urso
ANALISE DA noRFoss1N'rAxE DA LÍnc;UA'D'Ãw
(MAKU-mui)
E suaCLASSIFICAÇÃO TIPOLÕGICA
Silvana Andrade Mart F1orianópo1is,1994
Dissertação apresentada
ao Departamento de Língua
e Literatura Vernáculas da Universidade Federal de Santa Catarina como
requisito parcial para a
obtenção do título de
Mestre em Lingüística.
ANÁLISE
DA
MoR:E'ossIN'rAxE
DA
LÍNGUA Dâw
(MAKU-KAMÃ)
ou»
E
SUA
CLBSSIFIGAÇAC)
TIPOLzÕGIGA
Esta dissertação foi julgada adequada para a obtenção do
grau de Mestre em Letras/Lingüística, e aprovada em sua forma
final pelo Programa de Pós-Graduação em Lingüística da
Universidade Federal de Santa Catarina.¶
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Coordenador 'ëäkifl amúxadb ¢9c‹À Orientador Banca Examinadora:/dm
Prof.Dra. Alexandra Yurievna Aykhenvald
Prof.Dra. Luc Seki
.Prof. Dr. Paulino Vandrese
Im
f
Dedicatória
Ao meus pais, por terem me encaminhado nos princípios do saber.
Ao meu esposo pelo encorajamento que sempre me deu nas horas em que eu queria desfalecer.
Aos meus filhos, pela colabaração e compreensão que
constantemente demonstraram durante toda essa caminhada.
Aos Dâw, pela sua amizade e pela disposição em me ensinar
Agradecimentos
. Louvo primariamente ao meu Deus pela oportunidade que me
deu para realizar este trabalho, bem como pelo ânimo e saúde
concedidos a mim. «\ ,
. Agradeço a minha orientadora, Dra. Alexandra Y. Aykhenvald
pelo seu curso sobre a classificação tipológica das línguas, o
qual me incentivou a investigar a língua Dâw nesse sentido; bem
como pela sua amizade, paciência e compreensão demonstrados para
com a lninha pessoa durante todo o período de preparo desta
dissertação e pelo interesse e dedicação com que orientou este
trabalho.
. Sou grata aos professores que ministraram as disciplinas
que cursei, as quais forneceram-me condições para que pudesse
desenvolver este trabalho.
. Reconheço agradecida pela bolsa de mestrado oferecida pela
CAPES- Coordenadoria de Aperfeiçoamento ao Pessoal de Ensino
Superior, sem a qual não seria possivel realizar esta pesquisa.
. Quero também expressar os meus agradecimentos a todos os
amigos que me apoiaram nesse período de elaboração dessa
dissertação.
. Agradeço também, ao meu esposo V. Martins, pelo apoio e
ajuda valiosa prestados na impressão desta dissertação.
. E, finalmente, os meus eternos agradecimentos a todos os
Dâw, os quais de alguma forma, ensinaram-me uma porção de sua
língua e, muito mais do que isso, enriqueceram a minha vida com
sua amizade e carinho sempre demonstrados para comigo e para com minha família.
RESUMO
A dissertação "Análise da Morfossintaxe da Língua Dâw (Makú~
Kamãz e Sua Classificação Tipológica apresenta os primeiros
resultados de análise gramatical da lingua Dâw, conhecida como
Makú-Kamã, da família lingüística Makú, falada na região do alto
Rio Negro. 4
O trabalho baseia-se no quadro teórico-metodológico tipológico-funcional e adota-se uma perspectiva de enfoque
primariamente sincrônica, porém, quando necessário, usa-se da
acronia intencionando explicar mais eficazmente alguns fatos
sincrônicos.
O primeiro capítulo apresenta os objetivos e justificativas
desta análise, bem como o corpus ea a metodologia empregada no
preparo desta. O capitulo 2 traça um retrato do povo Dâw, quanto
às suas caracteristicas etnográficas e sociais, e apresenta
alguns aspectos da fonologia da língua que se fazem relevantes para a compreensão da análise que se segue. No capitulo 3 aborda
uma série de aspectos morfossintáticos, os quais são conceitos considerados essenciais para o estabelecimento das classes
gramaticais. Os capítulos 4 e 5 tratam das classes gramaticais
que são estabelecidas mediante a aplicação de critérios
morfológicos e sintáticos, apresentando algumas discussões
teóricas fundamentais para a definição de certas classes e dos
status dos morfemas. Já no capítulo 6 expõe a formação do léxico da língua enquanto que no 7 enfoca as características tipológicas
da língua, avaliando~as e posicionando tipologicamente a língua
em questão. A conclusão remete a uma reflexão sobre a relevância
ABSTRACT
The dissertation Morphosyntictax Analysis and Tzpological Classification of Dâw (Makú-Kamãz represents the first results of
grammatical analysis in the Dâw language (known as Makú-Kamã) of the Makú language family, spoken in the headwaters region of the
Negro River. '
This work is based on the functional-typological theory, and the primary perspective used is synchronic, although when necessary the achronic perspective is used to better explain some synchronic facts. '
The first chapter presents the objectives and the
justification upon which the analysis is based, as well as the
types of data and the methodology used in its preparation.
