidade de se oprimir a qualquer um que ousasse inserir novos “membros indesejados” no interior do Palacete. Raimunda insiste para Elza que o acontecimento trágico de Nazinha fora uma consequência da sua insolência. Mesmo sendo algo impensável por todos, ela foi de fato a maior responsável pelo seu próprio fim. Não se aceitavam pessoas