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Juiz(a) de Direito: Dr(a). Miguel Ferrari Junior. Vistos.

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SENTENÇA Processo Digital nº: 1040530-93.2018.8.26.0100

Classe - Assunto Procedimento Comum - Rescisão do contrato e devolução do dinheiro Requerente: Rosemarques Andrade Soares

Requerido: Diamond Yp Empreendimento Imobiliário Spe Ltda

Juiz(a) de Direito: Dr(a). Miguel Ferrari Junior

Vistos.

Trata-se de demanda proposta por ROSEMARQUES

ANDRADE SOARES em face de DIAMOND YP EMPREENDIMENTO IMOBILIÁRIO SPE LTDA. em que pretende o desfazimento de compromisso de

compra e venda e a restituição das quantias pagas. A autora afirma que celebrou com a ré um compromisso de compra e venda tendo por objeto um bem imóvel. Aduz ter pagado até o presente momento a importância de R$ 41.962,02. Alega, contudo, que não mais detém condições financeiras para suportar o adimplemento das obrigações derivadas do aludido compromisso de compra e venda e por essa razão postula o seu desfazimento bem como a restituição do correspondente a 90% das quantias pagas. Sustenta que a ré se recusa a promover a devolução dos valores pagos no apontado percentual, tendo em vista a multa contratual estipulada no sinalagma. O autor, entretanto, argumenta que a multa contratual é abusiva e que está em descompasso com a jurisprudência sedimentada a respeito do assunto.

A tutela de urgência foi concedida às páginas 68/71. Citada para os termos da demanda, a ré ofereceu contestação às páginas 76/102. Não se opõe à extinção do compromisso de compra e venda. Aduz, apenas, que o desfazimento do contrato se deu por fato imputável à autora. Quanto à importância a ser restituída, defende a legitimidade das disposições contratuais pertinentes.

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É o relatório do essencial. Fundamento e decido.

A causa está madura para julgamento, na forma do artigo 355, inciso I, do Código de Processo Civil, porquanto a questão de mérito versada nos autos é de fato e de direito, todavia não há necessidade da produção de outras provas.

No caso em apreço, a autora pretende o desfazimento do compromisso de compra e venda pactuado com a ré, sob a alegação de que não mais detém suporte financeiro para arcar com as prestações assumidas.

E é pacífico o tema atinente à possibilidade de desfazimento do compromisso de compra e venda de imóvel a pedido do compromissário comprador em razão da sua impossibilidade financeira de arcar com as obrigações pecuniárias assumidas.

Não se trata de mero exercício do direito de arrependimento, mas sim da prévia manifestação de vontade do compromissário comprador a respeito da sua incapacidade financeira de suportar o pagamento do preço ajustado. Em um comportamento dotado de estrita boa-fé, o compromissário comprador, antes que incorra em mora ou logo depois desta, vem a juízo denunciar a sua incapacidade financeira para requerer o desfazimento do contrato, sobretudo para evitar ou minorar os efeitos de uma possível ruína financeira.

Vigoram na espécie, portanto, as máximas da função social do contrato (Código Civil, artigo 421) e da boa-fé objetiva (Código Civil, artigo 422, e Código de Defesa do Consumidor, artigo 4º, inciso III).

Em nosso Estado, o Tribunal de Justiça definiu que "o compromissário comprador de imóvel, mesmo inadimplente, pode pedir a rescisão do contrato e reaver as quantias pagas, admitida a compensação com gastos próprios de administração e propaganda feitos pelo compromissário vendedor, assim como com o valor que se arbitrar pelo tempo de ocupação do bem." (súmula 1).

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O Superior Tribunal de Justiça, desde longa data, também admite o desfazimento do compromisso de compra e venda a pedido do compromissário comprador inadimplemento. Vide, por todos: REsp 132903/SP - Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR - T4 - QUARTA TURMA - DJ 19/12/1997 p. 67507 - LEXSTJ vol. 106 p. 220 - RSTJ vol. 106 p. 334; EREsp 59870/SP - Ministro BARROS MONTEIRO - S2 - SEGUNDA SEÇÃO - DJ 09/12/2002 p. 281 - RSTJ vol. 171 p. 206; REsp 407401/MG - Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR - T4 - QUARTA TURMA - DJ 02/09/2002 p. 198; REsp 109331/SP - Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR - T4 - QUARTA TURMA - DJ 31/03/1997 p. 9638 - JBCC vol. 181 p. 96.

