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Turismo, património imaterial e divulgação num museu de arqueologia: o Museu D. Diogo de Sousa, em Braga

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Turismo, Património Imaterial e Divulgação num

Museu de Arqueologia:

O Museu D. Diogo de Sousa, em Braga

Dissertação de Mestrado em Turismo

Ivone da Conceição Gachineiro Coelho

Orientador: Professor Doutor Jean-Yves Durand

Vila Real

2012

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Turismo, Património Imaterial e Divulgação num

Museu de Arqueologia:

O Museu D. Diogo de Sousa, em Braga

Dissertação submetida para a obtenção do grau de mestre em Turismo

(ramo de Gestão Turística) na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro,

pela candidata Ivone da Conceição Gachineiro Coelho, sob a orientação do

Professor Doutor Jean-Yves Durand, da Universidade do Minho.

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Resumo

Turismo, Património Imaterial e Divulgação num Museu de Arqueologia: O Museu D. Diogo de Sousa, em Braga

Com base na realização de um estudo do caso particular do Museu D. Diogo de Sousa, situado em Braga, Portugal, pretende-se demonstrar de que forma os museus de Arqueologia podem contribuir, enquanto agentes culturais e educativos, para a divulgação cultural e a promoção turística do património imaterial associado ao seu espólio arqueológico e aos sítios arqueológicos de cujo circuito de visita fazem parte.

Procurar-se-á, ainda, mostrar como estes museus, não habitualmente associados ao Património Imaterial, podem, dessa forma, fomentar o Turismo Cultural em Portugal, particularmente na zona norte do País.

Palavras-chave: turismo cultural, património imaterial, museu de arqueologia.

Abstract

Tourism, Intangible Heritage and Promotion in a Museum of Archaeology: The Museum D. Diogo de Sousa, in Braga

Based on the study of the particular case of the Museum D. Diogo de Sousa, located in Braga, Portugal, this paper aims to demonstrate how museums of archaeology can contribute as cultural and educational agents for the cultural and tourist promotion of the intangible heritage related to their archaeological remains and the archaeological sites whose circuit they integrate.

It also aims to show how they can help to promote cultural tourism in Portugal, particularly in the north of the country.

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Agradecimentos

Os meus agradecimentos vão para o Professor Fernando Bessa Ribeiro, que sempre me valorizou, inspirou, encorajou e aconselhou da melhor forma e com toda a disponibilidade e simpatia ao longo de todo o Curso. Ao Professor Bessa devo, ainda, a oportunidade de ter conhecido e trabalhado sob a orientação do Professor Jean-Yves Durand, o meu Orientador, cujo trabalho e postura admiro. Ao Professor Jean-Yves agradeço a prontidão com que aceitou conduzir a orientação da minha tese, sem ainda me conhecer, assim como a disponibilidade e simpatia que revelou ao longo de todo o processo de orientação deste trabalho, partilhando a sua sabedoria e experiência.

Agradeço, ainda, à Doutora Isabel Silva, Diretora do Museu de Arqueologia D. Diogo de Sousa, pelo aberto acolhimento com que recebeu a proposta deste estudo sobre o Museu, assim como pela simpatia e disponibilidade que revelou em todo o processo de trabalho. Da mesma forma, agradeço à Doutora Júlia Andrade, Coordenadora do Serviço Educativo do Museu, pela amizade, pelas longas conversas com as quais aprendi sobre Arqueologia, e sobre a origem e o trabalho efetuado com o espólio do Museu, e pela sua generosidade na partilha de informação, sempre que necessário.

Os meus agradecimentos vão, também, para todos os Técnicos e Colaboradores do Museu, que contribuíram para a realização deste estudo, partilhando, com amizade, as suas opiniões, a sua experiência e o seu trabalho.

Por fim, agradeço a todos aqueles que responderam às minhas solicitações de informação complementar, quando foi necessário, nomeadamente a Professora Manuela Martins, Presidente da Unidade de Arqueologia da Universidade do Minho, o Professor Xerardo Pereiro Pérez, da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, o Doutor Jorge Raposo, Diretor da Revista de Arqueologia Al Madan, e o Doutor José Neves, Coordenador do Estudo O Panorama Museológico em Portugal, do Observatório das Atividades Culturais.

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Índice de conteúdos

Lista de siglas 7

Apresentação do projeto de investigação 8

I. Contextualização teórica 12

I.I Cultura e Património: conceitos e processos patrimonializadores 13

I.II O Património Imaterial: definição, domínios e políticas de salvaguarda 19

I.III Cronologia do Património Imaterial: uma perspetiva nacional e internacional 26

I.IV Património Imaterial e Turismo Cultural: uma relação inevitável 37

I.V Os museus como espaços promotores de cultura e de educação 48

I.VI O Património Imaterial e os museus: uma nova conceção de museu? 54

II. Arqueologia, museus e divulgação do património imaterial em Portugal 67

II.I A evolução da investigação arqueológica e da interpretação dos vestígios materiais como fonte de conhecimento sobre o património imaterial, e sua valorização

67

II.II Arqueologia e museus em Portugal 73

II.III O potencial papel dos museus de Arqueologia na divulgação do património imaterial 83

III. O Museu de Arqueologia D. Diogo de Sousa na divulgação do património imaterial 89 III.I O Museu D. Diogo de Sousa: caraterização 89

III.I.I Enquadramento geográfico e sociocultural do Museu 89

III.I.II História do Museu e das suas coleções 90

III.I.III As coleções do Museu 96

III.I.IV O papel do Museu no Circuito Arqueológico de Braga 98

III.I.V A atividade de conservação e restauro 98

III.I.VI Atividades desenvolvidas 99

III.I.VII Instalações, equipamentos e serviços 101

III.I.VIII Comunicação e promoção turístico-cultural 101

III.I.IX Público-alvo e procura 104

III.I.X Apoio à investigação e divulgação científicas e à formação 105

III.II A origem, o estudo e a interpretação dos vestígios materiais expostos no Museu 106

III.II.I As fontes de conhecimento 107

III.II.II Condicionalismos naturais e aspetos de conservação e restauro dos vestígios arqueológicos

112

III.II.III Desenvolvimento versus conservação 121

III.II.IV Questões políticas, jurídicas e científicas 122

III.II.V Avanços científicos e culturais na investigação arqueológica local 128

III.II.VI Recursos humanos 131

III.II.VII Metodologia de investigação 132

III.II.VIII Correntes de influência na interpretação dos vestígios 137

III.II.IX Contributos para o conhecimento do património imaterial 145

III.III O contributo do Museu D. Diogo de Sousa na divulgação do património imaterial 153

III.III.I Os contos animados 158

III.III.II Os jogos 161

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III.III.III.I Oficinas de arqueologia experimental 165

III.III.III.II Oficinas de expressão plástica 169

III.III.IV Workshops 171

III.III.V As visitas guiadas à Exposição Permanente e à Exposição Temporária 174

III.III.VI Os recursos pedagógicos 179

III.III.VII O apoio à formação, ao debate e à investigação 181

III.III.VIII A colaboração em projetos culturais 183

Conclusão 190

Referências bibliográficas 203

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Lista de siglas

ASPA – Associação para a Defesa, Estudo e Divulgação do Património Cultural e Natural CODEP – Comissão de Defesa e Estudo do Património

ICOM – International Council of Museums / Conselho Internacional de Museus

ICOMOS – International Council of Monuments and Sites / Conselho Internacional de

Monumentos e Sítios

IGESPAR – Instituto de Gestão do Património IMC – Instituto dos Museus e da Conservação IPA – Instituto Português de Arqueologia IPM – Instituto Português de Museus

IPPAR – Instituto Português do Património Arquitetónico MDDS – Museu D. Diogo de Sousa

PCI – Património Cultural Imaterial

PRACE – Programa de Reestruturação da Administração Central do Estado RPM – Rede Portuguesa de Museus

UAUM – Unidade de Arqueologia da Universidade do Minho UM – Universidade do Minho

UNESCO – United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization / Organização

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Apresentação do projeto de investigação

A partir de fontes documentais, da observação direta, e da realização de entrevistas semiestruturadas, este estudo pretende demonstrar qual o papel que um museu de Arqueologia, enquanto agente cultural e educativo, pode assumir na divulgação cultural e na promoção turística do património imaterial associado ao seu espólio arqueológico e aos sítios arqueológicos de cujo circuito de visita faz parte. Simultaneamente, será avaliado o seu potencial contributo para o fomento do Turismo Cultural em Portugal, particularmente na zona norte do País, onde está localizado o objeto de estudo. Esta questão adquire particular relevância devido à ligação algo indefinida entre património arqueológico e património imaterial, estando o conceito de património imaterial, em termos museológicos, ainda associado sobretudo à Etnografia.