Chapter 2 gives a sketch of the Dâw people and their social and
ethnographic characteristics, as well as some aspects of the
phonology of the language which are relevant for the
understanding of the analysis which follows. Chapter 3 treats a
series of morphosyntactic topics, along with those definitions
considered essential for the establishment of grammatical
classes. Chapters 4 and 5 present those grammatical classes which
have been established through the application of morphologic and
syntactic criteria. They also present some theoretic discussion necessary for the definition of certain classes and types of
morphemes. Chapter 6 explains the formation of the lexicon of the
language. Chapter 7 focuses on the typological characteristics of
the language, evaluates these characteristics and positions the language typologically. The conclusion refects the relevance of
Abreviações . . . . . .... . . . . ... . . . . . . . . . ... ... . . ....X
ÍNDICE
Lista de Figuras... . . . . . . . . . . . . . . . ..xiii
Capítulo 1 - MoRFoss1NTAxE nÃw . . . . . .. 1z0 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . - .. 1.1 Objetivo e justificativa . . . . . . .. 1.2 Material e metodologia aplicada . . . . . . . . .. 1.2.1 Critérios para identificar os morfemas . . . . .. OBJETIVOS E METODOLOGIA DA ANALISE DA .
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4 à N H H 1.2.2 Critérios para classificar os morfemas em formas livres ou dependentes (clítico/afixo) . . . . . . . . . . . . . . . ..71.2.3 Critérios para estabelecer as classes gramaticais....8
Capítulo 2 - O POVO DÃW E AS CARACTERÍSTICAS FONOLÓGICAS DA LÍNGUA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ..1o 2.0 Introdução.... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ... . . . . . ..10 . Aspectos Etnográficos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ..11 . spectos Sócio-Culturais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ..17 . Palavra fonológica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ..23 N N N N M N N N w
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w Capítulo 3 - rocessos morfofonológicos . . . . . . . . . . . . .... . . . . . . . . ..26 W U W W W V1 ormação de advérbios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ..27 ormação de interrogativos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ..27 eqüência de clíticos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ..28 esgaste fonético . . . . . . . . . . . . ... . . . . . . . ..29 eduplicação . . . . . . . . . . . . . . . . ..30ASPECTOS DA MORFOSSINTAXE DA LÍNGUA DAW . . . . . . . . . ..3l 3.0 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ..' . . . . . . . . ..31
3.1 Palavra Gramatical . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ..31
3.2 Processo de marcação de posse . . . . . . . . . . . ..33
3.3 Processo de ênfase . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ...36
w w w O 4 A ordem básica dos constituintes oracionais . . . . . . ..38
. s transcategoriais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ..4O Capítulo 4 - CLASSES GRAMATICAIS - FORMAS LIVRES . . . . ,... . . . . . ..42
4.0 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . ..42 4.1 Classes abertas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ..42 . 1 Nomes... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ..42 bbb I-'I-'I-Í . .l.1 .1.2 Nomes obrigatoriamente possuídos . . . . . . . . . . . . . . ..45
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w w H H H H H 0 à w N H H uz.. O-0 -H w mic 2 â w w H m w > w < M N H G W H'U'U'UCapítulo 5 - FORMAS DEPENDENTES . . . . . . . . . . . .. 5 5 UWU1U\UlU'lU1U1U‹J1U\U1U1U\U1U'\U1U\U1U\U1U1U\U1 .l Classificadores taxionômicos. .2 Classificadores locacionais.. erbos . . . . . .. djetivos.... dvérbios.... ronomes... umerais... nterjeições. O Introdução...
1 Problema de morfemas "funcionais" em Dâw . . . . . . . . . . . ..lO6
2 Sufixos . . . . . . .. ufixos flexionais U0 U0 U) U0 U0 'JO U) UJ vv vi IN) N) I\J -\J I\) N) N) N) NJ |\J fx) N) . . , . . ‹.-z . . z z 1 z o u z ¢ Q n o 1 ¡..i ›~ |-I 0- I-' ›-' P* I- I-4 Ô IO IU BJ .\? PQ N) I-' P-I I*-' I-' P' Õ-' v-I |-I\ äz. ‹ LI! gi' U'|›>(.A)I\)f-'U)k>|\)I\)f\)|-'UI O'\U'l›b(~I\)f\)|\)|-Í) Ç _ . Q w O O 2
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w N H m m m m m m w í au O sufixo ticos . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . ..48 . . . . . . . . . . . . . . . ..51 . . . . . . . . . . . ... . . . . . ... . . . . ...S4 ses Fechadas.... ronomes pessoais . . . . . .. ronome reflexivo . . . . . . . . . . . . .. antificadores... edicativizador nominal (palavras independentes)...95artículas discursivas . . . . . . . . . .. xos derivacionais . . . _. ominalizadores. ufixo -rëë... I ufixo -a . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ..l25 ufixo -uy' . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ..l25 1' . . . . . . . . . . ... . . . . . . . . . . . . ..126 líticos simples.. 1'll"0*Ul\>I›-*lšlfll QO osposições rocl'** os nclícië - tntensifif L aso direto . aso oblíqê Ív:'nu.sDSl' rf-Jf ÍVOS . . ' »«›vzLs 'ni -z o o | ø ¢ n Q u Q o o n o o n » u o u n o n Q u u ú . u a 0 n o a n Q u o o u u u u o n u | › . n u o u Q › o n n u zu o o u n u ¢ ¢ u › o › ¢ » ou n | u o ¡ | u n n n o u n u a o n o o n ¢ o n . o o n o ¡ Q u | n n o o u Q ¢ n n z ' o z ..^ ...à n . ¬ z . 1. ... . . . . . . . .... . . . . . . . . . ...68 .... . . . . . . . ...71 . . . . . . . . . . ..78 . . . . . . . . . . ..78 . . . . . . . . . . ..79 . . . . . . . . . . . . ..82
ronomes demonstrativos (formas livres) . . . . . ...84
nterrogativos.. . . . . . . . . . . . . . . . ..85 . . . . . . . . . . . . . . . ..89 . . . . . . . . . . . . . . . ..93 . . . . . . . . . . . . . . . . ..102 . . . . . . . . . . . . . . . . ..104 . . . . . . . . . . . . . . . . ..lO6 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ... . . . . . ..lO6 . . . . . . . . . . . . . . . . ..1l2 .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ..l12 ufixos marcadores de aspecto.. ufixos marcadores de ênfase... eduplicação.. ufixo -ter... ufixo -a . . . . . . . . . . . . . . . . ..112 . . . . . . . . . . . . . . . . ..ll7 . . . . . . . . . . . . . . . . ..118 . . . . . . . . . . . . . . ..ll9 ' . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ..l20 . . . . . . . . ..l22 . . . . . . . . . . . . ..122 ... . . . . . . . . . . . ..l25 . . . . . . . ...l27 . . . . ...127 A nclítico marcador de plural :dar z o w n ¢ Q u o ~ Q › u u n z ‹127 _ clíticos marcadores de casoí . . . . . . . . . . ..l29 1¡› . o n › - - .- ‹ f 4-. u . 1 . . . . . . . .. . .L~¡ . . . ‹ . . . . ..LU ›..: I l0v›I -*‹` dos.. . '42 1 ` | .AÚI 95 | zu.