No escólio da professora CLÁUDIA LIMA

MARQUES: “Passando ao terceiro ponto, mister repetir o que já se disse sobre onerosidade excessiva e o dever de cooperar dos fornecedores para evitar a ruína dos consumidores. A primeira opção é, pois, permitir a rescisão ou o fim do vínculo a favor do inadimplente mais vulnerável, isto é, apenas para beneficiar o inadimplente consumidor-pessoa física, evitando que aquela dívida se torne uma dívida de escravidão, evitando assim o superendividamento. Tal constelação (pessoa física que contrata dívida impagável nas suas circunstâncias pessoais atuais, ou por viuvez, ou por desemprego ou por doença) geralmente acontece nos contratos que envolvem bens de grande porte, como promessas de compra e venda de imóveis ou compras no Sistema Financeiro da Habitação).” No primeiro caso, o STJ já ensinou que é possível ao consumidor rescindir o contrato e que devemos superar a estreita visão do CC/1916 e do CPC, que só permitiam ao parceiro contratual adimplente rescindir o contrato; há um novo direito (pretensão de direito de direito material e ação de direito processual) do consumidor em situação de perigo, em situação subjetiva de força maior ou superendividamento, de requerer o fim do vínculo antes que este o leve à ruína, sendo a cláusula, que interdita tal direito de boa-fé, abusiva e nula.” (Contratos no Código de Defesa do Consumidor O novo regime das relações contratuais 6ª edição, Editora Revista dos Tribunais, páginas 1297).

Na hipótese sob julgamento, há na realidade uma inversão dos papéis no que concerne à propositura da demanda. De fato, ao invés de o

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promitente vendedor postular em juízo a resolução do contrato, com espeque no artigo 475 do Código Civil, o devedor inadimplente - ou em vias de ser tornar vem a juízo e postula o desfazimento da avença com fundamento na impossibilidade de arcar com as prestações do contrato.

Nesta seara, a questão mais tormentosa diz respeito ao quantum a ser restituído ao compromissário comprador. Como regra geral, o desfazimento do contrato conduz as partes ao estado imediatamente anterior à sua celebração (status quo ante), com a restituição das obrigações prestadas, a fim de se evitar o enriquecimento indevido. Porém, quando o desfazimento da avença tem por suporte o inadimplemento culposo do compromissário comprador, não há falar-se em restituição integral das prestações, sob pena de enriquecimento indevido do devedor faltoso.

O Superior Tribunal de Justiça pacificou a questão e editou o verbete sumular 543 segundo o qual: “Na hipótese de resolução de contrato de promessa de compra e venda de imóvel submetido ao Código de Defesa do Consumidor, deve ocorrer a imediata restituição das parcelas pagas pelo promitente comprador - integralmente, em caso de culpa exclusiva do promitente vendedor/construtor, ou parcialmente, caso tenha sido o comprador quem deu causa ao desfazimento.” (grifei).

A súmula, entretanto, ao deixar de especificar o quantum a ser restituído não resolve o problema em seu todo, nem deveria. A definição do valor deve se dar em cada caso concreto, tendo em conta as suas particularidades, e sempre com os olhos voltados aos postulados do equilíbrio das relações jurídicas de consumo (CDC, artigo 4º, III) e da vedação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais, iníquias ou abusivas (CDC, artigos 6º, V; 51, IV e § 1º, incisos I, II e III).

E o preceito central que norteia a solução da questão é o artigo 53 do Código de Defesa do Consumidor, segundo o qual: “Nos contratos de compra e venda de móveis ou imóveis mediante pagamento em prestações, bem como nas alienações fiduciárias em garantia, consideram-se nulas de pleno direito as cláusulas que

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estabeleçam a perda total das prestações pagas em benefício do credor que, em razão do inadimplemento, pleitear a resolução do contrato e a retomada do produto alienado.”

NELSON NERY JÚNIOR vaticina que: “A grande questão, como se observa, reside exatamente nos critérios para a fixação de tal compensação, já que o art. 53 do Código de Defesa do Consumidor deixa subsumido que não haverá nem enriquecimento ilícito por parte do fornecedor de produtos móveis ou imóveis no caso de inadimplemento do consumidor, nem auferição de vantagens deste em face do descumprimento de sua obrigação ou simples desistência do negócio.” (Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado pelos autores do anteprojeto, Direito Material, volume I, 10ª edição, Gen Forense, página 637).

