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O longo tempo que marcou aquela ausência, que motivou o triste e penoso regresso.

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Academic year: 2021

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Humberstone

GUILLERMO – poema:

Muitos anos haviam se passado desde que deixara minha terra.

O longo tempo que marcou aquela ausência, que motivou o triste e penoso regresso. Voltar a caminhar e observar uma e outra vez aqueles cerros cinzas, secos páramos, já quase apagados pelo tempo.

Aquela paisagem desolada fazia mais amargo e triste meu adorado regresso.

Talvez sentindo alguma vez a onda melancólica e amarga que se sente a frente de uma casa abandonada e de um muro em ruínas.

Frente a mim, a tristeza das velhas casas, cujos restos vistos a distância se assemelham a pedaços de mortalhas presos em meio ao deserto.

Que mais posso contar-te, terra minha? Simplesmente que voltei, que de novo estou aqui, que venho buscar com as minhas recordações essa parte da minha vida que um dia deixei aqui.

GUILLERMO

Como dizem, todo princípio tem um fim, não? Ou todo caminho tem um princípio e se chega a um fim. E para nós, chegou.

MARIA

Toda vez que venho, venho visitar a casa. Porque são tantas lembranças vividas com meus pais.

É emotivo chegar aqui porque já vejo o meu pai sair dessa peça. Vejo aí onde você está sentado, uma pequena biblioteca que ele tinha cheia de livros, porque era um bom leitor, como te conto.

E tinha nesse canto, uma vitrola, um toca-discos, que nessa época era difícil de ter, uma rádio, um toca-discos, mas tinha. Aqui tínhamos uma copa, com uma mesa redonda, seis cadeiras. Vivíamos bem.

GUILLERMO

Para poder sobreviver nessa terra tão hostil, tão seca, tão dura a um mundo precário, limitado em muitos aspectos tanto no intelectual como no social me fez um pouco duro, porque aqui tinha que ser forte.

Pela manhã, caminhava com meu pai pela calicheira, como mais um pampino.

E nesse trajeto, me contava sobre sul, sobre suas coisas, seus projetos, tínhamos uma relação muito boa.

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Me explicava como se fazia todo o trabalho na calicheira, o que tínhamos que fazer. Depois no fim da tarde, quando voltávamos, voltávamos juntos, eu já enrolado, já como mais um calicheiro.

E nessa formação que ele me deu, eu aprendi a ser prudente, a antes de agir, pensar nas coisas porque na calicheira tinha que ser assim.

Entrar na calicheira era perigoso, na mina.

Muitas vezes decidido a tomar as terminações para prever um acidente no momento instantâneo em que acontecera, então, essa foi a relação que meu pai teve comigo. Além disso, quando me deu a primeira participação de seu salário, já me senti homem. MARIA

Muitos acidentes gravíssimos ocorreram sobretudo com as pessoas que trabalhavam na extração do caliche.

Ali, tinham que usar dinamites e às vezes os tiros não explodiam e as pessoas iam ver e quando viam, explodia e o homem desaparecia em mil pedaços.

GUILLERMO

Os sindicatos organizados dessa empresa de algum modo trataram de defender a fonte laboral.

Mas o término e a morte disso eram eminentes.

Um sistema com mais de cem anos de duração aplicando-se aqui fazia, digamos, antieconômico que essa companhia e outras mais pudessem seguir.

Claramente, recordo o dia em que creio que começa todo o êxodo.

Quando pelas duas da tarde, chegam os dirigentes solicitando aos trabalhadores que estavam em greve aqui no acampamento uma reunião de extrema urgência.

E assim que se reúnem no sindicato e o ponto que estavam a tratar, era de que não havia acordo com a companhia para resolver o problema dos salários.

E chegou o dia em que tivemos que partir. MARIA

Era uma tristeza, os poucos que ficamos a sair de trás dos caminhões, vendo sair as pessoas.

Depois ver a cada dia que não tínhamos mais luz, já não tínhamos mais água, os animais rodeando, os cachorros, os gatos.

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GUILLERMO

Foi uma tarde como essa assim, pelo mês de Junho, eu me lembro.

Nessa mesma casa, nesse mesmo lugar onde estamos, já tínhamos juntos, o que nós pampinos chamávamos de “mono”.

