UNIVERSIDADE
FEDERAL DE SANTA CATARINA
CENTRO
DE
FILOSOFIA
E
CIÊNCICAS
HUMANAS
PROGRAMA
DE PÓS-GRADUAÇÃO
EM
SOCIOLOGIA
POLÍTICA
O
IIVIAGINÁRIO
SOCIAL
DA
DEMOCRACIA:
UMA
ANÁLISE
SOCIOLÓGICA
A
PARTIR
DE
ALGUMAS
ORGANIZAÇÕES
DA
SOCIEDADE
CIVIL
DE
FLORIANÓPOLIS.
JOVILES
VITÓRIO TREVISOL
Dissertação apresentada ao
Programa
de Pós-Graduação
em
Sociologia Políticada
Universidade Federal
de
Santa Catalina, para a Obtençãodo
Grau
deMestre
em
SociologiaPolítica, sob orientação
da
Professora IlseScherer-Warren.
UNIVERSIDADE
FEDERAL DE
SANTA
CATARINA
CENTRO DE
EILOSOEIA
E
CIÊNCICAS
HUMANAS
PROGRAMA
DE PÓS-GRADUAÇÃO
EM
SOCIOLOGIA
POLÍTICA
O
IMAGINÁRIO
SOCIAL
DA
DEMOCRACIA:
UMA
ANÁLISE
SOCIOLÓGICA
A
PARTIR
DE
ALGUMAS
ORGANIZAÇÕES
DA
SOCIEDADE
CIVIL
DE
FLORIANÓPOLIS.
JOVILES
VITÓRIO TREVISOL
UNIVERSIDADE
FEDERAL
DI-EASANTA CATARINA
CENTRO
FILOSOFIA
E
CIENCIAS
HUMANAS
I
PROGRAMA
DE
PO S-GRADUAÇAO
EM
SOCIOLOGIA
POLITICA
O
IMAGINÁRIO SOCIAL
DA
DEMOCRACIA:
UMA
ANALISE
SOCIOLOGICA
A
PARTIR
DE
ALGUMAS ORGANIZAÇÕES DA
SOCIEDADE
CIVILDE FLORIANOPOUS
Joviles Vitorio Trevisol
Esta Dissertação foi julgada e aprovada
em
suaforma final pelo Orientador e
Membros
daBanca Examinadora, composta pelos
Professores Doutores:
Profa. Dra. llse Scherer-Warren
Orientadora
ge
Prof Hector Ricardo LeisMembro
Profa. Dra. Maria
Cé~
AGRADECIMENTOS
De
alguma
forma, todo agradecimento éuma
maneira
de reconhecerou
recordar as pessoas (que se esforçaram, apoiaram, c1iticaram...), osmomentos
(alegres, estimulantes, tristes ...), as instituições etc.
que
contribuíram paraque
algose
tomasse
realidade.Em
nosso caso, a realidade principalque
estamos vivendo e agradecendo é o término desta dissertação.O
reconhecimento que
faremos émais
que
uma
simples recordaçãoou
expressão demn
dever moral; é,acima
de tudo,um
modo
de
dizerque
este trabalhosó se
tomou
possível graças àconfluência
direta e indireta de muitos fatores.Como
não
é possível dar a justa distinção a todos osmomentos,
pessoas e instituiçõesque
participaram
da
construção desta história, serãomencionadas
asque
estiverammais
diretamente envolvidas. Agradeço:
Aos meus
familiares,em
especialmeu
paiOrtêmio
eminha
mãe
Lourdes, por
me
haverem
ensinado -na
sua simplicidade - alglms valores, hábitos eum
modo
especial de vero mundo.
Acima
de tudo, reconheço a importânciado
espírito de liberdade
que sempre
existiu entrenós
e a crençade que
nossas açõescotidianas são ftmdamentais para construir aquilo
que
desejamos. Aprendique
lutarÀ
Maria
Teresa, pela sua inesgotável capacidadede
amar.Sua
maneira
compreensiva
e afetuosafaz-me
ver o quanto é precisoamar
aspequenas
coisas e,principalmente,
toma minha
vidamais
feliz.À
Ilse,minha
querida orientadora e amiga, por terum
modo
especialde orientar.
Sua
calma, serenidade econfiança formaram a
dose ideal para equilibrarmeu modo
inquieto e ansioso.A
ela,minha
gratidão.Ao
Selvino, co-orientador eamigo
de sempre.Aos
colegas Jorge, José Álvaro, Paulino, Célio, Celso,Walmor,
Cesar, Derci, Cláudia, Christianque
gentilmente se dispuserarn a passar as informaçõesque
buscava.
As
atividades de seu cotidiano constituíram a razão eo
objeto deminha
investigação.Sem
os esforços deles e de todos osque
sededicam
à construção deuma
sociedademais
democrática,o
meu
mundo
eo
mundo
de
tantas outras pessoasseria
mais
desencantado.Aos
colegasde
mestrado,em
especial aturma de
93, aos professoresdo
curso e a Albertina e Fátima, por terem sido o ingrediente intelectual e afetivodeste processo.
À' Universidade
do
Oeste de Santa Catarina -Campus
de Joaçaba - porme
haverdado
o
apoio instituicional e àACAFE
-PICD
-CAPES
porme
haverem
assegurado bolsa de estudo durante
0
período de mestrado.Sem
esse auxílio tudoRESUMO
A
constataçãode que cada
cidadãoou
grupo
social vive a realidade políticade
uma
fonna
específica e que, portanto, a palavrademocracia
é utilizada paracomunicar
diferentes sentidos, interesses, desejos, esperanças, imagens, despertou-nos
o interessepor
uma
investigaçãoque
tivessecomo
desafio
central o levantamentoda
pluralidade de aspectosque
interagemquando
os indivíduos falamde democracia. See
o termo democracia
écomumente empregado
_num
sentidoobjetivo e subjetivo, se envolve elementos descritivos e prescritivos, a tarefa central
desta dissertação é perceber - e analisar - empiricamente
como
os atores pesquisadosusam
essa pluralidade para desenvolver a "análise de seu tempo".O
objetivo básico é verificarcomo
um
segmento
social específico convivecom
a democracia,que
sentido(s) essemesmo
grupo dá
aotermo democracia
e,principalmente,
como
tais(s) sentido(s) são utilizados para analisar a realidade cotidiana (política, sócio-econômica, cultural) e idealizar a sua transformação. Paratanto, selecionamos
07
ONGs,
O2
associações demoradores
e 1 fórum.Os
dados
foram
coletadospor
meio
do
questionário e de entrevistas.A
análisedos
dados nos
permitiu considerar algims aspectos:A
variedadede
elementosque
se ligam ao ideário democrático é tãoexpressiva
que
qualquerdefinição
dedemocracia
- pormais
sofisticadaque
seja - éconjunto de instituições, leis e procedimentos formais etc, assim
como,
paraexpressar
uma
gama
variada de valores políticos e morais, projetos, utopias,esperanças, desejos etc.
