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II. Arqueologia, museus e divulgação do património imaterial em Portugal

II.II Arqueologia e museus em Portugal

Tendo em conta que o trabalho mais aprofundado e recente levado a cabo sobre a relação entre a investigação arqueológica e museus, em Portugal, é o realizado por Carlos Fabião, a análise que se segue, sobre a realidade portuguesa, terá como principal base as conclusões publicadas por este autor.

Em Portugal, não surgiram ideias inovadoras que ajudassem a moldar a Arqueologia, mas os seus investigadores souberam, segundo Fabião (2011), quase sempre, incorporar as inovações que chegaram do exterior, dos “principais centros criadores europeus”, de forma rápida e expedita, nas suas práticas, tendo seguido a evolução que se verificou em outros países, “ao mesmo tempo e ao mesmo ritmo” que eles (Fabião, 1999).

Não obstante, receberam, também, as influências da mentalidade predominante no mundo cristão ocidental, que, de certa forma, impediram o desenvolvimento desta

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disciplina nos séculos anteriores. No século XVI, a Bíblia (cujos textos eram lidos de forma literal) era a referência cultural e histórica para os europeus, e a Humanidade era considerada resultado de obra divina.

Independentemente da época em que nos encontremos, a investigação arqueológica, como qualquer outra atividade científica, ficará condicionada pelos paradigmas, conceitos e conhecimentos existentes na altura. Assim, apesar de começar a despertar a noção de que existia um passado enterrado, que podia ser estudado e interpretado, as investigações estavam ainda limitadas por preconceitos e pela falta de conhecimentos sobre o próprio passado.

Refletindo um fascínio pela Antiguidade Clássica, os eruditos quinhentistas (também chamados de “humanistas”) tentaram colecionar e, por vezes, até “forjar” (Fabião, 2011: 20), antiguidades romanas. Nesta altura, segundo este mesmo autor, os vestígios materiais tinham “um caráter meramente acessório”, pois questões agora tão valorizadas como a autoria e a originalidade, e outras tão condenadas como o plágio e a falsificação, não eram entendidas da mesma forma, pelo que estas práticas levaram à proliferação de falsos documentos e monumentos. Os vestígios materiais eram, para além disso, usados apenas como confirmação das informações contidas nos documentos e relatos já existentes (Fabião, 2011: 26), não se procurando aprofundar ou questionar as fontes documentais com base num estudo dos mesmos.

Já na segunda metade do século XVI, André de Resende é um autor que se destaca pelo uso de um método diferente, criticando o uso sem critério das antiguidades monumentais, e recorrendo à leitura de inscrições e à observação direta de outros vestígios, conjugando-os com as fontes literárias. Estes esforços tinham, contudo, apenas o objetivo de relatar a História de um país, numa perspetiva de reconstrução dos acontecimentos, mas concentrando-se, muitas vezes, numa única época histórica, como a antiguidade romana. Um respeito crescente pelos vestígios materiais foi surgindo a partir desta época, pelo que durante o século XVIII a magnificência dos monumentos e as maravilhas artísticas continuam a ser o centro das atenções dos observadores (Fabião 2011: 81), apesar de novos pontos de interesse surgirem, nesta altura, em relação a vestígios arqueológicos mais associados à vida comum, mas que cativam pela sua representatividade enquanto testemunhos de ocorrências não habituais (como as ruínas

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da cidade de Pompeia, vitimada pela erupção catastrófica do vulcão Vesúvio, no ano de 79). Não deixa de ser uma atração causada pelo caráter monumental dos vestígios materiais – não pela beleza e ostentação, mas pela dimensão da tragédia e destruição.

Em Portugal, o interesse revelado pela conservação de vestígios materiais está também ainda, nesta época, centrado na vontade de os utilizar como ornamento do espaço urbano, como aconteceu com o templo romano de Évora, cujo terreno foi alvo de escavações para deixar a ruína exposta ao público como “emblema” da cidade (Fabião, 2011: 82). Os vestígios materiais passam, assim, a estar gradualmente mais acessíveis ao público, mas as questões arqueológicas ou o significado daqueles permanecem assunto de eruditos e escassamente acessíveis a outras pessoas.