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2 2m nclíticos marcadores de tempo . . . . . . . . . . . . . . . . . ..153
egação enfática . . . . ... . . . . . . ..155
egação de existência ou de estado -ër . . . . . . ..156
O Marcador de imperativo negativo . . . . . . . . . . . . ..159
1 Enclítico marcador de modo imperativo -or . . . . ..l160 2 Enclítico verbal marcador de inerência ou condição presente -ír... . . . . . ..- . . . . ..160
líticos frasais . . . . . . . . . . . . . . . . ... . . . ...163
onjunções . . . . . .f . . . . . . . . . . . ..164
onjunções coordenativas: . . . . . . . . . . . . ..l65 onjunções subordinativas . . . . . . . . ..166
nclítico pronominal interrogativo -'yãm . . . . . . . ..167
nclítico marcador de cláusula estativa -tii'....l68 U1(flU'ÍU'|U`\U1
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0 Q 0 capítulo 6 - o LÉx1co . . . . . . . . . . . . . . . . ... . ...17o 6.1 Palavras compostas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ..17l 6.1 Palavras compostas por justaposição . . . . . . . . . . . . . . . . ..l73 6.1.2 Palavras compostas por aglutinação . . . . . . . . ... . . . . ..l77 6.2 Empréstimos . . . . . . . . . . ... . . . . . . . . . . . . . . . . ..l77 nomatopéias e ideofones... . . . . . . . . . . . ...l79 s ideofones . . . . . . . ..l80 xpressões idiomáticas.... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ..l8l m m mL
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P1;-*O O capítulo 7 - cARAcTERísT1cAs T1PoLóo1cAs DA LÍNGUA . . . . . . . . . . ..1e3 7.0 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ..1837.1 Características tipolôgicas da língua Dâw . . . . . . .[....l83 7.2 Proposta de classificação tipolôgica para a língua Dâw 186 coNcLUsÃo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ... . . . . ..191
BIBIOGRAFIA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ... ...l92 APÊNDICE "sÃMÃR xõsnân" . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ..197
O 1P 1S 2P '2s 3PD 3PI 3SD 3SE~ 3SI ACUS ADJ ADV ASP CAS CL CLL CLT COM COM CONJ DEM DIM DIREC ENCL ENF morfema z EIÍO
primeira pessoa do plural
primeira pessoa do singular segunda pessoa do plural
segunda pessoa do singular terceira terceira terceira terceira terceira acusativo adjetivo advérbio aspecto CASO classific pessoa pessoa pessoa pessoa pessoa ador plural definido plural indefinido singular definido singular enfocado singular indefinido classificador locacional classificador taxionômico comitatív comitatív conjunção demonstra diminutiv direciona enclítico ênfase O O tivo o l
Esw Exct PIN PUT GEN ÍMPER 1NcL INSTR INT INTENS INTERJ Lv N _ NEG NP NUM o on 01 PARTC PAS PL Pos PosP PREDIC PRES PROCL cláusula estativa excluidor finalidade tempo futuro genitivo imperativo íncluidor instrumental interrogativo intensificador interjeição locução verbal nome negação nome próprio numeral objeto objeto direto objeto indireto partícula tempo passado pluralizador possessivo posposição predicativizador tempo presente proclítico
Pnou QUANT RAD REDUPL REFLEX s su sur Tor v VPR vsEc H V V pronome quantificador radical reduplicação reflexivo sujeito sintagma nominal sufixo totalizador verbo verbo principal verbo secundário acento
tom alto quando a coda é uma consoante
sonora
Lista de Figuras
1. Localização da aldeia Dâw . . . . ... .. ... ....21
2. A região do alto rio Negro . . . . . . . . .. ..22
OBJETIVOS E METODOLOGIA DA ANÁLISE DA MORFOSSINTAXE' DÃW
1.0 Introdução
A documentaçao científica das línguas indígenas da Amazônia, sobretudo das que se encontram em _território brasileiro, constitui uma tarefa trabalhosa e de caráter urgente para a
lingüística.
Trabalhosa, porque na Amazônia se encontra uma grande diversidade lingüística, somando um total de dezenove famílias lingüísticas, além de nmmbros de pelo menos duas familias não amazônicas e vinte isolados lingüísticos (Rodrigues,l992), cujo
estudo detalhado está apenas iniciando.
Urgente, de um lado, para que não aconteça como sucedeu com talvez centenas de línguas indígenas faladas na Amazônia em
épocas anteriores ä penetração européia que se extingüiram, sem
serem consideradas na formulação das características universais
das línguas. Hoje, a maioria das línguas amazônicas possuem um
baixo número de falantes, ou então, estão sendo substituídas pelo português, ameaçadas de se tornarem extintas. E, de outro lado, a
fl\ 'C5 pa. Q
Amazônia constitui a a grande área do mundo em que a maioria
das línguas ainda não foram pesquisadas cientificamente.