Os monos eram nossas bolsas, que levávamos para o translado a Iquiqui. Que eu olhava e me dava vergonha, porque não tínhamos nada, praticamente nada que tínhamos para levar.

Chegou o caminhão, meu pai se afastou um pouco para lá, minha mãe mandou buscá-lo.

O encontrei para lá, olhando o acampamento, sozinho, como que despedindo-se. O que pensava nesse momento, eu nunca soube, mas acredito que tenha derramado alguma lágrima porque aí se ia sua vida.

O pampa era tudo para ele, talvez pressentindo de que nunca mais iria voltar para cá. Pela idade.

Não sei talvez com o olhar procurando algum de seus companheiros, que de alguma forma, pressentindo que ainda estavam aí, que já não estavam, ou estaria se

despedindo, não sei.

A única coisa que sei é que não disse nada, levantou a mão, como despedindo-se disso tudo. E o vi chorar.

Depois, tomou caminho rumo ao caminhão e lembro da neblina desse dia, vinha entrando no acampamento e foi como um telão de fundo que apagou o acampamento, as calicheiras e o rastro se perdeu na paisagem.

E no ano de 1960, definitivamente, paralisa a companhia salitreira Tarapacá e Antofogasta. Se acaba o que foi a história do salitre na nossa região.

MARIA

Para nós, isso foi doloroso, se dar conta já adulta de que nós não importávamos. Somente importava as maquinarias, as toneladas de quanto salitre se embarcava, a que cidade ia, de onde vinham os grandes engenheiros, mas de nós, das crianças do pampa, das mulheres e dos homens do pampa não se falava. Nada. Era um tabu falar sobre os pampinos.

Isso foi muito triste. Isso foi o que me marcou e me serviu para poder seguir falando da história, porque sendo uma criança de onze anos, isso foi muito forte. Erradicaram as pessoas com aviso, sim, mas as pessoas não queriam ir. Obviamente, não tinham para onde ir.

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Mas nós, ao término dessa grande epopeia, fomos nós que tratamos que nossa história se conte e se saiba e que saiba todo o mundo, o que vivemos, o que forçaram nossos antepassados, então, é uma história tremenda que não se pode deixar para assim. Porque teve sacrifício, esforço, humilhações, tanta coisa, não podemos deixar passar. ARMERO

RUBIO

A nossa gente, como vocês viram o meu comportamento, sim? Amável, serviçal a todo momento, gente saudável, certo? Aqui, as pessoas eram trabalhadoras.

CLAUDIA

Aqui, eu fui tão feliz. Tão amada. O cheiro, o ambiente, os sons. Eu lembro daqui, da alegria. Eu, aqui, fui imensamente feliz.

De repente, me chamou uma prima dizendo que algo grave vai acontecer em Armero, ou está acontecendo.

Passo antes na escola militar, onde estava meu irmão, então, ele diz “algo muito grave aconteceu em Armero, mas não sabemos o que foi, porque escutamos uns sons espantosos e agora está tudo escuro”.

Totalmente, até o outro lado é só um mar de lodo.

E não falavam quando chegamos, perguntávamos: “o que aconteceu?”, “por favor, nos diga o que aconteceu!”. Éramos cinco pessoas dizendo: “por favor, nos diga o que aconteceu”.

E ele não teve que dizer mais nada porque dois minutos depois chega um caminhão de gado, de transportar gado. Azul claro, nunca vou esquecer e abrem as comportas e começam a descer gente cheia de barro.

E até então não entendíamos o que estava acontecendo.

As pessoas nuas, feridas e começamos a ajuda-los a descer e, obviamente, a perguntar a todos: “o que aconteceu? O que aconteceu?”.

E as pessoas diziam: “é o fim do mundo, é o fim do mundo!” e nós dizíamos: “não, o mundo não acabou, estamos aqui! Mas o que aconteceu?”, “é o fim do mundo, é o fim do mundo! E tudo se acabou!”.

RUBIO

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Mas, nem por imaginação que, ao cair essas cinzas, nós pensávamos que teríamos um problema tão grande como esse. Jamais, certo?

Mas, bom, assim quis Deus e assim foram as coisas.

Como vocês podem ver aqui, pois, temos esse negocinho que é o que nos dá comida. De resto não temos nada.

Vai chover. ESPERANZA

Lhes vou contar como aconteceu comigo, porque cada um tem a sua história. As histórias que vocês irão escutar, eu lhe digo, não serão as mesmas que o senhor Pablo, que a senhora Maria, não. Todas são diferentes.