No sentido de tornar os vestígios arqueológicos fisicamente acessíveis a um público mais alargado, um novo movimento de caráter associativo e cívico surge em Portugal, nesta altura (mais propriamente, em 1849), virado para a escavação das ruínas de Tróia (ou “a Pompeia portuguesa”, como Fabião (2011: 86) a intitula) e a construção de um museu público para expor o espólio exumado. Formada nesta altura, a Sociedade

Archeologica Lusitana tinha como objetivos de trabalho não apenas obter conhecimento

sobre a História e a Geografia, como também o conhecimento de “costumes antigos”, revelando um certo interesse pela dimensão cultural (no sentido antropológico do termo) dos vestígios materiais. O espaço de museu é, neste caso, visto como um local de contacto entre o público e os vestígios arqueológicos, promovendo o acesso de mais pessoas aos mesmos, pois o objetivo seria, sobretudo, expor o espólio, não apenas armazená-lo ou conservá-lo. A procura do reconhecimento público do trabalho arqueológico transparece, de certa forma, nesta atitude, como se a exposição dos artefactos se tratasse de uma maneira de retribuir os apoios solicitados à comunidade. Podemos, assim, afirmar que o aumento da expressão pública da Arqueologia se procurou fazer, também, através de museus, apesar de os projetos em questão não terem sido totalmente concretizados por falta de alguns dos apoios solicitados, pelo que a divulgação dos resultados dos trabalhos foi feita, apenas, através de uma publicação.

Na opinião de Carlos Fabião (2011: 105), a investigação arqueológica sobre a Pré- História, em Portugal, não nasceu num ambiente académico, mas sim num ambiente de técnicos de terreno. A Comissão Geológica de Portugal (criada em 1857) conduziu e

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publicou alguns dos primeiros estudos arqueológicos que permitiram conhecer a realidade nacional em relação ao passado pré-histórico do território. A investigação tinha como principal propósito provar a existência de vida pré-histórica (ou a antiguidade da vida na Terra) e recolher provas materiais da mesma, atestando a evolução das espécies ao longo do tempo (sobretudo, da humana), pela atribuição ao Homem da produção de determinados artefactos encontrados. O significado antropológico dos vestígios materiais está implícito neste propósito da investigação. Eles não são vistos apenas como objetos em si mesmos, mas como o produto de uma vivência e relação com o meio, pela sua associação à vida humana em determinado contexto espácio-temporal. A realização do IX Congresso Internacional de Antropologia e Arqueologia Pré-Históricas, em Lisboa, em 1880, demonstra claramente a relação estreita estabelecida entre as duas ciências, não só fora de Portugal, como já a nível nacional. Cinco anos mais tarde, a criação da disciplina de Antropologia, Paleontologia Humana e Arqueologia Pré-Histórica, na Universidade de Coimbra, reforça esta coesão entre a Antropologia e a Arqueologia na investigação e, agora, também na formação académica, em Portugal.

Ainda nesta altura, uma nova consciência nacional toma forma, pois o desenho de um novo mapa político da Europa, com a formação de novos Estados nacionais, gera uma série de “tentativas de construção de Identidades Nacionais” (Fabião, 2011: 98) relativas aos diferentes países, como afirmação e simbologia da sua essência. Neste panorama, as tradições populares do espaço rural ganham uma crescente atenção, enquanto emblemas de uma identidade nacional. Por outro lado, o passado é usado como elemento de legitimação de fronteiras, e começa a ser entendido como responsabilidade social do novo Estado Liberal. Nesta altura, é valorizada, ainda, a prossecução do estudo da continuidade civilizacional entre o passado e o presente, sobretudo entre o Império Romano e a Europa contemporânea, ainda que o interesse pela época romana comece a esmorecer em detrimento de uma crescente valorização e curiosidade pela época medieval (Fabião, 2011: 123). Há também, à semelhança do que acontecia pelo resto da Europa, a tentativa de defender as origens da Nação em épocas mais remotas, como nos lusitanos, já que a cultura dominante era fortemente nacionalista (Fabião, 2011: 126).

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Por outro lado, começa a afirmar-se uma nova corrente de investigação: o positivismo, que busca a verdade sobre o passado com base no rigor científico e em documentos autênticos.

