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POESIA SATÍRICA, Gregório de Matos. Eu sou aquele, que os passados anos cantei na minha lira maldizente torpezas do Brasil, vícios e enganos

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Academic year: 2021

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“Eu sou aquele, que os passados anos cantei na minha lira maldizente

torpezas do Brasil, vícios e enganos”

1. RESUMO BIOGRÁFICO

Gregório de Matos e Guerra nasceu na cidade da Bahia (1636), filho de pais abastados. Estudou com os Jesuítas. Aos 14 anos seguiu para Coimbra, onde estudou Direito. Casou-se com D. Michaella de Andrade, filha de um desembargador. Desempenhou a função de pro-curador da Bahia e juiz em Portugal, mas suas atitudes iconoclastas fizeram-no cair em desgraça com o próprio rei.

Retornou ao Brasil, em 1682, nomeado para funções na burocracia eclesiástica da Sé da Bahia. Durou pouco no cargo, do qual foi destituído em 1683. Iniciou-se, então, a última fase de sua vida: O casamento com Maria dos Povos, a quem dedicou belos sonetos, não impediu a decadên-cia, social e profissional do Dr. Gregório. Ficou famoso em suas andanças e pândegas pelos engenhos do Recôncavo. Presenciou e refletiu “a doce vida baiana”. Assumiu-se independente e desvinculado de tudo e de to-dos para melhor registrar os costumes do povo e as relações sociais, econômicas e políticas entre a Corte e a Colônia.

O poeta nada publicou em vida. Seus textos circularam apócrifos, causando, tempos depois, problemas de identificação de sua fecunda arte. Não foi um poeta genial, mas foi um poeta engenhoso com rela-ção aos problemas coletivos. Foi, na colônia, o que é hoje “O Casseta e Planeta”.

Graças à poesia satírica: maledicente, virulenta e maldosa, ganhou a alcunha de “Boca do Inferno”. Sua sátira agride a tudo e a todos e espalhou-se entre o povo humilde que lhe conferiu o papel de

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porta-voz de suas dores. Morreu em 1696 em Recife, após voltar de Angola.

2. CONTEXTO EUROPEU E BRASILEIRO

Para entendermos o Barroco, devemos lembrar o Renascimento e o Maneirismo, pois ambos fornecem as bases ideológicas do Barro-co. O Renascimento ocupou todo o século XVI, um extraordinário movimento artístico, de vivências antropocêntricas e racionalistas. Conflitos militares, políticos e religiosos de repercussões mundiais atin-giram o antropocentrismo e o racionalismo do Classicismo. A essa crise, chamamos de Maneirismo, que prenuncia o Barroco.

O Barroco está ligado ao movimento da Contra-Reforma que atinge seu ponto de intolerância na passagem do século XVI para o século XVII, quando do surgimento da arte barroca. A arte barroca vigora por todo o século XVII e parte do século XVIII e registra o espí-rito contraditório de uma época que se divide entre as influências do Renascimento – antropocentrismo, sensualismo, materialismo – e da intolerância religiosa trazida pela Contra-Reforma. Portanto, o Barro-co é um reflexo ideológiBarro-co da Contra-Reforma. É uma arte essencial-mente de natureza religiosa e conflitante.

O conflito da arte barroca reside nessa crise espiritual da cultura ocidental. É o homem dividido entre duas mentalidades, entre duas formas de ver e sentir o mundo: o gosto do Renascimento, em declínio, e a presença da religiosidade que lembra o teocentrismo medieval.

O século XVII da colônia brasileira apresenta algumas peculiari-dades das primeiras manifestações do sentimento nativista, isto é, destaca-se já certa “tropicalidade”(sentimento brasileiro):

“Minha rica mulatinha, desvelo e cuidado meu, eu já fora todo teu, e tu foras toda minha;

A realidade brasileira estava ocupada com o comércio da cana-de-açúcar, com a escravização dos negros e com a perseguição e ex-termínio dos índios. O centro dessas atividades. A colônia passara por dois momentos de exploração com as cortes portuguesa e espanhola. A obra que separa o Barroco do Quinhentismo é PROSOPOPÉIA (1601), de Bento Teixeira Pinto. Contudo, entendemos que o Barroco é introduzido pelos jesuítas, que são os agentes da Contra –Reforma.