Não
é possível dizerque
há
um
conceito dedemocracia
mais
ou
menos
claro.Há,
na
verdade,uma
pluralidade de sentidosque
se relacionam e sefundem
paraformar
um
projeto social imaginário.No
todo, prevaleceum
sentido laudatório,ou
seja,
do
confronto entre "ser" (análiseda
realidade) e "dever ser" (deontologia)prevalece
uma
visãomenos
realista e empíricada democracia
emais
a perspectivaidealista e
normativa
Os
ideaisexercem
um
papel fundamental.O
"dever ser" é a lente, a partirda
qual a realidade é analisada
Os
partidos, o Estado e a sociedade,como
um
todo, são avaliados a partirde
um
conjuntode
valores políticos e morais,ou
também,
oque
podemos
chamar
de núcleo deontológico.Os
recursos normativosfuncionam
como
classificadores
da
realidade. Ser e dever ser, realidade e imaginação, objetivo e subjetivoformam
uma
totalidade, às vezes contraditória entre si,mas,
quase sempre,integrada, costurada.
O
sentido conferido àdemocracia
é o resultadoda
embricação dos sentidos descritivos e prescritivos.Nele
confluem
valores, imagens, desejos,alguns advidos
do
próprio contexto históricoem
que
os indivíduos estão inseridos,mas,
a grande maioria resgatados de outras épocas, religiões, experiências...Transportados,
desembocam
etomam
um
sentido próprio, específico e contextual.Os
grandes ideais vividos pelahumanidade
em
épocas diferentes são resgatados paraanalisar e idealizar o presente.
O
passado é revivido e, aomesmo
tempo, alimenta ofuturo.
A
democracia
émais que
um
sistema de governo; éum
projetode
sociedade.A
ela se ligam elementos deordem
estritamente política, assirncomo
aspectosque
dizem
respeito à "natureza"humana,
como
ocomportamento
individual, social emaximalista
de
democracia, ela édesafiada
a resolverproblemas
que
ahumanidade
vem
colocando-sehá
muitos
séculos.Daí que
ademocracia
éuma
grande construçãocognitiva e normativa
de
que
os indivíduosdispõem
para lidarcom
o
mundo.
Sinteticamente, a
democracia
é concebidaa
partir de três níveis: ademocracia
política, a
democracia
sócio-econômica e ademocracia
sócio-cultural.A
cadauma
dessas esferas
cabem
tarefas específicas,mas
entre elasnão
existem dicotomiasou
seja, elas
fonnam
um
todo interdependente.Cabe
àdemocracia
organizarpoliticamente a sociedade de
forma
a possibilitarque
os valores políticos e morais seABSTRACT
Figuring out that each citizen or social group live the political reality in
a specific
way
and
therefore theword
democracy
isused
toshow
different feelingsinterests, vvishes, hopes, images,
made
us arousean
interest foran
investigationwhich
had, as themain
goal,how
the plurality of aspectsinfluences
when
a persontalks about democracy.
If the term
democracy
iscommonly
used
in an objectiveand
subjectivesense, if it envolves prescritive
and
descriptive elements, the central taskof
thiswork
is to realize -and
analyze - empiricallyhow
the searched authors use thisplurality to develop the "analysis
of
their time".The
basic goal is to verifyhow
a specific socialsegment
live vvith thedemocracy,
how
this groupdefines democracy, and
specially,how
such definitionsare
used
to analyze the day-by-day reality (political, social-economic, cultural)and
idealize its transformation. So,we
selected07
NGOs,
02 neighborhood
associationsand
01 forum.The
datawhere
collectedby
questionnaireand
interviews.The
data analysis permited us to considersome
aspects:The
varietyof
elementswhich
are linked to the democratic concept isso eloquent that
any democracy
definition,even
themost
sophisticated, wouldn'tbe
able to describe such plurality.
The
tenn
isused
to synthesizean assembly
ofIt is not possible to say that the a
democracy
concept is clear. In truth,there is a plurality
of
senses that correlated to buildan
imaginary social project.The
ideals play a frmdamental role.The
"must
be"are the lensesfrom
where
reality isanalyzed
The
political parties, the stateand
society, as a whole, are evaluatedfrom
agroup of moral and
political values, or also,what
we
can calldeontologic nucleus.
The
normative resourceswork
as reality classifiers."To be"and
"must
be", realityand
imagination, objectiveand
subjective build a totality,sometimes
contraditory,among
themselves, but almostalways
integratedThe
definition given todemocracy
is the resultof
a combinationof
descriptive
and
prescritptive senses. In this definitionwe
have
values, images, wishes,some
of
them came
from
the historical context in vvhich the individual isalso part but great majority saved
from
other times, religions, experiences...The
great ideals livedby mankind
in different times are saved toanalyze
and
idealize the current time.The
past is relived and, at thesame
time, feedsthe future.
Democracy
ismore
than agovernment
system, is a society project.Strictly political elements are conected to it, even aspects that are related to
"human
nature" such as individual, social
and
political behavior, themoral
pattems, culture,economy...
As
we
have
amaximum
conceptof
democracy, it is challenged to solveproblems
thatmankind
hasbeen
facing since centuries ago. That'swhy
democracy
is ahuge
cognitiveand
normative construction the individualshave
to deal with the world.Synthetically,
democracy
ismade
by
three levels: political democracy,social-economic
democracy
and
social-cultural democracy.To
each one
of theselevels there are specific tasks, but
among
them
there areno
dichotomies,which
means
that they are partsof an
independet whole. It isdemocracy
role to politicallyorganize society in such a
way
tomake
possible that the politicaland moral
valuesÍNDICE
RESUMO
... ..ABSTRACT
... ..INTRODUÇÃO
... ..I
CAPÍTULO
-UM
RECORTE
TEÓRICO
-METODOLÓGICO
1.1- Problemática ... ._
1.2- Justificativa teórica e delimitação empírica ... ..
1.3- Operacionalização ... ..