Assim, pretende-se, com este estudo, aferir se a divulgação do património imaterial estará, afinal, confinada aos museus de natureza etnográfica, ou se um museu de Arqueologia poderá também explorar esse recurso cultural. E se, em caso afirmativo, ele estará a ser totalmente cumprido, tendo em conta a função mais alargada dos museus na divulgação cultural e promoção turística do património, tirando proveito do desenvolvimento do Turismo Cultural.

Através deste projeto de investigação, procurar-se-á dar resposta a estas e outras questões contextuais, aplicando-as no estudo do caso de um dos maiores e mais significativos museus de Arqueologia de Portugal, situado no norte do País, na cidade de Braga – o Museu D. Diogo de Sousa (MDDS). Este estudo envolverá, também, questões relacionadas com a evolução da investigação arqueológica e condicionalismos dessa atividade, quer de uma forma geral, como neste caso, em particular, enquanto fatores que influenciam os resultados dos estudos efetuados sobre os testemunhos materiais, e a posterior divulgação do património imaterial a eles associado.

Através deste projeto de investigação, pretende-se, ainda, de uma forma geral, e em termos concetuais, contribuir para a clarificação do conceito de património cultural imaterial, dos conceitos de cultura e de património a ele associados, e das suas diversas dimensões e manifestações, de acordo com as orientações e documentos oficiais da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e Cultura (UNESCO); dar uma

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breve perspetiva sobre a evolução do conceito de património cultural imaterial e do seu enquadramento legal, a nível internacional e nacional, assim como das implicações práticas da mesma no sentido da sua salvaguarda e promoção; explicar a relação existente entre a divulgação do património imaterial e o fomento do Turismo Cultural em Portugal, particularmente na zona norte do País; e justificar a importância dos museus, enquanto espaços privilegiados de educação e de cultura, no contributo para a divulgação do património imaterial.

Em termos pragmáticos, pretende-se apresentar algumas sugestões para o fomento da divulgação do património imaterial em museus de Arqueologia, a nível turístico, como forma de promover o Turismo Cultural, com base na investigação teórica e no estudo prático efetuados, demonstrando de que forma um museu de Arqueologia pode contribuir para a divulgação do património imaterial que está associado ao seu espólio e aos sítios arqueológicos cujo circuito de visita integra, contrariando a tendência para a redução deste papel aos museus de caráter etnográfico.

Pela sua longa existência e percurso complexo e singular, pelo seu estatuto, projeto, área e forma de atuação e de envolvimento na vida cultural do concelho em que está inserido, pelo seu enquadramento geral, e pelo seu dinamismo, que fazem desta instituição um espaço com vida, o Museu D. Diogo de Sousa apresenta-se como um fecundo e interessante objeto de estudo, com base no qual poderão surgir conclusões que contribuam, de forma eficaz, para o alcance dos objetivos definidos para este projeto de investigação.

A escolha da área de estudo para esta dissertação prende-se com o particular interesse, pessoal e profissional, por questões culturais e patrimoniais, sobretudo numa perspetiva antropológica, que estão associadas a relações humanas e, portanto, culturais, e políticas, fomentadas pela atividade turística. Esta particular preferência foi intensificada por experiências práticas, como a participação em programas de intercâmbio cultural internacionais, durante a juventude, como guia-intérprete e animadora cultural, que me despertaram o gosto pelo Turismo e a ingressão no curso superior de Turismo, e, mais tarde, pela especialização em Turismo (Gestão Turística). Durante o ano curricular, este interesse aprofundou-se, principalmente no âmbito da unidade de Política Internacional, Globalização e Turismo, através da realização de

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trabalhos práticos sobre questões relacionadas com o Turismo Cultural, com aspetos antropológicos da interação humana promovida pelo Turismo, principalmente o de caráter cultural, e ainda com processos de patrimonialização e de classificação de património, sobretudo a classificação de património da humanidade (da UNESCO).

O estudo desenvolvido e agora apresentado provém de um projeto que é o resultado da reformulação de duas ideias anteriores. A opção inicial por estudar o caso da candidatura do Complexo Mineiro Romano de Tresminas, situado em Vila Pouca de Aguiar, a património da humanidade, a apresentar pela Câmara Municipal desse concelho, prendeu-se, não apenas com as preferências atrás descritas, mas também com motivos de proximidade geográfica. No entanto, avaliando melhor a situação, concluí não se tratar de um caso suficientemente interessante, tanto em termos de abrangência como pelas perspetivas negativas sobre os resultados que o estudo já prefigurava. Mantendo o mesmo campo de estudo, optei, em alternativa, por estudar as implicações locais que teria trazido a obtenção do título de património da humanidade pelo Conjunto de Arte Rupestre do Vale do Côa para Vila Nova de Foz Côa. Neste caso, foi o afastamento geográfico do local de estudo que causou o abandono do projeto.

Continuando a manter a intenção de estudar questões relacionadas com o património cultural e vestígios de natureza arqueológica, e procurando abordar um conceito que ainda não estivesse suficientemente explorado, surgiu, juntamente com o meu Orientador, a ideia de relacionar o património imaterial com o património arqueológico, e com os museus, enquanto veículos de divulgação do património imaterial no âmbito do Turismo Cultural. Esta relação pouco evidente e ainda pouco reconhecida, mesmo no universo museológico, constituiu uma forte fonte de motivação e um desafio de investigação.

Por outro lado, a minha já iniciada colaboração como voluntária do Museu de Arqueologia D. Diogo de Sousa possibilitou-me um acesso privilegiado a fontes atualizadas, uma maior familiarização com o funcionamento do Museu, um contacto mais próximo com as pessoas que nele trabalham, observar e participar em atividades desenvolvidas no Museu, criar e dinamizar projetos próprios, e contribuir para a planificação, preparação e realização de diversos documentos, eventos e atividades. Este envolvimento profissional permitiu-me colocar em prática e desenvolver vários

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conhecimentos e competências adquiridos ao longo da formação académica, assim como obter uma perceção mais profunda e real acerca do campo em que a investigação foi conduzida.

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I. Contextualização teórica

Será o “património imaterial” uma falsa questão? Por que razão terá havido necessidade de, a determinada altura, introduzir este termo em documentos e discussões, um pouco por todo o mundo, em prol da sua defesa? Será que ele já estava consagrado, ou será que não havia ainda uma noção clara deste domínio do património cultural?

O termo “património cultural imaterial” surge pela necessidade de distinguir dois domínios do património cultural: material (também designado tangível) e imaterial (ou

intangível, por oposição ao anterior), que está na origem da Convenção para a Salvaguarda do Património Cultural Imaterial (de 2003). O termo “cultural” é mais antigo,

sendo utilizado para distinguir dois tipos de património, o cultural e o natural, já anteriormente preconizados pela UNESCO, através da Convenção para a Salvaguarda e

Proteção do Património Mundial, Cultural e Natural (de 1972).

