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Doutorado em Ciência da Religião

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Academic year: 2021

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Luciano Cândido e Sarmento

O devoto folião e a folia divina: música e

devoção nas folias

católicas em Montes Claros (MG) 2012-2015

Doutorado em Ciência da Religião

São Paulo

2016

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O devoto folião e a folia divina: música e

devoção nas

folias católicas em Montes Claros (MG) 2012-2015

Tese apresentada à Banca Examinadora da

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,

como exigência parcial para obtenção do título de

Doutor em Ciência

da Religião sob a orientação do

Prof. Dr. João Edênio Reis Valle.

Universidade Católica de São Paulo/PUC

2016

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O devoto folião e a folia divina: música e devoção nas folias católicas em Montes Claros (MG) 2012-2015/Luciano Cândio e Sarmento. – São Paulo, 2016.

215 f.

Tese (Doutorado) – Pontifícia Universidade Católica – PUC SP. Programa de Pós-graduação em Ciência da Religião.

Palavras-chaves: 1.Folias católicas. 2. Música. 3 Religiosidade popular

O devoto folião e a folia divina: música e representação

devocional nas Folias Católicas em Montes Claros (MG)

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_______________________________ _______________________________ _______________________________ _______________________________

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Dedico este trabalho a minha família, Mônica, Tom e Lua, e a todos os foliões e devotos participantes desta pesquisa.

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• Desde o início de elaboração desta tese, contei com o apoio e colaboração de várias pessoas que, ao longo do processo me brindaram com atenção, carinho, solidariedade e compartilhamento diário dentre elas destaco:

• Andreia da pós-graduação, Edson, Durval, Dona Vanda, Lúcia, Batata, Luis Ricardo, Nestor Santana, Henderson, Marisa, Fernando, Gustavo Bá, Sensei Marquinhos, Constantin, Cida Peixoto, Marcio Frank, Roberto, Flavinho, Vanessa, Vitor Manga, Jailton e outros que eu possa não ter citado mas certamente estão em meu coração.

• Aos músicos que, com a solidariedade natural de cada um, com a parceria solidária de quem acredita que está sendo ajudado, sem em nenhum momento perceber que é coadjuvante do processo; Blair, Manoel, Carlos Ney, Adelson e outros que com carinho colaboraram.

• Ao meu orientador Dr. João Edênio Reis Valle, meu modelo de amanhã, minha segurança de sucesso, meu caminho do futuro, minha imagem do bem; meu obrigado pela confiança, pelo carinho e pelo tempo que me dedicou, sem cobranças, mesmo nos momentos que não fui fiel (não me questionou o por que, pois sabia do meu respeito por ele), a ele a minha gratidão; por acreditar no futuro deste projeto e contribuir para o meu crescimento profissional e por ser também um exemplo a ser seguido.

• À minha família, Mônica Tom e Lua, a qual amo muito, pelo carinho, paciência e incentivo, e principalmente pelos momentos que aceitaram minhas ausências, minhas mudanças de humor, e viveram comigo, confiantes de que seria somente uma passagem;

• Aos meus pais, João Sarmento e Elisa, que, mesmo vivendo sua própria vida, me incentivaram sempre, me dando o suporte necessário para eu chegar até aqui; Tia Helen que sempre esteve ao meu lado, puxando a orelha e apoiando nos trabalhos de correção e edição da tese. Ao meu anjo protetor Áurea Teixeira (in memorian).

• Aos amigos que fizeram parte desses momento sempre me ajudando e incentivando.

• A todos os colegas e professores da pós-graduação, Ênio Brito, Édin, João Décio, Silas Gerrieiro, Afonso (in memorian). Denilsom, Fernanda, Huagner, Gabriel, Valdir, Jusamara, Claudia, Janice, Admilson, Rosana e em especial à Angela Cristina pela iniciativa, dedicação e luta para a realização do Dinter e a Juliana pelo incentivo e contribuição direta para o sucesso deste trabalho. • Aos amigos Geraldinho, Ricardo Brandão e Suzel Reily, companheiros fiéis de jornadas, amigos e parceiros que compartilharam momentos de luta e desconforto contribuindo diretamente na pesquisa e na coleta de dados.

•Às instituições e agências de fomento que forneceram suporte técnico e financeiro para o desenvolvimento dos trabalhos: FUNDASP, FAPEMIG, CAPES e UNIMONTES .

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Montes Claros (MG) 2012-2015

Folias, ternos de folia, companhia de reis, são muitos os termos utilizados para denominar este tipo de manifestação do catolicismo no Brasil. Difundidos predominantemente nas regiões sudeste, centro oeste e nordeste, estes grupos representam uma parcela significativa entre as variadas expressões do catolicismo em nosso país. Apesar da diversidade em suas práticas, os grupos de folia possuem elementos comuns que nos permitem circunscrevê-los dentro de uma mesma categoria. Nesta pesquisa, busco evidenciar os elementos de caráter religioso em interface aos elementos musicais, buscando abordar a religiosidade dos sujeitos e sua relação com a música, no contexto das Folias Católicas da cidade de Montes Claros (MG). É objetivo da pesquisa a observação e análise das inter-relações entre música e a ressignificação de práticas religiosas, buscando compreender a história e as dinâmicas sociais e culturais envolvendo os grupos e seus integrantes. Sendo assim, a partir dos dados empíricos coletados, identificar a adoção de novos padrões de comportamento nas práticas rituais e concepções religiosas, em relação às formas consideradas tradicionais pelos sujeitos em questão. Acreditamos que a música dos foliões se manifesta como elemento indissociável dos rituais, exercendo funções determinantes em sua composição e dinâmica. Diante dos processos atuais de mercantilização da sociedade e difusão de novas tecnologias, os grupos de folia passam por constante ressignificação de referências simbólicas. Através da comunicação em massa, a mídia articula-se diretamente com as instituições e as práticas culturais nos mais diversos níveis, de tal forma, que se estabelecem novos valores e comportamentos entre os sujeitos, afetando diretamente o modus operandi das festas e tradições populares religiosas, que passam por uma dinâmica de reinvenção de suas formas mais clássicas. Grupos religiosos, neste caso as folias católicas, passam a ocupar novos espaços, às vezes desvinculados do domínio central da esfera espiritual, ganhando o status de artístico, musical, cultural ou folclórico. Tendo em vista a incipiência de pesquisas que tratem especificamente das Folias em Montes Claros e principalmente aquelas com foco aos aspectos religiosos, acreditamos que este trabalho venha contribuir para uma compreensão mais profunda da nossa sociedade e cultura. Sendo assim, esperamos criar bases empíricas para a obtenção de dados fundamentais para a construção e entendimento de conceitos sob o prisma das Ciências da Religião inseridos no contexto das Folias em Montes Claros.

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north center, these groups represent a significant portion of the varied expressions of Catholicism in our country. Despite the diversity in their practices, revelry groups have common elements that allow us to circumscribe them within the same category. In this research, I seek to understand the functions of music in places of religious ritual nature in the context of Folias Catholic city of Montes Claros (MG). It is the aim of the research observation and analysis of the interrelations between music and the reinterpretation of religious practices, seeking to understand the history and the social and cultural dynamics involving the groups and their members. Thus, from the collected empirical data, identify the adoption of new behavior patterns in rituals and religious beliefs practices in relation to the forms considered traditional by the subjects in question. We believe that the music of revelers manifests as inseparable part of the rituals, performing functions determining in its composition and dynamics. Faced with the current processes of commodification of society and dissemination of new technologies, the revelry groups undergo constant reinterpretation of symbolic references. Through the mass media, the media articulates directly with the institutions and cultural practices in various levels, in such a way that set new values and behaviors among individuals, directly affecting the modus operandi of parties and popular religious traditions which undergo a dynamic reinvention of its most classical forms. Religious groups, in this case the Catholic follies, come to occupy new spaces, sometimes disconnected from the central area of the spiritual realm, winning the artistic status, musical, cultural or folkloric. Given the paucity of research that specifically address the Folias in Montes Claros and especially those focusing on religious aspects, we believe that this work will contribute to a deeper understanding of our society and culture. Thus, we hope to create an empirical basis for obtaining basic data for the construction and understanding of concepts through the prism of religious studies within the context of Folias in Montes Claros.