Diante dessas particularidades, sobretudo em vista do equilíbrio que deve informar as relações entre consumidores e fornecedores (CDC, artigo 4º, III), o cálculo do valor a ser restituído deve ser parametrizado pelas despesas derivadas da própria celebração do negócio jurídico pelo promitente vendedor e também por aquelas advindas do seu desfazimento anormal.

A respeito do tema atinente à cláusula de decaimento ou de perda significativa das prestações pagas, obtempera a sempre lembrada professora CLÁUDIA LIMA MARQUES: “Nesse contexto, e em razão de inúmeras ações requerendo a devolução das quantias pagas em virtude de contratos, em especial promessas de compra e venda a prazo de bens imóveis e de bens móveis de alto valor, perguntam-se os juristas brasileiros se o nosso direito atual considera ou não abusiva esta que está sendo chamada de “cláusula de decaimento”, que prevê, em caso de inadimplemento do devedor, a perda total ou substancial das prestações (quantias) já pagas. A análise da abusividade de tal tipo de cláusula é feita em face do direito tradicional e suas noções de abuso de direito e enriquecimento ilícito, quando em face do direito atual, posterior à entrada em vigor do CDC, tendo em vista a natureza especial dos contratos perante os consumidores e a imposição de um novo paradigma de boa-fé objetiva, equidade contratual e proibição de vantagem excessiva nos contratos de consumo (art. 51, IV) e a expressa proibição de tal tipo de cláusula no art. 53 do CDC.

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Veja também, no CC/02, principiologicamente, no art. 187 c/c arts. 398 e 885, e, especificamente, nos arts. 412 e 413, a abusividade desta cláusula.” (op. cit., páginas 1041/1042). E conclui a renomada professora: “Nossa conclusão, portanto, com base nas lições da jurisprudência e na vontade do legislador brasileiro positivada no novo CDC, não pode ser outra que afirmar a abusividade da referida cláusula de decaimento, em face da unilateralidade exagerada leonina mesmo e frontalmente contrária à boa-fé, princípio máximo do CDC e que este procura assegurar tanto na formação quanto na execução dos contratos de consumo do mercado brasileiro.” (op. cit., páginas 1055).

E dando revista na realidade jurídica da jurisprudência cristalizada pelo Superior Tribunal de Justiça podemos concluir que este Sodalício admite a retenção pelo promitente vendedor de até 25% das prestações pagas pelo compromissário comprador.

À guisa de exemplo:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. INEXISTÊNCIA. PROMESSA. COMPRA E VENDA. DESISTÊNCIA. PROMITENTE COMPRADOR. VALORES PAGOS. RESTITUIÇÃO. RETENÇÃO. 25% (VINTE E CINCO POR CENTO). JUROS DE MORA. TERMO INICIAL. DECISÃO JUDICIAL. PARCIAL PROVIMENTO. 1. Não é deficiente em sua fundamentação o julgado que aprecia as questões que lhe foram submetidas, apenas que em sentido contrário aos interesses da parte. 2. A desistência do promitente comprador, embora admitida por esta Corte, rende ao promitente vendedor o direito de reter até 25% (vinte e cinco por cento) dos valores por aquele pagos a qualquer título, desde que não supere o contratualmente estipulado. 3. "Na hipótese de resolução contratual do compromisso de compra e venda por simples desistência dos adquirentes, em que postulada, pelos autores, a restituição das parcelas pagas de forma diversa da cláusula penal convencionada, os juros moratórios sobre as mesmas serão computados a partir do trânsito em julgado da decisão." (Resp 1008610/RJ, Rel. Ministro

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ALDIR PASSARINHO JUNIOR, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 26/03/2008, DJe 03/09/2008). 4. Agravo regimental a que se dá parcial provimento. (AgRg no REsp 927433/DF - Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI - T4 - QUARTA TURMA - DJe 28/02/2012)

DIREITO CIVIL. PROMESSA DE COMPRA E VENDA. DESISTÊNCIA.

POSSIBILIDADE. DEVOLUÇÃO DAS PARCELAS PAGAS.