O que poderá estar em causa não é apenas o conceito, que “cultural” já englobava, mas sim a forma como ele é valorizado em termos de investigação, apreendido (através da recolha, registo e inventário), exposto ao público, e abordado em atividades de índole cultural e educativa, pois o património imaterial possui caraterísticas próprias que o distinguem do material, que devem ser tidas em conta.

Passados cerca de nove anos após a adoção da Convenção da UNESCO para a sua salvaguarda, o conceito de património imaterial continua a suscitar várias dúvidas e a ser, sobretudo, entendido como assunto que diz respeito aos museus de caráter etnográfico. A compreensão deste conceito torna-se complexa porque requer uma contextualização concetual prévia, que engloba vários outros conceitos que devem ser analisados à luz da Antropologia, pois esta é a disciplina que oferece uma visão suficientemente abrangente e crítica sobre os mesmos. Estes conceitos são, em suma, o de cultura, de património, de imaterial, ou intangível, e de material, ou tangível. Depois de clarificados estes conceitos, ficará mais evidente a relação entre o património imaterial e o Turismo Cultural, assim como o papel dos museus e o potencial contributo dos museus de Arqueologia, em particular, na sua promoção.

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I.I Cultura e Património: conceitos e processos patrimonializadores

Tendo iniciado uma tentativa de particularizar a cultura e relacioná-la com os grupos sociais, mais de acordo com o que estava a definir-se como objeto de estudo da Antropologia Social e Cultural – as diferenças culturais, o antropólogo Franz Boas (1858 - 1942) (citado por Barañano, 2007: 47), afirmava que a cultura inclui todas as manifestações dos hábitos sociais de uma comunidade, as reações dos indivíduos sob a influência dos hábitos do grupo em que vivem, e os produtos das atividades humanas, na medida em que são determinados por esses hábitos. Boas estava consciente do caráter flexível e mutável das culturas humanas e da importância que teriam, em todas elas, influências culturais externas.

Decidir se a cultura representa uma realidade mental e subjetiva, de caráter psicológico, ou se, pelo contrário, se trata de um fenómeno social e algo estruturado por leis próprias, é importante para determinar o significado dos testemunhos materiais de uma cultura, e definir a relação entre património material e imaterial. As conceções mentalistas, que entendem a cultura como algo que se aprende, e que aquilo que se aprende são, fundamentalmente, perceções, conceitos, receitas, normas e habilidades para fazer coisas, fazem uma separação entre a cultura enquanto “realidade mental” e os artefactos culturais, que são manifestações materiais do que se aprende (Goudenough, in Barañano, 2007: 48). Numa perspetiva integrada da cultura, no entanto, esta separação não faz sentido, e as manifestações materiais da cultura são consideradas uma parte integrante da mesma, refletindo aquilo que motiva e permite a sua criação.

Outra questão fundamental é o papel da cultura nos comportamentos sociais dos indivíduos e o seu caráter homogeneizante. Se entendermos a cultura como um atributo exclusivo de um grupo social, poderemos estar a suster uma visão etnicista da mesma, enquanto geradora de fronteiras, definidora de limites sociais e diferenciadora, mais ou menos forte, dos grupos humanos.

Existe, atualmente, entre antropólogos, a tendência para encarar a cultura como algo pertencente à humanidade, não apenas a um determinado grupo ou comunidade, já que se trata de algo que não é determinado psicologicamente, mas ativado por um determinado contexto, que pode ser encontrado em diferentes tempos e espaços, não se confinando, portanto, a um local ou país. Daí a razão de o património imaterial poder ser

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partilhado, reproduzido e recriado por indivíduos de outros locais do mundo, aos quais, à partida, esse património não pertenceria. Durand (2011: 39) apresenta dois exemplos dessa realidade: um casal japonês que vence um grande concurso de tango promovido em Buenos Aires, Argentina, e uma “versão global-balcânica” do fado “Uma casa portuguesa”.

Simultaneamente, verifica-se uma tendência para o enfraquecimento do nacionalismo, enquanto entendimento do património como algo que pertence somente a cada nação. Até mesmo por uma questão de esforço em valorizar e salvaguardar o património, instituições como a UNESCO reconheceram a necessidade de considerar o património como algo que pertence à humanidade. Tal reflete-se não só na atribuição da classificação de “património da humanidade”, como também em outras políticas de apoio à proteção e valorização do património, seja ele material ou imaterial, natural ou cultural.

Para o antropólogo Anthony Wallace (citado por Barañano, 2007: 49), a cultura são “as formas de conduta ou técnicas de resolução de problemas que, por terem maior frequência e menor dispersão que outras formas, (…) têm uma alta probabilidade de serem utilizadas pelos membros de uma sociedade”. De acordo com esta definição, “os processos normativos transformam-se em processos normais” (Barañano, 2007: 49).

Esta visão assume as diferenças entre indivíduos, que, no entanto, por partilharem o mesmo espaço físico, condições ecológicas semelhantes e recursos materiais bem delimitados, tanto na sua consistência como na forma de lhes aceder, têm grandes probabilidades de manter uma conduta de certa forma equivalente, assim como uma forma de pensar similar. As regras e normas culturais terão a função de “organizar a diversidade dos indivíduos sociais” (Wallace, in Barañano, 2007: 49).

Sendo evidente que, desta forma, a cultura pode estar associada a grupos sociais, apenas, isso significa que ela é, em grande parte, opcional, também porque não é determinada a nível psicológico, nos indivíduos que a praticam (indo contra a ideia da mentalização da cultura). Não existem normas associadas aos esquemas cognitivos que servem para organizar as experiências. Os conteúdos, ou esquemas, cognitivos ativam-se perante determinadas circunstâncias e contextos. Podemos, assim, falar de “hábitos”

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como uma “estrutura estruturada e estruturante” (Barañano, 2007: 49), que existe apenas onde é ativada.

Assim, os significados culturais serão, fundamentalmente, individuais e contextuais, ativando-se nos contextos apropriados. Sendo eles circunstanciais, a cultura não acompanha os indivíduos de forma permanente, sendo mutável. Na esfera pública, esta cultura também pressupõe heterogeneidade e diversidade, mesmo dentro de si mesma, sendo que ela as organiza, algo que acontece não só nas sociedades modernas mas também em sociedades ditas tradicionais. Na esfera privada, no entanto, diferentes processos culturais podem coexistir sem que choquem ou se contradigam.

Em termos de identificação e prática cultural, e tendo em conta o caráter individual e contextual da cultura, terá a questão territorial ou espacial maior importância do que a questão temporal? Terão mais facilmente pontos em comum indivíduos que partilharam o mesmo território em períodos diferentes, ou indivíduos coetâneos oriundos de países diferentes, e que podem, assim, potencialmente, estabelecer contacto e conviver? Se atribuirmos mais importância à questão territorial, correremos o risco de reforçar as diferenças existentes entre os seres humanos, num discurso cultural identitário, ainda que se procure a salvaguarda e o respeito pelas culturas dos demais.

Tal como Barañano (2007: 51) afirma, “as culturas podem ser consideradas recursos abertos, suscetíveis de serem utilizados tanto por nativos como por estranhos”, já que o fundamental é a vinculação desses recursos a determinados contextos. Segundo o mesmo, “longe deles, as culturas (…), se lhes são atribuídos donos, convertem-se em textos retóricos”.

O conceito de “património” (material ou imaterial) está, de uma forma geral, associado à ideia de herança, de legado cultural, que se reveste de dinamismo e que é conscientemente selecionado por indivíduos e grupos, que o têm em comum, compartilham e com o qual vivem, transmitindo-o e deixando-o também para as gerações futuras.