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INTRODUÇÃO .....12

1. CAPÍTULO - MÚSICA, CULTURA, RELIGIÃO: INTERFACES NO CAMPO DA RELIGIOSIDADE POPULAR NO BRASIL ... 30

1.1 As Ciências da Religião como Área do Conhecimento Autônoma: uma meta Reflexão ... ...31

1.2 Música, Cultura e Religião: Conceitos Relacionados para o Campo da Religiosidade popular... 37

1.2.1 O popular e o oficial: simbiose e conflitos ... 40

1.2.2 Religiosidade e música no catolicismo popular no Brasil ... 44

1.2.3 Religiosidade e devoção popular no Brasil ... 44

1.3 Aspectos Históricos do Catolicismo no Brasil: Música e Catolicismo da Colonização ao Império ... 47

1.3.1 O ultramontanismo no Brasil e as manifestações populares ... 50

1.3.2 Ser católico no Brasil: tipologias segundo Thales de Azevedo e Maria Isaura Queiroz ... 52

1.3.3 A folia católica e o católico folião: essencialmente musicais ... 56

1.3.3.1 Folias e estilos musicais ... 58

2. CAPÍTULO – AS FOLIAS EM MONTES CLAROS: HISTÓRIA E DEVOÇÃO NO NORTE DE MINAS ... 60

2.1 Montes Claros: o Desenvolvimento em Sentido Contrário ... 60

2.2 História das Folias em Montes Claros: Transições do Rural para o Urbano ... 66

2.3 Encontros de Folias em Montes Claros: Manifestações de Devoção Católica no Sertão Norte-Mineiro ... 67

2.4 A Semente Lançada ao Campo ... ... 67

2.4.1 Aspectos sócio culturais das Folias em Montes Claros observados nos encontros de Folia da Valentina, Matriz e Santos Reis ... 72

2.4.2 Cores, gestos, vestimentas, ícones devocionais, aspectos gerais dos grupos observados nos encontros de Folia ... 74

3. CAPÍTULO – FOLIA É CULTURA, FOLIA É RELIGIÃO ... 76

3.1 A Estrela de Belém e o Barro do Paiol: Movimentos das Folias em Contextos Rurais e Urbanos ... 77

3.1.1 O terno de Folia Estrela de Belém: foliando com o Mestre Manoel ... 78

3.1.2 A casa de Seu Manoel ... 78

3.1.3 A origem de Seu Manoel: a cidade de Ubaí ... 79

3.1.4 O Evangelizador, as funções comunitárias no Bairro Planalto) ... 82

3.1.5 Acertando os detalhes ... 82

3.1.6 Formação e estrutura ... 83

3.1.7 O tesouro escondido de Seu Manoel ... 84

3.1.8 O ritual da Folia na Lapa: o macro giro, a romaria ... 85

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2.3 O terno de Folia Barro do Paiol: desafios e motivações para manter a Folia viva . 98

3.3 Elementos Sagrados na Perspectiva dos Foliões Estudados ... 100

3.3.1 A festa ... 101

3.3.2 A comida, a bebida, a oferta: comunhão entre os devotos ... 103

3.3.2.1 A comida ... 103

3.3.2.2 A oferta ... 106

3.3.2.3 Bebida alcoólica ... 107

3.3.4 Fé, compromissos e promessas ... 110

3.3.5 Nos rituais da Folia: estruturas, sujeitos e funções ... 113

3.3.5.1 Acertos- Giro- Arremate (Reza), o Pouso ... 113

3.3.5.2 A reza no contexto da oração ... 120

3.3.5.7 Os calendários religiosos no contexto das Folias ... 121

3.4 Os Personagens das Folias de Reis em Montes Claros ... 121

3.5 Os objetos sagrados ... 131

3.5.2 A Toalha, as vestimentas ... 132

3.5.3 A casa santa, altares, oratórios, lapinhas e presépios ... 136

4. CAPÍTULO – CARACTERÍSTICAS MUSICAIS DOS GRUPOS OBSERVADOS ... 138

4.1 A Estruturas Musicais dos Grupos Observados e suas Inter-Relações com as Práticas Religiosas ... 139

4.1.1 O canto nas Folias observadas ... 141

4.1.2 Canto do nascimento e/ou canto da noite de natal ... 142

4.1.3 Canto de chegada e /ou canto de porta ... 144

4.1.4 Canto de saudação à lapinha ... 146

4.1.5 Canto de descolocação ... 148

4.1.6 O Lundu e o guaiano: a festa do Folião ... 150

4.1.8 Guaiano ... 152 4.2 Os Instrumentos ... 154 4.2.1 Rabeca/Violino ... 156 4.2.2 Viola e violão ... 158 4.2.3 Cavaquinho ... 159 4.2.4 Caixa de Folia ... 160 4.2.5 Pandeiro ... 161 4.3 Melodia/ Harmonia ... 162 4.4 As letras ... 162 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 165 BIBLIOGRAFIA. ... 169 APÊNDICES ANEXOS

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INTRODUÇÃ O

A Folia de Reis é um espaço camponês simbolicamente estabelecido durante um período de tempo igualmente ritualizado, para efeitos de circulação de dádivas – bens e serviços – entre um grupo precatório e moradores do território por onde ele circula (BRANDÃO, 1981, p. 36).

Musicais, religiosos, dois objetos vivos e complexos, que se compõem e até mesmo se misturam como uma coisa só. Imersos em indefinições e ambiguidades se inserem nas idiossincrasias dos rituais, das formas, das práticas e concepções em que se encontram, se identificam e reinventam. Mas o que são para si mesmos e para os outros? Alicerçados nos pilares da fé, do ritual, da música e da tradição, as Folias se mantém vivas em processos de reinvenção de si mesmas se adaptando às novas dinâmicas da vida contemporânea.

Mas que ser social é este? O ser devoto folião, músico e líder religioso? Como se dão os processos de adaptação e reinvenção, mantendo vivas as práticas comunitárias e religiosas em frente às transformações do mundo moderno e midiatizado?

A maior parte dos estudos consultados neste trabalho sobre as Folias católicas no Brasil se referem às Folias de Reis. É comum encontrar grupos, companhias ou ternos de Folia, que mesmo se devotando a outros Santos e ícones religiosos, mantém em seus nomes o adjetivo “de Reis”. É possível considerar que este é um ponto que reforça os laços de origem destes grupos, com aqueles rituais específicos do catolicismo brasileiro e português, fortemente associado às comemorações do ciclo natalino.

Apesar de apresentarem vários elementos comuns que nos permitem inseri-las em uma mesma categoria, as Folias Católicas no Brasil possuem idiossincrasias importantes, que vão desde seus rituais a valores e funções, o que torna o objeto dinâmico e regional, sendo necessário o estudo de cada caso para uma compreensão mais profunda do fenômeno como um todo.

Brandão (2010), ao ampliar o conceito de Folia no sentido de considerar as diversas devoções envolvidas no contexto, direciona suas observações principalmente aos aspectos religiosos, artísticos, comunitários e precatórios. A música como elemento central dos rituais, a presença do Santo, associada à bandeira e a jornada que coloca a Folia em

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movimento, são elementos fundamentais para o entendimento destes grupos em um mesmo conjunto de práticas religiosas.

Sobre tudo no centro sul do país, o nome “Folia” aplica-se a um ritual religioso de grupos de viageiros precatórios. Grupos de artistas devotos em nome de uma santidade de devoção coletiva visitam casas onde recolhem dádivas, distribuem bênçãos, atualizam promessas e anunciam festejos do “santo” em nome de quem se reconhecem “em jornada”: Folia de Santos Reis, Folia do Divino Espírito Santo, Folia de São Sebastião, folias de outros santos de devoção camponesa e tradição popular desde o catolicismo colonial. (BRANDÃO, 2010, p.37)

Tendo como foco a circulação de objetos no contexto social e ritual das Folias de Reis, Bitter (2008) apresenta um conceito que dá ênfase aos aspectos sociais das Folias. Ora, ao afirmar que a Folias podem ser definidas como “empreendimento festivo” ao qual os sujeitos se envolvem em “teias de reciprocidade sociais e simbólicas”, o autor apresenta aspectos importantes que englobam as Folias, mas limita suas ações a períodos de festejos natalinos. O dinamismo das Folias faz com que elas se adaptem cada vez mais ao mundo moderno, estabelecendo novos cronogramas de acordo com a disponibilidade de seus membros, que também se renovam e se adaptam a novas formas e rituais.