Nos finais do século XIX, Francisco Martins Sarmento (1833-1899), formado não em Arqueologia mas em Direito, e em homenagem ao qual foi criada a Sociedade Martins Sarmento, que ainda hoje se mantém ativa, revelou-se como um dos mais importantes pioneiros da Arqueologia portuguesa, tanto pelo contributo que deu para a afirmação de uma entidade étnica (lusitana), numa dimensão histórica, como pela influência que exerceu sobre a geração seguinte (Fabião, 2011: 126), preferindo as escavações aos livros, como fonte de descoberta sobre as origens étnicas do povo lusitano. Os artefactos serviam para “sustentar a ideia de uma continuidade cultural de raiz lusitana” (Fabião, 2011: 132). Fabião (2011: 133) refere, ainda, um interesse por parte de Martins Sarmento em aprofundar o conhecimento do ambiente cultural dos lusitanos, incluindo costumes ligados ao culto de divindades e o culto dos mortos, através do estudo de monumentos funerários e epigrafia contida nos mesmos (sobretudo em aras votivas). Discutíveis e erróneas, algumas das suas conclusões vieram a ser contraditas, no entanto, mais tarde, por outros estudos, mas a intenção latente era de cariz cultural, sendo os seus interesses de natureza etnográfica (Fabião, 1999: 113).

Dos estudos de Martins Sarmento destaca-se, sobretudo, a defesa da longa continuidade da cultura castreja enquanto afirmação da etnogénese lusitana no noroeste da Península Ibérica e a sua resistência face à ocupação romana, que adquiriu notabilidade numa sociedade que era, então, predominantemente nacionalista. Esta ideia acabou por suscitar interesse a nível internacional, e a atenção de futuros arqueólogos portugueses, também interessados em prosseguir estes estudos sobre a continuidade da cultura castreja (Fabião, 2011: 137), como comprova, por exemplo, o estudo de Manuela Martins (1993).

Segundo Fabião (2011: 137), durante as décadas que se seguiram, foi abandonada a procura sobre vestígios de épocas remotas da existência do Homem no território nacional, para dar lugar à busca sobre as origens da nação. Segundo o mesmo autor (1999: 114), tal como acontece atualmente, as iniciais investigações de caráter etnográfico em Arqueologia serviram propósitos nacionalistas e “pretensões de afirmação

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social”. Fabião defende, no entanto, que os paradigmas que marcaram a investigação arqueológica desde cedo assentaram em questões antropológicas, que determinaram a interpretação cultural dos vestígios.

Na segunda metade do século XIX, surge a preocupação em conservar e proteger monumentos históricos, sob a ideia de que eles constituem um símbolo nacional, de acordo com o espírito nacionalista então dominante, defendendo, por isso, que a responsabilidade de o fazer cabe ao Estado. Neste contexto ideológico, os vestígios romanos foram desvalorizados face aos medievais, que eram considerados verdadeiramente nacionais. Por outro lado, os “pequenos objetos”, mais abundantes do que as tão consideradas “obras de arte”, no território nacional, eram também, de certa forma, desvalorizados na constituição de coleções por parte da aristocracia portuguesa, como faz notar Carlos Fabião (2011: 154, 155). Não será surpreendente, portanto, que as primeiras medidas de proteção tenham escolhido edifícios monumentais, como os mosteiros da Batalha e dos Jerónimos (por iniciativa de Mouzinho de Albuquerque). Esta postura face aos vestígios materiais revela um interesse pela monumentalidade e valor artístico dos mesmos, em detrimento do seu significado cultural.

Em Portugal, no século XIX destaca-se, segundo Raposo (1999: 169), a falta de ensino e de museus, que condicionaram o avanço da investigação e divulgação em Arqueologia, não existindo museus para albergar e expor convenientemente as várias coleções já existentes.

Os primeiros museus de arqueologia terão surgido apenas na segunda metade do século XIX, por iniciativa de arqueólogos (Raposo, 1999: 170), o que não surpreende, dado que estes eram os detentores de trabalhos de investigação e estavam a par da evolução dos estudos efetuados sobre os vestígios disponíveis. Nos finais desse século, os museus de vocação arqueológica, em Portugal, eram já em grande número (três nacionais, e dez regionais ou locais), sendo que apenas um deles era exclusivamente arqueológico.

A nível nacional, José Leite de Vasconcelos (1858 - 1941) foi uma das primeiras personalidades que revelou interesse pelo património de caráter imaterial. Apesar de não ser formado em Arqueologia, mas sim em Medicina, foi a sua natural curiosidade em conhecer e registar aspetos culturais em comunidades rurais, pelas suas particularidades,

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que o levaram a dedicar-se seriamente aos estudos arqueológicos e etnográficos, esboçando, em 1882, um projeto sobre as Tradições Populares de Portugal, no qual tencionava “desenvolver o estudo das mitologias, tradições populares e línguas de Portugal e da Galiza desde as eras mais remotas até hoje [então]” (Fabião, 2011: 159).