RETENÇÃO DE 25% A TÍTULO DE INDENIZAÇÃO. 1. O entendimento firmado no âmbito da Segunda Seção é no sentido de ser possível a resilição do compromisso de compra e venda, por parte do promitente comprador, quando se lhe afigurar economicamente insuportável o adimplemento contratual. 2. É direito do consumidor, nos termos da jurisprudência cristalizada da Corte, a restituição dos valores pagos ao promitente vendedor, sendo devida a retenção de percentual razoável a título de indenização, o qual ora se fixa em 25% do valor pago. 3. Recurso especial provido. (REsp 702787/SC - Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO - T4 - QUARTA TURMA - DJe 08/06/2010 - LEXSTJ vol. 251 p. 88)

PROMESSA DE VENDA E COMPRA. RESILIÇÃO. DENÚNCIA PELO

COMPROMISSÁRIO COMPRADOR EM FACE DA

INSUPORTABILIDADE NO PAGAMENTO DAS PRESTAÇÕES. RETENÇÃO PELA VENDEDORA DE 25% NA DEVOLUÇÃO DO QUE FOI PAGO AO COMPRADOR. IMÓVEL NÃO OCUPADO PELO COMPRADOR. 1.- A tese sustentada pela Embargante é a de que o percentual de 25% previsto na jurisprudência da Corte, já leva em conta ressarcimento pela "ocupação/utilização da unidade por algum período e desgaste do imóvel". Desse modo, quando ainda não entregue a unidade imobiliária, deve ser reduzido o percentual de retenção. 2.- O percentual de retenção tem caráter indenizatório e cominatório. E não há diferenciação entre a utilização ou não do bem ante o descumprimento contratual e também não influi nas "despesas gerais tidas pela incorporadora com o

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empreendimento" (EREsp 59.870/SP, Rel. Min. BARROS MONTEIRO, DJ 9.12.2002). 3.- Continuidade da adoção do percentual de 25% para o caso de resilição unilateral por insuportabilidade do comprador no pagamento das parcelas, independentemente da entrega/ocupação da unidade imobiliária, que cumpre bem o papel indenizatório e cominatório. 4.- Embargos de divergência improvidos. (EAg 1138183/PE - Ministro SIDNEI BENETI - S2 - SEGUNDA SEÇÃO - DJe 04/10/2012)

Na espécie vertente, as consequências jurídicas do inadimplemento do compromissário comprador vêm disciplinadas na cláusula VIII (páginas 46) que está em dissonância com a orientação preconizada pelo Superior Tribunal de Justiça a respeito do tema.

É imperioso destacar que a base de cálculo das penalidades deve ser sempre o preço pago pelo compromissário comprador e não o preço do negócio jurídico. Isso porque, o cálculo da penalidade sobre o preço de venda do bem poderá muitas vezes acarretar o locupletamento do promitente vendedor que além de ter o imóvel de volta ainda ficará com crédito contra o compromissário comprador, o que fere de morte o disposto no artigo 53 do Código de Defesa do Consumidor. Dentro deste contexto jurídico, se a norma em testilha veda a perda total das prestações pagas pelo compromissário comprador, quanto mais vedada está a cláusula cuja aplicação prática resulta, além da perda, em um crédito em favor do promitente vendedor.

Para a admissível intervenção na economia do contrato firmado entre as partes litigantes, mister se faz tecer algumas considerações a respeito da justiça comutativa, sobretudo para que se possa chegar a um justo valor a título de devolução pelo desfazimento anormal e prematuro do pacto.

Dentre os princípios da teoria clássica contratual, o princípio da autonomia privada continua a existir, porém está limitado pela supremacia da ordem pública (Código de Defesa do Consumidor, artigo 1º) e atrelado à concepção social do contrato (Código Civil, artigo 421). A noção de contrato está fundamentada na ideia de

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comutatividade que consiste no equilíbrio das prestações assumidas pelas partes. Nessa quadra jurídica, a justiça contratual (Constituição Federal, artigo 170) está baseada no equilíbrio das relações contratuais. Com o advento do Código de Defesa do Consumidor, o princípio da força obrigatória dos contratos (pacta sunt servanda) foi temperado para possibilitar a revisão dos sinalagmas para alcançar a justiça contratual do caso concreto baseada nos dogmas da boa-fé e da equidade. Consoante preconiza o Código de Defesa do Consumidor, a Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos, dentre outros os princípios da boa-fé e do equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores (CDC, artigo 4º, inciso III). Dentre os direitos básicos do consumidor, tem-se a possibilidade de modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais (CDC, artigo 6º, inciso V). O Código de Defesa do Consumidor, portanto, admite a modificação das cláusulas do contrato que estabeleçam prestações desproporcionais, ou seja, que provoquem um desequilíbrio contratual no preço ou em qualquer outra obrigação, ou a sua revisão em virtude de acontecimentos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas e independentemente de acontecimentos imprevisíveis ou extraordinários. Diante disso, basta que haja desproporção, desequilíbrio ou excessiva onerosidade. Nesta linha, são nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade. E presume-se exagerada, entre outros casos, a vantagem que: I - ofende os princípios fundamentais do sistema jurídico a que pertence; II - restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou equilíbrio contratual; III - se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso (CDC, artigo 51, inciso IV, § 1º).