II
CAPÍTULO
-DEMOCRACIA
E
SOCIEDADE
CIVIL:
CLARIFICAÇÃO
CONCEITUAL
E
PONTOS DE
1NFLExÃo
... ..2.1-
Democracia:
Proposiçãodo
tema
... _.2.1.1 -
A
ExperiênciaGrega
... ..2.1.2-
Definição:
Sentido Descritivo ePrescritivo
da
Democracia
... .. 2.1.3-Democracia
Participativa ... .. PáginaVI
IX
O1
O7
O8
17
26
29
29
32
37
44
2.1.4-
Democracia
Elitista - Procedimental ... ..2.2- Sociedade Civil ... ... _.
2.2.1-A
Concepção
Hegeliana
... ..2.2.2-
A
Interpretação Marxista:Marx
eGramsci
... ..2.2.3-
Uma
Opção
Teórica:Cohen
e Arato ... ..2.3-
Movimentos
da
Sociedade Civil eDemocracia
... ..III
CAPÍTULO
-o
IMAGINÁRIO
socIALz
A
DIMI‹:NsÃo
co‹;NITIvA
E
sIMBÓLIco-NQRMATIVA
DA
1›EMocRAcIA
... _.3.1-
Adesão
Normativa à Democracia.
... ..3.2- Análise
da "Democracia"
Brasileira: Limites eDesafios
... ..3.3-
Em
Busca
deuma
definição de
Democracia. ... _.3.3.1-
A
Liberdade e a Igualdade:O
Movimento
dos Pilares .... ..3.4-
A
Sociedade Civilcomo
Espaço
Etico-Político:As
Bases
parauma
Nonnatividade
Política ... ..coNcLUsÃo
... ..BIBLIOGRAFIA
... ..ANEXOS
... ..51
55
57
61
65
74
80
82
88
110!
120
133
139
150
162
"0
que
torna tãopoderosa
a
máquina
biológicado
homem
é o
fato delamodificar
as
suas ações
por meio
da
imaginação.Torna-o capaz de
simbolizar,de
seprojetar
nas
consequências dos
sensatos,de
conceitualizar os seus
problemas
e
de
os avaliaruns
em
relação
aos
outros,como
um
sistemade
valores.Como
homens somos
únicos.Somos
solitários sociais.Somos
criaturas
que
tem
de
criar valorespara
estabelecera
sua conduta de
modo
a
poderem
aprender
com
ela ea
estarem
aptasa
dirigi-lapara o
fiituro"
INTRODUÇÃO
O
homem
levanta questões a partirde
uma
situação históricaem
que
está inserido e pergimta, precisamente,porque
aí estáem
jogo
seu próprio ser.Por
isso é
fundamental
tentar dar-se conta dessa situaçãoque
constituio
horizonte de seu perguntar. Trata-se, portanto, deuma
tentativa de "análisedo
tempo", sobretudo deuma
tomada
de
consciência das grandes transfonnações que,como
tendências, caracterizam a situação sócio-históricaque
hoje constitui nossa realidade. eIndagamos
sobre muitas coisas. Paraalgumas
perguntasconseguimos
respostas, para outras, não; para alguns questionamentos
procuramos
saídasmais
ou
menos
objetivas e seguras, para outros, todoo
esforço resultana
constatação deque
as respostas
dependem
da
ação,do
envolvimento eda
práxis. Diantedo
eclipse solarbuscamos
as causas naturaisque
oprovocam;
ante ademocracia
queremos
conhecê-la
minimamente
para saber agir corretamente.Diante das pergimtas:
o que
é ademocracia
ou
o que
é serdemocrático? é natural
que tenhamos
dificuldadesem
responder e issoporque
o tipode resposta solicitada envolve elementos
mais
ou
menos
objetivos,como
o
Estado,os partidos, as regras
de
procedimento asseguradas pela Constituição, e aspectossubjetivos,
como
concepções
políticas, interesses individuais e coletivos, opiniões,estratégias etc.
Por mais
esforçoque façamos
para precisá-las estas questõesincerteza
Temos
dificuldadesem
precisar oque
édemocracia
enos
sentimosimpossibilitados
em
afirrnar qual será aperformance
ou
o
futuro desteregime
daqui a dez anos._
Desde
Aristótelessabemos que
a política éuma
ciência práticaE
porsê-la,
nos
sentimos desautorizados a buscar as leis universaisque
a regem.Aos
pesquisadores e aos cidadãos
comuns
cabe basicamente amesma
tarefa: sabercomo
funciona a política - particularmente
em
suaforma
democrática - para saber agirdentro dela.
No
dia-a-dia, onúmero
de pessoasque
assumem
de
forma
efetiva essatarefa é relativamente baixo,
mas,
mesmo
assim, continua valendo amáxima
deque
obom
funcionamento de
um
sistema político democráticodepende
da
participaçãode todos os cidadãos.
A
democracia
é otema
eo
problema
desta pesquisaE
elatomou
estaconfiguração
devido a dois fatores básicos.O
primeiro é a sua relevância enquanto proposta política e objeto de análise científicaDesde
Atenas até hojea democracia
sempre
esteve presentena
arena políticaMesmo
nos
periodosem
que
prevaleccram os impérios, os regimes absolutistas e ditatoriais,não
faltaram grupos políticosou
apenas indivíduos, intelectuais
que
lutassemou
defendessem
ademocracia
como
amelhor fonna de governo
ou, pelomenos,
como
amenos
pior.Embora
as experiências democráticastenham
sido relativamentepoucas
nestes quaseXXV
séculos de existência, o ideário democrático manteve-se vivo, atraindo tanto
oponentes quanto defensores.
O
finaldo
séculoXX
apresentauma
realidade políticabem
específica.A
quase totalidade dos países ocidentaisadotaram
ademocracia
como
forma
degoverno
ecomo
forma
de organizar a sociedade; Valorescomo
liberdade de expressão e organização, direitosde
ir e vir,de
escolher livremente osgovemantes,
de
ter opiniões e denão
ser perseguido por causa delas, levararn milharesde
pessoastransnacional.