Considerado um conjunto de recursos e atributos, recebido do passado, não só por herança, mas também de outras formas (Barañano, 2007: 289), o património tem um sentido de posse e de valor, que pode ser o apreço individual ou social atribuído num determinado contexto histórico e segundo um quadro de referências comuns. Mas, acima

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de tudo, o património cultural, enquanto “construção social”, é representativo de uma dada identidade de um grupo, diferenciando-o dos demais.

Os legados material e simbólico do património têm sido entendidos como vetores de reforço do sentimento coletivo de identidade e pertença a uma cultura e a um território, mas esta é uma ideia que se encontra agora a ser repensada e reavaliada, numa nova perspetiva de cidadania e identidade, que se impõe num mundo cada vez mais partilhado, e em experiências híbridas, de adaptação e incorporação de vários elementos pertencentes a diferentes culturas, que coexistem pacificamente nos indivíduos e seus hábitos.

Por outro lado, o surgimento de um sentimento de nostalgia, no qual o património ganha mais valor e interesse, procurando-se, a todo o custo, preservar e manter o passado intacto, rivaliza com o caráter naturalmente dinâmico e mutável da cultura. A procura da homogeneização de hábitos e tradições através da ação legal para a reafirmação das identidades coletivas, reagindo aos efeitos da globalização, de interferências culturais externas, ou de mudança, não fazem sentido no âmbito do património imaterial, pois os modos de viver, pensar e sentir que os indivíduos e grupos adquirem patrimonialmente do passado modificam-se durante a sua própria existência, para voltarem a ser transmitidos às futuras gerações com as alterações por eles introduzidas. Estas alterações não implicam forçosamente perdas, mas antes o desaparecimento de antigos elementos, a modificação dos seus contextos, a descontinuidade e até a rutura na transmissão, sofrendo um processo de transformação social e histórica, dando lugar a novos componentes, mais pertinentes e adaptados ao presente.

As posturas que defendem a resistência do local face ao exterior ou à globalização, para a afirmação das singularidades locais, quer seja através de representações estatais, como de ações populares, bairristas e etnicistas, que promovem e valorizam o património sob uma visão bastante reducionista, são, muitas vezes, o reflexo de uma tendência para considerar o tradicional e popular como um “construto atemporal, ancorado em ambientes ruralizados”, com “valores eternos e contrapostos aos territórios urbanos e industriais” (Barañano, 2007: 291), cuja modernização legitima a mudança e o desenraizamento de hábitos considerados tradicionais.

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A patrimonialização da cultura imaterial, e a sua proteção legal, vieram, de certa forma, reforçar o desejo de conservar tradições e traços culturais de minorias étnicas, contrariando as próprias leis, que assumem o caráter mutável deste património.

Numa visão sobre a atualidade, Durand (2011: 39) afirma que, contrariamente ao que acontecia na “era romântica”, a vontade de ter cultura própria possui, agora, raízes populares, de tal forma que provoca suspeição em intelectuais que criticam “o nacionalismo e os essencialismos identitários”. O reconhecimento institucional e legal do património imaterial veio, de certa forma, valorizar ainda mais alguns elementos culturais e étnicos, que fortaleceram o apego aos mesmos e, por outro lado, o desejo de os exibir. Assim, a tentativa de reclamar uma cultura como pertencente a um dono, que, neste caso, pode ser um grupo social, uma comunidade, ou mesmo uma nação, é fechar-se ao exterior, conflituando com a vontade visível de comercializar tradições, bens e costumes, fazendo um aproveitamento do mercado turístico.

A valorização do património, expressa através da atribuição de títulos que distinguem exemplares notáveis, teve início no começo do século XX, com a classificação do património material e imóvel. As primeiras classificações em Portugal datam de 1910 e correspondem a edifícios individualizados pelo seu caráter monumental, qualidade arquitetónica ou significado histórico. Ao longo do século XX, começa a ser alargado o conceito de monumento, que deixa de estar individualizado para que a sua envolvente passe a ser também considerada de muita relevância. Assim se chega à consideração de centros históricos, a todo um conjunto edificado, para depois se incluir ainda a paisagem, à qual o conjunto edificado já deve ser associado.

O Instituto Português do Património Arquitetónico (IPPAR), que, no quadro das orientações definidas pelo Programa de Reestruturação da Administração Central do Estado (PRACE), deu lugar ao Instituto de Gestão do Património (IGESPAR), na fusão daquele organismo com o Instituto Português de Arqueologia (IPA), e da incorporação de parte das atribuições da extinta Direção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, em 2006, teve durante vários anos a seu cargo a classificação de imóveis de interesse cultural, considerando as categorias: de Interesse Nacional (com a designação de

Monumento Nacional), de Interesse Público ou de Interesse Municipal (classificação

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definindo ainda as categorias de Monumento, Conjunto e Sítio, conforme as convenções internacionais. O património assim classificado e considerado tem apenas em conta os imóveis de valor cultural, utilizando no processo de avaliação dois tipos de critérios: os de caráter geral, que incluem o valor histórico-cultural, o valor estético-social e o valor técnico-científico; os critérios de caráter complementar incluem a integridade, a autenticidade e exemplaridade do bem em questão.

Quanto ao património natural, a classificação de áreas com maior representatividade teve início, em Portugal, em 1970, com a criação do Parque Nacional da Peneda-Gerês. A Rede Nacional de Áreas Protegidas é criada em 1993. As áreas protegidas são consideradas como áreas de interesse nacional, regional ou local. Com a adesão de Portugal à União Europeia, o nosso país foi obrigado a transpor para o Direito interno várias diretivas europeias visando a conservação dos recursos naturais.

A expressão mais forte da necessidade de salvaguarda do património imaterial começou a tomar forma, a nível internacional, especialmente após a assinatura da

Convenção para a Proteção do Património Cultural e Natural Mundial, da UNESCO, em

1972, que deixava de fora o património imaterial. Numa tentativa de dar resposta às várias manifestações de descontentamento por parte de diferentes países, em 1989 a UNESCO fez uma recomendação para a “salvaguarda da cultura tradicional e do folclore” e, em 2001, assinou a Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural. Mas foi em 2003 que este organismo deu o passo principal nesse sentido, através da Convenção para a

Salvaguarda do Património Cultural Imaterial, que viria a entrar em vigor em 2006.

Portugal ratificou a Convenção em 2008. Passaram, desta forma, a ser consideradas as tradições, expressões orais, artes do espetáculo, práticas sociais, rituais e eventos festivos, acontecimentos e práticas relacionadas com a natureza e o universo, e as aptidões ligadas ao artesanato tradicional, como manifestações do património imaterial.

Um pouco à semelhança do que aconteceu relativamente à classificação de Património Mundial, da UNESCO, o conceito de património imaterial ficou exposto a várias questões, como o possível paradoxo entre, por um lado, a defesa da “diversidade cultural”, que este preconiza, ao valorizar as particularidades de cada cultura, e, por outro, o receio de uma internacionalização dos contextos locais (Vinson, 2005), que uma abordagem mais global do património cultural imaterial, causada pela sua promoção

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cultural e a sua divulgação turística, pudesse acarretar. Estes receios fundamentam-se, basicamente, no sentimento de posse que uma abertura cultural e a partilha externa do património imaterial pode colocar, ao limitar o “direito de propriedade” (Durand, 2006: 6) que as comunidades julgam possuir sobre o mesmo.