Na linha do acima exposto, a força obrigatória dos pactos está limitada pelo princípio da boa-fé objetiva (CF, artigo 1º, inciso III; CC, artigo

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422 e CDC, artigos 4º, III, e 51, § 1º) que possibilita a revisão do conteúdo dos contratos de consumo a fim de adequá-lo à justiça comutativa. Trata-se do dever legal de não trair a confiança necessária à manutenção das relações sociais e de observância de um dever de lealdade recíproca, que domina tanto o desenvolvimento das negociações como a formação dos contratos (genérico dever de alterum non laedere). É o dever de respeito recíproco de conteúdo fundamentalmente negativo de abstenção de qualquer ingerência indevida na esfera jurídica alheia, de todo procedimento incorreto que possa acarretar prejuízo ao interesse do outro contratante. A boa-fé, entendida como norma ético-social nas relações da vida jurídica, deve dominar todo o iter do contrato, no seu processo formativo e no seu momento executivo.

As cláusulas gerais da boa-fé objetiva e da função social do contrato, portanto, permitem o restabelecimento da base do negócio jurídico em caso de desequilíbrio e independentemente da demonstração do requisito da

imprevisibilidade. Mais precisamente, essas cláusulas gerais possibilitam o

restabelecimento do equilíbrio do contrato ou a sua imposição nas avenças que já nasceram desproporcionais. Como explica o professor CLÓVIS V. DO COUTO E SILVA: “Finalmente, a faculdade de determinar o conteúdo do negócio jurídico pode ainda ser restringida em razão do desnível de poder econômico, do qual decorre a fixação unilateral das condições gerais do contrato, como sucede nos de adesão” (A obrigação como processo, FGV Editora, páginas 30).

Isso tudo sem perder de vista o preceito do fundamental equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores. Segundo a abalizada doutrina de JOSÉ GERALDO BRITO FILOMENO: “A filosofia imprimida ao Código do Consumidor como já asseverado, aponta no sentido de uma busca da harmonia das relações de consumo, harmonia essa não apenas fundada no tratamento das partes envolvidas, como também na adoção de parâmetros até de ordem prática. Assim é que, se é certo que o consumidor é a parte vulnerável nas sobreditas relações de consumo, não se compreendem exageros nessa perspectiva, a ponto de, por exemplo, obstar-se o progresso tecnológico e econômico. O chamado “interesse difuso” é por si só e intrinsecamente conflituoso,

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devendo-se sempre buscar o equilíbrio, baseado na natureza das coisas e no bom-senso.” (Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto, Volume I, Direito Material, 10ª edição, Editora Forense, páginas 79/80).

Nessa quadra, não se pode ignorar a complexidade da atividade econômica empresarial desenvolvida pelas construtoras e incorporadoras, sobretudo no que tange à engenharia financeira desenvolvida para o lançamento de um empreendimento. Como regra, segundo os especialistas da área, como primeiro passo, a incorporadora investe capital próprio para preparar o projeto e fazer o lançamento do empreendimento. Passo seguinte, com o resultado da soma do capital advindo da venda das primeiras unidades com o capital da construtora, dá-se o início das obras. No terceiro estágio, depois de concluída uma parte do empreendimento ou da venda de um percentual das unidades, entra em cena uma instituição financeira que realiza um aporte de capital para prosseguimento das obras. É o chamado “crédito de produção”. Por conseguinte, com a formação deste tripé financeiro, o empreendimento pode finalmente ser concluído.

Paralelamente, na maioria dos casos, os

compromissários compradores pagam ao promitente vendedor diminuta parcela do preço ajustado no contrato. Somente com a entrega da unidade, o compromissário comprador consegue contratar o financiamento bancário, cujo crédito é repassado à construtora.