A
democracia
assumiu
uma
legitimidade jamais obtida antes.A
democracia tomou-se
um
"valor universal".Neste
contexto está a sociedade brasileiraDepois
de ter convivido ×com
mn
regime
ditatorial pormais de
duas décadas,um
amplo
movimento
reacendeo
desejo eunifica
forçasno
sentidode
recuperaro
Estado democrático e asseguraraos cidadãos os direitos próprios
de
urnademocracia
Avanços
houve,mas
entre oideal democrático e a realidade
há
uma
lacunaque
sópode
ser preenchidacom
atitudes políticas
comprometidas
com
o projeto democrático.Fazer do
Brasiluma
sociedade democráticaou
tomái-louma
democracia
plena é o objetivode
uma
parte expressivada população
e fontemotivadora
para as atividadesde
políticos, intelectuais,movimentos
sociais,ONGs
e tantos outros segmentos.Mas,
o que
signfica propriamenteuma
democracia
plena?O
que
urna sociedade precisa parapoder
serchamada
de
democrática? Estas sãopergimtas
que
a maiorianão
se faz, equando
as faz, raramente encontra respostas.Apesar
disso, todos falamem
democracia.A
crençana
democracia
tem
um
grau razoávelde
legitimidade, mas,mesmo
assim, é preciso reconhecerque
os cidadãosvivem
a idéia dedemocracia
à sua maneira.Há
osque fazem
delauma
razãode
sua existência, outrosconvivem
com
ela e a utilizam para fazer valer seus interesses particulares; e, ainda,há
osque
se
mantêm
apáticos...Aqui
resideo segundo
fator.A
constatação deque cada
cidadãoou
grupo social vive a realidadepolítica
de
uma
forma
específica e que, portanto, a palavrademocracia
é utilizadapara
comunicar
diferentes sentidos, interesses, desejos, esperanças, imagens,despertou-nos
o
interesse poruma
investigaçãoque
tivessecomo
desafio
centralo
levantamento
da
pluralidade de aspectosque
interagemquando
os indivíduos falamde
democracia.Se
otenno democracia
écomumente empregado
num
sentidoque
se delineou para esta dissertação é perceber - e analisar - empiricamentecomo
os atores pesquisadosusam
essa pluralidade para desenvolver a "análise de seu tempo".Em
outros termos, nossa pretensão é verificarcomo
um
segmento
social específico -
algumas
organizaçõesda
sociedade civil - convivecom
ademocracia,
que
sentido(s) estemesmo
grupodá
aotermo democracia
e,principalmente,
como
este(s) sentido(s) são utilizados para analisar a realidade cotidiana (política, sócio-econômica, cultural etc) e idealizar a sua transfonnação.A
escolhade algumas
organizaçõesda
sociedade civilcomo
o objetoempírico desta pesquisa
não
foi aleatória.As
razõesque nos
serviramcomo
critériode seleção estão ligadas a pelo
menos
dois pressupostos básicos:o
primeiro é o fatode
a sociedade civil terassumido
-na
sua relaçãocom
o Estado
-uma
função política determinantenos
processos de dissoluçãodo
socialismo real ena
redemocratização dos países
do
Leste e latino-americanos, particularmente o Brasil.O
segrmdo
é a percepção deque
a sociedade civil articula forçasem
tomo
de run projeto democrático significativamente distinto daqueledo
Estado,do mercado
edo
próprio cidadão desorganizado.Essa
distinção serámais
detalhadanos
capítulos seguintes.Por
enquanto
convém
apenas dizerque o
modo
como
tais organizações lidamcom
arealidade política -
no
sentidoamplo
- cria atores políticos dispostos a pensar asociedade
em
que
vivem
e agirno
seu interior.Como
sepode
observar, esta introdução é bastante parcial e, por isso,não
cumpre
as funçõesque
costumeiramente conferimos auma
introdução.De
fato,ela
não
apresenta claramente o problema, a justificativa, os objetivos, as hipóteses enem
a descrição dos recursos metodológicosempregados
parao
desenvolvimentodo
No
primeiro capítulo, intitulado"Um
recorte teórico-metodológico",apresentamos detalhadamente
o
esqueleto metodológicoda
pesquisa.As
etapasbásicas
de
um
trabalho científico são explicitadas deforma a
evidenciaro
caminho
percorrido, desde o processo
de
formulaçãodo problema
atéo
detalhamento dosprocedimentos
técnicos.O
capítulo intermediário, cujo título é"Democracia
e sociedade civil:clarificação conceitual e pontos
de inflexão"
, constituio
núcleo teórico propriamente dito.A
prioridade básica é,além de
clarificar os termos, mostrar arelação empírica e normativa entre
democracia
e sociedade civil.Por
meio
deuma
discussão teórica será enfatizado o
argumento
deque
ambos
os conceitos precisamser
pensados
conjunta e dialeticamente.A
democracia
é causa e efeitode
uma
sociedade civil organizada.A
primeirafica
limitadasem
a existênciada segunda
evice-versa.
"
A
última etapapodemos chamar
de
exercício analítico.Sob
o
título"O
imaginário social: a
dimensão
cognitiva e simbólico-nonnativada
democracia", estecapítulo analisa criticamente os
dados
empíricos colhidosa
partirda
aplicaçãodo
questionário e o desenvolvimento das entrevistas.
As
informações são organizadas, analisadas e dispostasno
textocom
o
objetivode
expressar omodo
como
os informantes seposicionam
eatuam
dianteda
realidadeque
os envolve."Todo
objetopropriamente
cientificoé
conscientemente e
metodicamente
construídopara
saber construir
o
objeto epara
sabero
objetoque
seI -
UM
RECORTE
TEÓR1co-M1:To1›oLÓGIco
O
objetivo principal deste capítulo é apresentaro
conjunto dasindagações
que foram
construindo a problemática eo
interesseapaixonado
por estapesquisa.
Além
disso, explicitar o recorte teórico e empíricoque
serviude
orientaçãometodológica
para a estruturaçãodo
trabalho.1 . 1
Problemática
Durante
os anos60
otema
centraldo
debate políticona América
do
Sul foi a revolução
Lechner
(1§90a),Castañeda
(1994).O
contexto sócio-econômicoda
região,marcado,
deum
lado, pela estagnaçãoeconômica
e,por
outro, pelacrescente mobilização popular, era interpretado
como
ambiente propício para odesencadeamento do
processo revolucionário.As
mudanças
rápidas e radicaispromovidas
pelaRevolução
Cubana
alimentavam
a utopia deum
modelo
altemativoao sistema capitalista, considerado inviável.
A
construçãodo
socialismo erao
"leitmotiv"que
integrava as vontadese as esperanças de
uma
parte significativada
esquerda eda
intelectualidade latino-igualitária
unificava
a ação políticacom
uma
espécie de "vontade coletiva".O
socialismo constitui-se
como
uma
força histórica criadora deum
liame vitalque
uniavontades e consciências.