Essas línguas constituem-se objeto de pesquisa de grande interesse para lingüistas do mundo todo. Investigações recentes realizadas em algumas dessas línguas já revelam fenômenos
lingüísticos, de natureza tanto fonológica, como morfossintática, que forçam reformulações nas teorias lingüísticas, como ilustram
os trabalhos de Everett e Everett (1984) e de Vigna (1991) (apud Rodrigues, 1992).
A hora é agora! Aos lingüistas brasileiros cabe essa grande e importante tarefa de prestar a sua colaboração, neste momento
singular da história, para que se leve a cabo a documentação
dessas línguas, uma vez que, ao longo de 400 anos, as linguas da Amazônia têm sido pesquisadas, na maior parte, por estrangeiros.
É louvável o interesse crescente e a conscientização que se
observa por parte dos lingüistas brasileiros quanto a realização
desta incumbência e também o apoio dos órgãos governamentais na
realização da mesma.
Essa dissertação pretende representar uma contribuição na tarefa de documentar e analisar as línguas indígenas brasileiras, inclusive por se tratar de uma língua quase que desconhecida cientificamente, cmn um reduzido número de falantes e de uma família lingüística ainda muito pouco estudada de forma sistemática.
1.1 Objetivo e justificativa
Pretende-se através desta pesquisa analisar aspectos relacionados à morfossintaxe da língua Dâw objetivando sua
classificação tipológica.
A importância deste estudo justifica-se pela carência de conhecimento científico que se tem sobre essa língua e, também
por ser ela falada por uma etnia bem reduzida.
A língua Dâw é da familia Makú. Pertencem a essa família
outras cinco línguas amazônicas: Hupda, Yuhup, Bara, Nadëb e
entanto, para a. elaboração deste trabalho forani consultadas a
maioria das fontes bibliográficas mais relevantes sobre essa família.
Doris Payne (1990:219) cita a relevância do estudo
morfológico da família Makú para um melhor entendimento das
características morfológicas das línguas indígenas da América do
Sul, uma vez que, Makú parece apresentar um tipo distinto das
demais famílias desta área. Esta dissertação pretende colaborar
no suprimento dessa necessidade, sendo que apresenta uma análise sistemática da morfossintaxe Dâw, que é um estudo inédito numa
língua Makú , ainda mais que, talvez seja Dâw a lingua menos
pesquisada da família Makú.
Os estudos anteriores à 1985 realizados em Dâw foram muito escassos e, consistem apenas de listas de palavras apresentadas por Koch-Grünberg (1906) e por Nimuendajú (1927, apud Rodrigues,
1986). Após 1985 a língua Dâw vem sendo melhor estudada, tanto
por V. Martins como pela autora deste estudo. Portanto, os
trabalhos referentes a esse último período foram considerados no
desenvolvimento da presente análise, sendo porém, refutados em
alguns pontos. Essas reflexões anteriores realizadas na língua
permitirmn um avanço mais acelerado em tempo reduzido e, uma
análise com maior profundidade, dos fatos lingüísticos. No
entanto, devido a complexidade de um sistema lingüístico em geral
e Dâw, sem dúvida, é uma língua bastante complexa, é importante
ressaltar que esta análise não é exaustiva, porém apresenta os
resultados possíveis chegados até esse dado momento. Percebe-se
sistema lingüístico, avança-se gradativamente para atingir o seu
cerne. q
O objetivo é explicar a organização e o funcionamento das
formas lingüísticas da língua Dâw, descobrindo e analisando o
mecanismo que esta língua usa para funcionar como meio de
comunicação entre os seus falantes.
O enfoque deste trabalho é sobretudo no estudo das unidades
mínimas significativas, isto é, dos morfemas e dos mecanismos que
estas usam para compor unidades maiores.
Em síntese, os pontos básicos desse estudo são:
1. Descobrir unidades mórficas e identificar sua natureza e relações que mantêm entre si.
2. Determinar como as unidades mórficas se combinam para
formar padrões mais complexos e, quais são as condições
de sua realização fonética dada a estrutura fonológica
da língua.
3. Estabelecer as classes de palavras.
4. Tirar conclusões referentes às características
tipológicas da língua. 1.2 Material e metodologia aplicada
O material utilizado na elaboração da presente análise se
constitui desde anotações pessoais coletadas informalmente em
situações de convívio con1 o povo, até ‹de frases, diálogos e narrativas que foram gravados e transcritos durante a pesquisa
realizada "in loco", no período de dezembro de 1992 a novembro de
nativos, dos quais se destacam Valdemar (35 anos), Celina (28
anos), Dorinha (25 anos).
_ Os recursos instrumentais empregados para análise do corpus
foram a interação dos programas computacionais Shoe-box/ IT/CLAN. Os dados do corpus, após gravados e transcritos
ortograficamente, foram digitados no Shoe-box, interlinearizados
no IT e, por fim, pesquisados e arquivados no CLAN.
Os fatos morfossintáticos são abordados numa perspectiva não puramente sincrônica. Apesar do propósito primário de observar os
fatos lingüísticos em funcionamento, quando se faz necessário abstrair-se do tempo para examinar o nwcanismo lingüístico em
potencial, isso é feito. Numa visão acrônica, lança-se mão de
elementos de reconstrução interna da língua que são confirmados pelo funcionamento sincrônico de línguas aparentadas lingüisticamente para explicar ocorrências sincrônicas em Dâw e,
ao mesmo tempo, predizer o que poderá acontecer no sistema.
Percebe que perder-se-ia _ muito sobre a compreensão do
funcionamento sincrônico da. língua se fossem tapados os olhos para alguns fatos que são melhores compreendidos quando se faz
abstração temporal. Portanto, a perspectiva dessa análise é
primariamente sincrônica, mas em alguns momentos poderá apresentar um enfoque acrônicol.