Folias de reis” ou “folias dos santos Reis”, empreendimento festivo que ocorre em grande parte do território brasileiro, no qual homens, mulheres, crianças, jovens e idosos se envolvem intensamente em amplas teias de reciprocidades sociais e simbólicas. Esse empreendimento tem lugar em momentos especiais da vida social, quando os laços de solidariedade social, bem como as relações de natureza cósmica, se acentuam de modo notável. Em suas intermináveis variantes, as folias apresentam estruturas semelhantes. Sua base organizacional é formada por um grupo de pessoas (cantores e instrumentistas) que realizam anualmente visitas rituais às casas de devotos durante o período de festejos natalinos, geralmente compreendido entre 25 de dezembro e 6 de janeiro, distribuindo bênçãos em troca de donativos. Ao final deste ciclo de visitações, os grupos celebram uma grande festa em louvor aos Magos do Oriente: Melquior, Baltazar e Gaspar. Nesse contexto social e ritual, dois objetos desempenham um papel crucial: a bandeira dos santos reis e as máscaras dos “palhaços”, personagens fundamentais nessas festividades. (BITTER, 2008, p.9)

No “Dicionário de Cultura e Religiosidade Popular”, Poel (2013), encontram-se diversas definições para Folias, englobando esses grupos considerando suas práticas e

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diversidade. Neste sentido, é possível ter acesso à descrição de vários tipos de Folias recorrentes no Brasil. “Folia de Santo: Realizada em honra de algum Santo, às vezes chamada charola; esta não parece ser tão antiga quanto a de reis e do Divino Espírito Santo, exceção feita para a Folia de São Sebastião.”

A diversidade de descrições e conceitos encontrados na obra de Poel (2013), reafirma a necessidade de construção de conceitos específicos para as Folias Católicas relacionados principalmente a seu caráter religioso, buscando a compreensão do fenômeno como um todo, a partir de seus elementos sociais, simbólicos, culturais e religiosos.

As Folias católicas estão entre os temas recorrentes das diversas áreas das ciências humanas e que dizem a respeito às manifestações do catolicismo popular no Brasil. Folias, ternos de folia, companhia de reis, são muitos os termos utilizados para denominar este tipo de manifestação religiosa no Brasil. Embora seja possível localizar grupos de Folia em atividade em praticamente todo território nacional, estes grupos são encontrados predominantemente nas regiões Sudeste, Centro-Oeste e Nordeste, representando uma parcela significativa entre as várias expressões da religiosidade católica em nosso país.

Riolando Azzi (1978), cita em seu trabalho, a função das folias nos ciclos festivos, onde se inserem novos ícones de devoção e padrões ritualísticos, desvinculando as Folias do contexto específico natalino e colocando-as em um contexto mais amplo da devoção aos santos e do ritual festivo. “E tudo isso com muita cor e fantasia, música e cores, fogos, foguetes e bombas, repiques de sinos e clarinadas militares, incensos e velas” Sendo assim, notamos uma ampla diversidade de práticas e rituais, estabelecendo um universo múltiplo de funções religiosas definidas por cada grupo e que extrapolam em suas práticas o ciclo natalino específico das Folias de Reis.

Com o nome de Folia, existe no Brasil uma grande diversidade de grupos devocionais dos santos católicos: São Sebastião, Santa Luzia, Nossa Senhora Aparecida, Bom Jesus, São José, Divino Espírito Santo e Santos Reis. Diante dessa diversidade cultural que traduz mundos diferenciados, onde cada grupo à sua maneira expressa seus valores e particularidades. (DURÃES, 2010, p.41)

Este é um ponto importante que gostaria de ressaltar. Neste trabalho, busca-se uma compreensão das folias como prática religiosa, considerando a mesma como uma estrutura complexa, envolvendo valores e comportamentos específicos de seus seguidores, devotos e praticantes, os foliões. Ao ir além dos ciclos festivos das Festas aos Santos Reis, estes

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devotos estabelecem novos compromissos, comunitários, pessoais e religiosos. Desta forma, a vivência do Folião, nas folias observadas em Montes Claros, não se resume à devoção e rituais limitados aos Santos Reis e ao período natalino. A experiência religiosa, nestes casos, se estabelece em uma série de novos rituais, redes de reciprocidade, vivências comunitárias, sentimentos individuais. Os Foliões, portanto, vão além das práticas sazonais, se envolvendo em práticas cotidianas que se estendem por todo ano, criando novos vínculos religiosos e sociais. Sendo assim, consolidam e reconhecem sua identidade, a de ser folião, membros de uma comunidade/irmandade/ religiosa, a Folia. Sou folião, sou

católico apostólico romano, a folia é esta irmandade, a folia é minha religião. (Mestre Camilo, folia do Bom Jesus)

As “Folias Católicas” assumem um papel determinante nas práticas sociais e religiosas brasileiras desde o séc. XVI. No período da colonização portuguesa, era comum o isolamento no contexto das populações rurais mais distantes dos centros urbanos comerciais. Neste período, constata-se uma relativa ausência do clero nas práticas católicas no contexto rural e comunitário, onde as folias ocupavam funções centrais nas práticas religiosas autônomas da época (BRANDÃO, 1986).

O termo folia vem do francês “folie” que significa loucura. (POEL, 2013, p .437) alguns historiadores buscam estabelecer relações entre festejos tradicionais na Europa da Idade Média que seriam a base de origem das Folias encontradas no Brasil na atualidade. Apesar do risco de se construir uma cronologia histórica linear diante de um fenômeno tão diverso e complexo, envolvido em contextos próprios e locais, estes estudos podem fornecer informações importantes sobre a origem destas manifestações no Brasil. Sendo assim, a partir de semelhanças, terminologias e relações sociais envolvendo o contexto das Folias, se torna possível apontar aspectos históricos cruciais para o entendimento das bases para a constituição destas práticas em nosso país.

Harvey Cox (1974) em sua obra “A Festa dos foliões”, descreve as características de festividades populares que eclodiam na Europa medieval. Chamada de “Festa dos Loucos” ou “Festa do Foliões”, consistiam em manifestações lúdicas, mas que, apesar de se caráter popular, envolviam pessoas de todas as classes da época.

Nessa manifestação colorida, usualmente promovida a primeiro de janeiro, até padres geralmente piedosos e cidadãos ordeiros colocavam máscaras grotescas, cantavam insinuantes modinhas e, numa palavra, mantinham todo mundo em suspenso por suas sátiras e folias. Componentes do baixo clero lambuzavam a cara,

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estadeavam por aí em tarjes reservados a seus superiores e arremedavam os pomposos rituais da Igreja e da Corte. Às vezes escolhia-se um príncipe da bagunça, um rei palhaço, ou um bispo-garoto para presidir os eventos. Em alguns lugares, o bispo-bispo-garoto até parodiava a celebração duma missa. Durante a festa dos Foliões, não havia costume nem convenção social que e não se expusesse ao ridículo, e até as personalidades mais credenciadas da região não conseguiam subtrair-se à sátira. (COX, 1974, p.11)

Partindo da descrição apresentada, percebe-se uma semelhança da festa dos foliões da Idade Média com o carnaval brasileiro. A quebra de costumes e convenções, o uso de fantasias e a sátira às classes dominantes. No Brasil, as festas carnavalescas também são chamadas de Folias e aqueles que participam também chamados de Folião. Às vezes, este fato acarreta uma certa confusão ao se pensar em Folias no Brasil, sendo que as Folias Católicas se tratam de uma manifestação absolutamente distinta das Folias de carnaval. É comum em várias regiões do Brasil, encontrar grupos de Folia que recusam ser chamados por este termo. Preferem as nomenclaturas, companhia de reis, ou ternos de reis. Ao adotar uma postura religiosa e “séria”, alguns foliões católicos e seus grupos, preferem não ser associados ao termo “folia ou folião”, por acreditarem que este está diretamente ligado a bagunça, catarse ou loucura. No entanto este aspecto não foi percebido nas folias de Montes Claros, as quais se intitulam com orgulho como ternos de Folia.