As
diferenças individuais dos atores se diluíamquando
afinalidade primeira era superar
o
capitalismo.A
década
de70 pôs
limites às utopias revolucionárias.Os
golpesmilitares
no
Brasil (1964),Peru
(1968), Chile (1973) e Argentina (1976)impuseram
uma
ordem
políticamarcada
pelomedo, negação
dos direitosdo
homem
edo
cidadão e
o completo banimento
dosgermes da
democracia.Como
dizLechner
(1990a:20),
o
objetivodo
golpe foi"imponer
una
nueva
normatividady
normalidad
mediante
procedimientos propios auna
'logica de la guerra': la aniquilación deladversário
y
la abolición de las diferencias".V
A
partirdo
inícioda década de 80
o debate sobre ademocracia
setomou
um
"lugarcomum".
O
fim
dos regimes militaresna
América
Latina, a crisedo Welfare
State edo
socialismo realforam
responsáveis,em
grande medida, pelaretomada
das discussões.No
caso específicodo
Brasil,em
nenhuma
outraépoca
as palavrasde
Tocqueville - "o grandeproblema
político de nossaépoca
é aconsolidação
da
democracia" -foram
tão carregadas de significado. Construiruma
sociedade democrática passou a exprimir
ou
sintetizar as esperanças e os valores deuma
nação que
ansiava pormudanças
profundasem
suas estruturas.A
palavrademocracia
setomou
rapidamenteum
depositário deutopias.
O
Comício
pelas Diretasem
1984
foiuma
expressão públicada
atmosferapolítica
que
anação
brasileira vivia naquelemomento.
O
direito ao voto secreto elivre para todos os cargos representativos, a liberdade de
imprensa
e expressão, agarantia dos direitos civis e políticos
eram
as reivindicações elementares.Mas
as aspiraçõesiam
além da
mera
legalidadedemocrática
A
democracia
política deviacriar as condições para
uma
melhor
distribuição dosbens
materiais e simbólicosna
sociedade.No
níveldo
imaginário social, à democracia caberia a tarefa de realizaraquilo
que
tantoprovocou o pensamento
político desde Aristóteles: aproximar aética
da
políticaNa
subjetividade políticada
grande maioriada
população foifonnando-se
urnaimagem
salvíficada democracia
Somente
ela seria capaz deprovocar
uma
ruptura históricacom
o
passado autoritário e realizaruma
transformação social.
O
"novo" suprimiria o velho.As
realidades autoritátias, ainflação,
o
desemprego, a miséria deixariam de serdo
presente para pertencerem aum
passado distante.Mas
a realidadenão
tardou a revelar-se.Um
certo desencantocom
oEstado, as instituições e os partidos logo se
fizeram
sentir (Lechner, 1990a:167) e(Moisés, 1994:82).
De
urna certa fonna,mesmo
a populaçãomenos
informada foipercebendo que
uma
democracia
não
se constrói deuma
hora
para outra,mas
émn
processo longo, dificil, e,
por
vezes, bastante penoso.O'Donnell
(l988:43) ébastante perspicaz ao observar
que
a abertura democrática e a consolidaçãoda
democracia
integramum
mesmo
processo,mas
sãomomentos
distintos edemandam
esforços diferentes :"Embora
se tratedo
mesmo
decurso histórico, consideroútil postular
que
os processosde
democratização vividospelos nossos países
implicam
duas transições.A
primeira é aque
vaido
regime autoritário anterior até a instalaçãode
um
govemo
democrático.A
segimda
vai desde estegovemo
até a consolidaçãoda
democracia,ou
em
outraspalavras, até a efetiva vigência
de
um
regimedemocrático".
A
consolidação deum
regime
políticocomo
a democracia
requer nãoregular das instituições
como
o Estado
e os partidos euma
aceitabilidade razoávelpor
parteda
população, deforma
a gerarum
comportamento
político pautado porcritérios e valores democráticos 1.
Uma
rápida análiseda democracia
brasileira é suficiente paraidentificar algims de seus limites.
Há
um
consenso quase generalizado entre osanalistas políticos (Moisés, 1994), (Weffort 1992), (O'Donnell 1988), (Lechner
1990a)
de que a
crise degovemabilidade
(a descrençano
Congresso, a crisedo
Estado),
a
falta de partidos institucionalizados e, principalmente, aenorme
desigualdade social eeconômica que
dilacerao
tecido social, são alguns aspectosque
limitam a eficáciado
sistema democrático e, conseqüentemente,reduzem
sualegitimidade perante a sociedade.
Enquanto
os resultadosda democracia forem
ínfimos ou
clientelísticos, a tendênciada
sociedade é de se fragmentarem
pequenos
grupos
que lutam uns
contra os outros afim
demaximizar
seus interessesespecíficos.
A
sociedade se reduz aum
"estado de guerra" constante,em
que
osindivíduos
dispõem
dosmais
variados recursos para a obtençãode
poder, dinheiro...Cada
um
dos "1imites"acima mencionados
é portador deuma
complexidade
suficiente para ser investigado à parte.Como
nosso objetivo é apenasdelinear o conjunto dos
problemas que motivaram
esta pesquisa, procuraremos, apartir daqui, centralizar nossa atenção
em
praticamente dois aspectos.O
primeiro deles éum
registro de nossa atitudede
"espanto" dianteda
capacidadeda
"democracia brasileira" 2de
conviver -com
uma
relativa facilidade -1-
MOISÉS,
J. A. (1992: 7) e (1994:82) enfatiza que "a criação de instituições destinadas a
processar a complexa pluralidade de objetivos presentes na sociedade depende de
mn
demorado e, porvezes, contraditório trabalho de elaboração coletiva: a adoção dos procedimentos que asseguram
esses mecanismos supõe dificeis processos de negociação entre contendores que tem interesse,
concepções e, principalmente, expectativas distintas sobre a ordem democrática”.
2- Toda vez que aparecer no texto a expressão "democracia
brasileira" entre aspas, estamos nos
referindo às condições institucionais mínimas de ftmcionamento de
uma
democracia, como porexemplo: a) direito de participação de todos os membros adultos (maiores de 16 anos) na comunidade
com
as desigualdades sociais e econômicas.O
ordenamento
político demonstra-seincapaz
de implementar
reformasou
medidas
capazesde promover
uma
melhor
distribuição
dos bens
na
sociedade ou,em
outros termos, a políticanão consegue
"fecundar" a sociedade
como
um
todo,em
especial a economia,com
valorespropriamente democráticos.