O receio da globalização e da homogeneização cultural, mas, mais ainda, o medo de partilhar além regiões e além-fronteiras, que rivaliza com a vontade de mostrar, com orgulho, aquilo que lhes pertence por herança, gera uma contradição de sentimentos entre o desejo de divulgação do património imaterial e o receio de adulteração do original. A verdade é que quanto mais conhecida for uma prática cultural, maior será a probabilidade de ela ser adotada e praticada em outros locais do planeta. Isso tem acontecido com várias formas de expressão cultural, sobretudo com a dança, a música e a gastronomia, de que são exemplo, em Portugal, a adesão a danças orientais, a miscigenação musical e a atração pela cozinha japonesa. O mesmo acontece, no exterior, face a expressões tradicionalmente portuguesas, como o fado.

Agindo com base neste receio, impondo fronteiras à cultura enquanto património e tentando restringi-la a uma comunidade, estamos a impedir a sua circulação, partilha e inovação. Sendo a evolução uma das caraterísticas fundamentais do património imaterial, qualquer ação que tente parar esse processo transforma-o em algo fossilizado e sem sentido atual. De facto, o sentido coletivo de património tem-se intensificado, não só porque se acredita cada vez mais na importância da “responsabilidade coletiva na proteção do património num sentido mais alargado” (Vinson, 2005), que está também associada à classificação de Património Mundial, mas também porque a perspetiva sobre o património cultural tem evoluído em vários sentidos, que impõem uma outra atitude, de maior abertura, face ao mesmo: de material, para uma combinação entre material e imaterial; de imutável e permanente, para mutável e evolutivo; e de etnicista, para global (Durand, 2006).

I.II O Património Imaterial: definição, domínios e políticas de salvaguarda

O conceito de património imaterial encontra-se definido, pela UNESCO, na

Convenção para a Salvaguarda do Património Cultural Imaterial, de 2003. Neste

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pode manifestar-se. No entanto, de acordo com a UNESCO (2009), eles não pretendem ser exclusivos.

A versão oficial, e atual, adotada pela Convenção para a Salvaguarda do

Património Cultural Imaterial, da UNESCO, de 2003, tendo por base a noção de que o

património é aquilo que é comummente aceite por uma comunidade como sendo representativo da sua cultura, e que, portanto, representa a sua identidade cultural, define, no seu art.º 2º, alínea 1, património cultural imaterial como

as práticas, representações, expressões, conhecimentos e competências – bem como os instrumentos, objetos, artefactos e espaços culturais que lhes estão associados – que as comunidades, grupos e, eventualmente, indivíduos reconhecem como fazendo parte do seu património cultural.

Para a UNESCO, este património cultural imaterial “é transmitido de geração em geração”, e “constantemente recriado pelas comunidades e grupos em função do seu meio envolvente, da sua interação com a natureza e da sua história”. Conferindo-lhes “um sentido de identidade e de continuidade”, ele contribui para “promover o respeito pela diversidade cultural e a criatividade humana”.

Um olhar mais atento sobre esta definição é suficiente para desmistificar duas ideias incorretas que parecem subsistir sobre o património imaterial. Em primeiro lugar, objetos, instrumentos, artefactos e, mesmo, espaços, vulgarmente entendidos como património material, podem também ser considerados património imaterial, quando associados à sua dimensão imaterial de património cultural (práticas, representações, expressões, saberes e competências). Em segundo lugar, o património imaterial é uma parte do património cultural, que é transmitido e recriado ao longo do tempo, sem que haja, no entanto, uma rutura total com o passado, pelo que a identidade das comunidades é composta, não apenas da sua cultura viva e presente, mas também por toda uma herança cultural que elas receberam. Logo, vestígios arqueológicos materiais, musealizados ou expostos num museu, por exemplo, podem também ser património imaterial, ainda que se tratem de objetos, instrumentos, artefactos ou espaços físicos, e sejam testemunhos do passado histórico-cultural de determinada comunidade.

No mesmo artigo, a alínea 2 acrescenta que o património cultural imaterial, tal como definido na alínea que a precede, manifesta-se em cinco grandes domínios:

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tradições e expressões orais, incluindo a língua como vetor do património cultural imaterial; artes do espetáculo; práticas sociais, rituais e atos festivos; conhecimentos e usos relacionados com a natureza e o universo; e técnicas artesanais tradicionais.

Algumas individualidades ligadas à atividade museológica, como Giovanni Pinna (2003) e Hildegard Vierreg (2004), propuseram criar divisões ou dimensões para o património imaterial no âmbito da museologia, com base na definição e nos domínios apresentados pela UNESCO na Convenção para a Salvaguarda do Património Cultural

Imaterial, mas, dada a subsistência de dúvidas acerca desses mesmos domínios, na

interpretação do conceito de património imaterial, a UNESCO lançou, em 2009, um novo documento – Intangible Cultural Heritage Domains, que veio clarificar a composição dos diferentes domínios do património cultural imaterial, a ter em conta.

Este quadro composto por cinco domínios pretende ser inclusivo, e nunca exclusivo, permitindo que os estados parte usem um sistema diferente, com divisões diferentes, que acrescentem outros domínios ou novas subcategorias aos domínios existentes, ou designações alternativas para os domínios, por exemplo. Isso pode implicar a incorporação de “subdomínios” já em uso em países onde o património cultural imaterial é reconhecido, tais como “jogos tradicionais”, “tradições culinárias”, “peregrinações” ou ainda “lugares de memória” (UNESCO, 2009).

Neste documento, a UNESCO assume que os exemplos de património cultural imaterial não se limitam a uma única manifestação, já que muitos deles abarcam elementos de vários domínios, tal como acontece com os festivais. Os festivais são expressões complexas do património cultural imaterial, que podem incluir canto, dança, teatro, festa, tradição oral, histórias, mostra de artesanato, desportos e outros entretenimentos. Os limites entre os domínios são, por isso, extremamente ténues e muitas vezes variam de comunidade para comunidade. A UNESCO (2009) reconhece que é difícil, senão impossível, impor categorias rígidas externamente. Ainda assim, considera possível e desejável ver cada um destes cinco domínios de referência descritos de forma mais clara e objetiva, para evitar dispersões interpretativas desnecessárias.

1. Tradições e expressões orais

Este domínio engloba uma enorme variedade de formas faladas, incluindo provérbios, adivinhas, contos, rimas infantis, lendas, mitos, canções e poemas épicos,

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orações, cantos, músicas, dramatizações, e muito mais. Estas tradições e expressões orais são usadas para transmitir conhecimentos, valores culturais e sociais e memória coletiva. Eles desempenham um papel crucial em manter as culturas vivas. Alguns tipos de expressão oral são comuns e podem ser usados por comunidades inteiras, enquanto outros estão limitados a determinados grupos sociais, só aos homens ou às mulheres, ou apenas aos idosos.

2. Artes do espetáculo

As artes do espetáculo variam entre a música vocal e instrumental, a dança e o teatro, e a pantomina, versos cantados, entre outros. Incluem numerosas expressões culturais que refletem a criatividade humana, e que estão também presentes, em certa medida, em muitos outros domínios do património cultural imaterial.

A definição de património cultural imaterial que consta na Convenção de 2003, da UNESCO, inclui todos os instrumentos, objetos, artefactos e espaços que estejam associados às expressões e práticas culturais. Assim, o domínio das artes do espetáculo engloba instrumentos musicais, máscaras, trajes, e outros adornos corporais, utilizados na dança, assim como o cenário e os adereços. Quando os espaços específicos onde são apresentados os espetáculos estão intimamente ligados a estes, eles são considerados espaços culturais, pela Convenção.

3. Práticas sociais, rituais e atos festivos

Práticas sociais, rituais e atos festivos são atividades que estruturam as vidas das comunidades e de grupos, que são partilhadas e relevantes para muitos dos seus membros. Elas são significantes porque reafirmam a identidade daqueles que as praticam enquanto grupo ou sociedade, sejam elas praticadas em público ou em privado, estando estreitamente ligadas a acontecimentos importantes.