No entanto, a presença marcante da festa e da dança é comum nas manifestações do catolicismo em todo o mundo desde suas origens mais remotas (BRANDÃO, 2010), características que provavelmente teriam se enfraquecido a partir da reforma e contrarreforma, mas mesmo assim, permaneceram vivas. Traços deste comportamento podem ser percebidos em diversas manifestações do catolicismo brasileiro até os dias atuais.

Algumas vezes, em alguns dias seguidos, em um anoite, em um momento breve, mas único, as pessoas deixam de ser quem são nos outros dias, nos outros momentos, em outras horas da semana, e se entregam à festa. Lavradores, artesãos, operários de fábricas, pescadores, manicuras e domésticas, motoristas, vendedores de pipocas, carpinteiros, pedreiros e serventes revestem-se então de cores e sedas, de veludos e de singelos símbolos por meio dos quais se transformam em reis e rainhas, em generais, capitães, guerreiros, devotos, em memórias de povos da África distante, nos dançadores de folga de São Gonçalo, nos Três Reis da viagem dos magos. Seres que descem dos bairros pobres em direção à cidade e invadem as ruas e depois a praça, o adro de uma Igreja um coreto,

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com seus cantos seus passos de dança, sua fé e suas memórias. (BRANDÃO, 2010, p.17)

Quanto a sua origem nota-se que a Folia de Reis, a qual seria a base para o estabelecimento e surgimento de outras Folias devotadas a outros Santos e Ícones Religiosos, tem suas fundações no teatro medieval, com a encenação dos autos de Natal nas Igrejas Católicas (SILVA, 2006).

Em busca das raízes europeias que teriam sido as bases das manifestações das folias no Brasil, encontramos diversas manifestações populares principalmente na Espanha e Portugal, relacionadas ao auto de Natal, e a epifania dos Reis Magos. Neste contexto, chama nossa atenção as Janeiras Portuguesas, citadas pelo pesquisador Afonso Furtado Silva (2006), o qual relata suas características e semelhanças com as Folias de Reis brasileiras, tais como: “ritual, cantoria, instrumentos musicais, gestual entre outros.” A partir de estudos realizados em Portugal, cita o seguinte apontamento.

Quando nas províncias do Norte, cantam-se os reis em dia de natal, Ano Bom e dia de Reis, por aqui, (conselho de Cadaval) [Ribatejo], cantam-se as Janeiras. Juntam-se, às vezes, mais de quarenta rapazes a pedir para festa de sua freguesia. Trazem uma guitarra, um pandeiro e algumas vezes uns ferrinhos (...) Correm os lugares e as portas. Chegando, formam círculo, com guitarra e o pandeiro no centro, e começam dois ou três a cantar, num baixo profundo, umas cantigas que seguem num estilo antiquíssimo, desusados e ininteligíveis ao cantar. Acabados os primeiros quatro compassos, cai-lhe o resto da rapaziada, uns debaixo outros de falsete, que fazem uma inferneira, além das carantonhas visagens e trejeitos, abrindo muito a boca, arregalando os olhos e deixando, no fim de cada cantiga, um rabo muito comprido. Trazem sempre a bandeira do santo para quem pedem. (Silva, 2006, p.43, Apud VASCONCELOS, 1982)

Considera-se necessário um maior aprofundamento nas pesquisas para uma definição das Janeiras Portuguesas como matriz cultural das Folias no Brasil. Ora, são claras as semelhanças citadas neste texto, o perfil precatório, os tipos de instrumento. E até mesmos o estilo “ininteligível ao cantar, com ao fim de cada cantiga, um rabo muito

comprido. ” Esta descrição das janeiras nos coloca frente a características percebidas em

grupos de Folia em todo Brasil e também nas folias observadas em nosso estudo, o que aguça nossa curiosidade acerca das Janeiras Portuguesas como uma possível matriz destas manifestações em nosso país.

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Na literatura consultada, foi possível constatar referencias importantes para a compreensão das Folias, construídas principalmente por folcloristas a partir do início do séc XIX, como Castro & Couto (1977) Mario de Andrade (2002), Cascudo (2000), Maynard (2007), Porto (1977). Estes autores têm em comum, apresentar dados mais descritivos das manifestações das Folias. No entanto, através da leitura destas obras, foi possível ter acesso a características importantes das diversas formas de manifestação das folias em quase todo o Brasil, e apesar da superficialidade das definições e folclorização do objeto, podem ser consideradas obras essências para a imersão neste campo de pesquisa. Portanto, a contribuição destes autores no permite traçar um mapa histórico das Folias no Brasil, tendo em vista sua difusão desde o período colonial em diversas regiões do país.

Nas últimas décadas, nota-se um aumento em pesquisas mais analíticas e de perfil acadêmico, envolvendo a temática das Folias, abrangendo diversas áreas do conhecimento. É comum encontrar trabalhos sobre Folias nas áreas da sociologia, antropologia, etnomusicologia, história, ciências da religião e comunicação social. Os trabalhos em níveis de graduação ou pós-graduação, vão desde simples descrições de grupos de Folia e suas manifestações até discussões mais profundas no âmbito religioso, cultural e social.

É notável no cenário das pesquisas em torno do objeto Folias de Reis a obra de Carlos Rodrigues Brandão. O pesquisador oferece em seu trabalho subsídios teóricos fundamentais para compreender as variadas expressões das folias no Brasil. Sob o prisma da antropologia cultural, aborda em várias de suas obras, os aspectos voltados à prática religiosa dos Foliões. O estudo da obra de Brandão se faz essencial para uma a compreensão mais profunda das Folias em seus contextos diversos. Neste sentido,

Sacerdotes da Viola (1981), Memória do Sagrado (1985), Os Deuses do Povo (1986),

tratam de rituais religiosos do catolicismo popular nos estados de Goiás Minas Gerais e São Paulo. Estas obras, podem ser consideradas de grande relevância para compreensão e definição das Folias Católicas no Brasil. Neste sentido se fazem indispensáveis como aportes teóricos por apresentarem caminhos metodológicos de inserção no campo de pesquisa e descrições fundamentais dos rituais das Folias de Reis, considerando principalmente seus aspectos culturais e religiosos. Recentemente em sua obra Prece e

Folia Festa e Romaria (2010), Carlos Rodrigues Brandão retoma a temática das Folais sob

um prisma religioso, numa análise do objeto como parte integrante do catolicismo popular brasileiro.

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Entre as teses de doutorado consultadas neste trabalho destaca-se, “A bandeira e a

máscara: estudo sobre a circulação de objetos rituais nas folias de reis” de Daniel Bitter

(2008). Numa perspectiva da Antropologia Cultural, o trabalho trata da circulação de objetos no ritual das folias de reis, especificamente dos elementos bandeira e máscara abrangendo o contexto social, cultural e simbólico. Com pesquisa de campo desenvolvida no complexo da Mangueira no Rio de Janeiro, a tese de Bitter (2008) nos dá principalmente uma orientação metodológica acerca da abordagem e imersão do pesquisador em contextos urbanos, apontando para o estabelecimento de redes de reciprocidade e trocas simbólicas e sociais.

Ainda numa linha antropológica, a dissertação de mestrado de Wagner Neves Diniz Chaves, “Na jornada de Santos Reis: uma etnografia da folia de reis do mestre Tachico”. Nos oferece dados descritivos acerca das Folias, neste caso, inseridos num contexto rural. A pesquisa se deu na cidade de Rio das Flores, região do médio Paraíba, estado do Rio de Janeiro. Através do trabalho etnográfico apresentado nesta dissertação foi possível notar diversas características comuns entre as estruturas e composições sociais da folia de reis do mestre Tachico e os grupos que pesquisamos em Montes Claros, principalmente nas relações sociais estabelecidas entre os sujeitos envolvidos no ritual do grupo.

No campo da Sociologia, a tese de Ana Maria Célia da Silva Gonçalves, “As Folias

de Reis de João Pinheiro: performance e identidade sertaneja no noroeste mineiro”, abre

um leque de observações voltadas a performance ritual e identidade, envolvendo diversos grupos de Folia na região do noroeste de Minas. Com características mais aproximadas aos grupos de Folia em Montes Claros permite estabelecer comparações e reflexões acerca de práticas e elementos rituais das Folias na modernidade, incluindo perspectivas e desafios comuns enfrentados por grupos e comunidades distintos.