A metodologia que serve de embasamento para essa análise é de cunho tipológico-funcional e, fundamenta-se, principalmente,
lvisão acrõnica: análise realizada numa percepção onde se faz abstração
temporal, tendo ccnn objetivo explicar os fatos linguisticos, não levando em
nos trabalhos de Anderson (1985), Comrie (1989), Dixon (1986),
Shopen (1985) entre outros.
A escolha de tal teoria justifica-se por ser ela que melhor atende aos propósitos estabelecidos aqui, que são:
1. Estabelecer o conjunto de traços gramaticais
_ (morfologia e sintaxe) que fisionomizam a língua Dâw e,
2. Posicionar a língua Dâw num contínuo tipológico quanto à sua classificação.
A tipologia lingüística trata da catalogação das línguas por
seu tipos, agrupando-as eventualmente segundo afinidades ou
semelhanças estruturais.
O conjunto de traços que diferenciam ou indicam afinidades entre uma língua e outras é melhor estabelecido através da
observação dos processos de formação de palavra. Anderson (1985)
(in Shopen, 1985) cita: "Com exceção do parentesco genético
revelado pela lingüística histórica, a distinção nos processos de
formação de palavra, tem sido provavelmente a base mais popular
em que as línguas tem sido classificadas". Diante disso, propõe-
se classificar tipologicamente a língua Dâw através da observação dos fenômenos de composição de palavras, isto é, sua morfologia.
Em síntese, o objetivo fundamental da análise tipológica-
funcional é examinar as estruturas morfológica e sintática das
línguas do mundo para classificá-las tipologicamente dentro da
teoria geral da linguagem. Esse objetivo fundamental atinge perfeitamente as aspirações da presente pesquisa.
Apresenta-se a seguir a metodologia empregada para
identificar e classificar os morfemas, estabelecendo a divisão de
classes gramaticais.
1.2.1 Critérios para identificar os morfemas
O critério usado para a identificação dos nwrfemas é ‹› de
integridade e minimalidade (cf. Borba,1984:144-152).
° Pontos básicos para segmentar os morfemas:
1. Formas que têm a mesma expressão e o mesmo conteúdo em
todas as suas ocorrências constituem manifestação de um
mesmo morfema.
2. Formas que têm o mesmo valor semântico, mas
manifestações fonéticas distintas constituem um só
morfema se a diferença for determinável em termos de
contexto fônico, isto é, se for condicionada pelo
contexto.
3. Formas que têm a mesma expressão, mas conteúdo diferente
em algumas de suas ocorrências são consideradas como
manifestações morfêmicas distintas.
1.2.2 Critérios para classificar os morfemas em formas
livres ou dependentes (clítico/afixo).
Esses critérios foram estabelecidos considerando os artigos
de Anderson (1985) e Zwicky (1977,1985). Eles são: l. Possibilidade de ocorrerem isoladamente.
2. Grau de liberdade de movimentação no enunciado.
3. Condições de associação com várias classes gramaticais. 4. Possibilidade de ter independência acentual.
5. Aplicabilidade de processos morfofonológicos que
ocorrem na fronteira entre palavras, como a elisão. 6. Grau de coesão nas fronteiras de morfemas.
1.2.3 Critérios para estabelecer as classes gramaticais
Os morfemas, como elementos constituintes dos vocábulos, estao_distribuídos em classes gramaticais (cf. Anderson (1985) e
Schachter (1985) (in Shopen,l985)).
O Qh
Os critérios adotados para. classifi -los e distribui-los
segundo suas classes gramaticais são:
1. Critério semântico:
Baseia-se nos significados do ponto de vista do universo biossocial que os morfemas incorporam na língua.
u
2. Critério morfológico:
Baseia-se em propriedades de forma gramatical que os
morfemas apresentam e categorias gramaticais às quais eles
correspondem.
3. Critério sintático:
Baseia-se nas funções que os morfemas desempenham na sentença.
4. Critério distribucional: V
Baseia-se nas distribuições e coocorrências dos morfemas no
enunciado.
Para caracterizar as classes gramaticais leva-se em
consideração o fato de elementos pertencerem a um inventário
ilimitado ou limitado. Os primeiros elementos sao considerados
como classes abertas (cf. Schachter,l985). Geralmente são
segundos formam classes fechadas e, geralmente, são pronomes,
partículas etc. As formas podenx ainda ser classificadas como
livres ou dependentes (cf. Anderson, 1985). '
A análise da morfossintaxe Dâw apresentada aqui, tem como
Capítulo 2
o Povo DÃW E As cAnAc'rERís'r1cAs FoNoLóo1cAs DA LÍNGUA
2.0 Introduçao
Este capítulo apresenta alguns aspectos etnográficos e
sócio-culturais da comunidade Dâw, a qual é falante da língua que
constitui objeto deste estudo. Realça-se a importância de
conhecer a cultura de um povo para melhor entender como funciona o sistema lingüístico que possibilita a intercomunicação entre os
seus membros. O vínculo entre cultura e língua é bem estreito. A
língua revela como um povo pensa e vive; seus costumes, suas
crenças, seus valores, enfim, sua visão de mundo que se reflete
na formação do seu léxico, na organização do pensamento, por meio
de estruturas maiores etc.
No decorrer deste estudo colocações como estas, ficarão mais transparentes, pois muito do que pode-se interpretar do
funcionamento lingüístico dessa língua, no escopo morfossintático, deve-se à convivência com este povo e a um
entendimento êmico da sua cultura (cf. 4.1.1.2.2; 4.1.2 ).