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3. OBRA

Sua obra foi reunida pela ABL entre 1923 e 1933, com a seguin-te divisão:

• LÍRICA-AMOROSA • ENCOMIÁSTICA (bajulatória/circunstancial) • SACRA (religiosa) • FESCENINA (pornográfica/erótica)

• GRACIOSA • SATÍRICA (social/irônica/política)

4. COMENTÁRIOS GERAIS DA OBRA POÉTICA A poesia lírica de Gregório de Matos só pôde ser conhecida, assim mesmo de um público restrito, a partir do início século XX. Foi quando pela primeira vez organizou-se uma coletânea completa de seus poemas.

Não é fácil classificar e analisar a produção desse poeta incomum, que permaneceu mais de dois séculos, desconhecido do público em geral. Sua produção é ampla e desigual mostrando poe-mas que beiram o sublime e perfeito, e versos que descambam para a falta de qualidade. Sua produção lírica é composta de poemas lírico-amorosos, poemas de circunstância e poemas sacros (religiosos), misturando criações e descobertas suas, bem como recriações e até supostos plágios de outros autores do Barroco.

Sua lírica amorosa é farta e mostra pérolas raras, como os poemas a Dona Ângela ou a Maria dos Povos. Os poemas de cunho religioso mostram o tormento do poeta diante das dúvidas existenciais e metafísicas. Sua angústia é gerada pela incerteza entre o pecado e o perdão, a necessidade da punição e o direito à salvação. Misturam-se, ainda, as tendências cultistas e conceptistas do barroquismo em voga e a tradição lusitana, marcadamente influenciada por Camões. O petrarquismo é outra força que não se pode desprezar ou esquecer. O vocabulário é farto e acentuadamente lusitano em seu lirismo, ao contrário de sua sátira, bastante marcada pelo uso de palavras africa-nas ou indígeafrica-nas. A preferência pelo soneto é evidente, bem como o uso dos decassílabos (medida nova), ambos de influência clássica. Empregou ainda décimas (estrofes de 10 versos) e canções de estrofação variável.

A linguagem poética não é empregada para ser entendida “ao pé-da-letra”, especialmente a poesia. Ela está carregada de sutilezas, camufladas através de figuras de linguagem, opaca por detrás das

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metáforas. Exige, portanto, capacidade por parte do leitor para decifrar a mensagem nas entrelinhas. Para tanto, especialmente no caso de um poeta barroco, devemos aliar todos os sentidos à razão.

A poesia do século XVII representa um estado de alma marcado pelo descompasso entre a razão pura (visão material do mundo) e os sentimentos (visão íntima do poeta). A linguagem é cifrada pela ambi-güidade, pelas incertezas, pelas antíteses, pelo cromatismo metafóri-co e por um profundo emocionalismo calcado na dúvida, na incerteza de um mundo de aparências prestes a ruir. Nesse caso, o melhor mes-mo é sentir-se dentro do texto, o que não é impossível, pois o homem moderno sofre dos mesmos dramas vividos pelo homem seiscentista. Os temas barrocos são contemporâneos e estão presentes em nosso cotidiano, só que com palavras diferentes. Desvendar é preciso.

A PROPÓSITO DO AUTOR E SUA OBRA (Questões de 01 a 03) 01.(UESPI) Sobre Gregório de Matos, podemos afirmar que:

I- Realizou poemas líricos, satíricos e religiosos. II- Na sátira, seus poemas chegam a ser ofensivos. III- Os poemas satíricos criticam aspectos sociais. Considerando as três afirmativas é verdadeiro dizer que:

a) I, II e III estão erradas. d) Somente II e III estão corretas. b) Somente I e II são erradas. e) Somente II está correta. c) Todas estão corretas.

02.As sátiras de Gregório de Matos apresentam recursos do estilo de sua época e têm como alvo personagens que lhe são próximas. Isto significa que o poeta se volta contra personagens:

a) Do Rio de Janeiro do fim do século XIX, explorando recursos da retó-rica romântica.

b) Da sociedade baiana do século XVI, explorando recursos da poética barroca.

c) Da sociedade mineira do século XVIII, explorando recursos árcades. d) Da sociedade baiana do século XVII, explorando recursos do estilo

barroco.