A minha foi: Eu estava em minha casa quando escutei “Saiam, que está vindo um avalanche!”.

Eu tinha o menino dormindo, a menina também e os chamei e saí.

Eu morava como na metade da quadra, quando eu saí começamos a correr como para frente, para lá.

No momento em que olhei para trás, eu vi uma coisa que era como uma massa que se revolvia e que vinha chegando mais perto, mais perto.

Eu voltei a olhar e vi meu pai na porta, mas meu pai já não quis correr, já não quis mais nada, disse para irmos.

Eu consegui chegar até a esquina. Quando eu cheguei na esquina, já vinha... ou seja, isso vinha pela calçada, mas já pela rua vinha como água, como se um rio ou algo tivesse transbordado.

Então, aí começamos a pensar: “que faço? Passo, ou não passo? O que fazemos?”. Quando estávamos assim, eu tinha a minha mãe agarrada aqui, eu tinha a menina aqui também e o menino eu tinha nesse lado.

Quando eu senti uma batida nas costas, acredito que como.... digamos, como a “pareceria” (?) de algo. Isso vinha acabando já com tudo.

E me levantou. Quando me levantou, eu me senti presa aqui e consegui ver que eram cordas de alta tensão, mas como já não tinha mais luz, não tinha problema.

Fiquei presa assim e as crianças, ou seja, já fiquei sozinha. Perdi minha mãe, perdi meus dois filhos e eu fiquei sozinha.

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Eu não sei quando, comecei a tentar tirar isso e vi que um muro vinha em cima e o único que fiz foi que eu voltei a olhar e senti a corda soltando e me levou para lá e segui.

Eu consegui escutar quando a menina me disse: “mamãe! Mamãe! Onde está?!”e eu: “mamita, estou indo! Estou indo!”, mas isso estava no escuro, eu já não voltei a ouvir. Foram as últimas palavras que ouvi dela.

E eu segui. Segui, até que senti quando parei em cima do capô de um carro porque eu tocava e sentia como vidros já despedaçados e eu tocava aqui e sentia os faróis do carro, mas já estava quebrado e eu disse: “meu deus”, mas então, começou a ficar mais lento, a me levar mais lento.

Já havia recorrido com altíssimo (ver essa frase).

Então, eu já ficou tudo quieto e começamos a escutar vozes que diziam” “Meu Deus!”, um outro “Padre nosso”, de outros se escutava grosserias. De outros, se escutava orações.

Eu ouvia vozes e teve um momento em que, com certeza, dormi. RUBIO

Tenho esse coração limpo, que todos os dias dou graças a Deus, porque me deu o valor de poder ter tirado muita gente, certo?

Sempre pura juventude, porque olhava para a juventude e dizia: “esse tem que viver! Esse tem que viver!” e assim era.

Não foi o que fez o governo, porque aqui começaram a tirar primeiro os mortos e nunca diziam “vamos tirar as pessoas”.

Aqui a única coisa que vi foi vandalismo. Que vieram no outro dia da tragédia para ver o que levavam. Aqui, todo mundo faz o que quer e jamais a justiça faz nada por isso. CLAUDIA

Seis meses antes da tragédia, havia uma atividade em toda a cadeia de vulcões na América Latina.

Quando começaram todos esses sinais, os que sabiam da situação não avisaram. Porque, claro, iria acabar toda a parte econômica aqui de Armero. Ninguém iria poder continuar investindo.

Ou seja, uma quantidade de interesses econômicos que ficaram na frente da vida das pessoas do povo.

(7)

Todos sabiam menos nós.

31 anos depois, somos muitas as famílias que não conseguimos fechar esse círculo, porque estamos buscando os nossos seres queridos, porque nos dói vir aqui e ver isso. Aqui, eu vivi, aqui eu fui feliz, aqui viviam pessoas lindas, as pessoas eram boas, as pessoas tinham ilusões, as pessoas tinham sonhos, as pessoas eram pessoas trabalhadoras.

E, agora, nem se quer temos uma dignidade (?) para lembrar dos nossos mortos. Parece que não existimos. Somos invisíveis. Ou não querem nos ver.

RUBIO

Isso poderia ter sido evitado. Me dói tanto, porque vamos para 31 anos e nunca o governo respondeu sobre essa questão.