Dentro deste contexto, a frutuosidade do

empreendimento depende do aperfeiçoamento deste ciclo econômico. Daí a necessidade de se equilibrar os interesses de ambas as partes na relação jurídica em debate, também para que o empreendimento não seja inviabilizado na prática e com prejuízo para os demais adquirentes.

Verte-se dos autos que a ré não trouxe qualquer elemento concreto a demonstrar os efetivos gastos operacionais despendidos com a comercialização do bem, de modo que o equivalente a 10% do preço pago pela autora se mostra suficiente para indenizá-la pelo desfazimento anormal do negócio jurídico.

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inadimplemento do compromissário comprador, a restituição restringe-se tão somente aos valores pagos ao promitente vendedor, os quais não abarcam as prestações devidas a terceiros (v.g., comissão de corretagem, serviços técnico de assessoria jurídica ou financeira etc.).

Importante ressaltar que na espécie vertente a autora não chegou a ocupar o imóvel, pelo que não há falar-se em pagamento da taxa de fruição.

Observado, ainda, que consoante decidido pelo STJ "na hipótese de resolução contratual do compromisso de compra e venda por simples desistência dos adquirentes, em que postulada, pelos autores, a restituição das parcelas pagas de forma diversa da cláusula penal convencionada, os juros moratórios sobre as mesmas serão computados a partir do trânsito em julgado da decisão." (REsp 1008610/RJ, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 26/03/2008, DJe 03/09/2008).

Por fim, “a devolução das quantias pagas em contrato de compromisso de compra e venda de imóvel deve ser feita de uma só vez, não se sujeitando à forma de parcelamento prevista para a aquisição” (Súmula 2 do TJSP). Este também é o entendimento adotado pelo Superior Tribunal de Justiça ao julgar o REsp 1300418/SC submetido ao regime de julgamentos repetitivos (CPC, artigo 543-C):

RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC. DIREITO DO CONSUMIDOR. CONTRATO DE COMPRA DE IMÓVEL. DESFAZIMENTO. DEVOLUÇÃO DE PARTE DO VALOR PAGO. MOMENTO. 1. Para efeitos do art. 543-C do CPC: em contratos submetidos ao Código de Defesa do Consumidor, é abusiva a cláusula contratual que determina a restituição dos valores devidos somente ao término da obra ou de forma parcelada, na hipótese de resolução de contrato de promessa de compra e venda de imóvel, por culpa de quaisquer contratantes. Em tais avenças, deve ocorrer a imediata restituição das parcelas pagas pelo promitente comprador - integralmente, em caso de culpa

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exclusiva do promitente vendedor/construtor, ou parcialmente, caso tenha sido o comprador quem deu causa ao desfazimento. 2. Recurso especial não provido. (REsp 1300418/SC - Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO - S2 - SEGUNDA SEÇÃO - DJe 10/12/2013)

Em face do exposto, ponho fim à fase cognitiva do procedimento comum e na forma do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil julgo procedente a demanda para o exato fim de declarar resolvido o compromisso de compra e venda celebrado entre as partes litigantes e condenar o réu a restituir ao autor a importância correspondente a 90% do montante pago, com correção monetária desde a data de cada desembolso (CC, artigos 404 e 407) calculada pelos índices previstos no programa de atualização financeira do Conselho Nacional de Justiça a que faz referência o artigo 509, § 3º, do Código de Processo Civil, e acrescida de juros de mora de 1% (um por cento) ao mês (CC, artigo 406; CTN, artigo 161, § 1º; e Enunciado 20 da I Jornada de Direito Civil promovida pelo Conselho da Justiça Federal), a contar do trânsito em julgado, com capitalização simples, ou seja incidem de forma linear apenas e tão-somente sobre o valor do principal atualizado (CPC, artigo 491, caput). Em razão da sucumbência e por força do disposto nos artigos 82, § 2º, 84 e 85, todos do Código de Processo Civil, condeno a ré ao pagamento das despesas processuais e honorários ao advogado do vencedor que fixo em 10% sobre o valor da condenação, tendo em vista os parâmetros delineados nos incisos I a IV do parágrafo 2º do artigo 85 também do Código de Processo Civil.

P.R.I.C.

São Paulo, 15 de junho de 2018.

DOCUMENTO ASSINADO DIGITALMENTE NOS TERMOS DA LEI 11.419/2006, CONFORME IMPRESSÃO À MARGEM DIREITA

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