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5. A POESIA SATÍRICA DE UM IRREVERENTE

É com a poesia satírica que Gregório tornou-se um poeta célebre e notável. Com ela, o poeta ganhou fama e inimigos. O “Boca do Inferno” não perdoava ninguém: ricos e pobres, negros, brancos e mulatos, padres, freiras, autoridades civis e religiosas, amigos e inimigos, todos, enfim, eram objeto de sua “lira maldizente”. Os textos circulavam apócrifos (sem iden-tificação), mas todos sabiam quem era o emissor.

O governador Câmara Coutinho, por exemplo, foi assim retratado: “Nariz de embono

com tal sacada, que entra na escada duas horas primeiro que seu dono”.

Contudo, o melhor de sua sátira não é esse tipo de zombaria, engraçada , maldosa e galhofeira, mas a crítica de cunho geral aos vícios da sociedade e suas instituições. Sua vasta ga-leria de tipos humanos con-tribui para construir sua maior e principal persona-gem - a cidade da Bahia:  “Senhora Dona Bahia, nobre e opulenta cidade, madrasta dos naturais, e dos estrangeiros madre.”

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Terra que não aparece neste mapa universal com outra; ou são ruins todas, ou ela somente é má.”

TEXTO I À BAHIA

Tristes sucessos, casos lastimosos, Desgraças nunca vistas, nem faladas,

São, ó Bahia! Vésperas choradas

De outros que estão por vir mais estranhosos: Sentimo-nos cheiro a má fortuna,

Ficamos sem tostão, real nem branca, Macutas1, correão, novelos, molhos2: Ninguém vê, ninguém fala, nem impugna,

E é que, quem o dinheiro nos arranca, Nos arrancam as mãos, a língua, os olhos.

1. Tostão, rela, branca e macuta são termos que se referem a moedas.

2. Ficamos... molhos – entenda-se a passagem como ficamos sem nada, sem um centavo.

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A irreverência do poeta cede espaço à meditação e a um certo lirismo magoado. Ao redor, a realidade se arruína, perdendo-se a auto-estima numa Bahia que, de terra próspera e promissora que era, desfaz-se agora em desafortunada tristeza e perda. A rigor, não desfaz-se trata exata-mente de um soneto satírico; no entanto, assim podemos enquadrá-lo por pertencer a um conjunto de obras dirigidas à crítica de seus compa-triotas e dos desacertos do mundo. É notável a bela gradação do último verso: “Nos arrancaram as mãos, a língua, os olhos.”

É a poesia mais circunstancial de Gregório de Matos. De modo sempre galhofeiro, o poeta registra em versos sempre pequenos aconte-cimentos da vida cotidiana da cidade e dos engenhos. Segundo James Amado, a poesia burlesca é a “crônica do viver baiano seiscentista”. A maior parte foi escrita na última fase da vida do poeta, período de decadência pessoal e profissional. O doutor deixara de advogar e perambulava pelos engenhos do Recôncavo, levando sua viola de caba-ça, freqüentando festas de amigos e namorando as mulatas, muitas de-las prostitutas, com tom brincalhão podem freqüentemente tornar-se obscenos. “Daí, o ‘populismo’ chulo que irrompe às vezes e, longe de significar uma atitude aristocrática, nada mais é que válvula de escape para velhas obsessões sexuais ou arma para ferir os poderosos inveja-dos” (Alfredo Bosi) 

Mudemos o foco: mas nem sempre o poeta é rancoroso com sua cidade. Vejamos, a seguir, o famoso soneto “Triste Bahia” (II), já musicado por Caetano Veloso, Gregório identifica-se com ela, ao comparar a situ-ação de decadência em que ambos vivem. O soneto de Gregório é uma variação de um poema de Francisco Rodrigues Lobo (III), autor do Barro-co português. O poema abandona o tom de zombaria das sátiras para tornar-se um quase lamento:

TEXTO II

Triste Bahia! Oh quão dessemelhante Estás, e estou do nosso antigo estado! Pobre te vejo a ti, tu a mim empenhado, Rica te vejo eu já, tu a mim abundante. A ti trocou-te a máquina mercante, Que em tua larga barra tem entrado, A mim foi-me trocando, e tem trocado Tanto negócio, e tanto negociante. Deste em dar tanto açúcar excelente Pelas drogas inúteis, que abelhuda Simples aceitas do sagaz brichote2.