Esta insuficiência
do
sistema político demonstra,no
fundo, aexistência
de
uma
desarticulação entre as formas institucionais e o conteúdo político,entre pacto e projeto. Aliás, é precisamente neste
ponto que
Jaguaribe (l99l:75)identifica
o
grandeproblema da
democracia:"O
grandeproblema
políticocom
que
presentemente sedefrontam os países periféricos é o de
combinar
legitimidade democrática,
mediante
a efetiva operação de democracias representativas ede
Estados de direito,com
a racionalidade
da
atuaçãodo
sistema público". AO
distanciamento entre legalidade democrática e racionalidade ética éuma
evidência clara deque não há
consenso sobreo
conteúdo políticoda
democracia
Não
pretendemos
dizercom
issoque
é possível e necessárioum
acordoabsoluto sobre os conteúdos de
um
projeto democrático.Queremos
apenasafinnar
que
um
regime
democrático requer,além
deum
acordo sobre "as regrasdo
jogo" (ouum
conjunto deprocedimentos
formais) ,um
ftmdamento
normativo pormeio
do
qual elas
adquirem
sentido. Sobre este aspecto,Leclmer
(l990a:33) é incisivo:"La
validez deun
'contrato' rernite auna
normatividadexterna a el (...)
no
existiendoun
acuerdocomún
sobre lamaioria, verificada através de mecanismos de eleições periódicas e previsíveis; c) liberdade de
organização e expressão; d) princípio de separação entre os poderes, garantindo que a ação dos
govemantes
em
suas distintas esferas e níveis de competâicia submetam-se a mecanismos públicosde controle.
Enfim
a existência deum
Estado de direito.Com
esta expressão não estamos afirmandosignificación de
una
política democrática,no
existeun
horizonte
de
posibilidadesque
- compartidopor
todos -encauce el cálculo estratégico
de cada
participante.Hay
que
redefinir lo posible,no
como
perspectiva unilateralde
cada
actor, sinocomo
obra colectiva".A
democracia
requer a participação coletiva; ela éuma
produção
socialque não
pode
ser obra unilateralde
um
autor,mas
deve serempreendida
coletivamente.
Daí que
propor ademocracia
como
projeto histórico é ter presentenão
apenas a necessidade dos cidadãospactuarem
sobre as "regrasdo
jogo",mas
que
hajatambém
um
consensomínimo
quanto ao próprio conteúdo esse projeto 3. IÉ
precisamente nesta última "condiçãoda
democracia"que
reside a problemáticade
maior
dimensão:o
tema
da
cultura política,em
particular a questãoda
nonnatividade 4.As
pergrmtasque
seseguem,
embora
genéricas,dão
uma
idéiada
amplitudedo problema
: a)É
possívelum
consenso sobreo
conteúdodemocrático? b)
Como
é possível, ante a pluralidade empírica das razões e amultiplicidade irredutível de identidades e padrões axiológicos, recolocar a questão
3- Atento à importância da cultura política como
pré-requisito para a consolidação de
uma
democracia,
MOISES,
J. A. (1992: 7) não hesitaem
dizer que "a fonnação de consenso nonnativomínimo, que permite que a democracia se desenvolva e não se interrompa cada vez que
mn
conflitofimdamental emerge, toma-se tão importante quanto a fomração de
um
sistema partidário eficiente oua institucionalização de mecanismos adequados de representação política"
4-
Há
diversos autores preocupadoscom
esta questão,entre eles APEL, K. O. (1985),
HABERMAS,
J. (l990c),
MAFFESOLI,
M. (1995),ECO,
U. (1995) etc.Um
dos autores que maissistematicamente pensou este problema foi
GERMANI,
D. (1985) .Em
um
artigo intitulado:Democracia
y
autoritarismo en Ia sociedadmodema
argumenta que entre o processo desecularização das sociedades modemas e o projeto democrático há
uma
"tensão estrutural", resultadodo próprio processo de secularização.
O
indivíduo secularizado elege para simesmo
os valores desua ação, independentemente de
mn
modelo prescritivo comum.Com
a progressiva secularização, osfins e os valores centrais acabam saido vistos como artefatos humanos modificáveis, suscetíveis de
trocas e mais precisamente de trocas deliberadas e planejadas. As mudanças no marco nonnativo se
revertem, segundo ele, como
um
grande limite à democracia, pois ela necessita deuma
basenormativa
comum
para se realizar.A
hipótese cmtral queGERMANI,
D. (1985: 32) propõe nesteartigo é que a "tmsion estrutural implícita en la sociedad modema, entre la cresciente secularización
pou un lado, y la necessidad de mantener un núcleo prescritivo mínimo, suficiente para la integración
por el otro, constituye un factor causal de crisis catastróficas que al iliminar los insuficientes
da
justiça,da
legitimidadedo
poder,da
ética eda
utopia social? c)Como
construirmna
nonnatividadecomum,
básica à democracia,numa
sociedadetomada
peloindividualismo, hipersecularizada e
onde
a esfera pública émanipulada
pela mídia?d)
Como
construiruma
cultura política democráticano
contextode
uma
cultura pós-modema
(Lechner, l990a-:105)?Ou,
numa
perspectiva aindamais
ampla: e)Como
reinventar a vida social e
em
particular a vida política, cujadecomposição
atual é o produto dessa dissociação dos instrumentos e dos sentidos, dosmeios
e dosfins?
(Touraine, 1994:l3) Í)
Podem
as sociedades constituírem-se a partirde
simesmas,
criando sua nonnatividade própria
(Habermas,
1990c:76)?Este trabalho
não
tem
condições de responderou
investigar todas estasquestões, devido ao seu grau de abrangência e complexidade.