A preocupação “romântica” deste investigador perante o risco de desaparecimento de tradições, práticas e objetos ligados à cultura rural fez surgir o desejo de criar um museu onde testemunhos materiais da mesma pudessem ser preservados, dando, assim, origem ao Museu Etnográfico Português, que, mais tarde (em 1897) mudou o seu nome para Museu Etnológico (supostamente, para não ser confundido com o Museu Etnográfico Colonial da Sociedade de Geografia de Lisboa, como Fabião (2011: 162) afirma. A divisão do espólio em duas secções, sendo uma delas a “arqueológica” (correspondente aos objetos representativos das origens até ao século XVIII), e a outra a “moderna” (Fabião, 2011: 162), dedicada à Etnografia, expressa a relação bipartida entre a Arqueologia e a Etnografia, atribuindo-lhes épocas distintas. A exposição estaria projetada para demonstrar os fatores de continuidade que estiveram na origem do povo português “desde a mais remota antiguidade” (Fabião, 2011: 162). O Museu Etnográfico teria, ainda, a ambição de “instruir” aqueles que desconheciam as suas próprias origens e as tradições culturais do seu país, procurando também incentivar artistas portugueses a seguir os modelos nacionais, de forma a dar-lhes continuidade cultural. Tratava-se, assim, tal como Carlos Fabião (1999: 116) afirma, de um projeto nacionalista, virado para a “construção de identidade nacional” (2011: 162), estando aqui visível o propósito cultural e formador dos museus de caráter arqueológico e etnográfico, enquanto agentes transmissores e continuadores de uma cultura. Depois de criado o Museu, o seu diretor, Leite de Vasconcelos, prosseguiu a investigação arqueológica e os estudos etnográficos (de observação, registo e recolha de testemunhos materiais), sob o lema positivista (Fabião, 2011: 163), por todo o País, para enriquecer as coleções do Museu, e criou, ainda, a revista Arqueólogo Português, para a publicação de notícias sobre sítios e artefactos reconhecidos e encontrados no território nacional. Estas atividades marcaram a Arqueologia portuguesa dos finais do século XIX e da primeira década do século XX. Outros estudos, como os de um grupo de trabalho liderado pelo naturalista Rocha Peixoto e o engenheiro Ricardo Severo, no norte de Portugal, sobre

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castros, debruçaram-se também sobre um conjunto disciplinar vasto, no qual a Arqueologia fazia par com a História, a Etnografia e a Antropologia (Fabião, 2011: 167), denotando a importância dos estudos arqueológicos para o conhecimento do povo português, através de vestígios materiais, de acordo com os objetivos da sua publicação,

Portugália.

Nos finais do século XIX, a Arqueologia já detinha, em Portugal, vários museus recetores de coleções de âmbitos temáticos e geográficos diversos, mas ainda faltava, segundo Raposo (1999: 171) investir na sua articulação, havendo ainda um apelo social, que este critica, à manutenção dos espólios nos seus locais de origem, em museus de âmbito local, a par de uma vontade expressa de criar museus regionais que representassem essas realidades locais (como ilustra a proposta de Estácio da Veiga, por exemplo), a fim de evitar a sua “dispersão”, como terá defendido Rocha Peixoto (citado por Raposo, 1999: 172). Uma visão diferente terá tido José Leite de Vasconcelos, que logrou criar um Museu Nacional da área da Arqueologia, inicialmente designado por Museu Etnográfico Português, e depois por Museu Etnológico Português, revelando a ligação entre Arqueologia e Etnografia.

A preferência por esta tipologia de museu era reflexo da ideologia vigente, nos finais do século XIX, predominantemente nacionalista, que valorizava a herança que os antepassados nos legaram.

Os museus então criados e, em especial, o Museu Nacional, serviram de instrumentos de legitimação e institucionalização da atividade arqueológica, contribuindo para o reconhecimento da Arqueologia como uma disciplina científica.

No período do Estado Novo, durante o qual a Arqueologia foi praticamente “ignorada” (Silva, 1999: 136), foram mais valorizados os organismos locais e regionais, tendo o âmbito temático passado a integrar, para além da Arte e da Arqueologia, a Etnografia, a História Local e até as Ciências Naturais (Raposo, 1999: 173), apesar de serem os testemunhos históricos das origens da nacionalidade a destacar-se como foco de interesse, nesta altura, que terá motivado a recuperação de castelos e igrejas (Silva, 1999: 136).