Considerando o acesso a dados etnográficos relacionados as Folias em Minas Gerais, aponta-se a tese de doutorado em Antropologia Cultural de Luzimar Paulo Pereira (2009), “Os giros do sagrado: um estudo etnográfico sobre as folias em Urucuia, (MG) ”. O trabalho serviu como base para a compreensão das Folias na região do Norte de Minas mais especificamente da Bacia do Rio São Francisco. Com foco nas jornadas dos grupos de Folia amplia suas observações aos grupos e suas devoções, dedicadas à diversos santos católicos.

Destaca-se na área da educação “Entre sombras e flores: continuidades e rupturas

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(2006). A tese aborda ações educativas empreendidas nos espaços das Folias especialmente relacionados aos aspectos culturais, estéticos, artísticos e educacionais.

Sob um enfoque comunicacional, a tese “Iconografia como processo

comunicacional da Folia de Reis: o avatar das culturas subalternas” de Katia Maria

Roberto de Oliveira Kodama (2009) apresenta dados consistentes acerca da identidade de grupos de Folia na Região de Ourinhos (SP) abordando aspectos de transformação e adequação de práticas rituais mediante influencias acarretadas por novos processos comunicacionais na atualidade.

Dando ênfase aos aspectos musicais aponta-se a tese de doutorado Welson Alves Tremura.

With an open heart: folia de reis, a Brazilian spiritual journey through song.”

Tratando especificamente das relações entre a música das folias e a fé de seus participantes. O trabalho de Tremura (2004) dá ênfase ao musical no contexto das Folias, sendo uma base metodológica importante, conduzindo a percepção do fenômeno a partir das relações entre música e religião.

Outro estudo importante que lançamos mão em nosso trabalho e que nos conduziu ao enfoque musical no contexto das Folias é a obra de Suzel Reily (2002) “Voices of the

Magi”. Em seu livro, a autora apesenta o conceito de “encantamento”, envolvendo

aspectos importantes da função da música nos rituais das Folias, onde a música se torna elemento central na organização do ritual, exercendo papel fundamental no estabelecimento de uma “ordem ritualística” e das “manifestações do sagrado”. Segundo Reily (2002) as relações entre música e ritual religioso permitem no momento em que o ritual acontece, o estabelecimento de “sistemas de ordenação social” promovendo “experiências místicas por meio do fazer musical ritualístico. ”

Existe uma infinidade de documentos etnográficos sobre rituais religiosos do mundo todo em que a música é elemento plenamente integrado na encenação ritual. Em muitos casos, inclusive, os sons musicais permanecem continuamente presentes, orquestrando o processo ritual. Sugiro que isto não acontece por acaso: o modo musical de orquestração ritual proporciona um meio particularmente eficiente de se criar um universo social alternativo no interior do ritual, que permite aos participantes adquirem uma experiência imediata da ordem harmoniosa que poderia reinar no mundo, caso todos consentissem em aderir aos preceitos morais articulados no discurso religioso. Denomino esta forma de orquestração ritual de encantamento. Através do encantamento, visa-se persuadir os participantes das verdades divinas, promovendo experiências que recriam o ideal social das

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divindades no contexto ritual por meio da performance musical. (REILY, 2002)

Neste contexto, a música se revela como um elemento importante e de destaque no âmbito das Folias, mas não se manifesta como um elemento isolado, ou seja, música, dança, reza, entre outros elementos idiossincráticos, não se separam nos rituais se fazendo necessário para compreensão do fenômeno, considerar todas as partes que o integram.

Em Montes Claros, na busca de uma base histórica para imersão no universo das folias destaca-se a obra do Professor Hermes de Paula, Montes Claros sua História e sua gente. Folclorista e músico, em sua obra nos apresenta uma referência da Montes Claros do início do séc. XX. A obra apresenta importante dados acerca da história de Montes Claros e sua cultura popular. A mesma oferece letras de versos e músicas da época que serviram como base para uma análise histórica da música dos foliões atualmente.

Ainda no contexto local, um trabalho de estratégica importância para a pesquisa é a dissertação de mestrado do etnomusicólogo Geraldo Alencar Durães Filho (2010). Tendo pesquisado o grupo de Folias do Mestre Carlos Ney,1 sua dissertação, com base metodológica em etnomusicologia, ofereceu importantes subsídios históricos e principalmente musicais, em relação aos grupos de Folia e aos Foliões de Montes Claros. Outro trabalho em etnomusicolgia envolvendo as Folias em Montes Claros é a dissertação de Igor Jorge Kimo (2006). “Música, ritual e devoção no Terno de Folia de Reis do Mestre

Joaquim Poló”. Ambas as obras serviram como fio condutor para imersão no universo das

folias em Montes Claros, fornecendo arcabouço conceitual específico das Folias neste contexto e pistas importantes para localização de grupos e sujeitos.

Em Montes Claros evidencia-se nos contextos das Folias, o bairro de Santos Reis. Um espaço urbano que sobressai a partir das ações de sua paróquia, a qual estabelece profundas relações com grupos de Folia na cidade e região. Em 2013, foi realizada pesquisa do curso de história da UNIMONTES em parceria com a paróquia de Santos Reis tendo

1 Mestre Carlos Ney filho de Darcy Peixoto, um dos mais famosos Foliões de Montes Claros, chefe de Folia do Terno Peixotinhos. Em entrevista com Mestre José Anaide Peixoto, descobrimos que ele era genro de Darcy Peixoto e iniciou-se na folia em seu terno. O trabalho de Durães ( 2010) nos forneceu pistas e material musical de grande relevância para nossos estudos, considerando gravações, transcrições de letras e partituras, que foram comparadas com aquelas coletadas neste trabalho. Além de nos conduzir para um contato direto com vários Foliões e grupos de Folia em atividade em Montes Claros.

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como resultado a obra “Festa de santos Reis: 80 anos de manifestações alegres e simples

da fé.” O Livro oferece dados essenciais na construção do quadro histórico das Folias em

Montes Claros e nos permite uma visão ampla de manifestações conjuntas dos grupos de Folias atuantes no contexto urbano na atualidade.

Foi de grande relevância ao nosso trabalho o livro “Reis Magos: história, arte e

tradições. Fontes e referências”, do folclorista Affonso M. Furtado da Silva (2006). Com

passagens pela Europa, Portugal, Espanha e Alemanha, o autor traça um percurso histórico das Folias no Brasil e no mundo. Em sua obra, apresenta um valioso index de referências bibliográficas, discográficas e iconográficas, relacionado às Folias de Reis, envolvendo os campos: artes visuais, escultura pintura e iconografia. Festa e Grupos de Reis. Literatura lendas e teatro. Música e instrumentos musicais. Origem e história relativas aos reis magos. Temas correlatos. Uma obra de 224 páginas imprescindível para o estudo e compreensão das Folias num contexto universal.

Esta pesquisa de caráter qualitativo, consiste em um trabalho de campo observacional participante, mediante uma inserção etnográfica no cotidiano dos grupos de Folia Católica em Montes Claros (MG), tendo como foco as manifestações religiosas destes grupos e sua relação com a música. Como instrumentos de coleta de dados serão utilizadas gravações e filmagens, entrevistas semiestruturadas e transcrições musicais.

Para delineação do campo de observação, foi realizado no período de dezembro de 2010, a janeiro de 2013, uma prévia inserção no cotidiano de grupos de Folia em Montes Claros e região. As ações para esta inserção etnográfica constituíam-se de visitas a associações de foliões, acertos e giros, participação em encontros de Folia, conversas e entrevistas com devotos, foliões e mestres. Nesta etapa, foram estabelecidos contatos que conduziram à identificação e seleção daqueles grupos que estivessem em atividade durante vários períodos do ano e que apresentassem características favoráveis ao desenvolvimento da pesquisa, tais como: manutenção de vínculos de caráter comunitário e religioso, conivência com a proposta de pesquisa, referenciais históricos acessíveis, preservação de referenciais musicais antigos, acessibilidade aos mestres e integrantes.