Por
isso,optamos
poralgumas
pergimtasmais modestas que servem
de sínteseda
problemática etambém
dão
uma
orientação básica para a análise dos dados. Ei-las:que
elementos analíticos (análiseda democracia
brasileira pós-84 eda
sociedadecomo
um
todo) e simbólico-normativos (definição de democracia, valores políticos e culturais,
que imagens
evoca, utopias, apostas...) estão presentes e se inter-relacionam
quando
os atoresda
sociedade civil selecionados falam de democracia?Que
sentido político e socialtem
esta palavra?Enfim,
qual imaginário socialo termo democracia
evoca?Deste
conjunto de questões, colocam-se os seguintes objetivos:Geral:
Desenvolver
uma
análisede
discursocom
o
intuitode
captaro
imaginário socialda democracia
presenteno
interiorda
sociedade civil,tomando
como
base,algumas
entidades civis.u
Específicos:
a) Colher
o
conjunto de significadosou
representações imagináriasb) perceber
como
estes recursos simbólico-nonnativos se inter-relacionarn
com
a análiseda democracia
brasileira;c) ver
como
este entendimentode democracia
traz consigoo
esboço deum
"dever ser" para a atuaçãodo
sistema político (ademocracia
formal) e asociedade
como
um
todo.As
hipótesesque
norteiam este estudopoderiam
ser sintetizadasda
seguinte fonna: o conjunto dos elementos
que
secolocam
em
tomo
do
imagináriodemocrático expressa
o
desejo por urnacomunidade
reconstruída,ou
melhor,construída
em
novas
bases.As
críticas àdemocracia
representativa e às instituições(o Estado e os partidos)
que
seocupam
de operacionalizá-la, assimcomo,
asconsequências nefastas advindas
do
livre-mercado, são partes deuma
análisebem
mais
ampla
da
sociedade edo
contexto histórico atual.De
um
lado, asociedade civil dirige
uma
crítica ao Estado e ao mercado, acusando-os desubmeterem
toda a sociedade à racionalidade instrumental e,do
outro,chama
para siparte
da
responsabilidade pela construção de relações solidárias, democráticas.A
revalorizaçãoda
sociedade civil refleteum
certo desencantoem
relação ao tipo deintegração social
que
as estrutuš formais produziram. Irnplicitamente está a tese deque o aprofundamento da democracia
passa pela construção de instituições civiscomprometidas
com
um
projeto socialfundado
na
solidariedade.O
resgate dostemas
éticos éuma
tentativa de construiruma
base normativamínima
para ademocracia, condição básica para
que
osmecanismos
institucionais realizem osdireitos
do
homem
epromovam
uma
elevaçãomoral
de toda a sociedade. Para a"crise
de
utopias"que
envolve este final de século, esses atoresda
sociedade civilrespondem
deforma mais
concretaque
utópica.Propõe
a prática democráticacomo
práticas concretas
de cada um.
A
evocação
da
ética éum
modo
de
responsabilizar aspessoas pela sua história.
i
O
segimdo
aspecto -embora
ligado diretamente ao primeiro - refleteuma
preocupação
com
a linguagem,ou
mais
precisamente,com
a palavrademocracia.
Como
diz Bakhtin (1986:36): "a palavra é omodo
mais puro
e sensívelde relação social".
As
palavras são tecidas a partir deuma
multidãode
fios
eservem
de
trama
para as relações sociaisem
todos os domínios.As
palavrasnão
são arealidade: elas a representam
não
só oque
já é,mas também
o que
se querque
sejaQualquer
olhadamais
atentanos
permite perceberque
o tennodemocracia
é portador deuma
grande polissemia. Ele é utilizadonão
apenas paraexpressar
um
modo
como
a sociedade se organiza politicamente para lidarcom
osdiferentes conflitos
(uma
concepção mais
objetivada
democracia) ,como também
para exprimir osmais
diversos projetos, utopias, esperanças,medos
e interesses (ademocracia pensada
sob a óticada
subjetividade). Dar-se conta dessaheterogeneidade de sentidos é
uma
condição básica paraque
o cientista eo
filósofosocial
mantenha
sua postura de desconfiança eindagando
sobreo que
se diz eo que
se faz.
Se
o discursohegemônico
éafirmar
ademocracia
como
um
valorfundamental, é preciso
que
se verifiquede que democracia
se está falando, quais osseus pressupostos e
como
ela se materializa nas práticas sociais.A
preocupação
com
o discurso,
com
a palavra é onó
górdio desta dissertação.Estes dois conjuntos
de
questões-problema se entrecruzam ao longoda
pesquisa.
O
relacionamento se dará a partir de três conceitos básicos,que
são,na
verdade, os alicerces de nosso trabalho : a
democracia
(do ponto de vistada
teoriapolítica e
da
análiseno
contexto brasileiro), a sociedade civil eo
imaginário social.No
itema
seguir explicitamos omotivo
da opção
por esses conceitos e deque
1 .
2
JustificativaTeórica
eDelimitação
Empírica
Parece-nos desnecessário apresentar as razões
que justificam
a escolhada democracia
como
uma
das temáticas centrais deste estudo, haja vista a suarelevância política e teórica ao longo
de
séculos e, particularmente, nas últimasdécadas.
Para
o
momento
émais
interessante justificar nosso recorte específico -o
estudo
do
imaginário social - dentro deuma
série de outros possíveis enfoquesou
abordagens.
De
fato,poderiamos
ter optado pelo estudoda
teoria democráticaem
diferentes pensadores, dos partidos politicos,
do
processode
aberturano
Brasil,do
modelo
de democracia
vigente,da
crisedo
Estado,ou
de qualquer outrotema
que,de
alguma
forma, estivessepróximo
a discussão sobre a democracia.Optamos
por este recortena
tentativade
buscaruma
visualizaçãoda
problemáticaque não
estivesse presa exclusivamente à teoriaou
filosofia
política,nem
à análise das instituiçõesque
compõem
o sistema democrático (ciênciapolítica). Interessa-nos tratar a questão sob
uma
ótica raramente explorada,que
éjustamente a
do
conjunto de críticas, valores, projetos, apostas, utopias...' (oimaginário democrático)
de
atoresque
participam ativamentedo
processo político,constituindo aquilo
que
chamaremos
mais
adiante de atores relevantesda
sociedadecivil.
Em
tomo
do termo democracia
analisaremoso
imaginário social,que
no
fundo
é a
compreensão do
modo
como
esses atoresconstroem
a realidade social e política .Neste
capítulonão
faremosum
tratamentomais
sistemático dos termosdemocracia
e sociedade civil,porque
opróximo
capítulo vai ocupar-se precisamenteinterdependentes.
Com
relação à democracia,não
apresentaremosnenhuma
definição
específica, salvo as críticas àconcepção
elitista euma
preferência explícitapelo
modelo
participativo.A
opção por não
apresentaruma
definição
literal, seja de Bobbio,Laclau, Lefort, Touraine,
Habermas,
seja de qualquer outro pensador, sedeve
aofato de a
achannos
irrelevante, isto é, qualquerdefinição
apresentadanão
teriauma
função analítica fundamental.