Neste capítulo também são abordadas algumas características gerais relativas à fonologia da língua. Essas são tratadas
rapidamente, fornecendo apenas os pontos fundamentais que
auxiliarão na compreensão dos '
assuntos referentes â
2.1 Aspectos Etnogrâficos
Dâw é uma língua indígena falada por um grupo étnico que se
autodenomina Dâw2 e que habita a região do alto rio Negro, no estado do Amazonas. Este grupo é conhecido na literatura e pelos habitantes regionais por "Kamã e Makú"; ambas terminologias são consideradas ofensivas para os Dâw. Neste trabalho usa-se o termo Dâw e entre parênteses (Makú-Kamã) para que não cause confusões
no meio lingüístico, até que seja feita a transiçao definitiva
para a denominação "Dâw".
A denominação "Makú" tem 1nn uso muito geral, é aplicada
tanto na literatura, quanto por regionais, com referência a
grupos que não têm parentesco algum entre si. Neste trabalho, refere-se aos Makú da região entre os rios Negro e Japurá no
estado do Amazonas, Brasil e, na região do Vaupés, na Colômbia.
A terminologia Makú, entendida como uma afronta para os Dâw,
pode-se explicar suas origens, tanto na literatura quanto no seu emprego por alguns habitantes regionais. '
Na literatura, várias autoridades como Koch-Grünberg
(l906:877), Nimuendaju (apud Silverwood-Cope 8 de Oliveira,
l980:877) dizem que "a palavra Makú foi usada primeiramente pelas tribos invasoras Tariana e outras tribos Arawak para designar os
nômades que habitavam essa área". Metraux (1948:862) indica ser a
denominação "Makú", entre outras, uma designação coletiva para quaisquer índios bravos. Münzel (1969-72:l38) afirma que esta denominação "aplica-se a vários grupos indígenas de línguas e
culturas diferentes que têm em comum o fato de não participarem
plenamente da cultura indígena dominante e sofrerem discriminação
por parte dos outros índios da área, que os consideram mais primitivos, bichos do mato, selvagens, etc..."
Atualmente, alguns falantes idosos da "língua geral ou
Nheengatú" informam que a palavra Makú também é usada como uma
terminologia correspondente a cor marrom escuro, como na frase:
"yauara maku" O cachorro amarronzado. Daí, a hipótese que os Dâw tenham sido originalmente conhecidos por esse termo, devido a sua
cor, que é mais escura que a dos demais indígenas da área.
Quanto ao termo "kamã", segundo o Sr. Joaquim Barbeiro,
(comunicação pessoal,1987), um indígena falante do Nheengatú, atesta que essa terminologia vem da palavra "camarada" que quer dizer aquele que dá tudo que se pede, não nega nada. É um termo
de bajulação usado para conseguir alguma coisa com a pessoa solicitada. Essa palavra era empregada freqüentemente pelos Dâw para se conseguir algo dos demais indígenas da área. Sô que
condicionados à pronúncia da língua Dâw que não possui o fonema /r/ vibrante simples, e na qual também uma vogal contígua a uma
consoante nasal é nasalizada, eles pronunciavam essa palavra
assim: "kãmãlada". Isso tornou-se motivo de zombaria para os
demais indígenas, por isso ficaram conhecidos
comoos
Kamã.Atualmente, na mentalidade de todos que empregam esses termos (Makú e Kamã) há uma conotoção negativa. É usado para referir~se ao grupo, ou a qualquer outra pessoa a quem se queira denominá-la como suja, ladra, bêbada, bicho do mato etc.
A língua falada pelos Dâw pertence a família linguistica
Makú como parte da subfamília Macro-Tucano e, juntamente com a
língua Tucano e as línguas Arawak, formam parte da família Equatorial-Andina. Não se propõe aqui avaliar essa classificação, porém basta dizer que essa classificação de Greenberg tem sido criticada (cf. Rodrigues, 1987:55).
Loukotka (1968:190-193) enumera quinze dialetos e línguas
que pertencem â família lingüística Makú.
Weir (1984 :17) reduz esta lista de Loukotka a 'seis
subgrupos que são enumerados a seguir:
i) os kamã, que habitam a região próxima â cidade de São
Gabriel da Cachoeira;
ii) os Hupda, que habitam a região entre os rios Papuri e
_ Tiquié;
iii) os Yuhup, que habitam a região sul do rio Tiquié;
iv) os Nadëb, que habitam a região entre os rios Negro e
Japurá;
v) os Bara, que habitam a bacia do rio Papuri na Colômbia,
talvez os Makú do Querari" de Loukotka;
vi) os Puinave, que habitam a região do rio Inirida na
Colômbia.
u
Rodrigues (1984:88) cita que, segundo Nimuendajú, Dâw difere tanto da língua dos Yuhup e Hupda, quanto da dos Nadëb.
Os Dâw, alénn de sua própria língua, falann o Nheengatú3,
conhecido também como lingua geral (Tupi-Guarani), e alguns homens mais jovens falam um português elementar. Segundo os
3Nheengatú ou língua geral é falada pelos caboclos e pelos índios do
rio Negro e rio Içana. É usada cano intercâmbio comercial entre os povos dessa
regionais os Dâw entendem bem ‹o Nheengatú, mas não o falam
fluentemente. Eles dizem que:- "parece que os Kamâ falam
cantando". Isto justifica-se devido a transferência de
características da lingua materna para a segunda lingua, pois Dâw
é uma língua tonal, o que causa a impressão de que falam cantando. Além disso, na tabela fonológica Dâw não há o fonema
/r/, usado com muita frequência em Nheengatú. Portanto, eles
trocam o /r/ por /l/, como foi exemplificado na palavra "kãmãlada". Esses fatos constituem o sotaque dos Dâw ao falar o
Nheengatú. -
Quanto à lingua portuguesa, somente os homens mais jovens, os quais têm mais contato com a população não-india, entendem e
falam o português com graus de dificuldade variáveis entre eles. As mulheres não sabem português, conx exceção de algumas mais
jovens que entendem um pouco, mas não falam. Este quadro
lingüístico é resultado do pouco contato que esse povo tem com a
população da cidade de São Gabriel da Cachoeira.