Isso foi um assassinato que fez o governo desde então, certo?

Me dói tanto pela gente inocente, pelos que sofremos, que nunca teríamos ideia do que iria nos passar.

E teve tempo suficiente para evacuar Armero, sim?

Isso é muito triste. Isso é doloroso de ver Armero tão pujante que era, hoje, uma ruína tão tremenda, como vocês podem ver.

Armero era grande, muito bonita. Nosso povo era muito bom. CLAUDIA

Todas as estratégias, digamos, de prevenção que estavam se realizando era para uma inundação.

Então, eu vinha todos os finais de semanas.

Esse fim de semana, como sempre, estava aqui e, na segunda às 5 da tarde, eu saio daqui de Armero, temendo pela inundação, porque Andréas me perguntava “mamãe, o que vai acontecer se chegar a inundação?” e eu disse “não se preocupe, que você está com os seus avós”, mas era outro nível de alerta.

E eu saio na segunda e deixo Andréas e digo “mamãe, quero levar Andréas” e, então, minha mãe me disse “Não, filha, você está nas suas provas finais, daqui a 5 dias já estará de volta”. E então, eu o deixei.

Quando as pessoas dizem que a dor se sente na alma, isso é verdade. Eu não queria viver, só queria morrer. Foi horrível isso.

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E alguém liga para minha casa, alguém nos contata, um amigo do meu irmão, e disse que viu o meu filho pela televisão.

E tinham muitas crianças! Sim, isso eu me lembro, claramente, que eram muitas crianças!

Então, eu saí pensando: “Eu não posso morrer! Tenho que encontrar meu filho!”. Começamos toda essa dinâmica de ir aos hospitais, os albergues onde tinham crianças. Com a família, com os amigos. A solidariedade, realmente, foi impressionante.

Mas nunca nos encontramos. Eu nunca encontrei meu filho, nem nunca encontrei meus pais.

ESPERANZA

Me colocaram uma lanterna, eu me acordei e disse: “Sim, sim, sou eu! Sou eu! Me tirem daqui!”

E me colocaram roupas e tudo, me banharam. Veio uma pessoa tomar dados.

E me disseram: “Ah, você é Esperanza Fierro? Você não tem uma filha que se chama Marcela Fierro?” e eu disse: “sim! Essa é a minha filha!”.

Disseram: “sua filha está aqui”. E ele me disse “Olha, Esperanza, a sua filha nada aconteceu, ela tem um corte no peito do pé, ou seja, a ela não aconteceu mais nada, mas você está muito grave. Então, vamos transferir você para Girardot”.

Então, eu lhes pedi que me deixassem ver a menina. Eles me trouxeram ela, eu a peguei e tive que entregá-la.

A tragédia foi um “despelote” e por tudo isso, eu perdi a minha filha.

Ou seja, eu tenho a minha filha, que se chama Marcela Costa Fierro, perdida. Digo perdida, porque eu a vi, eu a toquei, eu a tive.

Isso é muito doloroso, sim?

Era uma menina de 4 anos, então é um absurdo, muito doloroso, que você não consegue, por nenhum motivo, esquecer nada disso.

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E eu, por isso, lhes digo: o que aconteceu comigo, a outras pessoas foi totalmente diferente, como são as coisas.

Cada um tem sua história. E essa é a minha história.

EPECUEN RUGHERI

Não foi a natureza que o inundou. O que o inundou foi a mão do homem. NORMA

No fim da década de 50, começou uma grande seca na nossa região. Que é cíclica. A cada 50 anos se repete.

E nós ficamos desesperados, porque se secava o lago Epecuén, terminava o turismo de saúde.

“Querem água? Não tem problema. Abrimos um canal de algum rio, ou algum arroio e lhes mandamos água”

Então, podemos dizer que a raíz dessa grande seca que estávamos padecendo ao final da década de 50, aí começa nosso drama da inundação.

RUGHERI

Epecuén era o lugar para se estar e passar umas férias sensacionais. Havia grandes bailes. Nas ruas, as pessoas se conheciam de hotel a hotel.

Principalmente, as pessoas mais velhas que vinham banhar-se como um paliativo às doenças reumáticas que sentiam.

Depois, se sentiam perfeitamente bem. E essa sensação os fazia participar das grandes festas que haviam.