Neste contexto, foram selecionados como foco central da pesquisa para observação, acompanhamento, registro e entrevistas, os grupos de Folia Estrela de Belém e Barro do Paiol. Neste cenário, o foco de observação e análise será direcionado aos Mestres, chefes condutores dos grupos, foliões selecionados a partir de sua função e tempo de participação

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e comprometimento com a Folia2, mulheres devotas, donos de casa, imperadores, todos personagens do conjunto ritual das Folias.

Para desenvolvimento da pesquisa, as atividades foram divididas em três etapas. Na primeira etapa, foi feito um levantamento bibliográfico a respeito da história das Folias no Brasil e em Montes Claros, buscando pistas que nos levem a origem das Folias em Montes Claros, as quais tem a sua história baseada fundamentalmente na oralidade e em incipientes dados históricos de fontes às vezes pouco confiáveis.

Na segunda etapa, foi feito o trabalho de campo, onde foram levantados os dados referentes às práticas musicais e religiosas que compõe o universo cultural dos foliões, a partir da compreensão dos elementos musicais: letras, instrumentos musicais, sujeitos musicais, estruturas musicais e performance musical, analisamos sua relação com a identidade devocional dos grupos pesquisados. Nesta etapa, foi feito um acompanhamento dos rituais nos momentos de: Jornada, Romaria, Giros, Acertos, Hasteamento de Mastros, Festas, Encontros de Folia e Visitas, onde foram realizadas gravações em áudio e vídeo, observação participante e entrevistas.

Na terceira etapa serão feitas as transcrições relacionadas aos elementos musicais estabelecidos na pesquisa. No que se refere ao elemento “letra”, foram relacionados os aspectos semióticos das letras e canções, buscando sua relação simbólica com as representações específicas de cada Folia, buscando apontar semelhanças, diferenças, padrões e idiossincrasias. Ainda nesta etapa, proponho a análise das letras a partir das narrativas dos sujeitos, quanto aos conceitos e comportamento musicais relacionados a religião, aos temas e ao conteúdo das letras. Aspectos históricos, sociais e culturais e suas implicações quanto a formação identitária dos sujeitos da pesquisa também serão incluídos neste momento dentro do espectro de observação.

Neste trabalho, prescindimos do uso de transcrições musicais. Diante da análise das funções da música no contexto religioso e social, utilizamos algumas transcrições musicais da Folia em Montes Claros, exemplificadas em outros estudos relacionados aos grupos observados, como exemplos descritivos. Foram utilizadas como fontes, partituras já existentes, referentes a outros grupos de Folia inseridos no mesmo contexto dos grupos elencados para esta pesquisa.

2 Consideramos neste ponto, a profundidade na participação do sujeito nos rituais, sua experiência como Folião

de uma forma geral e sua participação na manutenção das práticas do grupo ou grupos de Folia aaos quais está vinculado.

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Não é objetivo desta pesquisa o registro das formas ou estilos musicais da Folias no contexto dos grupos observados, dado seu aspecto dinâmico em constante transformação. As análises musicais foram feitas a partir de gravações realizadas ao vivo, sempre na perspectiva das relações e funções da música com os aspectos devocionais e religiosos. Foram produzidos DVDs no sentido de dar exemplos ilustrados dos grupos em suas práticas musicais e religiosas, os quais foram anexados ao final do trabalho.

Para análise do conteúdo das entrevistas, anotações e registro de conversas em diário de campo, serão seguidas as etapas de: pré análise, exploração dos materiais, tratamento dos resultados, inferência e interpretação (BARDIN, 1988, p.197).

A partir da percepção da música no contexto ritual das Folias como um elemento que vai além do produto sonoro, mas que permeia todo um universo de práticas religiosas tomou-se como base para análise da performance musical como define Behage (1984), a performance não só como o fazer musical, mas principalmente como um processo. Este processo consiste nos aspectos musicais mas também nos aspectos extramusicais. Desta forma à performance musical é dado um sentido que vai além da atividade musical, transcendendo os materiais utilizados, as estruturas musicais, o tempo e espaços destinados ao fazer musical.

O estudo da performance musical como um evento, como um processo e como o resultado ou produto das práticas de performance, deveria se concentrar no comportamento musical e extramusical dos participantes (executantes e ouvintes), na interação social resultante, no significado desta interação para os participantes, e nas regras ou códigos de performance definidos pela comunidade para um contexto ou ocasião específicos7 (BÉHAGUE, 1984, p. 7). 3

Através das entrevistas, de caráter semiestruturado, a serem realizadas na quarta e última etapa aprofundou-se nosso conhecimento acerca do universo pessoal e simbólico dos sujeitos da pesquisa. Nesta etapa, eu já estava significativamente imerso no universo do Foliões, o que possibilitou a consolidação de laços de confiança permitindo um

3“The study of music performance as an event and a process and of the resulting performance practices or products should concentrate on the actual musical and extra-musical behavior of participants (performers and audience), the consequent social interaction, the meaning of that interaction for the participants, and the rules or codes of performance defined by the community for a specific context or occasion.”

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conhecimento mais próximo do real, acerca dos conceitos e opiniões quanto as funções da música e sua relação com a manutenção das práticas religiosas e representações devocionais.

Voltado para o acompanhamento, observação e registro dos rituais das Folias Estrela de Belém e Barro do Paiol, de forma geral foram feitos acompanhamentos no cotidiano dos dois grupos, seguindo-os em encontros, acertos, jornadas, festas e romarias.

O movimento, uma característica fundamental dos grupos de Folia, é empreendido pelos grupos anualmente em suas peregrinações devocionais. Como o traçado e os destinos destes movimentos são constantemente alterados de acordo com as necessidades do momento, as datas e locais de observações foram definidos de acordo com o cronograma estabelecido por cada Folia e estiveram sujeitas a adaptações neste sentido.

Portanto, o acompanhamento grupo de Folia Barro do Paiol, foi desenvolvido nas regiões da Fazenda São João- Borá – Me livre – Riacho do Fogo - Zona Rural de Montes Claros e o acompanhamento do grupo de Folia estrela de Belém, foi desenvolvido no bairro Vila Oliveira em Montes Claros onde reside o mestre Manoel e são realizados a maior parte dos giros do grupo.

Neste trabalho utilizamos a noção de cultura baseada na concepção geertzniana, que parte de um conceito “essencialmente semiótico” onde define o homem como, “um animal amarrado a uma teia de significados que ele mesmo teceu”, a cultura. (Geertz, 1989, p.15). Estes significados seriam produzidos, pelas interações sociais. Segundo Merrian (1964), a música não se dissocia da cultura, é ao mesmo tempo determinada pela cultura e determinante dela. Nos limites deste trabalho, para efeito de análise, tomaremos a música considerando especialmente suas funções religiosas. As funções da música, segundo Merrian (1964), nos permitem lançar um olhar antropológico sobre o fenômeno musical e os elementos que interagem com este fenômeno, relacionando diretamente, os sujeitos, a música, a sociedade, os espaços e o momento histórico em que se situam. Embasados nas definições de autores como Gerard Béhage (1984), Vitor Turner (1982; 1988), Thiago de Oliveira Pinto (2001),Thomas Turino (2008), observou-se a performance musical sob o prisma da antropologia simbólica, analisando os elementos da performance musical como elementos sócio culturais.

Para se tratar das Folias é essencial se tratar da música. Mesmo em silêncio, mesmo o folião não sendo músico, a música continua como elemento central nas práticas dos

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foliões e seus grupos, exercendo funções práticas no contexto ritual e funções simbólicas amplas no contexto sócio cultural dos sujeitos participantes.

As Folias se caracterizam por serem manifestações religiosas profundamente musicais, onde se estabelecem relações indissociáveis entre música e ritual, e se mostram como importantes agentes de manutenção de práticas culturais antigas (BRANDÃO, 1981; REILY, 2002; BITTER, 2008). Para ser Folião é preciso ser músico, a música determina a hierarquia, o tempo e o movimento do grupo. “ A música determina o estabelecimento do

espaço momento sagrado” (QUEIROZ, 2002).