As crianças até sete anos são monolingües e, acima desta
faixa etária, encontram-se graus variados de inteligibilidade da
língua portuguesa. -
Quanto ao conhecimento cientifico dessa lingua, publicados anteriormente à 1985, consiste de uma lista de palavras colhidas por Nimuendajú (apud Rodrigues,1984::88) e por Koch-Grünberg
(1906). Após 1985, V. e S.Martins têm iniciado trabalho de
análise da língua Dâw, e foram percorridos os níveis fonético e
fonológico, que resultou na elaboração da ortografia e feitura de
bilingue. Existem outros registros como dicionário, transcrição
de lendas, além de trabalhos descritivos de alguns aspectos
gramaticais e antropológicos.
Os Dâw, como os demais membros da família Makú são índios
nômades que habitam o centro da mata. A eles pertencem o domínio
da floresta, sendo conhecidos como peritos caçadores, pois são conhecedores da técnica de apaziguamento dos espíritos da mata.
Segundo os índios mais velhos, originaram-se de um igarapé
que eles denominam por wit, afluente do rio Japurá, onde viveram
a quase um século atrás.
Foram-se deslocando, gradativamente, devido a fatores culturais e, também por questões de rivalidades com outro grupo
da área. Um dos fatores culturais que contribuiram para o
deslocamento dos Dâw foi o temor dos espiritos dos falecidos. Portanto, cada vez que morria alguém, eles enterravam o morto e
abandonavam o local. Quanto a rivalidade com outro grupo, eles
contam estórias onde são descritos alguns. dos ataques que
|..¡.D H.
3
sofreram pelos igos, onde os Dâw sempre eram os vencidos e,
alguns deles, eram comidos pelos seus rivais. Koch-Grünberg
(1906: 887) cita que "os Makú têm rivalidade com uma tribo do
lado do Japurá, chamados de índios macacos. [...] eles têm pele
clara, são grandes e fortes". Certamente, esse índios macacos
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E
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sejam os que os Dâw mencionam. Somando as descrições dadas por Koch-Grünberg sobre tais índios e, também as que os Dâw mencionam, pode-se deduzir que esses indios macacos sejam um
grupo de Yanomamis. Os Yanomamis possuem pele clara, apesar de
lado, até hoje os Dâw os temem e não gostam de morar na margem esquerda do rio Negro porque dizmn que este lado pertence aos
Xurimãsi.
Nesses deslocamentos, eles citaux alguns pontos principais onde constituíram moradias como: igarapés do rio Mariê, rio
Curicuriari, toda margem direita do rio Negro, subindo em direção
à cidade de São Gabriel e arredores da serra do Cabari, que é um
ponto mais acima da cidade. Por essa área eles têm transitado durante mais de 80 anos, através de estreitas picadas feitas no centro da mata, deixando seus rastos, como sinais de casas velhas
e cemitérios. São filhos da mãe floresta, de onde a bondosa mãe
lhes concede não só a subsistência, mas a razão de existir. Na
verdade, suas vidas estão intimamente interligadas â dela.
Quanto a localização das aldeias, apesar de serem semi- nômades, possuem duas aldeias que constituem acampamentos mais permanentes. Uma dessas está localizada à margem direita do rio
Negro, confronte â cidade de São Gabriel da Cachoeira e, a outra,
localiza-se â 10 Km abaixo de São Gabriel, na ilha do Acará.
Ainda hoje, os Dâw se deslocam com freqüência para outros locais an busca de produtos extrativosã, coleta de frutas, e outras fontes de alimentos como caça e pesca.
A população Dâw atualmente está estimada em 83 pessoas. É um grupo reduzido, que poderia ter chegado a extinção devido à alta
taxa de mortalidade infantil registrada até 1984, que era de 83%
(cf. Martins & Martins, 1986). Por serem discriminados
4 Nome que eles dão para os seus rivais.
socialmente na região e seus contatos com os moradores da cidade ocorrerem geralmente quando estão embriagados, dificilmente um Dâw busca socorro médico quando nescessita; isso ocasionou muitas mortes, não só de crianças como de adultos. Alénn disso, este
índice é conseqüência dos maus tratos que as crianças recebem por
parte dos pais que são alcoólatras e, conseqüentemente, faltam-
lhes alimentação e assistência médica.
Há entre eles um desequilíbrio homem/mulher. Em 1989 havia 7
rapazes na faixa etária de 11-21 anos para disputar uma moça com
13 anos (estatistica realizada por V. Martins, 1989). Isso é um
problema, uma vez que eles não são aceitos por outros grupos indígenas para contrair matrimônio e, também por outro lado, são
obrigados a infligir suas próprias leis culturais lsobre o
casamento.
No passado, eles estavam divididos em clãs e se casavam com
membros de clãs diferentes. Este costume, atualmente não tem sido respeitado â risca devido â falta de nmlheres. Além disso, há
poucos casais com possibilidade de proliferação e outros que vão
morrer sem deixar descendência. Apesar de tudo isso, vê-se uma
luz no fim do túnel. A taxa de nmrtalidade infantil tem sido
reduzida a menos de 2% e tem havido crescimento vegetativo. Esses
fatos contribuiram para um equilibrio populacional e trouxeram
esperança para o fortalecimento do grupo.
2.2 Aspectos Sócio-Culturais
Os Dâw, moradores do alto rio Negro, convivem numa área
ocupada por membros de pelo menos mais três famílias lingüísticas: Yanomami, Tucano, Aruak, além dos falantes de
Nheengatú(tupi-guarani) e português. Eles são considerados,
juntamente com os demais grupos da família Makú como os
habitantes mais inferiores da região (cf. Galvão, 1959:42).