Os fazia estar em movimento, de sentir que a vida realmente não havia parado. Te conto uma anedota. Assim, uma pessoa teve um acidente ao cruzar uma avenida, um ônibus o atropelou. Se salvou por acaso!

Era uma pessoa abastada. Disseram que havia um médico na Espanha que podia o tratar e curar rapidamente.

O médico lhes disse: “Mas como vieram a Espanha, tendo um lugar como Epecuén?”. Então, o homem, com a mulher, veio para cá.

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Estiveram um mês. E ele se foi caminhando, sem muletas. A água tem uma grande salinidade.

E as pessoas flutuavam. Normalmente. Flutuavam como se estivessem, assim, deitadas. À luz do sol.

Era uma sensação estranha para aqueles que não conheciam esse lugar. Como poderiam flutuar? Assim, deitados. Ficavam tranquilamente na água.

Bom, está nos acompanhando o “quero-quero”, o último habitante do lago Epecuén. PABLO

Eu nasci com o turismo aqui. O vi nascer e o vi morrer.

Quando inundou, vendi todas as coisas pequenas. Vendi os meus cavalos, que foi o que mais me doeu vender.

Então, eu vivo aqui, com as vacas, a casinha.

Todas as pessoas me conhecem. Veem e querem me ver.

Todas as pessoas que vem ver as ruínas, querem levar uma foto, porque figuro como o único habitante, me fizeram famoso.

Eu vim para cá para salvar as vacas e não descapitalizar, criar os animais para poder seguir sustentando a família.

Depois, a família se ajeitou, todos se casaram, tem seus carros, suas casas, seus negócios.

A família está toda bem. E eles não gostam que eu fique aqui, mas eu já me acostumei. Enquanto puder caminhar e falar, não me vou.

Festa e bailes todos os dias.

Epecuén de segunda a segunda havia bailes, às 5 da tarde, às 6, havia música nas ruas, dançavam, entravam nos pátios, era nada mais que turismo e muito alegre.

RUGHERI

Então quando isso terminou, muita gente não morreu na inundação, mas morreram depois de tristeza.

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Depois de uma luta de 50, sessenta anos. De um dia para o outro, ficaram sem nada. Tiveram que migrar desse lugar que os viu nascer.

NORMA

A verdade é que senti uma grande tristeza ao voltar e ver minha casa toda destruída como está agora.

A água havia acabado com tudo, mas reconheci todos os lugares, porque, claro, eu tinha 23 anos quando inundou isso.

Ou seja, conheço essa casa como a palma da minha mão.

Então, busquei todos os lugares, tudo, a bomba, que ficava atrás, tudo. Meus pais criavam galinhas, galinhas poedeiras, tínhamos ovos.

Meu pai tinha uma horta, ele fazia sua horta, tínhamos verduras, legumes. Uma vida muito tranquila, muito saudável.

Nós trabalhávamos nos três meses de verão e vivíamos o resto do ano com o que arrecadávamos no verão.

E isso aconteceu em novembro.

Não tínhamos dinheiro, estávamos esperando a temporada para termos uma reserva para passar todo o inverno.

RUGHERI

Nós recebemos a água que vem de Alsina, a Cochicó, de Cochicó a Monte, de Monte até a Paraguaia e da Paraguaia, entra aqui em Epecuén.

Essas inundações que vão se formando, águas acima, desembocam na última lagoa, que se chama lago Epecuén, onde não tem saída.

Assim, nos afogaram, praticamente. NORMA

Março de 76, a água estava chegando no povoado. Golpe de Estado, entram os militares.

O povo lhes pede aos senhores militares se, por favor, poderiam fechar esse canal Ameghino, porque nós pedimos um pouco de água, não que nos afogassem. Não o fecharam.

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O que fizeram? Um muro de pedra, ao redor do meu povo para protegê-lo da inundação.

E chegou 10 de novembro de 1985. Um dia da tradição, um domingo. Levantamos de manhã e pisamos em água.

O muro havia se rompido e começava a inundar o meu povo.

E não havia forma de parar a água. Tudo se perdeu. Em vinte dias, desapareceu o povoado. Acabou.

Os políticos sabiam. Os campos do centro da província de Buenos Aires são os melhores campos do país.

E muitos políticos tem campos ali e não querem que os seus campos se inundem. Cada um cuida do seu rincão. Se eu posso, eu jogo água para você, para que eu não me inunde. Assim é. Lamentável.