O atraso na educação que caraterizou a época da Ditadura em Portugal (Raposo, 1999; Silva, 1999) terá sido responsável, por um lado, pela falta de profissionais

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especializados em Arqueologia, visível no final desse período (Silva, 1999), e, por outro, pela falta de qualidade no serviço prestado pelos museus, que eram pouco aproveitados em termos científicos e culturais (Raposo, 1999). Segundo este autor, foi entre o final da década de 60 e inícios da década de 70 (do século XX) que os museus conheceram, em Portugal, um maior desenvolvimento. Na segunda metade do século XX, com efeito, e como Raposo (1999) faz notar, a maior parte dos museus existentes inclui coleções arqueológicas, entre coleções díspares, o que hoje já se encontra relativamente alterado.

No século XX, destacaram-se investigações e a musealização de sítios arqueológicos de grande importância no panorama nacional, como as ruínas romanas de Conímbriga, cujo museu de sítio nasceu já na segunda metade do século, em 1962. Se estas ações terão tido, entre outros, o objetivo de afirmar o património monumental português junto de investigadores estrangeiros, das áreas da Arqueologia e da Antropologia (Fabião, 2011: 174), nas décadas compreendidas entre os anos 30 e os anos 60 foi o despontar da indústria turística (Fabião, 2011: 175) que terá motivado a valorização do património arqueológico, em Portugal.

Até 1980, a atividade de investigação em Arqueologia não conheceu, no entanto, grande evolução, sendo acusada até de ser realizada com um certo amadorismo (Fabião, 2011: 179), dada a falta de técnicos especializados nessa área, em Portugal. Com a criação, em 1980, do Instituto Português do Património Cultural, e com a aprovação, em 1985, da Lei de Bases do Património Cultural, como Fabião (idem) defende, foi concedida uma nova atenção aos vestígios do passado, “alargando substancialmente o leque das realidades contempladas”. Várias iniciativas locais no sentido da investigação arqueológica demonstram o aumento da “consciência do valor do património como recurso económico local, sobretudo nas regiões do interior” (Fabião, 2011: 180). A administração central investiu grandemente na criação de centros interpretativos em sítios e conjuntos arqueológicos, e a formação de nível superior em Arqueologia começa a ganhar mais destaque nas universidades, permitindo efetuar um trabalho com maior rigor e correção, e com uma mais vasta perspetiva de análise, que permitisse ter em conta, não apenas aspetos materiais, como também os domínios imateriais da cultura subjacente aos vestígios arqueológicos.

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Também os movimentos cívicos a favor da proteção do património arqueológico, em detrimento de interesses económicos, tiveram expressão nesta segunda metade do século XX, gerando campanhas em diferentes regiões do país. A defesa do conjunto de arte rupestre do Vale do Côa, que, de ameaçadas pela construção de uma barragem, passaram a Património da Humanidade (em 1998), e a longa batalha pela proteção de importantes vestígios da época da ocupação romana em Bracara Augusta, face a vários projetos de construção e obras públicas, que proliferavam nesta altura, são dois exemplos ilustrativos de uma, ainda, certa fragilidade dos instrumentos de salvaguarda do património arqueológico, em Portugal.

Devido à expansão que a atividade arqueológica conheceu a partir dos anos 80, aumentou também consideravelmente o número de museus com coleções de arqueologia (Raposo, 1999: 175). Braga encontra-se, nessa altura, entre os distritos que apresentam uma maior taxa de crescimento, entre 1973 e 1997 (idem).

Em 1997, graças à ratificação da Convenção de Malta para a Proteção do Património Arqueológico, um acordo internacional, o Parlamento português reconheceu a importância da salvaguarda do património arqueológico, comprometendo-se a, no mínimo, promover o registo prévio à sua destruição.

Atualmente, na opinião de Carlos Fabião (2011: 181), a “perspetiva nacionalista” já não paira sobre as investigações arqueológicas, apesar de existir uma consciência sobre a importância do património arqueológico na “construção das identidades locais, regionais e nacionais”. A promoção regional e local tem, agora, maior relevo, pela afirmação de singularidades locais, ligadas à cultura de comunidades mais reduzidas. No mesmo sentido, novos conceitos como o das paisagens culturais vieram assumir uma outra