Esse estigma vem sendo carregado por eles a quase um século,
como pode ser visto, não só causado pelo comportamento dos
regionais, como até mesmos por parte de autoridades respeitadas
na literatura lingüística e antropológica. Exemplo disso se
encontra nas citações de Koch-Grünberg (1906:880) onde ele
descreve o grupo, segundo o seu ponto de vista. Ele relata que:
Em 1904, não conseguiu encontrar esses índios, mas
encontrou perto da montanha do Curicuriari dois campos abandonados. Ali haviam duas pequenas cabanas, com altura de um homem, em forma de pirâmide, coberta com galhos de árvores, tais habitações, nem podiam ser
chamadas de casas[...] eles não têm nem estatura de
pessoa, não ultrapassam 1,50cm. Os homens geralmente
são feios, com caras de matutos; os narizes amassados,
e os cabelos pra todos os lados. Entre as mulheres, às
vezes encontram-se figuras bonitas"(tradução de Tobias,
1993). `
Galvão (1959:15) cita uma hipótese de Nimuendaju de que os
primeiros habitantes da região eram os Makú. Eles sofreram
influências de outros grupos indígenas de culturas mais
avançadas.
Primeiramente a área foi invadida por grupos Aruak vindos do
norte, principalmente os Manáo, Baré e Baniwa; e, depois por
grupos Tukano vindos do oeste; e, ainda mais tarde, pela
influência da sociedade cabocla nacional que se estendeu à região Makú.
Koch-Grünberg, (1906:879) menciona que:
Essas tribos ao redor deles, com uma cultura
"superior", os odiavam e os tratavam como animais.
Foram escravizados para servi-los ou vendidos para os
trocando de língua e também assimilando a cultura dos
seus invasores.
Quanto à cultura dos Dâw, Koch-Grünberg (ibidem) relata alguns fatos, descrevendo-os como índios sem localização nas
florestas, nômade, e primitivos; não possuíam roças; não conheciam redes ou camas e dormiam no chão, em cima das folhas.
Eram bons caçadores e conheciam muito bem as florestas. Viviam de
caça e pesca, e das frutas da mata. Possuiam arcos com diferentes flechas com veneno e zarabatana. Em casa, usavam panelas de barro
mal trabalhadas e cuias. Eram falsos, mentirosos e ladrões. Foram escravizados a tal ponto que, um dos mais poderosos tucháuas dos
Tukano, tinha vários centos de Makú à sua disposição. Serviam,
muitas vezes, de bodes expiatórios para outras tribos. Na
concepção do indígena, se a pessoa contrai uma doença fatal, mas
de curso longo, a morte que advém não é considerada natural, mas
sinn representa uma vingança escondida de um Hu5 p.5 ya. o. Quando
'Q
morria um Tukano, o 'UW \-L fD\ buscava certificar-se do H.5 ya.E H. que
QO
provocara a morte e, geralmente, a culpa sobrecaía num Makú.
Então o Makú era morto e suas mulheres e crianças eram vendidas para os brancos. Também foram utilizados pelos brancos no
trabalho de extração da piaçaba e da borracha, além de servirem como caçadores e pescadores.
No decorrer do tempo, eles têm assimilado parte da cultura dos invasores, como dormir em redes, construção de roças, aldeias mais sedentárias etc. Porém, por outro lado, até a nmtade da
década de 80 não mudou muito a descrição dos Dâw em relação à da
piorou o quadro, em relação ao escravagismo e discriminação que
vêm sofrendo.
Nos últimos anos têm se trabalhado procurando recuperar a
identidade desse povo, que esteve outrora à beira da extinção completa devido a vários fatores, entre eles o alcoolismo generalizado e a conseqüente desnutrição. A folha de São Paulo,
(quarta-feira, 27 de maio de 1992) traz um artigo sobre a tribo
Dâw, cuja manchete diz: "Funai faz campanha antiálcool em
aldeia". Nesse artigo a antropóloga e professora Alba Figueroa
resume toda a ignomínia sofrida pelos Dâw através dos tempos, nos
seguintes termos: "O teor alcoólico das cachaças comuns não é
mais suficiente para anestesiar a memória de tudo que sofreram", afirma ela a respeito da morte de um índio de 25 anos falecido após receber aguardente de garimpeiros.
Os Makú de hoje e, sobretudo os Dâw, que mantêm uma lingua e
cultura essencialmente distinta dos demais da área, representam um reduto que tem sido afrontado e ridicularizado pelos grupos
vizinhos através de toda sua história. De donos da terra tornaramese os "sem terra", marginalizados e rejeitados pelos
demais ocupantes dessa área. Ainda nesses dias, não são poucas as
vezes que se ouve pessoas de outras tribos dizerem: "-Porque é
que se permitem que esses "kamãs" venham até à cidade"? Isso
evidencia que para muitos, eles são como uma vergonha social que deve ser escondida. Porém, ficam surpresos quando os conhecem
mais intimamente, e chegam a dizer: "-eles não são como
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Localização da aldeia dos Dâw (extraído da Folha
de São Paulo, 4ê feira, 27 de maio, de 1992).
2.3 Aspectos Fonológicos
Nesta seção, aponta-se algumas informações sobre os aspectos fonológicos da língua que esclarecem certos pontos da
apresentação deste trabalho.
A língua Dâw possui um quadro fonêmico de 19 consoantes e 9
vogais, sendo que todas podem ser alongadas e, com exceções das
vogais médias, todas podem ser nasalizadas.
A forma escrita utilizada na exposição dos exemplos neste trabalho é ortográfica.
Apresenta-se o quadro de correspondências fonênica-