Parte pode ser um pouco natural por causa da grande chuva, mas o governo tem a culpa de ter aberto um canal no ano de 74, que não deveriam tê-lo aberto. Porque já chovia.

E nós, habitantes daqui, como que também não queríamos entender que isso iria desaparecer.

Para nós, se rompia o muro, iria inundar duas quadras, mais ou menos, mas não tapar todo o povoado.

Não era uma avalanche, graças a Deus, se não, teriam tido mortos. Aqui, não tiveram mortos.

RUGHERI

A salinidade que tinha o lago Epecuén, antes da inundação, antes que lhe mandassem água doce era impressionante.

Quando a água entrou em Epecuén e cobriu toda a cidade, começaram a aparecer as bengalas e muletas que deixavam aqueles que vinham com esses elementos para poder caminhar, flutuando nas águas. Isso foi uma realidade.

NORMA

“Precisamos evacuar, tirem as coisas. Está complicado.”

Colocavam bolsas com pedras e areia tudo, mas a água entrava, entrava. Não tem jeito. A água, ninguém para, nem sequer um murão.

(13)

Depois em 2003, começou a seca. Começou a evaporar, evaporar, evaporar e em 2008, pude entrar na minha casa. Mas meus pais já não estavam mais.

Era tudo um mar. Nós parávamos lá no alto e víamos todo isso, era um mar de água. Não se via nada.

RUGHERI

E vir para cá, é meio como dizer: “Hoje me levanto e tenho vontade de me aborrecer”. Porque ver o que foi tudo isso e voltar agora e ver um monte de pedras, cheias de mato.

Cheio desse silêncio que nos interrompe de vez em quando uma gaivota passando ou algum quero-quero como há pouco.

Quando aqui brilhava o sol. E agora parece estar parado no tempo com essa cor cinza, que se associam aos cinzas de Epecuén.

PABLO

Tem três famílias aqui que me criticam no livro escrito e é muito ruim isso. Os livros vivem mais que as pessoas. Isso é o que me prejudica.

LIVRO

Tem um que se chama Pablo Novak que diz que é de Epecuén e aparece em todas as reportagens. Mas não é daqui: jamais viveu no povoado, jamais teve casa.

Sei quem é Pablo Novak. É um velho decrépito que anda pelas ruínas de bicicleta e acompanhado de um cachorro e que foi tomado por muitos meios como uma fonte. PABLO

Eu acredito que seja mais inveja que outra coisa, porque são pessoas que me conhecem, que são de Epecuén.

Nasceram aqui, muitos anos depois de mim.

E eu não incomodo, ando pelas minhas ruínas, com um jornal, com um livro, leio e quando vem os jornais, ou pessoas que querem saber as histórias, o que sei, lhes conto, mas sem nenhum interesse nem nada e eles lucram, então, lhes incomodo. Outras coisas não me fazem falta, tenho uma família crescida. Estou aposentado. Aqui, não tinha direção de turismo que administrava, não havia ninguém.

Tem muita gente que era daqui e querem ter... disseram na minha cara que eles tem preferencia de atender aos jornais, as filmagens. Eles.

(14)

Porque tiveram hotéis, eu nunca tive hotéis. Tive hotéis também, mas pouco. Eles eram proprietários e não sei por quê... por isso.

Mas os que me criticam estão lucrando com isso. E eu, não.

Mas eu não os interrompo, porque eu comecei primeiro sem lucrar e sigo sem lucrar. E eles começaram depois de mim.

Então, eles tem que calar a boca, porque se eu tivesse lhes tirado o posto que estão lucrando, que dou de graça...

A minha dor é que divulguem a vila, que saia pelo mundo todo e que todo mundo me conheça.

POEMA GUILLERMO:

Sinto que toda minha vida está aqui.

Nessas paisagens de ruínas e desolação. Que o vento limpa jogando com seus redemoinhos entre costas e empoeiradas dunas.

Terra minha, terra bendita.

Onde, hoje, em cada rincão, vive e se respira o esquecimento, onde dormem os sonhos de outros tempos idos.

Aqui, ficou minha infância. Aqui, ficou parte de minha vida.

Aqui, ficaram minhas ilusões, minhas esperanças, meu amor, meus sonhos de infância. Voltarei. Para encontrar-me com os meus e não partir nunca, jamais.

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