Nossa
pesquisa está preocupada, entre outras coisas,em
descobrir qualo
entendimento dedemocracia
deum
grupo específicoda
sociedade enão comparar
definições de vários autores,ou
deum
autor específico,com
a conceituação sugerida pelos inforrnantes.Com
o conceito de imaginário social éum
pouco
diferente.Realizaremos
uma
análise teóricamais
detalhada neste capítulo, justamente porque, ao longodos
próximos,não
voltaremos a tratá-lo sobum
ponto de vista conceitual.O
imaginário social é oseglmdo
conceito importantede
nossapesquisa.
Embora
pareça urna problemática recente, otema tem
suas origens aindano
pensamento
grego, particularmanteno
diálogoMenon,
de Platão.No
campo
da
filosofia, diversos pensadoresfizeram
deletema
para inúrneras discussões, entre osquais se
encontram Hegel
(espíritoda
época),Marx
(a consciência),Gramsci
eLukács
(visãode
mundo)
Bachelard (asimagens
poéticas), Castoriadis(magrna de
significações) etc.Nas
ciências sociais a temáticaemergiu
primeiramenteem
Durkheim
(representação coletiva),em
seguidaWeber
(idéias, concepções), Schultz (sensocomum),
Levi-Strauss eDurand
(estruturas antropológicasdo
imaginário) eoriginalmente
em
1961,na
obra seminal de Serge Moscovici, sobo
signo de"representação social" 5.
O
número
de
pensadoresque
seocuparam
com
o
problema
pode
passara impressão de
que
as ciênciashumanas
modemas
dispensaram ao imaginárioum
status epistemológico relevante.
A
realidadenão
ébem
essa.Na
grande maioria dosautores
o
tema
aparececomo
um
campo
de
relativa importância;em
outros, quasenenhuma.
TantoDurand
(1989:17) quanto Castoiiadis (l99l:l88)observam que o
mundo
moderno
impeliu aoextremo
a racionalização e, por isso, permitiu-sedesprezar as crenças, os costumes, os mitos etc. 6
Os
estudos sobreo
imaginário social estão entre as temáticasque
discutem a subjetividade política e social, a história das mentalidades, a vida cotidiana e, particularmente,o
sensocomum.
Num
planomais
amplo, estes objetosforam
considerados pela ciênciamodema,
ao longode
vários séculos,como
"irracionalidades", "excrescências", coisasdo
mundo
subjetivo, das crenças, paixõese religião 7.
A
modernidade
inaugura a racionalidadehumana
como
os paradigmascentrais
em
tomo
dos quais a moral, a ciência, a arte e afilosofia deviam
encontrar suas bases epistemológicas (a ciência e a filosofia) e valorativas (arte, direito, moral)para
o
seu desenvolvimento.A
"razão subjetiva" (I-Iorkheimer 1976) - entendida5-
Há
alguns trabalhos que fazem a reconstrução desta temática. Ver principalmenteDURAND,
G. (1988) e (l989);
CASTORIADIS,
C.(l99l) e (1987);MAFFESOLI,
M.(l993);JOVCHELOVITCH,
S.&
GUARESCI-II, P. (Orgs). (1994);MOSCOVICI,
S.(1978); SPINK, M.J. (Org.) (1993).
5-
CASTORIADIS,
C. (1991: 188) não só argumenta o esquecimento dos elementos imaginários pelamodemidade como afirma, inclusive, que a pseudo-racionalidade
modema
éuma
das fomiashistóricas do imaginário: "O que se dá como racionalidade da sociedade modema, é simplesmentea
fomia, as conexões exteriores necessárias, o domínio perpétuo do silogismo...
A
pseudo-racionalidade
modema
éuma
das formas históricas do imaginário; ela é arbitráriaem
seus finsúltimos na medida
em
que estes não dependem de nenhuma razão, e é arbitrária quando se colocacomo fim, visando somente
uma
'racionalização' formal e vazia".7- Ver:
CASTORIADIS,
C. (1991),MAFFESOLI,
M.
como
razãodo
homem
epor
isso distintada
razão objetiva (natureza) e razão divina-
passou
a sintetizar e estabelecer os parâmetros básicosde
um
projetoque
visava a
emancipar o
homem
de
seu estadode
"menoiidade"em
relação a natureza, religião,crenças e mitos.
No
imagináriodo
homem modemo
é claraa
pretensãode
libertar ahumanidade
de
todas as amarrasque
atomavam
dependente de saberes (mito,crenças) e valores (moral, religião,
filosofia)
típicosdo
mundo
pré-modemo
8.As
ciências sociaisnascem no
séculoXIX
contra o sensocomum,
considerando-o superficial e ilusório (Santos, 1989). Correntes
como
hermenêutica,etnometodologia e interacionismo simbólico
revêem
isso epropõem
um
tratamentodo
sensocomum
como
algonão
antagônico ao discurso científico.Gadamer
criticaahermenêutica
do
séculoXIX
por
ter negligenciado o papel positivodos
preconceitosou
pré-juízosem
todo o processoda
compreensão.Os
preconceitos são constitutivosde
nosso
ser e de nossa historicidade e, por isso,não
podem
ser levianamente considerados cegos, infundadosou
negativos.São
elesque nos
capacitamia agir enos
abrem
à experiência e, por isso, àcompreensão do
nosso estarno
mundo
não
pode
de
modo
nenhum,
dispensa-los 9.Nas
últimas décadas,marcadas
principalmente pela críticada
modernidade,
passou-se a darmaior
relevância às questões ligadas à vidacotidiana 1°
Da
hermenêutica à psicologia e à teoriada
escolharacional,
começa-se
a8-
A
modemidade se tomou, ao longo desteséculo,
um
dos temas mais debatidos no interior dasciências humanas. Depois de Nietzsche, Weber, Heidegger, Horkheimer, Adomo, Benjamin ..., o
assunto não mais saiu de moda. Tanto interesse e críticas suscitou que a partir da década de 60
uma
série de pensadores, como Foucault, Lyotard, Guatari, Deleuze, Maffesoli, Rorty, Baudrillard etc.,
foram autodefinindo-se como pós-modemos.
Mas
como nosso objetivo não é apresentar os autores e os argumentos dos chamados pós-modemos, citamos alguns autores que fazemuma
síntese doprojeto modemo. Ver :
HABERMAS,
J. (l990a);TOURAINE,
A. (1994),ROUANET,
S. P.(1993) e (1992).
9-
Um
comentário mais longo e detalhado sobre ointeracionismo simbólico e a etnometodologia, ver
HAGUETTE,
T.M.
( 1992). Sobre a hermenêutica ver a obra deGADAMER,
H. G. (1984).1°-
Há
inúmeros trabalhos que discutem teóricae empiricammte o tema da vida cotidiana. Citamos