De acordo com Thomas Turino (2008), apesar de termos apenas um apalavra para nos referir à “música”, são inúmeros os estilos e formas musicais existentes. Popular, rock, jazz, clássico. No entanto, para o autor, estes “rótulos” e “categorias” “são criadas por músicos, críticos, fãs, pela indústria musical e também por acadêmicos”. Sendo assim, apesar dos “rótulos” permitirem uma “distinção de estilos e produtos” não traduzem aspectos de “como e porquê” os sujeitos optam por fazer esta música e principalmente acerca dos elementos culturais que “sustentam” suas práticas (TURINO, 2008, p.23) .

Neste sentido, Turino amplia a percepção acerca da performance musical para uma observação e análise da performance considerando seus aspectos de interação social, as performances “participativa e apresentacional.”4 Em linhas gerais, a primeira uma performance em que o público e artista não se distinguem em suas práticas musicais e a segunda, uma performance que é preparada para o público, ou seja, um produto para atender a demanda de uma determinada platéia.

Rapidamente definindo, a performance participativa é um tipo especial de prática artística na qual não existe a distinção artista-audiência, somente participantes e potenciais participantes, atuando em diferentes padrões, e o principal objetivo é envolver o número máximo de pessoas em tais padrões performáticos. Performance apresentacional, em contraste se refere a situações onde, um grupo de pessoas, os artistas, preparam e fornecem música para um outro grupo, a platéia, que não participa da produção musical ou dança.5 (TURINO, 2008, p.23)

No contexto da Folias, percebeu-se em nossas observações elementos associados aos dois tipos de performance apresentados por Turino (2008). São elementos importantes

4 Participatory and presentational performance. TURINO (2008) 5 Texto original

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em nossa análise, pois definem práticas musicais envolvendo toda uma comunidade participativa. No entanto, os Foliões adquirem atualmente também o status de artistas. Detentores e preservadores da cultura popular. As Folias são convidadas a subir ao placo, gravar CDs e comercializá-los e consideram estes aspectos como elementos fundamentais de manutenção de suas práticas na atualidade.

Outro conceito importante que lançaremos mão em nosso trabalho é o conceito de “encantamento”, estruturado por Suzel Reily (2002). De uma forma geral, nos rituais das “Folias”, a música exerce uma função central na organização do ritual, tendo um papel fundamental no estabelecimento da ordem ritualística e das manifestações do sagrado. Segundo Reily (2002) esta relação entre música e ritual religioso cria, no momento do ritual, sistemas de “ordenação social no qual promovem experiências místicas por meio do fazer musical ritualístico”.

Existe uma infinidade de documentos etnográficos sobre rituais religiosos do mundo todo em que a música é elemento plenamente integrado na encenação ritual. Em muitos casos, inclusive, os sons musicais permanecem continuamente presentes, orquestrando o processo ritual. Sugiro que isto não acontece por acaso: o modo musical de orquestração ritual proporciona um meio particularmente eficiente de se criar um universo social alternativo no interior do ritual, que permite aos participantes adquirem uma experiência imediata da ordem harmoniosa que poderia reinar no mundo, caso todos consentissem em aderir aos preceitos morais articulados no discurso religioso. Denomino esta forma de orquestração ritual de encantamento. Através do encantamento, visa-se persuadir os participantes das verdades divinas, promovendo experiências que recriam o ideal social das divindades no contexto ritual por meio da performance musical (REILY, 2002, p.28).

Neste contexto, a música se revela como um elemento importante e de destaque no âmbito das Folias, mas não se manifesta como um elemento isolado, ou seja, música, dança, reza, entre outros elementos idiossincráticos, não se separam, se fazendo necessário para compreensão do fenômeno, considerar todas as partes que o integram.

A interpretação dos dados em relação aos elementos musicais fundamentada na teorização sobre “a força semiótica da música” (DENORA, 2000). Segundo a autora a música "não é meramente um meio 'significativo' ou 'comunicativo'. Ela faz muito mais do que exprimir sentimentos através de meios não verbais. No nível da vida diária, a música tem poder. Ela está implicada em muitas dimensões do agenciamento social", como "sentimento, percepção, cognição e consciência, identidade, energia e incorporação"

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(DENORA a, 2000, p.16-20). Com vistas no interacionismo, Denora, (2000) constrói seu referencial teórico “multidisciplinar e procura superar a falha que há entre estrutura e sentimento, isto é, entre a materialidade (as propriedades) da música, ou o texto musical e os afetos que surgem no processo de interação ser humano e música.” Denora (2000) defende que "com relação à música a questão do seu significado social não está pré-dado, mas é resultado de como aquela música é apreendida dentro de circunstâncias específicas".

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Capí tulo I

MU SICÃ, CULTURÃ, RELIGIÃ O:

INTERFÃCES NO CÃMPO DÃ

RELIGIOSIDÃDE POPULÃR NO

BRÃSIL

Neste capítulo trataremos das duas principais vertentes das Ciências da religião, a empirista e a essencialista, abordando aspectos epistemológicos no que tange ao conceito de religião e aos conflitos e impasses que surgem no âmbito acadêmico a respeito deste conceito. “A meta reflexão é um ponto crucial das atividades acadêmicas dentro da ciência da religião” (USARSKI, 2001, p. 86).

Em seguida, discuto os pontos gerais que envolvem os conceitos de cultura popular comumente tratados em contraponto à cultura erudita ou oficial. Consciente da histórica dicotomia entre os dois termos, justifico a utilização do termo popular no trabalho, tendo em vista seu amplo emprego na bibliografia consultada. Neste trabalho, considera-se os dois tradicionais polos, erudito e popular, como objetos em constante simbiose e interação, portanto não dicotomizados.

Também são apresentados dados históricos e referenciais teóricos sobre o catolicismo brasileiro. São abordadas as origens do catolicismo no Brasil, da colonização ao império, descrevendo o período inicial no processo de implantação das práticas católicas em nosso país.

São tratados aspectos referentes ao movimento Ultramontanista promovido pela igreja católica no início do séc. XIX e os reflexos causados nas práticas católicas ditas populares e principalmente nas estruturas das folias católicas atuantes na época, em grande parte do território nacional.

Abordo os tipos de católicos no Brasil a partir das características clássicas apresentadas por Thales de Azevedo e Maria Isaura Queiroz, segundo as tipologias apresentadas que definem o ser católico no Brasil.

Na sequência faço uma discussão sobre religiosidade e devoção popular no Brasil de hoje e apresento o conceito de católico folião.

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1.1 As Ciências da Religião como área do conhecimento autônoma: uma

meta reflexão

A religião é uma realidade universal do homem, experimentada por ele no decorrer de sua vida. Por ser experiência constitutiva da vida humana, a religião penetra a cultura e por conseguinte, as estruturas socioculturais nas quais o homem vive. Por possuir esta característica, a religião corresponde ao encontro do homem com a divindade ou divindades, trazendo a tona um processo comunicativo que dá consistência à religião. (GONÇALVES, 2012)

No decorrer da história, em todo o mundo, os seres humanos estiveram profundamente ligados ao que chamamos de religião. No entanto, a predominância do pensamento eurocêntrico cristianizado teve influencia marcante na construção dos significados do termo, que a partir de seus pensadores, representantes das mais diversas áreas do conhecimento que se debruçaram sobre o tema religião, estabeleceram-se conceitos que na maioria das vezes, partiram de pressupostos impregnados das idéias e valores cristãos. Os conceitos construídos no meio acadêmico sobre religião, foram muitas vezes insuficientes para dar conta da complexidade e multiplicidade das manifestações religiosas em todo o mundo, gerando impasses e conflitos. Como a religião deveria ser estudada e analisada? Diversas discussões apontavam para questões relacionadas aos procedimentos metodológicos da pesquisa, uns defendendo o olhar crítico e imparcial da razão, ou seja, as pesquisas deveriam ser encaminhadas por um outsider (aqui relacionado como não crente) defendido pelos empiristas ou, por um insider (aqui relacionado como crente) defendido pelos essencialistas. (TERRIN, 1998) Mas o que é religião? Seria possível compreender o mistério as religiões pelo viés da ciência, ou os fenômenos religiosos deveriam ser estudados plenamente em escala religiosa?