As práticas sociais, rituais ou festivas podem, por exemplo, ajudar a assinalar a mudança das estações, datas/ocasiões importantes no calendário agrícola, ou ainda diferentes fases da vida das pessoas.

Elas estão profundamente relacionadas com a visão que uma comunidade possui acerca do mundo, assim como a perceção que ela tem acerca da sua própria história e memória.

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Estas atividades podem variar de pequenas reuniões até celebrações e comemorações sociais em grande escala. Todos estes subdomínios são vastos, mas também existe bastante sobreposição entre eles.

Frequentemente, os rituais e os eventos festivos têm lugar em momentos e locais especiais, e relembram a comunidade acerca de aspetos relacionados com a sua história e a sua visão sobre o mundo. Em determinados casos, o acesso aos rituais pode ser restringido a certos membros da comunidade, como, por exemplo, em rituais de iniciação e em cerimónias de enterramento. Outros eventos festivos são, contudo, uma parte essencial da vida pública e estão abertos a todos os membros da sociedade. Alguns eventos, sobretudo os anuais, são, inclusivamente, partilhados por todo o mundo; é o caso das celebrações que marcam o começo de um novo ano, o começo da Primavera, e o final das colheitas.

As práticas sociais estruturam o quotidiano e são conhecidas por todos os membros da comunidade, mesmo que nem todos participem nelas. A Convenção de 2003 da UNESCO dá prioridade às práticas sociais que são especialmente relevantes e emblemáticas para uma comunidade, e que a ajudam a fortalecer o sentimento de identidade e de continuidade com o passado.

As práticas sociais, os rituais e os atos festivos englobam uma grande variedade de formas: ritos de adoração; ritos de passagem; rituais de nascimento, de casamento e fúnebres; juramentos de fidelidade; sistemas jurídicos tradicionais; jogos e desportos tradicionais; tradições culinárias; cerimónias sazonais; práticas específicas do homem ou da mulher, entre outras… Mas também várias expressões e elementos físicos como palavras e gestos específicos, declamações, canções ou danças, vestuário caraterístico, procissões, sacrifício de animais, ou comida especial.

A UNESCO considera que para assegurar a continuidade de práticas sociais, rituais ou atos festivos é muitas vezes necessário mobilizar um grande número de pessoas, assim como instituições e mecanismos sociais, políticos e legais de uma sociedade, pelo que pode tratar-se de uma tarefa bastante complexa, especialmente se pretendermos abrir ao público o acesso a práticas habitualmente pertencentes a um grupo restrito, assim como o acesso a locais sagrados, objetos cruciais, ou recursos naturais necessários ao desempenho de práticas sociais, rituais ou atos festivos.

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4. Conhecimentos e usos relacionados com a natureza e o universo

Este domínio do património cultural imaterial engloba conhecimento, saberes, habilidades, práticas e reproduções desenvolvidos pelas comunidades através da sua interação com o ambiente natural. Essas formas de pensar o universo são expressas através da linguagem, das tradições orais, do sentimento de pertença a um lugar, de memórias, de espiritualidade e visão do mundo. Elas exercem uma forte influência sobre valores e crenças, e estão na base de muitas práticas e tradições culturais, e são, por seu turno, determinadas pelo ambiente natural e pelo mundo mais amplo da comunidade.

Este domínio inclui diversas áreas, tais como a sabedoria ecológica tradicional, o conhecimento indígena, o conhecimento sobre a fauna e flora locais, os sistemas tradicionais de cura, rituais, crenças, ritos de iniciação, cosmologias, xamanismo, ritos de posse, organizações sociais, festas, línguas e artes visuais.

5. Técnicas artesanais tradicionais

As técnicas artesanais tradicionais são, provavelmente, a manifestação mais material do património cultural imaterial. No entanto, ao considerá-las na Convenção de 2003, a UNESCO está fundamentalmente preocupada com as habilidades e os conhecimentos envolvidos no trabalho artesanal, e não com os objetos produzidos.

Assim, em vez da preservação dos objetos de artesanato, no entender da UNESCO, os esforços devem concentrar-se em encorajar os artesãos a dar continuidade à produção artesanal, e a transmitir os seus conhecimentos e habilidades a outros, especialmente dentro das suas próprias comunidades.

Também neste domínio, encontramos várias formas de expressão: utensílios; roupas e jóias; figurinos e adereços para festivais e artes cénicas; recipientes e objetos usados para armazenagem, transporte e proteção; artes decorativas e objetos rituais; instrumentos musicais e utensílios domésticos, brinquedos, tanto para divertimento como para fins educativos.

Muitos destes objetos, tais como os criados para ritos festivos, são apenas utilizados por um curto espaço de tempo, enquanto outros podem tornar-se relíquias de família, que são passadas de geração em geração. As habilidades envolvidas na produção artesanal são tão variadas como os objetos criados, podendo tratar-se de um trabalho

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delicado e minucioso (como a produção de votivos de papel), ou de tarefas mais duras e grosseiras (como a criação de um cesto resistente ou um cobertor).

No domínio do património, o conceito de cultura que a UNESCO preconiza assemelha-se à noção dada pela Antropologia. Trata-se da cultura enquanto expressão de crenças, modos de vida, modos de pensar, de agir, de ver e de interagir com o mundo, pertencentes a uma comunidade mais ou menos alargada (de grupo restrito, local, regional ou nacional), e que é, portanto, um resultado da participação e da criação coletivas. É um produto da interação do ser humano com o meio em que vive, numa atitude que reflete a sua capacidade criativa e o desenvolvimento das suas habilidades, com o objetivo de dar resposta a necessidades da vida quotidiana e da vida em sociedade.

Por outro lado, a UNESCO procura valorizar as diferentes culturas, as suas singularidades, numa tentativa de reforçar o respeito pelas diferenças culturais e pelas minorias étnicas e culturais, como forma de promover o entendimento e a paz no mundo. Este respeito pelo particularismo de cada cultura, que é também partilhado pela Antropologia, trata-se, no fundo, de uma perspetiva política, de fomento de boas relações internacionais, que o Turismo, enquanto experiência que proporciona a abertura, a interação e a partilha de património cultural, ajuda a reforçar.

O termo “cultural”, originalmente acrescentado à expressão “património imaterial”, desde que foi criada a Convenção para a sua salvaguarda, passou a ser considerado, de certa forma, redundante ou mesmo reducionista, como demonstra a explicação dada pelo ICOM para a sua omissão no tema atribuído à Conferência Geral do ICOM, em 2004 – “Museus e Património Imaterial”. O ICOM justificou essa opção com o facto de o conceito de Património Imaterial dizer igualmente respeito a recursos naturais e culturais, que se complementam na investigação sobre o património (Galla, 2003), indo, de certa forma, de encontro à ideia, defendida no âmbito da Antropologia, de que a cultura também engloba elementos ou recursos naturais (Barañano, 2007).