Oh, se quisera Deus, que, de repente Um dia amanheceras tão sisuda Que fora de algodão o teu capote

TEXTO III

Fermoso Tejo meu, quão diferente Te vejo e vi, me vês agora e viste: Turvo te vejo a ti, tu a mim triste, Claro te vi eu já, tu a mim contente. A ti foi-te trocando a grossa enchente A quem teu largo campo não resiste; A mim trocou-me a vista em que consiste O meu viver contente ou descontente. Já que somos no mal participantes, Sejamo-lo no bem. Oh! Quem me dera Que fôramos em tudo semelhantes! Mas lá virá a fresca primavera; Tu tornarás e ser quem eras de antes, Eu não sei se serei quem de antes era.

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O texto II é um soneto, através do qual, o emissor veicula suas impressões a respeito da Bahia, seu “aparente” receptor; essa visão subjetiva é marcada no texto pela presença das exclamações (1o., 2o. e último versos), da interjeição “Oh” (que expressa surpresa/decepção no 1o. verso da 1a. estrofe e pena/desprezo no 1o. verso da última estro-fe), do verbo estar na primeira pessoa do singular do presente do indicativo (estou) e dos pronomes de primeira pessoa (nosso, mim, me). O emissor dirige-se à Bahia como se estivesse se dirigindo a alguém (= personificação): seu receptor, do qual faz as seguintes ca-racterizações:

CARACTERIZADO CARACTERIZADOR

Bahia Triste

Dessemelhante (intensificado pelo advérbio “quão”) Rica X Pobre (aproximação de contrários) Abelhuda

Sisuda

Na primeira estrofe, o emissor veicula também a idéia de como a Bahia o vê: dessemelhante (diferente), empenhado (pobre), abun-dante (rico). Em suma: ele vê a Bahia como a Bahia o vê, ou seja, um é reflexo (é espelho) do que o outro é; tal idéia é expressa através da construção do 3o e do 4º. versos:

“Pobre te vejo a ti, tu a mi empenhado, Rica te vejo eu já, tu a mi abundante.”

A 2ª. e a 3ª. estrofes remetem o leitor ao contexto histórico em que Gregório viveu: o período das Invasões e da monocultura da cana-de-açúcar. Na larga barra baiana entrava a máquina mercante, ou seja, navios estrangeiros chegavam cheios de drogas inúteis (sendo que o ideal é que eles chegassem com produtos de primeira necessidade aos brasileiros, como, por exemplo, alimentos) e dela saíam igual-mente cheios de açúcar excelente, a maior riqueza brasileira na épo-ca. Ao trocar açúcar excelente por drogas inúteis (aproximação de contrários), negócio lucrativo para o “sagaz brichote” (= estrangeiro esperto), a abelhuda Bahia está também trocando o emissor (nativo) pelo negociante. Enfim, tudo que é brasileiro está sendo trocado pelo que é estrangeiro; a vantagem, portanto, é do estrangeiro...

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Na última estrofe, os verbos estão no pretérito mais-que-perfeito; eles se referem a um passado distante, quando a Bahia possuía um capote de algodão (era, portanto simples, humilde) - seu antigo estado - e que de repente e “por vontade de Deus”, lamentavelmente (Oh), ela amanhecera sisuda (tornou-se imponente) - seu estado atual (ou-tra aproximação de contrários).

O que o emissor pretende ao informar o receptor (baianos) a res-peito dessa situação? Certamente, ao denunciar as trocas todas que estão ocorrendo na Bahia, o emissor pretende provocar uma reação no receptor, fazer com que ele tome uma atitude em relação a tais ques-tões, ou que fique alerta, etc.: fazer com que o receptor compartilhe da sua ideologia nativista. Esta, portanto, é mais uma das sátiras gregorianas que mostram o caráter argumentativo da linguagem.

Triste Bahia! Triste Brasil! Navios sempre chegando com dro-gas inúteis e partindo cheios do melhor: pau-brasil , cheios de açúcar , cheios de ouro, cheios de café ...

Trezentos anos se passaram e a máquina mercante ainda toca a barra de todo o país quando Caetano Veloso enuncia novamente “Triste Bahia”. Teria então “Triste Bahia” do século XXI a mesma men-sagem e os mesmos propósitos que “Triste Bahia” do século XVII?

Referências

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