O estudo das religiões não é prática recente. Buscando respostas ao “mistério” das religiões, às luzes do pensamento racional, na idade antiga, vários pensadores se dedicaram ao assunto tema e tiveram o que chamamos de religião, como objeto de interesse. “Observar a religião do outro é tão antigo quanto o nascimento do saber histórico.” (ALBUQUERQUE in Guerrieiro, 2003, p. 57). Mas o estudo das religiões esteve durante muito tempo vinculado às instituições religiosas ou foi produzido por pessoas que escreviam e registravam fatos relacionados à sua própria fé? Portanto, ao analisar esta construção e desenvolvimento do pensamento epistemológico das ciências da religião, notamos uma certa “relação problemática entre teologia e ciência da religião” Usarski

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(2001, p. 85), para compreendermos melhor esta crise metodológica que se acirrou a partir da segunda metade do séc. XX, precisamos analisar alguns aspectos essenciais da história da Ciência da religião.

“Ciência da Religião é a disciplina empírica que investiga sistematicamente religião em todas as suas manifestações. ” Usarski (2002). A ciência da religião, termo que o próprio autor prefere utilizar, com ciência e religião no singular, trata-se de uma disciplina autônoma com uma “estrutura multidisciplinar”, sendo um “campo de interseção de várias subciências e ciências auxiliares” na busca da compreensão do que é religião. Entre elas destacamos as sub-áreas da história, sociologia, antropologia, teologia, filosofia e psicologia.

Segundo Albuqerque (2003) uma das áreas que mais se destaca no estudo das religiões, como marco para o surgimento das Ciências da Religião, considerando principalmente aqui seu caráter empírico, foram os estudos de história das religiões. “E lembremos que o saber histórico abrangeu e incluiu durante muitos séculos tudo o que separamos hoje em várias disciplinas. ” (ALBUQERQUE, 2003, p. 57). Estes estudos, permitiram um profícuo período de produção científica e construção epistemológica do tema, criando bases que possibilitaram uma efervescência nos estudos da religião principalmente na Europa.

De acordo com Albuqerque (2003, p. 58), o método utilizado pela história era baseado “nos manuscritos antigos”, e consistia na “abordagem da religião e a descrição

de seus textos sagrados”. Portanto, as culturas orais foram mantidas no campo da

antropologia e do folclore, sendo destinada às religiões eruditas a aplicação do referido método histórico.

No final do século XVIII e durante o século XIX, esse método também será ampliado para o próprio ataque a religião, principalmente a cristã. No século XIX, tal metodologia criada no Ocidente, foi aplicada às religiões orientais, como o budismo, o hinduísmo, o islã, o confuncionismo, o taoísmo e outras, enfim, para todas as religiões que elaboraram ou registraram suas crenças e ritos religiosos por escrito. (ALBUQUERQUE, 2003)

“Afinal a grande indagação era sobre a verdade. Esse é o nascimento do chamado método

histórico moderno, pai de todos os demais métodos das ciências humanas. ” Albuqerque (2003, p. 57). Este método, pode ser considerado antiquado, mas certamente guarda suas contribuições para a consolidação da área da Ciência da Religião.

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A base deste método é a compreensão racional das próprias palavras de um manuscrito a inserção dele eventualmente em um conjunto de outros manuscritos, buscando a análise do que significam tais palavras e o que informam acerca das instituições, dos usos, dos costumes, do que pensam e do que sentem os indivíduos. (ALBUQUERQUE, 2003, p. 58)

De acordo com Usarski (2003, p. 85) a institucionalização da Ciência da Religião na Alemanha se deu no final do séc. XIX. “ A sua institucionalização começou nos últimos 30 anos do séc. XIX. A primeira cátedra foi estabelecida na Suiça em 1873. Logo depois outros países como Holanda frança e Bélgica a seguiram. ” Nas décadas de 60 e 70 surge uma verdadeira “briga de métodos” no meio acadêmico da Ciência da Religião, intensificando-se a “rejeição da categoria sagrado” Sendo assim, uma corrente atacava a outra, os empiristas atacavam o sagrado, o “numen”, acusando os essencialistas de sofrerem de uma espécie de “numinose”. Os essencialistas por sua vez defendiam a complexidade do fenômeno buscando a compreensão de sua essência universal. Um exemplo é dado por Usarski (2003, p. 89), citando Carsten Colpe, quando Colpe, ataca o conceito de sagrado “termo-chave introduzido por Rudolf Otto na sua obra Das Heilige publicada em 1917. ” Onde apresenta, “(...) o “sagrado” é uma construção lingüística que surgiu etimologicamente somente nas religiões monoteístas e nas tradições das religiões mediterrâneas. ” Em contrapartida Terrin (1998), entra em defesa dos essencialistas, tecendo uma crítica pró Mircea Eilade e contra Segal e principalmente contra a sociologia da religião na época.

Ora a sociologia da religião que pretende realizar uma verdadeira catarse metodológica, não pressupões também ela, aquilo que não deveria ser pressuposto? Não introduz sorrateiramente um esmo e perigoso postulado “antimetafísico”, segundo o qual a religião não tem significado transcendental, mas somente uma função natural, social, psicológica, antropológica e, portanto, conjugando-se como uma negação do valor religioso para defender uma tese categórica e previamente imanente sobre tudo aquilo que antes era considerado transcendente pelos religionistas? A pergunta deixa inquietos os últimos religionistas e os espectros de tempos atrás retornam. (TERRIN, 1998, p23).

Usarski (2002), elabora um conceito bastante interessante buscando abarcar todas as religiões do mundo num conceito amplo, de caráter funcional e essencialista onde se apóia em quatro elementos que são:

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Primeiro, religiões constituem sistemas simbólicos com plausibilidades próprias.

Segundo, do ponto de vista de um indivíduo religioso, a religião caracteriza-se como a afirmação subjetiva da proposta de que existe algo transcendental, algo extra-empírico, algo maior, mais fundamental ou mais poderoso do que a esfera que nos é imediatamente acessível através do instrumentário sensorial humano.

Terceiro, religiões se compõem de várias dimensões: particularmente temos que pensar na dimensão da fé, na dimensão institucional, na dimensão ritualista, na dimensão da experiência religiosa e na dimensão ética.

Quarto, religiões cumprem funções individuais e sociais. Elas dão sentido para a vida, elas alimentam esperanças para o futuro próximo ou remoto, sentido esse que algumas vezes transcende o da vida atual, e com isso tem a potencialidade de compensar sofrimentos imediatos. Religiões podem ter funções políticas, no sentido ou de legitimar e estabilizar um governo ou de estimular atividades revolucionárias. Além disso, religiões integram socialmente, uma vez que membros de uma comunidade religiosa compartilham a mesma cosmovisão, seguem valores comuns e praticam sua fé em grupos. (USARSKI, 2002)

No início do Séc. XIX, cresceu o interesse dos pesquisadores principalmente no que tange a antropologia, no estudo das culturas dos povos dos países colonizados. “Os estudos nos campos da psicologia e da antropologia já indicavam a necessidade de cooperações com as reflexões advindas da história comparada de religiões”. (Guerrieiro, 2003, p.12). Neste momento, ocorreu um amplo contato entre colonizadores e as religiões dos povos colonizados dando espaço à reflexão crítica a partir de dados empíricos, neste momento observamos o surgimento de novas teorias e pesquisas cada vez mais distanciadas do pensamento eurocêntrico tradicional.

Diante desta realidade histórica, podemos observar um grande número de definições para religião, de caráter substantivo e/ou funcional, abertas demais o que tornaria qualquer coisa como religião ou fechadas demais o que deixaria a definição muito presa ao seu contexto particular. Ávila (2007, p. 12).

(...) Durkheim e Freud conceberam a religião em geral como produto humano. Abordagens deste tipo têm em comum o fato de considerar a religião uma variável dependente, destituída de uma substância própria e completamente explicável com referência a fatores não religiosos. (USARSKI, 2001, p. 81).

Sob a ótica da Ciência da religião sistemática, apresentaremos três conceitos mais relacionados especificamente com a área da psicologia da religião. Inciaremos por uma definição que poderíamos considerar mais aberta, apresentado por E. tylor apud Ávila (2007), de que “a religião é a crença em seres espirituais”. Este tipo de definição, de caráter

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