O conceito de património imaterial, ainda que já definido, continua a levantar muitas questões sobre a sua preservação e atuação sobre o mesmo. Ele impôs, de certa forma, um novo olhar sobre o património cultural, encorajando a valorização de aspetos

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que anteriormente não eram tidos em conta na análise do património, sobretudo os de índole cultural e social. No entanto, as manifestações culturais (i) materiais passaram a ser encaradas como “tesourinhos” regionais ou nacionais, sem uma reflexão prévia sobre o seu real significado. O termo “imaterial” continua a gerar confusão nas mentes que procuram, a todo o custo, apreender algo que, aparentemente, não é materializável, quando, na verdade, todas as manifestações culturais são coisas concretas, materializam-se de várias formas detetáveis através dos materializam-sentidos, e são facilmente testemunhadas por vestígios materiais. A própria definição fornecida pela UNESCO esclarece que os diferentes domínios do património imaterial são também compostos por elementos materiais, que são utilizados para criar e veicular as diversas expressões de cultura, considerando “as práticas, representações, expressões, conhecimentos e competências”, bem como “os instrumentos, objetos, artefactos e espaços culturais que lhes estão associados”. Acontece que os saberes, conhecimentos e competências envolvidos nas práticas, representações e expressões possuem uma natureza mais intelectual e mental, e, portanto, são mais voláteis e difíceis de captar, mas também de interpretar. Sem o conhecimento dos processos sociais e culturais que justificam a sua transformação em património, as manifestações culturais podem ser imitadas, mas carecem de significado. Por outro lado, a precipitação em comercializar a cultura é feita sem reflexão prévia sobre o seu real significado, e muitas vezes este é fantasiado para apurar a curiosidade sobre possíveis atrações culturais, sobretudo com fins turísticos.

Na verdade, tal como Leal (2009) afirma, existe a necessidade de tornar concreto aquilo que está ainda difuso no que concerne ao património imaterial, cujos dilemas são, afinal, resultado de questões de política cultural. A Antropologia coloca-se face ao estudo, abordagem e valorização do património imaterial como o campo no qual deve ser feita essa avaliação sobre as manifestações e vestígios a patrimonializar e divulgar, fundamentando as suas conclusões em reflexões críticas e conhecimento suficientemente abrangente.

I.III Cronologia do Património Imaterial: uma perspetiva nacional e internacional

Até à verdadeira consagração do conceito de património imaterial, num passo de gigante em direção à sua mundialização, em 2003, com a adoção da Convenção para a

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Salvaguarda do Património Cultural Imaterial, pela UNESCO, em Paris, várias pequenas

iniciativas foram tomadas, tanto a nível internacional, como nacional, incluindo Portugal, começando em 1972, com a aprovação e adoção da Convenção para a Salvaguarda e

Proteção do Património Mundial, Cultural e Natural, da UNESCO, na qual vários Estados

Membros sublinharam a importância dedicada à salvaguarda do que mais tarde vem a ser designado de Património Imaterial, e culminando na entrada em vigor da Convenção, em Portugal, a 21 de Agosto de 2008.

Ainda que pequenos passos tenham sido dados em Portugal, com vista à salvaguarda do património imaterial, ao longo de vários anos, também na sequência de medidas tomadas a nível internacional, foi necessário chegar até à adoção da Convenção

para a Salvaguarda do Património Cultural Imaterial, para que o conceito de património

imaterial começasse a clarificar-se e as medidas tomadas se tornassem mais adequadas e eficazes.

A participação e contributo dos diferentes estados membros da UNESCO foram essenciais, tanto para a criação, como para a implementação da Convenção para a

Salvaguarda do Património Cultural Imaterial, permitindo o seu reconhecimento a nível

mundial.

Foi, com efeito, um dos estados membros da UNESCO, a Bolívia, que, um ano após a adoção da Convenção para a Salvaguarda e Proteção do Património Mundial, Cultural e

Natural, propôs acrescentar a esta Convenção um Protocolo sobre o direito de

propriedade intelectual, a fim de proteger a Cultura Popular, alertando para a necessidade de a ter em conta, tal como tudo o que ela envolve, enquanto criação intelectual de uma determinada comunidade, para a preservação das formas de expressão popular, ou seja, de um dos domínios do património imaterial.

Em Portugal, em 1980, é dado um primeiro passo para a salvaguarda do Património Imaterial, através da criação do Instituto Português do Património Cultural (Decreto Regulamentar nº 34/80, de 2 de Agosto), com competências na área do Património Cultural Imaterial, nomeadamente através dos seus Departamentos de Etnologia (art.º 34º), de Musicologia (art.º 37º) e do Inventário Geral do Património Cultural (al. d) do nº 3 do art.º 35º). Nesta altura, a visão do património imaterial ainda

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está estreitamente ligada à Etnografia e aos estudos etnográficos, sendo pouco abrangente.

Em 1982, a UNESCO organiza um Comité de peritos sobre a salvaguarda do Folclore, do qual resulta a criação da Secção para o Património Não-Material da UNESCO. Este foi um importante marco na evolução do conceito, e na sua salvaguarda, não tendo, contudo, ainda sido usado o termo “imaterial”.

A conferência mundial sobre as políticas culturais, Mondiacult, no México, reconheceu, neste ano, a importância do “património cultural imaterial”, incluindo-o na sua nova definição de “cultura” e de “património cultural”. O conceito de património imaterial começa, assim, a ficar mais delineado e a ganhar uma outra dimensão, ligada à cultura.

Em 1985 é publicada, em Portugal, a Lei de Bases do Património Cultural (Lei 13/1985, de 6 de Julho), cujo art.º 43º faz alusão às formas e ao regime de proteção dos “bens imateriais”. Esta lei não teve, no entanto, qualquer aplicabilidade prática neste domínio por falta de desenvolvimento.

A Conferência Geral da UNESCO adota, a 15 de Novembro de 1989, a

Recomendação para a Salvaguarda da Cultura Tradicional e Popular, reconhecendo a

importância da salvaguarda deste tipo de património cultural, pela e para a comunidade cuja identidade exprime. Neste documento, a cultura tradicional e popular abarca importantes domínios, mais tarde definidos como património cultural imaterial, na

Convenção para a Salvaguarda do Património Cultural Imaterial, em 2003 – a língua, a

literatura, a música, a dança, os jogos, a mitologia, os rituais, os costumes, o artesanato, a arquitetura e outras artes, que são transmitidos oralmente, por imitação, e outras formas.

Em 1993, a UNESCO dá um importante passo para a salvaguarda de uma das vertentes do património imaterial – as línguas, através do lançamento do projeto Livro

Vermelho das Línguas em Risco de Desaparecimento, com o objetivo de sistematizar

informação e promover a investigação sobre este tema. Foi deste projeto que resultou o

Atlas of the World’s Languages in Danger of Disappearing (Atlas das Línguas em Risco de

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tarde, em 1995, originou o Data Bank Centre for Endangered Languages (o Banco Central de Dados das Línguas Ameaçadas), da Universidade de Tóquio.

No mesmo ano, a UNESCO adota a Declaração de Oaxaca (preparada pelo Comité do México do International Council of Monuments and Sites – Conselho Internacional de Monumentos e Sítios, ICOMOS), na qual é realçada a importância do papel do património cultural na vida quotidiana, e a sua salvaguarda através da ação das respetivas comunidades, tanto na criação de significado sobre os lugares, como no desenvolvimento de práticas que envolvam ativamente as comunidades na salvaguarda dos significados e relações sociais associadas aos lugares. O fomento das práticas tradicionais das comunidades que lhes deram origem é visto como a forma ideal para a promoção da salvaguarda da maior parte dos bens patrimoniais.

Ainda no seguimento desta ideia de que cabe às comunidades salvaguardar e dar continuidade ao seu património imaterial, a UNESCO lança, um ano mais tarde, o programa Tesouros Humanos Vivos (na sequência de proposta feita pela República da Coreia). “Tesouros Humanos Vivos” foi a denominação atribuída às pessoas identificadas como possuidoras de conhecimentos e habilidades no domínio do património cultural imaterial, e que podem, por isso, continuar a desenvolver, desempenhar, recriar e transmitir às gerações mais novas esses mesmos conhecimentos e habilidades, para que perdurem.

O Relatório da Comissão Mundial da Cultura e Desenvolvimento (da UNESCO) designado por Our creative diversity (“A Nossa Diversidade Criadora”), elaborado em Paris, em 1996, e publicado em 1997, veio lançar o debate sobre o caráter inadequado da Convenção de 1972 no que concerne ao reconhecimento e à proteção do artesanato ou de formas de expressão como a dança e as tradições orais, propondo o desenvolvimento de estratégias adaptadas à diversidade e riqueza do património considerado à escala global.

No mesmo ano, a UNESCO lança o Programa Memória do Mundo, com o objetivo de identificar e preservar documentos e arquivos de relevante significado histórico, para assegurar um amplo acesso e conhecimento dos mesmos. Estes documentos incluem manuscritos, tradições orais, registos audiovisuais e eletrónicos, registos sonoros e espólios bibliográficos e arquivísticos de “valor universal”.

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Em 1997, a UNESCO lança o programa de Proclamação das Obras-Primas do

Património Oral e Imaterial da Humanidade, alargando ao património imaterial a

classificação de “Obra-Prima da Humanidade”.

Ainda em 1997, a UNESCO e a Comissão Nacional de Marrocos organizam, em Marraquexe, uma consulta internacional de peritos sobre a preservação dos espaços culturais populares.

Dois anos mais tarde, o Departamento do Património Cultural da UNESCO e o Centro de Folclore e Património Cultural da Smithsonian Institution, organizam, em Washington, uma conferência com o objetivo de avaliar o estado da situação relativamente à proteção do património cultural imaterial no final do século vinte, e rever a Recomendação para a Salvaguarda da Cultura Tradicional e Popular, dez anos após a sua adoção, em 1989. Esta conferência foi o culminar de oito seminários regionais levados a cabo pela UNESCO, com a finalidade de fazer uma avaliação sistemática da implementação da Recomendação e da situação atual do sistema de salvaguarda e revitalização do património cultural imaterial. Dela, resultaram várias críticas e propostas de melhoria por parte de vários especialistas.

Em 2001, são proclamadas as primeiras “Obras-Primas do Património Oral e Imaterial da Humanidade”, pelo Diretor-Geral da UNESCO, para sensibilizar sobre a importância do património cultural imaterial, para encorajar as comunidades locais a proteger e a manter essas formas de expressão cultural. Várias manifestações de património imaterial têm sido, desde então, premiadas com o título de “Obras-Primas”, com o intuito de reconhecer o valor da componente não-material da cultura, e de envolver os estados na promoção e salvaguarda dessas “Obras-Primas”.

Em Portugal, no mesmo ano, é publicada a Lei de Bases da Política e do Regime de

Proteção e Valorização do Património Cultural (Lei 107/2001, de 8 de Setembro), cujos

artigos 91º e 92º preveem os “regimes especiais de proteção e de valorização” dos “bens imateriais”. Esta lei vem acrescentar as “minorias étnicas” ao Património Cultural Imaterial, ainda não previstas na anterior lei (Lei 13/85), que apenas considerava as “tradições populares”.

No âmbito da 7ª Assembleia Regional do ICOM da Ásia/Pacifico, realizada em Xangai (China), em 2002, que foi dedicada ao património cultural material e ao

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património cultural imaterial, é elaborada a Carta de Xangai. Neste documento, é realçado o papel dos museus no reconhecimento e promoção do património imaterial, através das práticas museológicas e patrimoniais na afirmação da criatividade, adaptabilidade e distinção dos povos, lugares e comunidades. A Carta recomenda, assim, que os museus assumam o papel de facilitadores de parcerias construtivas para a salvaguarda deste património da humanidade.

Em 2003, a Conferência Geral da UNESCO, reunida, em Paris, na sua 32ª sessão, dá, finalmente, o grande passo aglutinador de várias medidas sobre a definição e proteção do património imaterial, com a adoção da Convenção para a Salvaguarda do

Património Cultural Imaterial, que virá a ser o documento base que orienta as ações

sobre o património imaterial, nos estados que a ratificam.

Esta Convenção teve como referência os instrumentos internacionais existentes em matéria de direitos humanos, em particular a Declaração Universal dos Direitos do

Homem, de 1948, o Pacto Internacional sobre Direitos Económicos, Sociais e Culturais, de

1966 e o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, de 1966, assim como os textos que compõem documentos anteriormente criados, nomeadamente a

Recomendação para a Salvaguarda da Cultura Tradicional e do Folclore, de 1989, a

Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural, de 2001 (ambos da UNESCO) e a

Declaração de Istambul de 2002 adotada pela Terceira Mesa Redonda dos Ministros da

Cultura.

Dos motivos que são apresentados no próprio Documento, para a sua origem, realço “a vontade universal e a preocupação comum de salvaguardar o património cultural imaterial da humanidade”, “o grande alcance da atividade desenvolvida pela UNESCO na elaboração de instrumentos normativos para a proteção do património cultural”, em particular a Convenção para a Proteção do Património Mundial, Cultural e

Natural de 1972, o facto de ainda não existir “nenhum instrumento multilateral de

caráter vinculativo visando a salvaguarda do património cultural imaterial”, o facto de “os acordos, recomendações e resoluções internacionais existentes em matéria de património cultural e natural” necessitarem de ser “eficazmente enriquecidos e complementados por novas disposições relativas ao património cultural imaterial”, “a necessidade de reforçar a consciencialização, em particular das gerações jovens, para a

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importância do património cultural imaterial e da sua salvaguarda”, a necessidade de a comunidade internacional contribuir, juntamente com os Estados Partes na Convenção, “para a salvaguarda deste património num espírito de cooperação e entreajuda”, e “o papel inestimável do património cultural imaterial como fator de aproximação, intercâmbio e entendimento entre os seres humanos”.

Neste ano, dado que até ao ano de 2005 as proclamações foram feitas bienalmente, realiza-se também a Segunda Proclamação das “Obras-Primas do Património Oral e Imaterial da Humanidade”.

O tema do património cultural imaterial é, mais uma vez, alvo de debate, em 2003, no encontro anual do ICOMOS, realizado no Zimbabué.

Em 2004, o Instituto Português de Museus promove a celebração do Dia Internacional dos Museus, subordinado ao tema “Museums and Intangible Heritage” (Museus e Património Imaterial), proposto pelo ICOM, realçando o papel dos museus na promoção do património imaterial.

“Museums and Intangible Heritage” foi também o tema da Conferência Geral do ICOM em Seul, no mesmo ano. Um dos resultados desta conferência foi a criação do The

International Journal of Intangible Heritage, uma publicação académica e profissional

(inglesa) dedicada à promoção da compreensão de todos os aspetos relativos ao património imaterial a nível mundial, assim como à divulgação de investigação efetuada e de exemplos de boas práticas profissionais.

No mesmo ano, a Declaração de Yamato para a Abordagem Integrada da Salvaguarda do Património Material e Imaterial, foi aprovada por unanimidade pelos participantes da Conferência Internacional sobre "A Salvaguarda do Património Cultural Material e Imaterial: Rumo a uma Abordagem Integrada", que foi realizada em Nara, no Japão. A Declaração de Yamato é considerada relevante para o trabalho do Comité do Património Mundial, uma vez que tem em consideração a cooperação e coordenação entre as Convenções e Protocolos da UNESCO relativos ao património. De entre as questões discutidas, pode destacar-se a necessidade de harmonizar definições e terminologias usadas por especialistas, no domínio do património cultural material e imaterial; a necessidade de fazer uma abordagem consistente e integrada para a salvaguarda do património material e imaterial, tendo em conta a interdependência e as

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Fig. 5. Aspeto da Sala 3 da Exposição Permanente Fig. 6. Aspeto da Sala 4 da Exposição Permanente
Fig. 9. Jogo do arquinho Fig. 10. Jogo das bolas
Fig. 15. Oficina “Cozinha Romana” (confeção) Fig. 16. Oficina “Cozinha Romana” (prova)
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